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Comparação de acuidade visual final: cirurgias de catarata com intercorrências versus sem intercorrências

Resumos

Objetivo

Comparar a acuidade visual (AV) final dos pacientes submetidos à cirurgia de catarata com e sem complicações intraoperatórias e possíveis fatores que contribuíram para o resultado ao final do pós-operatório.

Métodos

Análise dos prontuários de 179 pacientes, retrospectivo, longitudinal, operados de fevereiro a julho de 2013 no Instituto Dr. Suel Abujamra, pela técnica de facoemulsificação (FACO), divididos em dois grupos: com e sem complicações intraoperatórias. Os dados obtidos foram analisados pelos métodos teste-t para duas amostras ou Análise de Variância (ANOVA). Os critérios de exclusão foram pacientes com cirurgia ocular prévia, retinopatia diabética proliferativa ou não proliferativa grave, outras retinopatias, escavação do disco óptico igual ou maior que 0,7x0,7 ou uso de mais de dois hipotensores oculares, olho único, catarata secundária à uveíte, traumática ou congênita.

Resultados

Dos 179 pacientes, 37 (20,7%) tiveram complicações intraoperatórias e 142 (79,3%) não tiveram complicações intraoperatórias. A média da idade dos pacientes foi de 70,33 anos. O olho direito foi o operado em 49,7% dos casos, e o olho esquerdo em 50,3%. O diabetes mellitus estava presente em 29,05% dos casos, sendo 29,73% de pacientes com complicação e 28,87% sem complicações. Do total, 77,65% atingiram uma AV final 20/40 ou melhor, sendo que nos pacientes com complicação a média para esta AV foi de 59,46% e no grupo sem complicações foi de 82,40%. A principal complicação foi ruptura de cápsula posterior.

Conclusão

Após toda a análise, verificamos que os fatores que implicaram com significância estatística em menor AV final foram as complicações intraoperatórias e a idade dos pacientes.

Cristalino; Catarata; Extração de catarata; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos; Facoemulsificação; Acuidade visual


Objective

Compare visual acuity (VA) of patients after cataract surgery with and without intraoperative complications regarding possible factors that contributed to the outcome on postoperative follow-up.

Methods

Longitudinal, retrospective study that evaluated 179 medical records of patients who underwent cataract surgery under the technique Phacoemulsification (PHACO) in the Suel Abujamra Institute from february to july 2013. Patients were divided into two groups concerning presence or absence of intraoperative complications. Data were analyzed using t-test methods for two samples or (ANOVA) Analysis of Variance. Exclusion criteria were: patients with previous ocular surgery, retinopathy related to diabetes, either proliferative or severe non proliferative, other retinopathies, optic disc cup equal to or greater than 0,7x0,7, use of more than two ocular hypotensive medications, only one eye, cataract due to uveitis, trauma or congenital.

Results

37 (20.7%) patients had intraoperative complications and 142 (79.3%) had not. Average age of patients was 70.33 years. There were 49.7% surgeries of the right eye and 50.3% of the left eye. There were 29.05% diabetic patients, of which 29.73% had intraoperative complications and 28.87% had not. From the 179 patients, 77.65% reached a final VA of 20/40 or better, considering that patients with intraoperative complications reached a VA of about 59.46% and patients without intraoperative complications of about 82.40%. The main complication was posterior capsular tear.

Conclusion

After entire evaluation, we realized that factors that influenced lower final VA, with statistical significance, were intraoperative complications and patient age.

Crystalline; Cataract; Cataract extraction; Eye surgical procedures; Phacoemulsification; Visual acuity


INTRODUÇÃO

A catarata é a maior causa de cegueira reversível nos países em desenvolvimento. Uma estimativa da OMS em 2010 apontava que há quase 18 milhões de pessoas cegas bilateralmente no mundo por catarata, o que representa quase metade das causas de cegueira devido a doenças oculares. A proporção de cegueira devido à catarata em relação a todas outras doenças oculares varia de 5% na Europa Ocidental, América do Norte e nos países mais desenvolvidos da região Oeste do Pacífico, a 50% ou mais em regiões mais pobres(11 Carlos Eduardo Leite Arieta, Marco Antônio Rey de Faria. Série Oftalmologia Brasileira - Cristalino e Catarata. 3º ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2013 - 2014.). Pode ser de etiologia senil, congênita, traumática ou secundária.

