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Coalizões: como se formam e como surge o conflito

ARTIGOS

Coalizões: como se formam e como surge o conflito* * O autor deseja agradecer aos Profs. Eugene Webb, da Stanford Graduate School ofBusiness, e Fábio Mariotto, da EAESP/FGV, por terem pacientemente ouvido suas idéias e contribuído com valiosas sugestões.

Michael Paul Zeitlin

Professor adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas

1. INTRODUÇÃO

Na última década houve desenvolvimento crescente da teoria estatística da decisão. Depois do trabalho clássico de Von Neumann e Morgenstern (1947), passando por Wald (1950) e Savage (1954), a teoria da decisão adquiriu implementação prática graças especialmente aos trabalhos de H. Raiffa e R. Schlaifer em Harvard e R. Howard em Stanford. A utilização de probabilidades subjetivas para os diversos estados da natureza e utilidades subjetivas para as diversas conseqüências possíveis permeou os meios empresariais e as agências do governo, e, embora haja executivos que olhem com suspeita os métodos quantitativos utilizados, pode-se dizer com segurança que muitos os utilizam cada vez mais e com maior entusiasmo. É preciso mencionar também que este instrumental penetrou em outros campos científicos e permitiu o desenvolvimento nos últimos 10 anos, por exemplo, de uma teoria moderna de finanças em que a escolha dos investidores se baseia em probabilidades e utilidades subjetivas. Os livros-textos recentes mais conceituados em teoria financeira não deixam de apresentar um capítulo sobre a teoria da utilidade.

Se este é o panorama com relação a teoria da decisão individual, o mesmo não se pode dizer sobre o desenvolvimento da teoria da decisão em grupos. De um lado o instrumental matemático é bem mais sofisticado,1 1 Para um dos trabalhos fundamentais neste campo ver Wilson, Robert. The theory of syndicates.£conomerríca, v. 136, n. 1, p. 119-132. e de outro, as implementações práticas são quase inexistentes.2 2 Para um exemplo de possível aplicação veja Spetzer, CS. The development of a corporate risk policy for capital investment decisions. IEEE Transations on Systems Science and Cybernetics, Sep., 1968, v. SSC-4, n. 3.

Este artigo trata de decisões em grupo.3 3 Para uma introdução geral aos problemas da decisão em grupo e da divisão dos riscos, ver Raiffa, H. Decision analysis, introductory lectures on choices under uncertainty. 1973, cap. 8. Embora o autor faça dos métodos quantitativos seu habitat preferido, o trabalho aborda decisões em grupo por outro prisma. Por isso são necessárias algumas palavras de advertência ao leitor. Primeiro, trata-se mais de uma revisão da literatura existente com algumas sugestões para futuras pesquisas; segundo, o ponto de vista adotado é o de observar mais como as pessoas se comportam realmente do que de discutir como deveriam se comportar; finalmente, o artigo trata de grupos onde se permite o aparecimento de coalizões e conflitos, em contraposição, por exemplo, a um grupo de peritos que deve chegar a um acordo unânime.

2. DEFINIÇÃO

Em português, a palavra coalizão tem o significado de "liga momentânea entre elementos com interesses antagônicos, para os quais as partes se voltam, depois de atingidos os fins desta espécie de liga".4 4 Dicionário da lingua portuguesa. Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro, 1943. Dentro do contexto usado neste artigo, restringiremos seu uso admitindo que a ação ou finalidade atinge outras pessoas. Como Thibault e Kelley (1959) definem: "por coalizão queremos dizer a ação em conjunto de duas ou mais pessoas visando a alterar o resultado relativo a outras pessoas." Uma definição semelhante foi proposta por Gamson (1964): "uma situação de coalizão é definida por um jogo, de n pessoas, com motivos mistos". Esta definição baseia-se no trabalho de Schelling (1958) ao classificar jogos de duas pessoas. Dividiu tais jogos em:

a) Jogos de pura coordenação. Este tipo de jogo seria bem representado por um jogo de futebol. É conveniente para os jogadores de um time cooperar entre si porque então obtêm o melhor resultado. O painel de peritos é visto por nós também dentro deste contexto embora reconheçamos que possa, às vezes, cair em uma das outras classificações a seguir.

