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EPISTEMOLOGIA(S) NA GOVERNANÇA CORPORATIVA: EXISTE REALMENTE ESCOLHA?

NOTAS INTRODUTÓRIAS

A origem da Administração Financeira, segundo Frankfurter e McGoun (2018)Frankfurter, G. M., & McGoun, E. G. (2018). From individualism to the individual. Routledge, Taylor & Francis Group., encontra-se nas Ciências Contábeis e Econômicas. Magalhães-Timotio e Barbosa (2020)Magalhães-Timotio, G. J., & Barbosa, F. V. (2020). A produção científica brasileira no campo de finanças. Revista de Ciências da Administração, 22(57), 39-53. https://doi.org/https://doi.org/10.5007/2175-8077.2020.e67279
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sugerem que a base dela é oriunda de diversas ciências, como as já mencionadas e a Administração. Essas ciências que deram base às Finanças, por sua vez, têm base na matriz epistemológica positivista. No âmbito da Administração, o positivismo é uma das epistemologias mais presentes (Barbosa et al., 2013Barbosa, M. A. C., Santos, J. M. L. dos, Matos, F. R. N., & Almeida, A. M. B. (2013). Nem só de debates epistemológicos vive o pesquisador em administração: Alguns apontamentos sobre disputas entre paradigmas e campo científico. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 636-651. https://doi.org/10.1590/s1679-39512013000400011
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) e, segundo Gouveia e Conti (2015)Gouveia, T. A., & Conti, C. R. (2015). Um compratativo entre o positivismo e complexidade como epistemologias na teoria dos custos das transações e na teoria de imersão de redes. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 9(1), 35-50. https://doi.org/10.12712/rpca.v9i1.434
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, os estudos de abordagem quantitativa são os mais propensos a adotá-la. Os mesmos autores caracterizam a racionalidade do positivismo como instrumental, termo utilizado por Herling et al. (2014)Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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a fim de definir os estudos em Finanças. Frankfurter e McGoun (2018)Frankfurter, G. M., & McGoun, E. G. (2018). From individualism to the individual. Routledge, Taylor & Francis Group. complementam que o paradigma do qual as Finanças resultam é fruto do pensamento positivista e que elas são impregnadas de valores típicos dessa linguagem científica, como eficiência, função e progresso. De fato, para Donaldson (2003)Donaldson, L. (2003). Organization theory as a positive science. In The Oxford handbook of organization theory (pp. 39-62). Oxford University Press., os estudos em Finanças seguem um “padrão” epistemológico que, por vezes, une funcionalismo com positivismo, fazendo com que eles sigam métodos mais normativos e quantitativos, comparando-os com estudos das ciências naturais (Iquiapaza et al., 2009Iquiapaza, R. A., Amaral, H. F., & Bressan, A. A. (2009). Evolução da pesquisa em finanças: Epistemologia, paradigma e críticas. Organizações & Sociedade, 16(49), 351-370. https://doi.org/10.1590/S1984-92302009000200008
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). Dessa forma, podemos observar que, desde sua origem, as Finanças como área de estudo seguem duas epistemologias predominantes - positivista e funcionalista - que resultam, principalmente, em métodos quantitativos, normativos e instrumentais.

Por essa razão, pode-se notar em diversos estudos uma persistência quanto ao uso do positivismo e do funcionalismo nas Finanças, aliado à crítica que busca a adoção de outras epistemologias para a área. Barbosa et al. (2013)Barbosa, M. A. C., Santos, J. M. L. dos, Matos, F. R. N., & Almeida, A. M. B. (2013). Nem só de debates epistemológicos vive o pesquisador em administração: Alguns apontamentos sobre disputas entre paradigmas e campo científico. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 636-651. https://doi.org/10.1590/s1679-39512013000400011
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argumentam que os paradigmas norteiam a produção do conhecimento por um lado, mas, por outro, têm efeitos colaterais, como a imposição de limites cognitivos para os pesquisadores e para a produção científica, mantendo-os dentro de determinadas fronteiras paradigmáticas.

As dificuldades conceituais e metodológicas no entendimento das relações entre as organizações e a sociedade sinalizam um espaço para novas formulações teóricas (Andrade & Rossetti, 2006Andrade, A., & Rossetti, J. P. (2006). Governança corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências (2a ed.). Atlas.). Herling et al. (2014)Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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constatam que, ao pesquisar estudos sobre a epistemologia ou o desenvolvimento epistemológico em Finanças, eles são raros, causando inquietação quanto à relevância da área para gerar teoria e produzir conhecimento que não seja somente pesquisa aplicada. Nesse sentido, existe uma falta e, portanto, uma necessidade de literatura filosófica ou crítica (Frankfurter & McGoun, 2018Frankfurter, G. M., & McGoun, E. G. (2018). From individualism to the individual. Routledge, Taylor & Francis Group.) para o desenvolvimento de teorias em Finanças.