O aumento gradual da expectativa de vida em nosso país provocou consequente aumento da prevalência dessa enfermidade nas últimas décadas(11 Carlos Eduardo Leite Arieta, Marco Antônio Rey de Faria. Série Oftalmologia Brasileira - Cristalino e Catarata. 3º ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2013 - 2014.). Apesar de crenças populares, a maioria da populaçao acredita que a cirurgia de catarata seja um tratamento definitivo para a restauração da visão(22 Edméa Rita Temporini, Newton Kara Júnior, Newton Kara José, Nilo Holzchuh. Popular beliefs regarding the treatment of senile cataract. Rev Saúde Pública. 2002; 36(3):343-9.,33 Newton Kara Júnior Edméa Rita Temporini,. Newton Kara José Cataract surgery: expectations of patients assisted during a community Project in São Paulo, State of São Paulo, Brazil. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2001;56(6):163-8.), possibilitando dessa maneira melhora na qualidade de vida e reinserção no mercado de trabalho(44 Newton Kara Júnior Marcony Rodrigues Santhiago, Tais Renata Ribeiro Parede, Rodrigo França Espindola, Maysa Godoy Gomes Mazurek, Renato Germano, Newton Kara Jose. Influência da correção cirúrgica da catarata na percepção laborativa. Arq. Bras. Oftalmol. 2010;73(6):491-3.).

A extração de catarata é a cirurgia mais comumente realizada nos EUA com 1,7 milhão de cirurgias feitas anualmente, sendo a facoemulsificação (FACO) a técnica de escolha(55 Christakis PG, Braga-Mele RM. Intraoperative performance and postoperative outcome comparison of longitudinal, torsional, and transversal phacoemulsification machines. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):234-41.). Estudos realizados em todo o mundo nos últimos 20 anos têm demonstrado que a facoemulsificação é um procedimento seguro e efetivo para tratar os pacientes com cataratas brandas a avançadas(66 Ana Catarina Delgado de Souza, Alexandre Ventura, Catarina Ventura, João Eudes Tavares, Carlos Teixeira Brandt. One year learning curve in 160 facoemulsifications performed by a third year resident. Rev Bras Oftalmol. 2005; 64(3):156-61.,77 Chan FM, Mathur R, Ku JJ, Chen C, Chan SP, Yong VS, et al. Shortterm outcomes in eyes with posterior capsule rupture during cataract surgery. J Cataract Refract Surg. 2003; 29(3):537-41.).

Uma complicação temida durante a cirurgia de catarata é a perda da barreira entre o segmento anterior e o vítreo, podendo ser por ruptura da cápsula posterior (RCP) ou desinserção zonular(88 Lundström M, Behndig A, Kugelberg M, Montan P, Stenevi U, Thorburn W. Decreasing rate of capsule complications in cataract surgery: eight-year study of incidence, risk factors, and data validity by the Swedish National Cataract Register. J Cataract Refract Surg. 2011; 37(10):1762-7.), porém outras complicações intraoperatórias podem se somar, como prolapso vítreo, perda vítrea e núcleo no vítreo, que continuam sendo eventos adversos significantes na cirurgia de catarata(99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.), diminuindo a probabilidade de se atingir uma boa acuidade visual final no pós-operatório(88 Lundström M, Behndig A, Kugelberg M, Montan P, Stenevi U, Thorburn W. Decreasing rate of capsule complications in cataract surgery: eight-year study of incidence, risk factors, and data validity by the Swedish National Cataract Register. J Cataract Refract Surg. 2011; 37(10):1762-7.,99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.).