b) Jogos de puro conflito. Este tipo de situação, também chamado jogos de soma nula, pode ser representado por um jogo de xadrez onde as regras são tais que resultado negativo para um jogador necessariamente significa resultado positivo para outro, de maneira que cada jogador é estimulado a competir ativamente com os outros.

c) Jogos mistos, Se imaginarmos dois jogadores trapaceando num jogo de pôquer, vemos imediatamente que é vantajoso para ambos deixar um ou outro ganhar a fim de manipular o jogo em detrimento dos demais jogadores. A mesma situação surge numa convenção política (nenhuma semelhança moral é insinuada) onde, embora cada participante é encorajado a vencer, haverá situações onde conseguirá maiores benefícios através da coordenação de seus esforços com outro participante.

Como vimos, a classificação de Schelling dos jogos de duas pessoas pode ser facilmente expandida para situações que envolvam mais do que duas pessoas.

A definição que adotamos restringe nosso interesse a um tipo bem definido de situação e deixa de lado alguns trabalhos de pesquisa realizados sob o título de coalizões. Mills (1953) estudou grupos de três pessoas que deviam criar uma história sobre uma fotografia TAT. Em vista de nossas considerações anteriores, argumentamos que esta é uma situação de pura coordenação. Strodtbeck (1954) estudou tríades de pai-mãe-filho. Neste caso também há dúvida de que a situação estudada seja uma de motivos mistos ou de pura coordenação.

Levantamos estes pontos apenas com o intuito de esclarecer o ponto exato com que nos preocupamos para então prosseguirmos na análise das teorias que visam a explicar a formação de coalizões.

3. TEORIAS SOBRE A FORMAÇÃO DE COALIZÕES

Uma teoria sobre a formação de coalizão deve ser capaz 4g de prever quem se unirá a quem e qual será a distribuição dos prêmios entre os parceiros da coalizão vencedora (Gamson, 1964). Não parece haver estudo empírico relacionando a formação de coalizão a outras variáveis ligadas com os membros do grupo. Pessoas que se admiram mutuamente, vivem perto umas das outras, possuem a mesma formação, são originárias do mesmo país e estão no momento num ambiente estranho, devem ser mais propensas a formar uma coalizão quando surge oportunidade.5 5 A "coalizão entre iguais" que mencionamos a seguir, é um exemplo do que nos referimos neste ponto. A maioria dos estudos abordou a relação entre a formação da coalizão e os recursos ou poder possuídos pelos diferentes membros. Outro ponto a mencionar é que a maioria dos estudos lidou com grupos recém-formados e submetiam os participantes a uma rotação entre experimentos sucessivos, minimizando desta forma a influência de grupos sociométricos.

3.1 Teoria do recurso mínimo

Esta teoria foi inicialmente estabelecida por Caplow (1956), que fez diversas hipóteses que mencionamos a seguir:

1. Um membro mais forte de um grupo tentará controlar um membro mais fraco.

2. Controle sobre dois membros é preferido a controle sobre um; e controle sobre um é preferido a controle sobre nenhum.

3. O poder (soma dos recursos) de uma coalizão é a soma dos poderes (recursos) dos membros que formam a coalizão.

4. A coalizão é formada numa tríade quando é desejada (aprovada) por dois membros da tríade.

Caplow estudou tipos diferentes de alocações iniciais de recursos, conforme ilustramos adiante. Seguindo suas hipóteses, previu os tipos de coalizão que aparecem à direita na tabela 1.

O tipo mais estudado, sem dúvida, tem sido o tipo 5; uma das possíveis razões para isto é a de que as diferentes teorias fazem previsões diferentes sobre a coalizão a ser formada.

Examinemos porque no tipo 5 de distribuição de recursos podemos prever BC, B tem controle sobre dois membros, controle de A que é derrotado e controle de C que tem menos recursos na coalizão: C tem controle sobre A através da coalizão. Na coalizão AC, A tem controle sobre dois membros, exatamente como B no caso anterior e C novamente controla um membro. A coalizão AB nunca se estabelece de acordo com as hipóteses de Caplow porque enquanto A controla dois membros, B tem controle sobre apenas um, de maneira que preferiria a coalizão BC.