O mesmo se dá ao pesquisar temáticas relacionadas à governança corporativa, que, apesar de multidisciplinar, segue os moldes dos estudos em Finanças. O crescente interesse na temática por outras áreas e subáreas de estudos, como as da responsabilidade social, de questões éticas, comportamentais, estratégicas, de sustentabilidade, entre outras, torna, além de necessário, também viável pensar a pesquisa na governança corporativa por outro viés epistemológico, se isso for permitido pelo campo e pelos pesquisadores da área, tanto na publicação em eventos quanto em periódicos.

Governança corporativa surge como tema de interesse nos estudos de Administração pela lente de Finanças Corporativas, por meio dos estudos da separação entre a propriedade e o controle, principal teoria apontada pelos estudos de governança. Sua chegada ao Brasil se reflete no contexto da abertura econômica promovida no início da década de 1990, como uma forma de aumentar a credibilidade e competitividade das empresas, em busca de atrair investidores. Sucessivas ondas de escândalos empresariais mundiais nos anos seguintes aqueceram a discussão sobre a governança, e o tema ganha força com o surgimento dos conflitos entre acionistas controladores e minoritários.

Transportando essa perspectiva para dentro da ciência da Administração, o discurso positivista, ao produzir uma série de fórmulas e modelos calcados em uma lógica empresarial utilitarista, parece afirmar que o certo somente será atingido por aqueles que o seguirem (Rodrigues, 2013Rodrigues, M. S. (2013). Epistemologia e administração: (Um esboço de) reflexões e possibilidades. Perspectivas Contemporâneas, 8(1), 101-124.). Sobre esse entendimento, os estudos buscaram reproduzir pesquisas estrangeiras, também pela perspectiva de Finanças Corporativas e ancorados no positivismo, para investigar a efetividade da adoção das boas práticas recomendadas em códigos de governança corporativa. Todavia, assim como questionado no campo internacional, esse paradigma único pode não ser suficiente para lidar com a complexidade da governança corporativa. Os reflexos dessa atitude, para Rodrigues (2013)Rodrigues, M. S. (2013). Epistemologia e administração: (Um esboço de) reflexões e possibilidades. Perspectivas Contemporâneas, 8(1), 101-124., podem ser evidenciados ao tomarmos como exemplo a quantidade de modelos norte-americanos que são aplicados em organizações brasileiras, sem quaisquer adaptações ao contexto em questão. Por isso, a importância de se discutirem os paradigmas da pesquisa em governança corporativa realizando a devida redução sociológica, como preconizou Ramos (1996)Ramos, G. A. (1996). A redução sociológica (3a ed.). Editora UFRJ..

Governança corporativa, dentro dos estudos de Finanças, pode ser vista como ciência normal nos ditos de Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva., pois ela não inova, tenta resolver quebra-cabeças no campo de seu conhecimento atual, sem sair e pensar fora da caixa. Nessa linha de pensamento, o texto de Gouveia e Conti (2015)Gouveia, T. A., & Conti, C. R. (2015). Um compratativo entre o positivismo e complexidade como epistemologias na teoria dos custos das transações e na teoria de imersão de redes. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 9(1), 35-50. https://doi.org/10.12712/rpca.v9i1.434
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aponta que a ciência normal é discutida e associada com o positivismo e traz como sua prioridade o cálculo, desconsiderando valores, contextos ou emoções.

Em contrapartida, a proposta das Finanças Comportamentais pode ser vista como uma revolução epistemológica dentro dos estudos de Finanças, por fazer tentativas para fugir do conceito de ciência normal - que nesta área é o do positivismo - observando o fenômeno a partir de outras lentes que não as econômicas clássicas. Apesar de as Finanças Comportamentais terem sua origem em pesquisas mais positivistas, uma vez que têm raízes em experimentos com o intuito de identificar padrões de uma parte para serem generalizáveis para o todo, algumas pesquisas na área têm conseguido fugir desse padrão por meio da análise e interpretação dos resultados considerando a sua importância para certo contexto e sem uma preocupação prioritária com a generalização dos dados. Mas será que a governança corporativa é capaz do mesmo?

Antes de pensar em respostas para o questionamento, é preciso relembrar que uma descoberta, segundo Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva., começa com o reconhecimento de que existe uma anomalia, de que a natureza violou as expectativas paradigmáticas defendidas pela ciência normal. Nesse sentido, a pesquisa em governança corporativa - apesar de estar consciente de que a anomalia existe - escolhe, com algumas exceções, não dar o próximo passo para superar os padrões de replicação, mantendo os paradigmas vigentes.