A ruptura da cápsula posterior é a complicação intraoperatória mais comum durante a fase de aprendizado do oftamologista(99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.), apesar de potencialmente séria na cirurgia de catarata pode ainda estar associada à perda vítrea, baixa acuidade visual, descolamento de retina, endoftalmite, entre outras(77 Chan FM, Mathur R, Ku JJ, Chen C, Chan SP, Yong VS, et al. Shortterm outcomes in eyes with posterior capsule rupture during cataract surgery. J Cataract Refract Surg. 2003; 29(3):537-41.,99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.). Na literatura limitada a estudos com mais de 1000 cirurgias apresentam uma taxa de RCP de 1,9% a 5,2% e perda vítrea entre 1,1% e 5,0%(88 Lundström M, Behndig A, Kugelberg M, Montan P, Stenevi U, Thorburn W. Decreasing rate of capsule complications in cataract surgery: eight-year study of incidence, risk factors, and data validity by the Swedish National Cataract Register. J Cataract Refract Surg. 2011; 37(10):1762-7.). Outros fatores de risco são as complicações intraoperatórias já descritas em outros estudos que incluem a idade avançada(99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.) e patologia ocular prévia(77 Chan FM, Mathur R, Ku JJ, Chen C, Chan SP, Yong VS, et al. Shortterm outcomes in eyes with posterior capsule rupture during cataract surgery. J Cataract Refract Surg. 2003; 29(3):537-41.,1010 Blomquist PH, Rugwani RM. Visual outcomes after vitreous loss during cataract surgery performed by residents. J Cataract Refract Surg. 2002; 28(5):847-52).

Desta forma, o presente estudo objetivou comparar a acuidade visual final dos pacientes submetidos à cirurgia de catarata pela técnica de facoemulsificação separando-os em dois grupos: com complicações e sem complicações intraoperatórias, avaliando possíveis fatores que influenciaram na acuidade visual final ao término do período de pós-operatório.

MÉTODOS

Estudo realizado no serviço de residência médica de oftalmologia do Instituto Dr. Suel Abujamra, retrospectivo, longitudinal, analisou prontuários de 179 pacientes submetidos à cirurgia de catarata pelos residentes do segundo e terceiro ano, entre os meses de fevereiro a julho de 2013, pela técnica de facoemulsificação (FACO). Os pacientes foram divididos em 2 grupos, o primeiro grupo de pacientes com complicações intraoperatórias e o segundo sem complicações intraoperatórias. A principal avaliação foi a evolução da acuidade visual e a presença ou ausência de complicação intraoperatória. Outras variáveis analisadas foram idade, presença de diabetes mellitus, ano da residência médica do cirurgião e tipo de aparelho utilizado para procedimento (Legacy®- Surgical Series 20000 Legacy-STTL; Alcon Laboratories, California - USA, Universal®- Alcon – Universal II; Alcon Laboratories, California - USA e Vizual®- Vizual - American Optisurgical Inc; Lake Forest, California – USA). Deve ser considerado que o residente era supervisionado por cirurgião experiente (preceptor), presente na sala de cirurgia e sempre disponível para qualquer tipo de intercorrência. No caso de complicações intraoperatórias, o preceptor assumia a cirurgia e lidava com a complicação da melhor forma possível.

Como critérios de inclusão no estudo foram aceitos pacientes com catarata apresentando acuidade visual pré-operatória corrigida pior que 20/60, e de exclusão os pacientes com cirurgias intraoculares prévias, retinopatia diabética proliferativa ou não-proliferativa grave, retinopatia hipertensiva grave e outras retinopatias, escavação do disco óptico igual ou maior que 0,7x0,7 ou uso de 2 ou mais hipotensores oculares, olho único, catarata secundária à uveíte, traumática ou congênita, além de complicações pós-operatórias, como os casos de ressutura e edema corneano.

As medidas da acuidade visual foram feitas segunda a escala de Snellen, com valores de 20/20 a 20/400, incluindo-se o paciente conta dedos (CD), percepção de movimentos de mão (PMM) e percepção luminosa (PL).

Classificamos as medidas em uma escala de números e considerou-se a evolução quantas linhas na escala de Snellen o indivíduo mudou, por exemplo:

  • Se antes da cirurgia a acuidade visual 20/100 e depois da cirurgia ficou em 20/80 o paciente ganhou 1 ponto de melhora (evolução = +1);

  • Se antes da cirurgia a acuidade visual 20/100 e depois da cirurgia ficou em 20/20 o paciente ganhou 8 ponto de melhora (evolução = +8);

  • Se antes da cirurgia a acuidade visual era 20/60 e depois da cirurgia ficou em 20/200 o paciente ganhou 6 ponto de piora (evolução = -6).

