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Automação e movimento sindical no Brasil

RESENHAS

Elizabeth Bortolaia Silva

Professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica, Instituto de Geociências da UNICAMP

AUTOMAÇÃO E MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL

RICARDO TOLEDO NEDER, LAÍS WENDEL ABRAMO, NAIR HELOÍSA BIGALHO DE SOUSA, GONZALO FALABELLA, ÁLVARO DIAZ & ROQUE APARECIDO DA SILVA.

São Paulo, Editora Hucitec, CE DEC OIT/PNUD/IPEA, 1988, 270 páginas.

Este livro adiciona muito ao conhecimento das recentes inovações tecnológicas e organizacionais na indústria brasileira. O argumento central é que os processos de inovação técnica e organizativa nas empresas reforçam ou coíbem o desenvolvimento de estruturas de poder democráticas, dependendo das condições prevalecentes na sociedade, Esse argumento é desenvolvido ao longo de sete artigos.

Na introdução, Gonzalo Falabella relata experiências variadas de implantação de novas tecnologias e das alternativas de controle sobre os seus efeitos. A diversidade de vivências nos casos apresentados demonstra que algo pode ser feito pelos '"destituídos" ou "ameaçados", para controlar o progresso técnico. Por outro lado, os casos apresentados por Falabella indicam que a crise de acumulação, na qual se acelera a difusão da tecnologia microeletrônica não se resolve pela nova tecnologia porque a crise se refere a dimensões econômicas e políticas antigas que não necessariamente são mudadas.

No primeiro capítulo, Álvaro Diaz enfatiza o mesmo aspecto de que a nova tecnologia está associada ao processo social e político e a lógica de acumulação capitalista. O conceito de modernização tecnológica é ampliado para além da automação microeletrônica. A modernização incluiu novas concepções de organização de empresas, mudanças no desenho e qualidade dos produtos e padrões de relações entre capital e trabalho. Diaz argumenta que o Brasil se destaca dentre os países latino-americanos pela rapidez e extensão do uso de tecnologia de ponta. Face aos países desenvolvidos, o nível de modernização tecnológica é mínimo. Todavia, assim como no caso brasileiro, nos países com ampla experiência de automação a parcela de trabalhadores diretamente afetados por tais inovações é bastante reduzida. No Brasil, os setores e empresas mais ligados à exportação estão mais automatizados. Porque a saída brasileira para a crise econômica do início dos anos 80 foi aumentar a exportação de produtos industrializados, os padrões de competitividade internacional ditaram a necessidade de modernizações tecnológicas específicas. Essa tendência de modernização dos anos 80 reforça a desigualdade estrutural do desenvolvimento de regiões e setores no Brasil. Assim, os projetos de transformação social pautam-se pela antiga lógica do confronto patronal e sindical onde os setores avançados do movimento operário decodificam questões corporativas em questões sociais e políticas que afetam o conjunto da sociedade.

No capítulo 2, Laís Wendel Abramo e Roque Aparecido da Silva discutem o movimento sindical metalúrgico em São Paulo no período de 197S a 1986. Os autores analisam de maneira bem articulada a influência sindical nas questões nacionais. Greves, negociações coletivas, comissões de fábrica têm sido conquistas políticas e instrumentos de controle do processo de trabalho e das condições de emprego. Esse segmento mais avançado do sindicalismo brasileiro tem motivado positivamente a busca de alternativas para uma relação menos desfavorável para os trabalhadores em face da modernização tecnológica. Contudo, a definição de politicas gerais ainda é incerta.

Nair Heloísa Bicalho de Sousa analisa, no capítulo 3, os efeitos sociais da nova tecnologia nas fábricas. As indústrias automobilística e metal-mecânica apresentam as tendências mais consistentes para a discussão da tecnologia e seus efeitos para os trabalhadores. Bicalho considera uma ampla gama de aspectos: emprego, qualificação, salários, classificação de cargos, esquemas de promoções, hierarquias e disciplina no trabalho, formas de organização e controle do trabalho e condições de trabalho. A análise é baseada sobretudo em depoimentos de trabalhadores e membros de comissões de fábricas específicas, A nova tecnologia toca aos trabalhadores principalmente no receio de perda de emprego, na necessidade de ampliar treinamento para responder às demandas de "polivalência". Também é importante responder às exigências de confiabilidade na operação de equipamentos e processos mais custosos que os tradicionais.