Nessa perspectiva, aqui se faz importante discutir o papel e a formação do pesquisador brasileiro em governança corporativa. Inicialmente, vale dizer que o movimento pela governança corporativa chegou ao Brasil alicerçado em normas, leis, teorias e padrões norte-americanos e ingleses, e continua imaturo em nosso solo, mesmo tendo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa como uma referência para a adoção de melhores práticas. Assim, o pesquisador brasileiro é formado, ou melhor, moldado para seguir aqueles mesmos métodos e teorias bem-aceitos internacionalmente. O pesquisador brasileiro não ousa sair da caixa imposta no cenário norte-americano principalmente, limitando-se a medir a governança corporativa no Brasil, a partir de uma comparação com mercados de realidades completamente diferentes.

Os mercados brasileiro e norte-americano são muito distintos e, como os movimentos pela governança nascem nos EUA como resposta aos escândalos corporativos naquele país, o Brasil acaba gerando pesquisas que comparam esses mercados, reconhecendo as particularidades limitantes do próprio âmbito mercadológico nacional.

Entre várias atividades, o trabalho de todo pesquisador deve considerar também ser crucial para a superação de barreiras epistemológicas de sua área. Gomes e Valle (2020)Gomes, M. da C., & Valle, M. R. do. (2020). A Tomada de decisão empresarial em finanças: Aspectos epistemológicos e paradigmáticos. Administração: Ensino e Pesquisa, 21(1), 92-113. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n1.1368
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, por exemplo, mencionam que é pelo avanço feito por pesquisadores que as Finanças Comportamentais evoluíram, fazendo uso de teorias alternativas àquelas tradicionais das Finanças Corporativas.

De fato, a governança corporativa tem traços utilitaristas e instrumentais (Herling et al., 2014Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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). Brennan e Solomon (2008)Brennan, N. M., & Solomon, J. (2008). Corporate governance, accountability and mechanisms of accountability: An overview. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 21(7), 885-906. https://doi.org/10.1108/09513570810907401
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sustentam que, tradicionalmente, a abordagem dominante desse ramo das Finanças é a quantitativa de metodologia positivista que faz uso de técnicas econométricas. Essas características, juntamente aos termos “modelo”, “índice” e “variáveis” utilizados nos estudos de governança corporativa, são foco de nossa argumentação, tornando a área fundamentalmente positivista e/ou funcionalista. Assim, propomos discutir se existe realmente a possibilidade de estudar a governança corporativa “fora da caixa”, a partir de outra epistemologia e métodos além dos bem-aceitos e antepostos. Além disso, críticas são necessárias para a evolução da literatura e para que novos caminhos se abram (Kreuzberg & Vicente, 2019Kreuzberg, F., & Vicente, E. F. R. (2019). Para onde estamos caminhando? Uma análise das pesquisas em governança corporativa. Revista de Administração Contemporânea, 23(1), 43-66. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019170381
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).

Cabe ainda destacar que alternativas não faltam. No campo da Administração, epistemologias como o interpretativismo e pós-estruturalismo podem ser utilizadas. Nos estudos em governança corporativa, mais especificamente a epistemologia interpretativa, está começando a aparecer uma tentativa dos pesquisadores em explorar dimensões pouco estudadas na área (Trevia et al., 2019Trevia, C. F., Jardim, L. S., & Pinto, S. R. da R. (2019). Governança Corporativa e fenomenografia: Meta-análise e proposição de abordagem teórico-metodológica. X Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais da ANPAD- EnEO.). Contudo, isso depende de os pesquisadores da área reconhecerem e ousarem em novas epistemologias.

GOVERNANÇA CORPORATIVA PARA SEMPRE FUNCIONAL E INSTRUMENTAL?

Magalhães-Timotio e Barbosa (2020)Magalhães-Timotio, G. J., & Barbosa, F. V. (2020). A produção científica brasileira no campo de finanças. Revista de Ciências da Administração, 22(57), 39-53. https://doi.org/https://doi.org/10.5007/2175-8077.2020.e67279
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sustentam que a prosperidade e o desenvolvimento da sociedade têm uma relação linear positiva com o alinhamento das Finanças aos objetivos dela, ou seja, como em todas as áreas, a pesquisa em Finanças é capaz de auxiliar no progresso da sociedade, contando com que os problemas de pesquisa sejam verdadeiramente relevantes aos objetivos do todo. Os pesquisadores da área têm se preocupado justamente com isso: a utilidade das fFnanças no mundo real, uma vez que ela não inova quanto à sua epistemologia e, portanto, seus métodos insistem no positivismo e no funcionalismo nos quais suas fundamentações majoritariamente se encontram.

