Acessibilidade / Reportar erro

Flora vaginal e correlação com aspectos citológicos

Vaginal flora and correlation with cytological aspects

Resumos

Com a finalidade de esclarecer a patogenicidade de microorganismos que compõem a microflora vaginal, particularmente nas chamadas vaginites inespecíficas e de determinar o valor da citologia como método para identificação da flora vaginal, foram estudadas 97 pacientes, realizando cultura, exame direto a fresco, Gram e citologia do material cérvico-vaginal. Entre os microorganismos de importância clínica reconhecida, Gardnerella vaginalis foi o mais freqüentemente isolado, 48,4%, seguido de Trichomonas vaginalis, 10,3%, Candida albicans, 7,2% e Neisseria gonorrhoeae, 1,1%. Alterações citológicas indicativas de cervicite e/ou vaginite estiveram presentes na maioria dos casos de G.vaginalis, C.albicans e em todos os casos de T.vaginalis. Foi ressaltada a importância da avaliação semi-quantitativa dos microorganismos nos meios de cultura. Na avaliação da citologia como método diagnóstico para a microflora vaginal, foi observada que este foi o melhor dos métodos utilizados na identificação de T.vaginalis, tendo sido detectado cerca de 50% dos casos de C.albicans. No diagnóstico de G.vaginalis a citologia foi positiva em 48,9% dos casos, destacando-se que dos 31 casos positivos ao exame citológico, oito tiveram culturas negativas para G.vaginalis, embora tenham sido isolados nestes últimos: Haemophilus sp. ou Corynebacterium sp.

Vagina; Vagina; Vaginite; Cervicite


This work is an attempt to throw more light on the pathogenicity of microorganisms of the vaginal flora, specially those of the so-called nonspecific vaginitis. An attempt is made to determine the value of cytology as a method for the identification of vaginal flora, by the study of microbiologic cultures, fresh and Gram stain direct exam and citology of the cervico-vaginal specimens of 97 patients. Among microorganisms with clinical significance, Gardnerella vaginalis was the most frequently isolated organism, 48,4%, followed by Trichomonas vaginalis, 10.3%, Candida albicans, 7.2% and Neisseria gonorrhoeae, 1.1%. Cytologic changes typical of cervicitis and/or vaginitis were seen in the majority of cases of G. vaginalis, C. albicans, and in all cases of T.vaginalis. The importance of a semi-quantitative evaluation of the vaginal flora on the culture plates was stressed. In the evaluation of cytology as a diagnostic method of the vaginal microflora, we observed that it was the best of the two methods used in the identification of T.vaginalis and that it was capable of detecting the presence of about 50% of C.albicans. In the diagnosis of G. vaginalis cytology was positive in 48.9% of cases. It is of note that of 31 cases of positive cytologic smear, eight had negative culture for G. vaginalis, even though organisms such as Haemophilus sp or Corynebacterium sp had been isolated in these cases.

Vagina; Vagina; Vaginitis; Cervicitis


ARTIGO ORIGINAL

Flora vaginal e correlação com aspectos citológicos

Vaginal flora and correlation with cytological aspects

Hygia Maria Nunes Guerreiro; Helenemarie Schaer Barbosa; João Lycio Conceição Filho; Lúcia Maria Tishchenko; Suraia Hagge

Do Departamento de Farmácia Qualitativa da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia - Rua Barão do Jeremoabo, s/n.°, Campus, Ondina - 40000 - Salvador, BA - Brasil