Caplow sugeriu mais tarde o que chamaremos "lei da paridade": na formação de uma coalizão um parceiro tentará obter máxima vantagem ou mínima desvantagem. Em outras palavras, C optará pela coalizão com B, de preferência a A, pois tem uma maior percentagem dos recursos totais numa coalizão BC e portanto espera que aqui sua recompensa seja maior.

Gamson (1961) sugeriu por outro lado uma hipótese diferente que resultaria em previsão contrária. De acordo com Gamson, num ambiente de incerteza, o membro C escolherá um parceiro para formar uma coalizão que tenha maiores probabilidades de vencer.

Não é difícil encontrar situações reais que se parecem com os dois casos mencionados. Se a incerteza é grande, as pessoas tenderão a participar de coalizões com maior chance de vencer mesmo que sua recompensa seja menor. Por outro lado, se não houver incerteza, as pessoas inclinar-se-ão a formar coalizões com recursos suficientes para vencer, mas tais que sua recompensa seja maior. A teoria da decisão sob incerteza e o conceito de "valor esperado" ajudar-nos-iam a prever que evento ocorreria no caso de incerteza relativa.

Evidência empírica mostra que BC é preferido a qualquer outro tipo de coalizão quando usamos uma distribuição de recursos igual a 4, 3, 2 ou, em outras palavras, uma distribuição do tipo 5. Alguns experimentos merecem ser mencionados.

Vinacke e Arckoff (1957) conduziram uma experiência para testar as previsões de Caplow (1956) sobre as coalizões na tríade. A experiência consistia de um jogo no qual os jogadores tinham suas jogadas "corrigidas" por um multiplicador alocado a cada jogador aleatoriamente no início do jogo. A distribuição inicial de recursos é representada por esses multiplicadores. Em qualquer ocasião durante o jogo os participantes podiam formar uma coalizão movendo apenas uma peça e somando os valores dos multiplicadores. A tabela 2 reproduz os resultados obtidos por Vinacke e Arkoff. Como se pode ver, os resultados apoiam a teoria do recursos mínimo.

Um comentário oportuno neste ponto seria o de que, no caso da distribuição 3-2-2, a coalizão prevista poderia ser explicada também pela "coalizão entre iguais", que discutiremos mais tarde. O caso da distribuição 1-2-2, como os autores corretamente ressalvaram, tem uma coalizão prevista que ocorre em dois terços dos experimentos, se admitirmos um comportamento puramente aleatório. A distribuição 4-3-2 não tem nenhuma dessas ressalvas e é uma boa evidência em favor da teoria discutida.

Concluindo sua apresentação, Vinacke e Arckoff comentam que a iniciativa das ofertas para uma aliança pertenceu significativamente aos jogadores que se julgavam mais fracos. Mencionam também que o acordo é obtido quando a divisão das recompensas "corresponde de perto à percepção de sua força inicial". Infelizmente não mencionam detalhes.

Chertkoff (1966) estudou os efeitos da probabilidade de sucesso na formação de coalizões. Realizou experimentos com 288 estudantes universitários (graduação), divididos em 24 tríades, cada uma tendo passado por quatro situações diferentes. Numa das situações não se mencionou probabilidade de sucesso, nas outras três, a probabilidade de sucesso do indivíduo A era 50%, 70% e 90%, enquanto B e C tinham nos três casos 50% de chance de sucesso. A distribuição de votos entre os três indivíduos foi sempre 40,30 e 20. Entre seus resultados é interessante destacar como a preferência de C (o participante mais fraco) mudou de acordo com a probabilidade de sucesso de A.

Assim, a preferência de C por B decresceu de 17 em 24 para 7 em 24. Um resultado que nos pareceu interessante, e não comentado pelo autor, é o fato de que a simples menção das probabilidades de sucesso fez decrescer a preferência por B de 17 em 24 para 12 em 24. Aparentemente a menção das probabilidades torna o jogador mais fraco consciente da força igual de todos jogadores.