A subjetividade do trabalhador frente à automação é discutida por Laís Wendel Abramo, no capítulo 4, O argumento é que a nova tecnologia fascina e repugna. Como poder-se-ia esperar, a percepção e a reação dos trabalhadores são complexas e heterogêneas. Se existe o medo de ser substituído pela máquina, existe também o desejo de ser o/a escolhido/a para trabalhar com ela com ela (nela). A apreensão dos efeitos é diferenciada dependendo do estágio e ritmo de introdução da tecnologia. As experiências mais consolidadas indicam que o aumento da produtividade tem sido bastante maior que o aumento de salários e que a relação com as chefias tem sido menos autoritária, Como as experiências mais consolidadas de automação coincidem com a região onde a luta sindical é mais articulada, o novo tipo de relação de subordinação às chefias é atribuído à conquista da organização dos trabalhadores.

Falta discutir as implicações teóricas e políticas adotadas explicitamente por Abramo e por Bicalho na tese de que o "controle e a prisão à disciplina da linha" de montagem aumentam com o uso de nova tecnologia e o trabalho é mais desgastante. Essa postura está de certa forma subjacente às reflexões trazidas no livro como um todo. As implicações dessa visão podem ser perigosas. Os processos tradicionais de trabalho poderiam passar a ser analisados como sistemas em que o "pessoal pode trabalhar como quer"(pág.151). Como não era com tal liberdade aos trabalhadores que os processos de trabalho apareciam nos estudos anteriores à década de 1980, valeria analisar se as condições de trabalho presentes estão concretamente transformando a visão do passado, ou se o medo do novo torna o antigo mais confortável tanto no cotidiano no trabalho e nas lutas político-sindicais, quanto nos esquemas teóricos de análise disponíveis aos estudiosos de questões de trabalho.

A partir do estudo de caso dos metalúrgicos de São Paulo, Ricardo Toledo Neder discute, no capítulo 5, a postura sindical face a novas tecnologias no Brasil, As reivindicações sindicais básicas têm sido garantias de emprego, retreinamento e salário, consultas e negociações sobre inovações tecnológicas .Os empregadores têm resistido a tais solicitações, A emergência das centrais sindicais CUT e CONCLAT e a lei de informática levam a questão tecnologia e sindicatos a âmbito nacional. Todavia, as informações sobre inovações vêm sobretudo da militância sindical e de apoios técnicos. Neder apresenta um excelente quadro de resumo das mudanças implementadas e respostas das comissões de fábrica. Os tipos de respostas do movimento sindical metalúrgico e seus condicionantes sócio-políticos são analisados também por Neder, no capítulo 6, que encerra o livro. A discussão é sobre como se combinam as influências do Estado e de políticas públicas, dos partidos políticos, das culturas empresariais e das políticas de relações industriais. O autor observa casos de empresas onde houve modernização tecnológica e suas relações com comissões de fábrica e políticas de envolvimento dos trabalhadores. Neder enfatiza que as estratégias empresariais brasileiras são influenciadas pelos padrões das empresas transnacionais. A crise do capitalismo é das empresas e é também sindical; é ainda internacional e é brasileira. Captar as especificidades que concernem ao Brasil e adotar as reformulações necessárias é essencial para concretizar o projeto de uma sociedade democrática neste contexto de transformações tão rápidas e profundas.

O escopo de temas apresentados percorre uma trajetória interessante. Vai do nível internacional para o nacional, apresentando os sindicatos, setores, fábricas e trabalhadores, voltando a discussão para os aspectos sindicais e políticos mais amplos. Essa trajetória de análise ganha maior relevo dada a seriedade e competência com que todos os temas são abordados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1990
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