RESUMO

Com a finalidade de esclarecer a patogenicidade de microorganismos que compõem a microflora vaginal, particularmente nas chamadas vaginites inespecíficas e de determinar o valor da citologia como método para identificação da flora vaginal, foram estudadas 97 pacientes, realizando cultura, exame direto a fresco, Gram e citologia do material cérvico-vaginal. Entre os microorganismos de importância clínica reconhecida, Gardnerella vaginalis foi o mais freqüentemente isolado, 48,4%, seguido de Trichomonas vaginalis, 10,3%, Candida albicans, 7,2% e Neisseria gonorrhoeae, 1,1%. Alterações citológicas indicativas de cervicite e/ou vaginite estiveram presentes na maioria dos casos de G.vaginalis, C.albicans e em todos os casos de T.vaginalis. Foi ressaltada a importância da avaliação semi-quantitativa dos microorganismos nos meios de cultura. Na avaliação da citologia como método diagnóstico para a microflora vaginal, foi observada que este foi o melhor dos métodos utilizados na identificação de T.vaginalis, tendo sido detectado cerca de 50% dos casos de C.albicans. No diagnóstico de G.vaginalis a citologia foi positiva em 48,9% dos casos, destacando-se que dos 31 casos positivos ao exame citológico, oito tiveram culturas negativas para G.vaginalis, embora tenham sido isolados nestes últimos: Haemophilus sp. ou Corynebacterium sp.

Unitermos: Vagina, microbiologia. Vagina, citologia. Vaginite, diagnóstico. Cervicite, diagnóstico.

ABSTRACT

This work is an attempt to throw more light on the pathogenicity of microorganisms of the vaginal flora, specially those of the so-called nonspecific vaginitis. An attempt is made to determine the value of cytology as a method for the identification of vaginal flora, by the study of microbiologic cultures, fresh and Gram stain direct exam and citology of the cervico-vaginal specimens of 97 patients. Among microorganisms with clinical significance, Gardnerella vaginalis was the most frequently isolated organism, 48,4%, followed by Trichomonas vaginalis, 10.3%, Candida albicans, 7.2% and Neisseria gonorrhoeae, 1.1%. Cytologic changes typical of cervicitis and/or vaginitis were seen in the majority of cases of G. vaginalis, C. albicans, and in all cases of T.vaginalis. The importance of a semi-quantitative evaluation of the vaginal flora on the culture plates was stressed. In the evaluation of cytology as a diagnostic method of the vaginal microflora, we observed that it was the best of the two methods used in the identification of T.vaginalis and that it was capable of detecting the presence of about 50% of C.albicans. In the diagnosis of G. vaginalis cytology was positive in 48.9% of cases. It is of note that of 31 cases of positive cytologic smear, eight had negative culture for G. vaginalis, even though organisms such as Haemophilus sp or Corynebacterium sp had been isolated in these cases.

Uniterms: Vagina, microbiology. Vagina, citology. Vaginitis, diagnosis. Cervicitis, diagnosis.

INTRODUÇÃO

Numerosos trabalhos sobre microflora vaginal têm sido publicados3,6,11,13,15, isolando-se uma larga variedade de microorganismos aeróbios e anaeróbios, cujo papel patogênico tem sido amplamente discutido. Trichomonas vaginalis, Candida albicans, Neisseria gonorrhoeae, Gardnerella vaginalis e Chlamydia trachomatis são os patógenos mais freqüentemente relacionados às cervicites e vaginites2,15, enquanto bactérias como os Staphylococcus sp, os Streptococcus sp e os Bacterióides sp têm sido identificados como constituintes da flora normal3,11,14. Não se pode, no entanto, esquecer o papel que inúmeros fatores desempenham no equilíbrio microorganismo-hospedeiro. Desta forma, C.albicans e T. vaginalis, patógenos reconhecidos, podem ser isolados de mulheres sem sintomatologia clínica10,15,16, dificultando assim a interpretação do achado microbiológico. Também em mulheres sintomáticas ocasionalmente não se tem conseguido isolar um patógeno reconhecido2.

Devido à dificuldade em estabelecer o papel patogênico dos microorganismos que compõem a flora vaginal, procuramos correlacionar a microflora com a presença de colpocervicite, diagnosticada através do estudo do esfregaço citológico, objetivando esclarecer a relação agente etiológico versus doença.