Na análise, utilizamos principalmente o teste t para duas amostras ou Análise de Variância (ANOVA) a fim de comparar as médias das evoluções (nos testes verificamos as hipóteses estatísticas para o uso com segurança e as mesmas foram atendidas). Para a comparação entre os percentuais usamos o teste nas duas proporções.

RESULTADOS

Dos 179 pacientes analisados no período, 37 tiveram complicações intraoperatórias (20,7%) e 142 não tiveram complicações intraoperatórias (79,3%), conforme apresentados no gráfico 1.

Gráfico 1
Distribuição percentual dos pacientes

A idade média dos pacientes foi de 70,33 anos. O olho direito foi o operado em 49,7% dos casos, e o olho esquerdo em 50,3%. O diabetes mellitus esteve presente em 29,05% dos casos, 29,73% eram do grupo de pacientes com complicações e 28,87% do grupo de pacientes sem complicações. Do total de pacientes, 77,65% atingiram uma acuidade visual final 20/40 ou melhor, sendo que dos pacientes com complicações a média para esta acuidade visual foi de 59,46% e no grupo sem complicações foi em 82,40% dos pacientes. A principal complicação foi ruptura da capsula posterior. Os pacientes foram acompanhados por um período médio de 61 dias, sendo 66 dias no grupo com complicações e 57 dias no grupo sem complicações.

Na tabela 1 e no gráfico 2 apresentamos a acuidade visual dos pacientes.

Tabela 1
Distribuição geral da acuidade visual pré e pós-operatório
Gráfico 2
Distribuição geral da acuidade visual pré e pós-operatório

Nota-se que a grande maioria dos pacientes apresentou melhora. Isso pode ser melhor observado nos gráficos 3 e 4, onde apresenta-se a evolução de cada paciente e também a evolução na média geral.

Gráfico 3
Evolução individual dos pacientes
Gráfico 4
Evolução média dos pacientes

Comparando a acuidade visual entre os pacientes com intercorrências e sem intercorrências intraoperatórias, observamos que nas médias das evoluções houve diferença significativa entre os dois grupos (gráfico 5). No gráfico 6, temos a distribuição das evoluções da acuidade visual para os pacientes com intercorrências e sem intercorrências. Nota-se que os pacientes com complicações apresentam uma maior variabilidade de resultados.

Gráfico 5
Evolução média dos pacientes – complicações x sem complicações
Gráfico 6
Distribuição percentual dos escores de evolução – complicações x não complicações

Avaliando os pacientes do grupo com diabetes mellitus, percebe-se que a evolução da acuidade visual nos pacientes com diabetes e sem diabetes foi bastante similar, porém o grupo sem diabetes apresenta uma evolução média ligeiramente maior, porém não há diferença significativa entre as evoluções médias (gráficos 7 e 8).

Gráfico 7
Distribuição percentual dos escores de evolução – diabetes
Gráfico 8
Evolução média dos pacientes – diabetes

Considerando o grupo dos residentes, do segundo e terceiro ano de residência médica, percebe-se que a evolução da acuidade visual nos dois grupos (grupo R2 e grupo R3) foi bastante similar, não havendo diferença significativa entre as evoluções médias (Gráfico 9).

Gráfico 9
Distribuição percentual dos escores de evolução – residente

Analisando a evolução da acuidade visual separadamente pelo tipo de aparelho utilizado para o procedimento (Legacy®, Universal® e Vizual®) percebe-se que a evolução média com os três aparelhos foi bastante similar, tendo o Legacy® uma evolução média ligeiramente maior e com nenhum paciente tendo piora da acuidade visual. As pioras aconteceram todas no Vizual® (gráfico 10). Com os testes estatísticos, concluímos não haver diferença significativa entre as variabilidades e as evoluções médias dos grupos.

Gráfico 10
Distribuição percentual dos escores de evolução – aparelho

A idade é um fator de variável contínua e na tabela nota-se uma tendência à diminuição da acuidade visual proporcional ao incremento da idade. No gráfico 11 apresentamos a dispersão entre as duas medidas e notamos uma certa diminuição na evolução conforme aumenta a idade, mas também uma grande dispersão nos resultados.