Kelley e Arrowood (1960) num estudo que visava principalmente a determinar como as coalizões mudam com a realização de diversas experiências, descobriram que as coalizões BC eram as mais freqüentes na primeira ex periência e que a freqüência decresceu após diversos experimentos. Aparentemente outra vez, diversos experimentos convenceram os participantes de sua igual força.

Se tabularmos apenas a primeira tentativa dos três trabalhos relatados antes, temos a tabela 4.

De acordo com a teoria de Caplow, deveríamos obter um número igual de coalizões AC e BC; enquanto que segundo a teoria do recurso mínimo obteríamos apenas coalizões BC. Chertkoff (1967) tratou da inconsistência dos resultados anteriores em relação às duas teorias. Raciocinou como segue: o jogador C prefere cada um dos jogadores A e B, em 50% das situações; o mesmo é verdade para o jogador A que prefere B e C, em 50% dos casos, enquanto o jogador B sempre prefere C. Uma coalizão é formada apenas quando temos uma coincidência de preferências cruzadas, quando dois jogadores preferem um ao outro. Assim teríamos a coalizão BC em 50% (.5 x 1.0) dos casos e a coalização AC em 25% dos casos, deixando 25% das situações sem nenhuma coalizão. Se admitirmos que estes últimos casos dividir-se-ão na mesma proporção em tentativas futuras, chegaremos no limite a uma relação muito próxima de 2:1.

A revisão que Chertkoff propôs para a teoria de Caplow faz previsões melhores no caso particular que estamos estudando e previsões iguais nas outras distribuições de recursos.

3.2 Teoria estritamente racional (ou teoria do mínimo poder)

Esta teoria é um resultado direto da Teoria dos Jogos. Este tipo de teoria não é descritiva de como as pessoas se comportam mas é uma teoria normativa de como as pessoas devem se comportar se desejam conseguir certos objetivos. Sua inclusão aqui visa descrever como pessoas que seguem uma regra "racional" se comportariam.

Com respeito a tríade que temos analisado, os argumentos a favor desta teoria são os seguintes. Numa distribuição de recursos igual a 4, 3 e 2, não é verdade que o jogador com quatro votos tenha mais poder, pois mesmo que tenha mais recursos tem em verdade a mesma força que os outros pois qualquer coalizão de dois jogadores será vencedora. Kelley e Arrowood (1960) argumentam que a preferência pela coalizão 3-2 é uma interpretação errônea das regras de jogo. Projetando um experimento que permitia aos jogadores manter uma contagem cumulativa dos resultados diminuiu a tendência para a formação da coalizão entre os dois jogadores mais fracos. Num questionário dado aos participantes, estes relataram que no começo do jogo temiam o jogador A, mas que com a sua continuação perceberam que o jogador A deveria ser mais protegido do que temido.

É irônico que a força do jogador A deva torná-lo mais fraco. Sempre que houver tal situação é vantajoso para o participante A tornar claro aos demais que a distribuição de força é a mesma.6 6 Esta constatação tem conseqüências práticas importantes. Negociações que visam a estabelecer um maior comércio exterior na América Latina esbarram exatamente nesta dificuldade.

Gamson (1964) relata um experimento de Willis com grupos de quatro homens que suporta em parte a teoria do mínimo poder. Numa distribuição de recursos igual a 5-3-3-2 a coalizão 5-2 ocorreu em 25% dos casos, exatamente o número que deveria ocorrer se fosse determinado ao acaso. A coalizão 3-3-2 ocorreu em 31 dos casos. É interessante ressaltar que o participante 5 é membro de 5u% das coalizões vencedoras, enquanto os outros participantes são membros de um sexto das coalizões vencedoras. Se a recompensa é dividida de acordo com o poder de cada jogador, cada um receberia um quarto da recompensa numa coalização com o jogador 5 enquanto que receberiam um terço numa coalizão com um dos outros jogadores.