Procuramos também, determinar a eficácia da citologia como método diagnóstico da microflora vaginal, através de um estudo comparativo entre o esfregaço citológico e os achados microbiológicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi estudado material colhido de 97 pacientes do sexo feminino atendidas no ambulatório do Centro de Pesquisas da Maternidade Climério de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia. O material, colhido com "swab" de algodão, dos seguintes locais: fundo do saco vaginal, endocérvice, ectocérvice e uretra, foi suspenso em 0,2 ml de solução fisiológica e semeado nos diferentes meios de cultura, em intervalo não superior a duas horas. Dessas suspensões eram realizados também o exame direto a fresco e o esfregaço corado pelo método de Gram. Para o exame citológico foram colhidos dois esfregaços com espátula de madeira, um do material de fundo de saco vaginal e outro do cérvice, fixados em álcool a 95% e corados pelo método de Papanicolaou. O material de vagina, colo e uretra foi semeado nos meios de Agar sangue, Agar vaginalis4, Agar chocolate, Agar Thayer Martin e Agar Sabouraud, sendo que o de vagina era semeado também em Agar Eosina Azul de Metileno (EMB). O Agar Sabouraud e o EMB foram acrescentados à rotina bacteriológica usual para o trato genital, na expectativa de isolamento de leveduras e enterobactérias, que acreditávamos ter uma incidência mais elevada. O Agar vaginalis foi acrescentado visando o isolamento de Gardnerella vaginalis.

A identificação das bactérias isoladas foi feita por métodos convencionais. Nos exames bacteriológicos, tanto na cultura quanto na bacterioscopia, foi feita uma avaliação semi-quantitativa das bactérias, classificando-as entre numerosas e raras. A identificação de leveduras foi dirigida para C.albicans, identificada pelo teste do tubo germinativo. As leveduras identificadas como Candida sp., pelo aspecto microscópico-morfológico a partir do meio de Cornmeal e cujos resultados no teste do tubo germinativo foram negativos, foram agrupados como Candida sp. Na interpretação dos esfregaços citológicos, para caracterizar a presença de inflamação, foram considerados o número de leucócitos, a presença de macrófagos e células gigantes multinucleadas e as alterações inflamatórias presentes nas células epiteliais19.

A todas as pacientes foi aplicado um questionário visando obter dados como idade, escolaridade, atividade sexual, uso de métodos contraceptivos entre outros.

RESULTADOS

A faixa etária da população estudada variou de 16 a 50 anos, sendo a idade média 33 anos.

Em sua maior parte eram mulheres com baixo grau de escolaridade: 37(38,1%) eram analfabetas, 23(23,7%) tinham primário incompleto e 16(16,5%) haviam feito o curso primário completo. Apenas duas tinham nível universitário e as restantes enquadravam-se entre o 1.° e 2.° graus.

A maioria das mulheres era de baixo nível sócio-econômico uma vez que 76(78,3%) relataram uma renda familiar inferior a três salários mínimos. Quanto à cor, 55(56,7%) eram pardas, 30(30,9%) brancas e 15(15,5%) negras.

A maioria, 94(97%), referiu um único parceiro sexual. No que se refere ao uso de contraceptivos, 57(58,7%) não usavam nenhum tipo, 20(20,6%) faziam uso de dispositivo intra-uterino, 10(10,3%) usavam anticoncepcional oral e 11(11,3%) haviam feito ligadura de trompas uterinas.

Com relação à profissão, 57(58,8%) eram donas de casa enquanto 18(18,5%) tinham profissões não especializadas.

Quanto às características da flora vaginal das pacientes estudadas, a Tabela 1 relaciona os microorganismos encontrados. As bactérias do gênero Corynebacterium, Staphylococcus e G. vaginalis foram as mais freqüentemente isoladas: 73,2%, 52,6% e 47,4%, respectivamente.

No que se refere à presença de processo inflamatório, de acordo com o resultado do exame citológico, 87 pacientes apresentavam alterações inflamatórias em vagina e/ou cérvice, enquanto em apenas 10 pacientes não foram encontradas tais alterações. Quando se comparou a flora bacteriana destes dois grupos (Tabela 2), as diferenças mais marcantes foram no isolamento de Lactobacillus sp., que esteve associado à ausência de processo inflamatório (P < 0,1), e de G. vaginalis, que foi mais freqüentemente isolada de pacientes com vaginite e/ou cervicite, embora não se tenha encontrado significado estatístico pelo teste de Qui Quadrado (P > 0,1).