Gráfico 11
Gráfico de dispersão entre idade e evolução da acuidade visual

Todas esses resultados acima foram apresentados através de análise individual dos fatores comparados com a acuidade visual, mas a partir de agora realizamos a análise comparativa dos fatores e acuidade visual.

O diabetes mellitus como causa de pior evolução, comparando-se os grupos foi baixa, ou seja, a diferença entre as evoluções entre ter ou não diabetes é aproximadamente a mesma nos dois grupos. Observamos que as retas estão próximas de paralelas no gráfico 12, indicando irrelevância estatística.

Gráfico 12
Evolução média dos pacientes – diabetes

Quando se compara os escores entre os anos de cada residente, as médias foram semelhantes quando não houve complicações, porém houve diferença quando houve complicações, com os residentes do terceiro ano (R3) com uma menor evolução média do que os residente do segundo ano (R2) (Gráfico 13).

Gráfico 13
Evolução média dos pacientes – diabetes

Com relação a interação entre os grupos e os aparelhos utilizados, percebemos que o grupo do aparelho Legacy® com complicações apresentaram uma média de evolução menor que os demais. A informação mais importante para a nossa análise é o nível descritivo da interação Complicação /Aparelhos®, o qual foi de 0,397, indicando não haver interação significativa, ou seja, a diferença entre as evoluções da acuidade visual e os três aparelhos pode ser considerada a mesma nos dois grupos (tabela 2).

Tabela 2
ANOVA para a evolução dos escores complicação e aparelhos

Quanto ao fator idade a fim de verificar se a relação era diferente entre os grupos, realizamos uma análise de regressão e obtivemos o resultado apresentado na tabela 3, pela qual concluímos que a complicação não afeta significativamente a relação entre evolução e idade (p-value = 0,058 para a interação Idade / Complicação).

Tabela 3
ANOVA para regressão entre a evolução dos escores e idade considerando as complicações

DISCUSSÃO

A taxa de complicação intraoperatória no atual estudo foi de 20,7%, sendo a grande maioria devido à ruptura da cápsula posterior. Comparado a trabalhos da literatura nos quais foram encontrados taxas de ruptura da cápsula posterior por volta de 1,9 a 5,2%(88 Lundström M, Behndig A, Kugelberg M, Montan P, Stenevi U, Thorburn W. Decreasing rate of capsule complications in cataract surgery: eight-year study of incidence, risk factors, and data validity by the Swedish National Cataract Register. J Cataract Refract Surg. 2011; 37(10):1762-7.), podemos considerar como alta a taxa de complicação, mesmo se comparada com estudos de procedimentos realizados somente por médicos residentes(66 Ana Catarina Delgado de Souza, Alexandre Ventura, Catarina Ventura, João Eudes Tavares, Carlos Teixeira Brandt. One year learning curve in 160 facoemulsifications performed by a third year resident. Rev Bras Oftalmol. 2005; 64(3):156-61.,1111 Jackson Barreto Junior, Helio Primiano Junior, Rodrigo França de Espíndola, Renato Antunes Schiave Germano, Newton Kara-Junior. Cirurgia de catarata realizada por residentes: avaliação dos riscos. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69(5):301-5). Entretanto, a grande maioria dos pacientes apresentaram melhora da acuidade visual, independentemente das complicações. Verificando isoladamente as variáveis analisadas, os fatores que implicaram com significância estatística em uma pior acuidade visual final foram as complicações intraoperatórias e a idade dos pacientes, não havendo outra variável estudada com significância estatística. O fato de os pacientes terem diabetes mellitus, o aparelho utilizado para o procedimento e o ano da residência em oftalmologia, isoladamente, não tiveram significado estatístico.