Ardalan (2017)Ardalan, K. (2017). Capital structure theory: Reconsidered. Research in International Business and Finance, 39, 696-710. https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2015.11.010
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defende que a corrente principal das Finanças se encontra no funcionalismo, o qual ele define posteriormente como aquele que “[...] pressupõe que a sociedade tem uma existência concreta e segue certa ordem". Essas suposições levam à existência de uma ciência social objetiva e livre de valores que pode produzir um verdadeiro conhecimento explicativo e preditivo da realidade ‘lá fora’” (Ardalan, 2017Ardalan, K. (2017). Capital structure theory: Reconsidered. Research in International Business and Finance, 39, 696-710. https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2015.11.010
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, p. 699). O autor diz que os pesquisadores funcionalistas assumem que os métodos positivistas deveriam predominar nas ciências sociais. No positivismo, Donaldson (2003)Donaldson, L. (2003). Organization theory as a positive science. In The Oxford handbook of organization theory (pp. 39-62). Oxford University Press. ressalta que as explicações são dadas a partir de causa e efeito e que o positivismo organizacional objetiva criar teorias sobre as organizações e seus membros, sendo, em sua maioria, o que os estudos em governança corporativa procuram fazer. Seguindo, Donaldson (2003Donaldson, L. (2003). Organization theory as a positive science. In The Oxford handbook of organization theory (pp. 39-62). Oxford University Press., p. 42) diz que as ciências organizacionais buscam criar explicações que capturam como esse mundo organizacional funciona e, na área de Finanças, vemos que esse objetivo epistemológico se concretiza, buscando criar (ou replicar) modelos, variáveis, índices que explicam como a organização opera.

Além disso, Gouveia e Conti (2015)Gouveia, T. A., & Conti, C. R. (2015). Um compratativo entre o positivismo e complexidade como epistemologias na teoria dos custos das transações e na teoria de imersão de redes. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 9(1), 35-50. https://doi.org/10.12712/rpca.v9i1.434
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caracterizam o positivismo como ciência normal na ciência da Administração. A ciência normal, conceito elaborado primeiramente por Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva., não é inovadora; ela é replicadora e baseada em estudos pregressos bem-aceitos por sua academia. Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva. a define como a atividade de resolver quebra-cabeças, não objetivando o descobrimento de novidades, uma vez que ela é bem-sucedida quando não as encontra; mais especificamente, ele diz que ela “é cumulativa, deve seu sucesso à habilidade dos cientistas para selecionar regularmente fenômenos que podem ser solucionados através de técnicas conceituais e instrumentais semelhantes às já existentes” (Kuhn, 2013Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva., p. 119). Dito isso, vale destacar que, segundo o autor, o momento em que uma anomalia surge é aquele em que o processo para uma ciência extraordinária, como ele chama, dá início.

Assim, a preocupação de que o estudo em Finanças seja uma ciência normal tem surgido e consiste em uma crítica sobre a sua utilidade e relevância. Os estudos de Herling et al. (2014)Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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e Iquiapaza et al. (2009)Iquiapaza, R. A., Amaral, H. F., & Bressan, A. A. (2009). Evolução da pesquisa em finanças: Epistemologia, paradigma e críticas. Organizações & Sociedade, 16(49), 351-370. https://doi.org/10.1590/S1984-92302009000200008
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são exemplos dessa crítica. Herling et al. (2014)Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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apresentam uma matriz das bases epistemológicas da área das Finanças em que apresentam o positivismo, o funcionalismo e traços da racionalidade instrumental como essas bases, sendo que a última é recente pelo avanço nos estudos comportamentais. Eles propõem a reflexão sobre a relevância da área, visto que é necessário um prévio embasamento epistemológico que parece não ser de grande preocupação dos pesquisadores, ao passo que assumem o funcional-positivismo como algo dado, já legitimado na área.

Assim, os pesquisadores de Finanças tendem a simplificar ou presumir elementos comportamentais em seus estudos, o que está posto em questão com a realidade dos fenômenos que demandam outras vertentes e perspectivas. Alguns exemplos disso são a ascensão da discussão da ESG (Environmental, Social and Governance ou Ambiental, Social e de Governança em português, que são, segundo Li et al. [2021]Li, T. T., Wang, K., Sueyoshi, T., & Wang, D. D. (2021). Esg: Research progress and future prospects. Sustainability (Switzerland), 13(21),11663. https://doi.org/10.3390/su132111663
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, fatores oriundos de investimentos responsáveis) desde 2004, o entendimento da governança corporativa como estratégia, ou ainda as preocupações éticas e de responsabilidade social que, após os acontecimentos em Mariana e Brumadinho, têm ganhado espaço em pesquisas brasileiras (Fabrício et al., 2021Fabrício, S. A., Ferreira, D. D. M., & Borba, J. A. (2021). A panorama of Mariana and Brumadinho disasters: What do we know so far? Revista Eletrônica de Administração, 27(1), 128-152. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.310.102806
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; Lopes & Demajorovic, 2020Lopes, J. C., & Demajorovic, J. (2020). Corporate social responsibility: A critical view from the case study of Samarco’s socio environmental tragedy. Cadernos EBAPE.BR, 18(2), 308-322. https://doi.org/10.1590/1679-395173811x
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; entre outros).