T.vaginalis, Streptococcus do grupo D, tanto enterococos como não enterococos, Escherichia coli, Streptococcus do grupo B, Candida sp., leveduras não identificadas, Neisseria gonorrhoeae, Citrobacter sp., Aeromonas sp., Pseudomonas sp. e Moraxella sp. foram encontrados apenas em pacientes com processo inflamatório.

Com a finalidade de obtermos uma avaliação mais real do significado de cada microorganismo presente no exame, procuramos fazer uma avaliação semiquantitativa da relação das bactérias entre si. Não se fez avaliação quantitativa de T. vaginalis. Nas leveduras a avaliação semi-quantitativa foi feita quando estas foram isoladas nos meios de cultura bacteriológicos, mas não quando isoladas apenas no meio de Agar Sabouraud.

Relacionamos separadamente os microorganismos reconhecidos como patogênicos e potencialmente patogênicos para o trato genital feminino. Na categoria flora normal foram incluídos microorganismos como: Corynebacterium sp., Staphylococcus epidermidis, Lactobacillus sp., Micrococcus sp., Streptococcus sp. e leveduras8. Foram agrupados como patógeno em potencial aqueles cuja predominância era de microorganismos potencialmente patogênicos como Haemophilus sp.,Candida sp. e Streptococcus dos grupos B e D. Nas 87 pacientes relacionadas na Tabela 3, que apresentaram alterações inflamatórias ao exame citológico, G. vaginalis foi o microorganismo mais freqüentemente isolado, sendo predominante em 32,2% das pacientes. Embora não conste na Tabela 3, G. vaginalis foi isolada como bactéria predominante em três pacientes sem alterações inflamatórias. Todos os casos com tricomoníase apresentavam alterações de inflamação e apenas um caso de C.albicans não apresentava tais alterações.

A fim de determinar o valor da citologia como método diagnóstico da microflora vaginal, foram comparados os resultados obtidos pelos exames microbiológicos com aqueles da citologia vaginal. Pôde-se observar que a eficiência deste método varia de acordo com o patógeno, como descreveremos a seguir.

Bactérias

Dentre as bactérias que apresentam um quadro citológico que permite um diagnóstico presuntivo, destacamos a G. vaginalis e a N. gonorrhoeae. Para a identificação de G. vaginalis levou-se em consideração a presença de células guias2 ou fenômeno Gardner-Dukes, observando-se resultados compatíveis como G. vaginalis em 31 casos e obtendo-se a confirmação bacteriológica em 23 destes, dos quais 20 casos tiveram G. vaginalis isolada como microorganismo predominante. Nos oito casos restantes, vale ressaltar, foram isolados Haemophilus sp. como bactéria predominante em dois e Corynebacterium sp. nos outros seis, ambos microorganismos com características morfológicas semelhantes à G. vaginalis. Entretanto, a cultura revelou um total de 47 amostras positivas para G. vaginalis, verificando-se que em 24 casos a citologia não apresentou aspectos que permitissem a identificação deste microorganismo. Dos casos não identificados pela citologia, 11 eram de G. vaginalis, predominante sem outro patógeno, enquanto que em 8, embora houvesse predominância de G. vaginalis, outros microorganismos patogênicos foram também encontrados. Nos outros 5 casos G. vaginalis não era predominante. Uma única cultura foi positiva para N. gonorrhoeae. Entretanto, havia Corynebacterium sp. em predominância na cultura e a citologia foi sugestiva de G. vaginalis, não havendo aspectos indicativos de N. gonorrhoeae7. Embora não houvesse sido utilizado método microbiológico para a cultura de Chlamydia trachomatis, procurou-se pela citologia identificar este microorganismo5, não sendo encontrados aspectos diagnósticos.

Trichomonas Vaginalis

O maior número de casos foi detectado pela citologia que identificou 9 casos positivos. Destes, 7 foram positivos ao exame direto a fresco do material cérvico-vaginal, um foi positivo ao exame direto do material uretral, ficando apenas um caso de diagnóstico citológico de T. vaginalis sem confirmação pelo exame à fresco. O exame direto à fresco do material cérvico-vaginal revelou um caso não identificado pela citologia. Na investigação do material uretral à fresco foram encontrados mais dois casos de tricomoníase, não confirmados no material cérvico-vaginal por qualquer das técnicas utilizadas.