Embora os argumentos a favor desta teoria sejam bastante fortes, a evidência empírica não é alentadora. Indica apenas que há um limite para a teoria do mínimo recurso de Caplow-Gamson. Um ponto final deve ser ressaltado: na experiência de Kelley e Arrowood, ao permitir aos participantes manter uma contagem cumulativa, foi enfatizada a tendência de formar uma coalizão entre os jogadores que estavam mais atrasados naquele momento em particular. A longo prazo esta tendência resultaria num número igual de cada coalizão. É também muito pouco provável que o raciocínio complexo descrito na experiência de Willis seja a explicação de a coalizão 3-3-2 ser a mais freqüente.

3.3 Teorias relacionadas a outras variáveis

Como mencionamos anteriormente, não há evidência empírica para apoiar o que parece ser uma hipótese aceitável: que as coalizões são mais prováveis entre as pessoas identificadas com base numa escolha sociométrica. Há contudo alguns experimentos relacionando outras variáveis com a formação de coalizões. Discutiremos sexo, personalidade e a formação de "coalizões entre iguais". Ao relatarmos estes resultados baseamonos em Gamson (1964) e Collins e Raven (1969).

Relatando uma série de experiências conduzidas por Vinacke e seus colegas, Uesugi e Vinacke (1963) comentam que os participantes (masculinos) "parecem entrar no jogo com gosto, negociando competitivamente, fazendo os melhores 'negócios' que conseguiam e, em resumo, tentando vencer". Ao longo da mesma linha de idéias é interessante observar que o jogo relatado ao fim deste artigo quando aplicado pelo autor a um grupo de estudantes graduados masculinos fez com que os mesmos introduzissem no jogo uma competição entre as diversas coalizões que não era originalmente parte do experimento.

As jogadoras nos experimentos de Vinacke e outros exibiram um comportamento completamente diferente. Para elas, a situação parecia propiciar uma oportunidade para interação social. Estavam muito mais interessadas num resultado "justo". Um bom exemplo deste fato é o de que as mulheres se uniam às vezes com outros participantes mesmo que essa coalizão não fosse necessária para que vencessem.

Este comportamento de participantes femininos tem sido descrito como de "acomodação". Um estudo interessante de Vinacke e Gullickson (1964) envolveu como participantes estudantes de ambos os sexos com idades 7-8,14-16 e estudantes universitários. Trindades femininas tiveram o mesmo comportamento "de acomodação" nos três níveis de idade. As trindades masculinas exibiram um comportamento "de exploração" crescente com a idade.

Nos experimentos onde as tríades eram mistas quanto ao sexo (Bond e Vinacke, 1961), apareceu alguma tendência de associação de acordo com o sexo, dois homens contra uma mulher ou duas mulheres contra um homem. As jogadoras saíram-se muito melhor do que os participantes masculinos quando enfrentaram dois participantes do sexo oposto.

Chaney e Vinacke (1960) investigaram a correlação entre a motivação para o sucesso e a formação de coalizões. Concluíram que nos casos onde os recursos são distribuídos de forma uniforme, os participantes com maior motivação para o sucesso estão menos freqüentemente envolvidos em coalizões. Aparentemente seu comportamento agressivo conduz os demais participantes a se unirem a jogadores menos "envolvidos".

Este resultado apoia o fato de que participantes femininos saem-se significativamente melhor do que aqueles do sexo masculino quando enfrentam jogadores do sexo oposto. Parece mostrar que um comportamento "altruístico" acaba por ser vantajoso a longo prazo. Isto é especialmente verdade se contagens cumulativas puderem ser registradas, de alguma maneira, pelos jogadores.

Christie (1970) relata que participantes com índice alto numa escala do teste de machiavelismo tiveram desempenho melhor, em tríades, do que os participantes com índice baixo. Sua explicação está em que os altos Mach não se envolvem emocionalmente no jogo e são mais capazes de perceber qual a melhor estratégia.

Gamson (1961-b) organizou alguns experimentos onde a distribuição inicial de recursos era tal que alguns jogadores tinham a mesma quantia (35-35-15-10-6). A "coalizão de iguais" foi a mais freqüente (embora não significativa estatisticamente). Este resultado apoia a hipótese da coalizão entre participantes do mesmo grupo sociométrico. O raciocínio de Gamson é o de que os jogadores escolherão a coalizão que minimiza as questões de concorrência e negociação, escolherão a trilha de menor resistência. Entre iguais é um fato aceitável que ambos recebam a mesma recompensa.