Entretanto, a formação do pesquisador em Finanças segue os padrões preestabelecidos por (1) não ousar; (2) não acreditar que há escolha; ou ainda (3) não ver problema na perpetuação de um único modus operandi de como pesquisar na área. Isso ocorre porque, mesmo se abrindo para acadêmicos que nem sempre são oriundos de programas com foco em Finanças - o que tenderia ao pluralismo metodológico, possibilitando a abertura para novos horizontes sobre como produzir conhecimento e tornando a área cada vez mais multifacetada e interdisciplinar - quando esses pesquisadores tentam publicar algo diferente, acabam sendo moldados pela mentalidade predominante com viés funcionalista e positivista.

Como já destacamos, a instigação ao estudo da governança corporativa deu-se devido a crises financeiras e escândalos corporativos americanos (Kreuzberg & Vicente, 2019Kreuzberg, F., & Vicente, E. F. R. (2019). Para onde estamos caminhando? Uma análise das pesquisas em governança corporativa. Revista de Administração Contemporânea, 23(1), 43-66. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019170381
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); ganhando espaço nas organizações e na academia, ela se mostrou necessária para a proteção, entre outros, dos investidores em ascensão, partindo da ideia da Teoria da Agência. Sabe-se que a realidade brasileira é evidentemente diferente da norte-americana, mas a governança corporativa segue os mesmos princípios, o que reflete no meio acadêmico.

Em âmbito brasileiro, por exemplo, os estudos em governança corporativa focam empresas de capitais abertos listadas, as quais não representam a realidade do País, sendo as empresas de menor porte e de capital fechado a maioria delas. Nesse contexto, a importância da ampliação de estudos em governança em empresas fechadas é necessária, porém pesquisas nesse campo ficam restritas dentro dos pressupostos epistemológicos do positivismo, sejam elas quantitativas ou qualitativas, pois o acesso aos dados econômico-financeiros é negado em muitos casos. A realidade mostra que pesquisadores em busca de dados de difícil acesso em empresas de capital fechado precisam adotar métodos distintos daqueles positivistas, como a realização de etnografias e estudos que não se preocupem com a generalização.

A discussão sobre governança, tanto teórica quanto prática, no Brasil, nasce por meio de testes de hipóteses consolidadas em outros mercados. Ao observar os estudos nessa área, identificamos principalmente estudos de cunho descritivo, havendo falta de pesquisas exploratórias que tenham como o objetivo a identificação de variáveis que reflitam a realidade das empresas nacionais, ou ainda sem variáveis, com estudos mais subjetivos e qualitativos construtivistas que não requerem a análise prévia de variáveis para explorar dados científicos com vistas a uma ruptura epistemológica. Por isso tudo, ressaltamos a necessidade de primeiramente estudar e discutir epistemologia em governança corporativa e, posteriormente, renová-la para que seus estudos evoluam em uma ciência extraordinária.

Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva. apresenta as revoluções científicas, necessárias para dar esse salto, as quais se dão em três passos, sendo o primeiro o estado atual da governança corporativa: a ciência normal dedicada a solucionar os quebra-cabeças. O segundo passo é a aparição de anomalias que levarão para o passo final por meio de uma crise: o novo paradigma. Assim, Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva. define anomalia como “um fenômeno para o qual o paradigma não preparara o investigador” (p. 85), trazendo consigo uma crise, visto que a anomalia é inexplicável pelo que já é conhecido e revela a necessidade por uma ruptura epistemológica. Kuhn (2013)Kuhn, T. S. (2013). A estrutura das revoluções científicas (12a ed.). Perspectiva. reconhece e defende a importância das revoluções científicas ao longo de sua obra ao crer que, durante elas, os cientistas são inclinados a ter um olhar diferente; enquanto sob a égide da ciência normal eles permanecem restritos ao familiar, enxergando os mesmos pontos que vinham sendo anteriormente estudados.

Uma tentativa disso é a que Trevia et al. (2019)Trevia, C. F., Jardim, L. S., & Pinto, S. R. da R. (2019). Governança Corporativa e fenomenografia: Meta-análise e proposição de abordagem teórico-metodológica. X Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais da ANPAD- EnEO. propõem em seu estudo sobre o uso da fenomenografia na área de governança corporativa, partindo do pressuposto de que, com o aumento de estudos na área, se torna mister ampliar a abrangência das lentes epistemológicas, trazendo novas possibilidades tanto teóricas quanto metodológicas. A fenomenografia, segundo os autores, é uma opção a ser utilizada que abrirá caminhos para a governança corporativa “como um sistema contextualizado, aberto e dinâmico” (Trevia et al., 2019Trevia, C. F., Jardim, L. S., & Pinto, S. R. da R. (2019). Governança Corporativa e fenomenografia: Meta-análise e proposição de abordagem teórico-metodológica. X Encontro da Divisão de Estudos Organizacionais da ANPAD- EnEO., p. 9).