Candida e Outras Leveduras

No conjunto de métodos utilizados, foram diagnosticados 20 casos positivos para leveduras. Destes, 12 apresentavam C.albicans ou Candida sp., sendo que em 6, na qual foi feita uma avaliação semi-quantitativa, a quantidade presente foi considerada moderada ou superior12. A citologia fez o diagnóstico de 3 destes últimos. Dos 8 casos de outras leveduras, a citologia identificou 2 casos, cuja quantidade foi considerada significativa. Os resultados da possível interferência da utilização de contraceptivos na flora vaginal, comparando a microflora de 20 mulheres em uso de dispositivo intra-uterino e de 10 mulheres utilizando anticoncepcional oral, pareadas com 20 mulheres que não utilizavam qualquer contraceptivo, estão apresentados na Tabela 4. As mulheres do grupo controle foram escolhidas entre aquelas cujo material foi colhido na mesma semana das pacientes que utilizavam contraceptivo, e todas, nos três grupos, eram pacientes com vaginite e/ou cervicite.

DISCUSSÃO

A flora bacteriana aeróbia das 97 mulheres deste estudo mostrou grande variedade de microorganismos, com pequenas variações em relação a outros trabalhos sobre flora bacteriana6,17,20. Na tentativa de determinar os microorganismos efetivamente envolvidos na patogenia de vaginites e cervicites, a variedade de agentes isolados nestes processos, assim como o complexo papel do equilíbrio ecológico da flora microbiana, torna bastante difícil a interpretação do significado de cada um destes agentes. Este tópico tem sido objeto de estudo de outros pesquisadores10,11,13,20, com os quais partilhamos a visão da importância da avaliação semi-quantitativa e da relação dos microorganismos entre si, como fundamental para a compreensão do problema.

Na microflora vaginal da população estudada foram encontrados C.albicans, T.vaginalis, N.gonorrhoeae e G. vaginalis, reconhecidos como microorganismos freqüentemente envolvidos em processos infecciosos do trato genital. Quanto aos microrganismos potencialmente patogênicos, levamos em consideração não só o tipo de organismo encontrado, como também avaliamos o aspecto de predominância sobre a flora reconhecidamente normal. Foram encontradas bactérias, às quais se poderia atribuir papel patogênico devido à sua predominância sobre a flora normal: Haemophilus sp., Streptococcus dos grupos B e D e Citrobacter sp.

A avaliação da importância patogênica de Candida sp. ou outras leveduras tornou-se mais complexa devido ao fato de que a avaliação semi-quantitativa destas só foi feita quando do seu isolamento nos meios de cultura de bacteriologia, deixando de ser feita quando do seu isolamento do meio de Agar Sabouraud. Desta maneira, consideramos como potencialmente patogênicas Candida sp. e outras leveduras que, isoladas nos meios de bacteriologia, estivessem, em uma avaliação semi-quantitativa, em quantidades consideradas moderadas ou superior13. Classificamos como flora normal todos os outros casos de Candida sp. e outras leveduras.

A avaliação da presença ou não de processo inflamatório entra como a terceira variável, de extrema importância na compreensão do problema. Na comparação da microflora dos dois grupos, com ou sem processo inflamatório, a semelhança da composição da flora bacteriana vaginal e/ou cervical como um todo fica por conta da presença de bactérias como: Corynebacterium sp., Staphylococcus epidermidis, Lactobacillus sp., Streptococcus não hemolítico que, fazendo parte da flora vaginal normal, podem estar presentes também em processos inflamatórios.