3.4 Teoria da confusão geral

O tipo de raciocínio sofisticado necessário para chegar a uma solução ótima pode levar muitos participantes a formar coalizões aleatoriamente. Gamson (1964) relata alguns experimentos de Kalish et alii (1954) onde "quem gritava primeiro e mais alto depois de o árbitro ter dito 'já' influenciava o resultado final". Esta descrição não se afasta muito do cenário de uma convenção política. A informação imperfeita que é característica dessas situações também pode levar a escolhas aleatórias. Nas experiências com crianças, mencionamos anteriormente que, embora os resultados apoiem a teoria racional, é difícil acreditar que tenham analisado o poder de cada membro antes de tomar sua decisão.

3.5 Conclusão sobre as teorias deformação de coalizão

Como vimos, há resultados que apoiam qualquer um dos processos teóricos descritos. Collins e Raven (1969) afirmam que "se forem estabelecidas condições apropriadas" poderíamos explicar a formação de coalizões por qualquer das teorias mencionadas.

Gamson (1964) vai mais adiante, ao aconselhar como projetar uma experiência para conseguir os resultados desejados. Seus conselhos são:

a) Para um defensor do mínimo recurso: introduza uma dose razoável de conflito na situação criada; se possível, coloque algo de valor a ser disputado; limite as comunicações; escolha participantes bem competitivos; reforce quanto puder a "lei da paridade".

b) Para um defensor da teoria da estrita racionalidade: introduza um grau muito alto de conflito; faça-o usando uma recompensa tão alta, que acabe por sobrepujar a "lei da paridade" ou qualquer escrúpulo quanto a competir ("comportamento de acomodação"). Torne as comunicações livres; bastante tempo para decisão; escolha participantes que não se conhecem e deixe-os jogar juntos apenas uma vez.

c) Para um defensor da teoria do comportamento de acomodação: introduza o mínimo de conflito; use prêmios simbólicos; faça o experimento ser um jogo delicado; se possível use participantes cujas relações são amistosas porém frágeis.

d) Para um defensor da teoria da confusão geral: introduza o máximo de variáveis e de regulamentos; estabeleça um limite de tempo bem apertado para a decisão; enfatize a diferença entre uma (qualquer) e nenhuma coalizão; torne as comunicações difíceis e use um grande número de participantes.

Pode-se tomar duas posições com relação às sugestões de Gamson. De um lado poderíamos dizer que as teorias fazem previsões tão contraditórias que em verdade acabamos sem teoria alguma. Por outro, poderíamos argumentar que, dado um conjunto de circunstâncias e condições, uma das teorias expostas fará previsões corretas. Assim, desde que escolhamos a teoria apropriada - e para isto as recomendações de Gamson serviriam como guia - acabaremos com as conclusões certas. Em outras palavras, o conjunto dos conhecimentos recapitulados neste artigo pode ser entendido como uma teoria sobre a formação de coalizões.

Como exercício, o autor tomou uma pesquisa recente (Kline, 1969) e tentou chegar às conclusões verificando as condições do experimento e comparando com as recomendações de Gamson.

Sobre as condições do experimento Kline disse: "Eliminamos desigualdades de status empregando um jogo de negociações onde apenas uma coalizão de duas pessoas poderia vencer. A pressão do tempo foi aliviada obrigando cada jogador a negociar preliminarmente com cada um de seus oponentes antes de tentar formar uma coalizão vencedora. As características de jogo foram reforçadas criando-se uma recompensa significativa para os participantes, isto é, US$ 9.00 em dinheiro".

A se julgar por esta citação podemos dizer que a "lei da paridade" foi diminuída ao se mostrar que apenas uma coalizão poderia vencer; foi permitido tempo suficiente para negociações, que na realidade foram forçadas, e introduziu-se conflito ao se estabelecer uma recompensa razoável. Sob estas condições esperaríamos obter um comportamento "racional".