Além disso, pesquisas qualitativas foram realizadas, como a de Biscaia et al. (2020)Biscaia, G. V., Gouvêa, D. G. T., & Coco, V. L. (2020). Em direção a uma teoria comportamental dos conselhos e governança corporativa ? Um olhar para as empresas familiares brasileiras. Revista Metropolitana de Governança Corporativa, 5(1), 78-103., que estudaram a percepção de conselheiros sobre seu papel nas empresas familiares, o que só foi possível por meio de entrevistas semiestruturadas. Indo além da abordagem tradicional, uma vez que estudos qualitativos podem carregar o viés positivista, os autores superaram, pois não fornecem uma prescrição das características a serem otimizadas desses conselheiros, tampouco analisam seu papel sobre um prisma funcionalista, mas sim sobre a lógica interpretativista da representação social que se tem desses conselheiros em empresas familiares.

As Finanças Comportamentais são o campo de estudo dentro das Finanças que parece estar mais próximo de romper os laços com o positivismo e o funcionalismo, ao considerar diretamente o ser humano e tornando-o um ser ativo inserido em contextos específicos onde está situado. Herling et al. (2014)Herling, L. H., Moritz, G. D. O., Costa, A. M., & Moritz, M. O. (2014). Finanças corporativas: Sua organização e base epistemológica. Revista de Ciências da Administração, 16(39), 179-193. https://doi.org/10.5007/2175-8077.2014v16n39p179
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dizem que há uma aproximação nova das Finanças com o indivíduo e sua complexidade, que consiste nos estudos comportamentais. Todavia, Gomes e Valle (2020)Gomes, M. da C., & Valle, M. R. do. (2020). A Tomada de decisão empresarial em finanças: Aspectos epistemológicos e paradigmáticos. Administração: Ensino e Pesquisa, 21(1), 92-113. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n1.1368
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se afligem ao final de seu estudo ao questionar se as Finanças Comportamentais conseguirão fugir do paradigma predominante ou acabarão voltando a se configurar dentro dele. Os mesmos autores afirmam que as Finanças Comportamentais “[...] chamam a atenção para o reconhecimento das limitações sociais, cognitivas e emocionais dos indivíduos na projeção do ambiente econômico-financeiro” (Gomes & Valle, 2020Gomes, M. da C., & Valle, M. R. do. (2020). A Tomada de decisão empresarial em finanças: Aspectos epistemológicos e paradigmáticos. Administração: Ensino e Pesquisa, 21(1), 92-113. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n1.1368
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, p. 110) ultrapassando a figura do Homo economicus que as Finanças tinham como reconhecido. Por conseguinte, consideramos que as Finanças Comportamentais podem contribuir com o restante dos estudos na área ao liderar uma revolução epistemológica necessária em termos de relevância.

Estudos bibliométricos como o de Confessor et al. (2022)Confessor, K. L. A., Silva, J. G. Da, & Santos, J. F. Dos. (2022). Evidências da pesquisa científica em finanças nos últimos anos. Revista de Administração, Regionalidade e Contabilidade, 1(1), 16-35., que analisaram as produções científicas na área de Finanças como um todo, apresentam que essas são, em maioria, estudos quantitativos fazendo uso de dados secundários a partir de base de dados como a Economática e Compustat. A governança corporativa, ao ser analisada sob aspectos financeiros, faz uso de métodos quantitativos utilizando modelos e teorias já previamente publicadas e, por vezes, tentando estendê-las, porém sem fugir dos padrões. A pesquisa bibliométrica de Ferreira et al. (2019)Ferreira, R. M., Lima, S. L. L. De, Gomes, A. R. V., & Mello, G. R. De.(2019). Governança corporativa: Um estudo bibliométrico da produção científica entre 2010 a 2016. Organizações em Contexto, 15(29), 323-342. https://doi.org/https://doi.org/10.15603/1982-8756/roc.v15n29p323-342
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sobre a governança corporativa encontra que as palavras mais presentes nesses estudos são: “estrutura”, “mercado”, “teoria”, “desempenho”, “empresas”, “análise”, “agência” e “capital”. Em sua maioria, as palavras indicam traços positivistas e funcionalistas. Brennan e Solomon (2008)Brennan, N. M., & Solomon, J. (2008). Corporate governance, accountability and mechanisms of accountability: An overview. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 21(7), 885-906. https://doi.org/10.1108/09513570810907401
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, em seu estudo sobre governança corporativa, também incentivam a adoção de novos modelos e abordagens para além dos tradicionais, que eles indicam ser fruto do positivismo. Todos esses estudos indicam que a governança corporativa é positivista e faz uso, primordialmente, de ferramentas quantitativas, enquadrando-se então nas críticas feitas e na necessidade de renovação epistemológica.