Esse achado é consistente com a maioria dos trabalhos da literatura, os quais demonstram que complicações intraoperatórias estão mais relacionadas a uma pior acuidade visual final(88 Lundström M, Behndig A, Kugelberg M, Montan P, Stenevi U, Thorburn W. Decreasing rate of capsule complications in cataract surgery: eight-year study of incidence, risk factors, and data validity by the Swedish National Cataract Register. J Cataract Refract Surg. 2011; 37(10):1762-7.,99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.). A idade também já foi demonstrada em outros trabalhos como sendo um fator de risco relacionado a uma pior acuidade visual final, isto porque a visão em pessoas mais idosas declina normalmente com a idade, principalmente após os 70 anos, mesmo sem achados patológicos(1212 Lundström M, Barry P, Henry Y, Rosen P, Stenevi U. Visual outcome of cataract surgery: study from the European Registry of Quality Outcomes for Cataract and Refractive Surgery. J Cataract Refract Surg. 2013; 39(5):673-9.).

Ao realizarmos a comparação por grupos, sem e com complicações, além do fato já apresentado de que o grupo com complicações apresenta acuidade visual final pior do que o grupo sem complicações, percebemos que o fator com influência no grupo com complicações é o residente cirurgião. Apesar de isoladamente não haver significância estatística, conforme já encontrado em outros estudos(99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.,1111 Jackson Barreto Junior, Helio Primiano Junior, Rodrigo França de Espíndola, Renato Antunes Schiave Germano, Newton Kara-Junior. Cirurgia de catarata realizada por residentes: avaliação dos riscos. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69(5):301-5), comparando a acuidade visual final no grupo com complicações, os R3 apresentaram uma evolução pior do que os R2. Esse resultado possivelmente se deve ao fato de que em nosso serviço em geral os R3 realizam as cirurgias sozinhos, sendo instruídos somente durante as intercorrências, porém tentando resolvêlas, enquanto os R2 em fase de aprendizagem estão sempre acompanhados do preceptor. Outra possível explicação baseia-se no atual método de ensino da facoemulsificação, que necessita de uma carga teórica específica para o uso do facoemulsificador a fim de melhorar a performance e segurança da técnica cirúrgica. Provavelmente o residente do segundo ano tenha mais condições de estudar a parte teórica do que os residentes do terceiro ano, já que o foco é efetivamente realizar cirurgias(1313 Newton Kara Junior. A situação do ensino da facoemulsificação no Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2011;70(5):275-77.). A curva de aprendizado de residentes para a técnica de facoemulsificação tem sido descrita com diminuição das taxas de perda vítrea, com o ganho de experiência do cirurgião(99 Blomquist PH, Morales ME, Tong L, Ahn C. Risk factors for vitreous complications in resident-performed phacoemulsification surgery. J Cataract Refract Surg. 2012; 38(2):208-14.),, devendo dessa maneira o residente que vai iniciar o aprendizado da facoemulsificação ter preceptor experiente ao lado para minimizar os riscos de complicações(66 Ana Catarina Delgado de Souza, Alexandre Ventura, Catarina Ventura, João Eudes Tavares, Carlos Teixeira Brandt. One year learning curve in 160 facoemulsifications performed by a third year resident. Rev Bras Oftalmol. 2005; 64(3):156-61.).

As demais variáveis não apresentaram significância estatística na comparação entre os dois grupos.

Apesar de não ter significância estatística, o fato de ter-se maior quantidade de complicações nos aparelho Vizual®, provavelmente se deve ao fato de que o serviço conta com 2 unidades desse aparelho, realizando, portanto maior número total de cirurgias nos mesmos.

CONCLUSÃO

Apesar da alta taxa de complicações encontrada no atual estudo, a grande maioria dos pacientes apresentaram acuidade visual final melhor que a pré-operatória. Entretanto, as complicações intraoperatórias e a idade avançada dos pacientes foram responsáveis por uma acuidade visual final menor do que a esperada na cirurgia de catarata. Nos pacientes com complicações intraoperatórias, a experiência do médico residente foi fator significativo para um resultado pior do que o esperado. Dessa maneira é inquestionável que a curva de aprendizagem por parte do residente na atual técnica de escolha, a facoemulsificação é o principal obstáculo a ser superado a fim de evitar a baixa acuidade visual nos pacientes operados, assim como a detecção e intervenção no pré-operatório de possíveis fatores de riscos.

  • Instituto Dr. Suel Abujamra, São Paulo, SP, Brasil

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2014
  • Aceito
    05 Jan 2015
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