Dos resultados de Kline ficamos sabendo que a recompensa final foi combinada com negociações preliminares, e que os resultados concordaram com a teoria racional. Kline verificou também que, embora qualquer uma das condições citadas dirigisse os resultados para uma distribuição mais equitativa das coalizões e das recompensas, não era suficiente para sozinha produzir uma distribuição absolutamente equitativa.

Há uma fraqueza conceituai em nosso exercício, isto é, a teoria da "confusão geral" faz as mesmas previsões que a teoria estritamente racional. Parece-nos seguro, todavia, afirmar que os resultados concordam com as previsões de nosso corpo de conhecimentos.

4. UMA NOVA ABORDAGEM DAS COALIZÕES

Como dissemos, a maioria dos estudos sobre coalizões lidam com a sua formação e alguns discutiram a questão de como a recompensa é dividida depois que uma coalizão se forma.

Uma nova abordagem para o estudo de coalizões foi proposta por Vitz e Kite (1970) num trabalho que se refere ao conflito que surge entre os membros de uma coalizão depois que ela se formou. Seu estudo focalizou entre outros problemas a relação entre o conflito e a distribuição inicial de recursos.

Os pesquisadores definiram duas variáveis:

a) Valor da diferença de recursos - ID: igual a diferença entre a proporção do recurso total que cada membro da coalizão possui.

b) Pressão para reduzir a diferença - PRD: complemento do valor da diferença: PRD = 1 - ID.

Baseados nestas definições, Vitz e Kite postularam que o conflito (C) seria proporcional ao produto das variáveis definidas.

Para testar sua hipótese, desenvolveram um jogo - Crise - que aparece resumido no final deste artigo. Conduziram o experimento com 40 grupos de duas pessoas, com distribuições iniciais de recursos variáveis e mediram a importância do conflito de acordo com um questionário ministrado aos participantes e por meio de um registro das mensagens trocadas entre os parceiros. A tabela 5 e a figura 1 mostram os resultados esperados e os valores reais obtidos nas experiências. Embora os resultados não estejam de acordo totalmente com as previsões, eles apoiam bastante a hipótese de que o conflito aumenta com o aumento na diferença de recursos e diminui posteriormente quando a diferença é muito grande. Em seu estudo Vitz e Kite também trataram da influência do meio de comunicação empregado pelos participantes no grau de conflito resultante.


Mais estudos são necessários nessa direção para compreender melhor o que ocorre depois que se forma uma coalizão.

5. CONCLUSÃO

Apresentamos neste artigo uma revisão das diversas teorias sobre a formação de coalizões, enfocadas do ponto de vista do comportamento humano. Acreditamos ter mostrado que, em função da circunstância particular de cada experiência, o conjunto de conhecimentos acumulado permite prever como serão formadas as coalizões.

Exploramos rapidamente alguns resultados obtidos sobre o aparecimento de conflito uma vez estabelecida a coalizão. Outras experiências são necessárias nesta direção. Em particular, os seguintes pontos merecem, na nossa opinião, serem explorados:

a) No comércio exterior é, em geral, verdade que ambos parceiros saem ganhando numa troca. (Estamos presentemente trabalhando na construção de um modelo que pretende captar essa situação.) A divisão do prêmio no entanto pode ser desigual, ganhando mais aquele que já possui mais recursos. O valor do prêmio pode também não ser constante, dependendo do parceiro com quem se efetua a troca.

Imagine-se agora uma economia fechada consistindo de alguns países (seis ou oito por exemplo) em que a distribuição de recursos é desigual, e os participantes podem escolher os países com os quais efetuam trocas. Para maior realismo o prêmio pode ser aleatório, com parâmetros da distribuição diferentes para cada parceiro. Esta situação modelada em termos de jogo coloca os participantes diante do dilema de por um lado, efetuar trocas para aumentar seus recursos e por outro, escolher seus parceiros de forma a evitar que alguns fiquem excessivamente poderosos.

b) Em eleições políticas surgiram recentemente pelo menos duas maneiras de obrigar facções diversas a formar coalizões. Numa das versões o número de partidos políticos é reduzido por lei a dois (Brasil); noutra, eleições são realizadas entre tantos candidatos quantos se apresentarem e uma segunda eleição é realizada entre os candidatos com possibilidade de alcançar maioria simples, em geral os dois primeiros (França). Embora o método de decisão por maioria simples tenha sido amplamente estudado (cf. Sen, caps. 10 e 10*), as conseqüências conceituais destas modificações do método merecem melhor análise.