Não obstante, os resultados do estudo de Ardalan (2004)Ardalan, K. (2004). On the theory and practice of finance. International Journal of Social Economics, 31(7), 684-705. https://doi.org/10.1108/03068290410540882
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comprovam que a academia na área de fFnanças adota o funcionalismo e positivismo (na visão do autor, as duas epistemologias são percebidas de maneira conjunta) como formas legítimas de produção de conhecimento, o que gera resistência para uma revolução em termos epistemológicos nas Finanças, mais especificamente na governança corporativa. Isso é consistente com a formação do pesquisador, que segue a academia e adota epistemologias bem-aceitas na área, o que, por sua vez, limita pesquisadores de outras áreas que desejam e estão tendo a iniciativa de abranger a governança corporativa em seus estudos a partir de diferentes perspectivas.

A pesquisa em governança corporativa, por ser estritamente positivista, carece da relação sujeito-objeto e da perspectiva individual dos que fazem parte do sistema. Por exemplo, a adoção da etnografia poderia ser significativa, trazendo resultados jamais encontrados na área, uma vez que, por meio de entrevistas informais e da observação participante, práticas de coleta adotadas em pesquisas etnográficas, viriam à tona informações mais exploratórias sobre a organização e os envolvidos com governança corporativa no Brasil. Esses mesmos resultados poderiam auxiliar a academia a traçar novos caminhos para futuras pesquisas na área e também as organizações, por terem em suas mãos informações concretas oriundas de práticas organizacionais locais e legítimas, podendo servir de benchmarking para outras.

Sob esse escudo resistente, o que nos parece haver de fato é a sensação, entre os pesquisadores da área, de uma pretensa praticidade epistemológica pela aprovação já consolidada ao longo das décadas das duas matrizes que são vistas como mais “adequadas” nesse campo de estudo, sugerindo que outras não fariam sentido, portanto nem seriam aceitas.

E O FUTURO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA: QUE CAMINHOS TRILHAREMOS?

Ressaltamos que o passado da Administração Financeira tem seu alicerce nas Ciências Econômicas e Contábeis, que, a fim de compreender a realidade social, se valem de aspectos majoritariamente numéricos, sendo marcada como positivista e funcionalista. Essas matrizes paradigmáticas estão embutidas desde a linguagem utilizada nas pesquisas de Finanças até o método nelas aplicado que seguem padrões, modelos e variáveis, replicando-os a fim de realizar todo e qualquer estudo da área. Diante do exposto, a área tem sido palco de críticas que, apesar de necessárias, ameaçam a sua reputação, partindo do pressuposto de que sua utilidade e relevância têm se perdido pelo uso contínuo e “fiel” do positivismo e do funcionalismo que lhe deram origem.

O êxito da pesquisa em Administração, como bem-dito por Barbosa et al. (2013)Barbosa, M. A. C., Santos, J. M. L. dos, Matos, F. R. N., & Almeida, A. M. B. (2013). Nem só de debates epistemológicos vive o pesquisador em administração: Alguns apontamentos sobre disputas entre paradigmas e campo científico. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 636-651. https://doi.org/10.1590/s1679-39512013000400011
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, foi relacionado com esse paradigma, que ao eleger a quantificação e a mensuração como critérios únicos para o rigor e a qualidade do conhecimento científico, corre o risco de eleger o formalismo em detrimento da relevância social e do pluralismo metodológico. A preocupação de que as Finanças, desde o seu início, têm sido uma ciência normal é grande. Não sabemos até quando os pesquisadores continuarão insistindo em seus padrões de pesquisa com métodos e teorias oriundos somente dos dois paradigmas predominantes na área. Mesmo reconhecendo que essa postura tem gerado aumento das críticas, elas aparentemente não têm sido levadas em consideração.

Vale destacar que outros campos de estudo mostraram interesse no estudo da governança corporativa e vice-versa, fato que poderia eventualmente abrir novos horizontes de pesquisa. Isso, porém, requer que os pesquisadores saiam da caixa e que, ao invés de a academia os fazer sentir-se como outsiders, considere e valorize o esforço feito.