CRISE

Você deve estar sentado em frente de outra pessoa que participará do jogo com você. Você e seu parceiro representam dois países aliados, "alpha" e "beta" e você jogará como representante de seu país e não em seu próprio nome.

O valor total dos recursos de seu país e do país aliado é 75 "Diamantes Negros", mas como os países são de tamanhos diferentes a distribuição dos recursos não é uniforme. Um de vocês tem x "Diamantes Negros" e o outro tem y.

Vocês devem decidir quem representará o país mais rico por qualquer processo aleatório.

Por favor, destinem os recursos antes de continuar a leitura.

Vocês devem combinar seus recursos para constituir um "fundo de defesa" para resistir as ameaças de um terceiro oponente. Vocês terão que concordar quanto a duas decisões: o tamanho do fundo de defesa ca quantia que cada um contribuirá para a constituição deste fundo.

O terceiro oponente (o pesquisador ou um preposto seu) lançará três dados e a ameaça será igual a soma dos três valores. Se o fundo de defesa for maior do que a ameaça, tantos "Diamantes Negros" serão retirados do fundo de defesa quanto for a soma dos três dados. A diferença, caso existir, permanecerá no fundo para a próxima rodada.

Você e seu aliado podem negociar novamente para decidir quanto às duas grandezas mencionadas anteriormente. A ameaça será repetida cinco (5) vezes. Na última rodada, o que estiver no fundo de defesa não poderá retornar aos participantes.

Em qualquer rodada (inclusive na última), se a ameaça for maior do que seu fundo de defesa, seu país será ocupado. Você perde todos seus "Diamantes Negros" e está fora do jogo.

Você certamente já percebeu que a menor ameaça possível é 3 e a maior é 18. Ambas, no entanto são muito raras. As ameaças mais freqüentes são 10, 11 e 12.

Seu objetivo é manter seu país livre, continuar no jogo até o fim e ganhar o maior número de "Diamantes Negros" possível. (Nunca se sabe se outros inimigos podem aparecer!)

Rodada 1 2 3 4 5

Sua contribuição

Contribuição de seu parceiro

Total do fundo de defesa Ameaça

BIBLIOGRAFIA

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  • Vinacke, W.E. & Arckoff, A. (1957). An experimental study of coalitions in the triad. American Sociological Review, v. 22, p. 406-14.
  • Vitz, P.C. & Kite, W.R. (1970). Factors affecting conflict and negotiations within an alliance. J. of Exp. Soc. Psychol., v. 6, p. 233-47.
  • Wilson, R. (1968). The theory of syndicates. Econometrica, v. 36, n. 1, p. 119-32.
  • *
    O autor deseja agradecer aos Profs. Eugene Webb, da Stanford Graduate School ofBusiness, e Fábio Mariotto, da EAESP/FGV, por terem pacientemente ouvido suas idéias e contribuído com valiosas sugestões.
  • 1
    Para um dos trabalhos fundamentais neste campo ver Wilson, Robert. The theory of syndicates.£conomerríca, v. 136, n. 1, p. 119-132.
  • 2
    Para um exemplo de possível aplicação veja Spetzer, CS.
    The development of a corporate risk policy for capital investment decisions. IEEE Transations on Systems Science and Cybernetics, Sep., 1968, v. SSC-4, n. 3.
  • 3
    Para uma introdução geral aos problemas da decisão em grupo e da divisão dos riscos, ver Raiffa, H.
    Decision analysis, introductory lectures on choices under uncertainty. 1973, cap. 8.
  • 4
    Dicionário da lingua portuguesa. Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro, 1943.
  • 5
    A "coalizão entre iguais" que mencionamos a seguir, é um exemplo do que nos referimos neste ponto.
  • 6
    Esta constatação tem conseqüências práticas importantes. Negociações que visam a estabelecer um maior comércio exterior na América Latina esbarram exatamente nesta dificuldade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1975
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