Tendo em mente os fundamentos das epistemologias apresentadas como as bases nos estudos em governança corporativa, sabemos que, apesar de existir a necessidade de renovação do pensamento e dos princípios epistemológicos, em um período curto essa mudança radical não é factível, principalmente porque as teorias, modelos e o modo de produzir conhecimento dessa área estão baseados e impregnados profundamente pela corrente positivista, além de ser culturalmente vista como a forma correta e verdadeiramente eficiente de pesquisar. Todavia, algum passo tem que ser dado em prol da mudança.

Existem estudos em Administração e até mesmo em Finanças que buscam novos modos de pesquisar com diferentes epistemologias. Todavia, enquanto os estudos em governança corporativa continuarem persistindo em explicar os acontecimentos em empresas tão somente a partir de modelos, esse tema não conseguirá ir mais longe e quebrar o paradigma que lhe foi instaurado. Outrossim, a principal teoria na qual os estudos de governança corporativa são baseados, que é a Teoria da Agência, limita a organização a dois atores: o principal e o agente (Kreuzberg & Vicente, 2019Kreuzberg, F., & Vicente, E. F. R. (2019). Para onde estamos caminhando? Uma análise das pesquisas em governança corporativa. Revista de Administração Contemporânea, 23(1), 43-66. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019170381
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).

O processo de ruptura epistemológica na área deve ficar em mente, ser discutido e ser levado em consideração pelos pesquisadores, uma vez que ela está perdendo sua utilidade e relevância para nossa realidade situada e o mundo da prática. É essencial que novos paradigmas sejam reconhecidos em governança corporativa para que seu uso seja incentivado, fazendo com que os estudos sejam pertinentes à sociedade contemporânea, que carece de novas visões dessa área, além dos modelos e teorias já utilizados e excessivamente replicados.

É preciso romper com a noção de que fazer ciência está diretamente relacionado ao paradigma positivista. O viés positivista que se perpetua na governança corporativa, por exemplo, não reconhece o rigor metodológico da relação entre sujeito e objeto de pesquisa. Essa relação é de amplo uso entre outras vertentes epistemológicas que permitem o uso de abordagens e métodos além dos quantitativos, possibilitando verificar a essência dos mecanismos de governança corporativa. Além disso, os pesquisadores da área tendem a sentir a necessidade de estudar relações de causa e efeito (Kreuzberg & Vicente, 2019Kreuzberg, F., & Vicente, E. F. R. (2019). Para onde estamos caminhando? Uma análise das pesquisas em governança corporativa. Revista de Administração Contemporânea, 23(1), 43-66. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019170381
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), mas não se preocupam em aprofundar-se ou compreender como determinados fenômenos surgem e acontecem em diferentes realidades organizacionais, deixando de trilhar outros caminhos.

Uma sugestão seria avaliar os mecanismos de governança a partir de outras lentes epistemológicas e metodológicas para entender e analisar como eles se dão dentro de uma organização, além de observar as perspectivas dos atores envolvidos, como executivos e investidores. Outra linha de investigação seria o estudo de empresas familiares e o caminho que as leva para adoção dos mecanismos de governança corporativa, o que também pode implicar o estudo das percepções dos envolvidos como a dos proprietários, que estão abrindo mão de uma parte da sua empresa para abrir o capital. Isso somente seria possível por uma abordagem qualitativa, realizando entrevistas e observando diferentes comportamentos, percepções e reações. Contudo, isso colocaria o pesquisador em uma situação a qual o viés positivista não permite, ou seja, a consideração do ponto de vista das pessoas que estão no contexto pesquisado.

A consideração de fatores histórico-contextuais e a sua modificação ao longo do tempo também poderia ser explorada nos estudos de governança, assim como a consideração de múltiplos olhares, para além das relações causais, para explicar e predizer fenômenos. Como apontaram Barbosa et al. (2013)Barbosa, M. A. C., Santos, J. M. L. dos, Matos, F. R. N., & Almeida, A. M. B. (2013). Nem só de debates epistemológicos vive o pesquisador em administração: Alguns apontamentos sobre disputas entre paradigmas e campo científico. Cadernos EBAPE.BR, 11(4), 636-651. https://doi.org/10.1590/s1679-39512013000400011
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, os fenômenos sociais e os indivíduos não respondem a estímulos de modo linear e, dessa forma, não podem ser entendidos a partir de um esquadrinhamento cartesiano.

Se quiser permanecer como área de estudo relevante, a governança corporativa deverá, assim como outras correntes e subáreas da Administração Financeira, começar a ser percebida e estudada a partir de novas epistemologias que proporcionarão a sua renovação e abrirão novos horizontes para futuros estudos, reconquistando sua pertinência acadêmica e social.

NOTA

  • Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Avaliado pelo sistema double-anonymized peer review

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Editado por

Editor Associado ad hoc: Fabio Coimbra

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2022
  • Aceito
    29 Set 2023
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