Numa avaliação em que entra o componente semi-quantitativo, G. vaginalis destaca-se como um patógeno importante de vaginite e cervicite, neste grupo em estudo. Em 40% das pacientes que apresentaram alterações citológicas indicativas de processo inflamatorio, G. vaginalis foi isolado como único patógeno, predominante ou não. A presença ocasional de G. vaginalis como microorganismo predominante na cultura, em pacientes sem atipia inflamatória, não invalida o seu papel patogênico, uma vez que outros microorganismos já aceitos como patogênicos, como a T. vaginalis, podem ocorrer na ausência de inflamação15. Em três pacientes do presente estudo, em que à cultura observou-se G. vaginalis predominante com citologia normal, queremos destacar que o esfregaço citológico e o esfregaço corado pelo Gram apresentavam uma predominância evidente de Lactobacillus sp, indicando possivelmente, que havia predominância deste microorganismo, mas que a não utilização de técnica específica para o seu isolamento fez com que G.vaginalis surgisse como predominante. Em nossa opinião, evidenciado o importante papel patogênico da G. vaginalis, não se justifica a sua inclusão no grupo das chamadas vaginites inespecíficas1,9,18. Tal designação deveria restringir-se àqueles casos em que apesar da citologia inflamatória, não foram isolados patógenos reconhecidos2.

Na comparação de pacientes em uso de métodos contraceptivos com grupo controle, não houve diferenças marcantes na microflora, mas o pequeno número de casos estudados não permite uma avaliação conclusiva.

AGRADECIMENTO

À Dra. Indira Marxsen Chagas, da Maternidade Climério de Oliveira que gentilmente cedeu suas pacientes para esta pesquisa.

Recebido para publicação em 17/12/1985

Reapresentado em 19/08/1986

Aprovado para publicação em 29/08/1986

Pesquisa subvencionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo n.° 40.0995/82

  • 1. AMSEL, R. et al. Nonespecific vaginitis. Amer.J.Med., 74:14-22,1983.
  • 2. ESCHENBACH, D.A. Vaginal infection. Clin.Obstet. Gynec., 26:182-202, 1983.
  • 3. GALLIS, H.A. Miciobial ecology and normal flora of the human body. In: Joklik, W.K. et al., ed. Zynnsser microbiology. 17th ed. New York, Appleton-Century Crofts, 1980. p. 405-11.
  • 4. GORBACH, S.L. et al. Anaerobic microflora of the cervix in healthy women. Amer.J.Obstet.Gynec., 117:1053-5, 1973.
  • 5. GREENWOOD, J.R. et al. Haemophilus vaginalis (Corynebacterium vaginale): method for isolation and rapid biochemical identification. Hlth Lab.Sci., 14:102-6,1977.
  • 6. GUPTA, P.K. et al. Cytologic investigations in Chlamydia infection. Acta cytol., 23: 315-20, 1979.
  • 7. HAMMANN, R. A reassessment of the microbial flora of the female genital tract, with special reference to the occurrence of bacteroides species. J med. Microbiol., 15:293-302, 1982.
  • 8. HELLER, C.J. Neisseria gonorrhoeae in Papanicolaou smear. Acta cytol., 18: 338-40, 1974.
  • 9. ISENBERG, H.D. & PAINTER, B.G. Indigenous and pathogenic microorganisms of man In: Lennette, E.H. et al, ed. Manual of clinical microbiology. 2nd ed. Washington, D.C., American Society of Microbiology, 1974. p. 45-58.
  • 10. JONES, B.M. Gardnerella vaginalis associated vaginitis. Med.Lab.Sci., 40:53-7, 1983.
  • 11. LEVISON, M. et al. Quantitative bacteriology of the vaginal flora in vaginitis. Amer.J.Obstet.Gynec., 133:139-44, 1979.
  • 12. MARTINEZ, R.L. et al. Significación patogénica de Candida en pacientes con vaginitis. Ginec.Obstet. Mexico, 50:145-8, 1982.
  • 13. MARTINS, J. A. et al. Flora bacteriana cérvico-vaginal. I - Composição. Ginec.Obstet.bras., 5: 71-7, 1982.
  • 14. MEHTA, P.V. Vaginal flora. J.reprod.Med., 27:455 -8, 1982.
  • 15. MENDEL, E.B. & HABERMAN, S. The vaginal ecology and its relationship to symptoms in vaginitis. South.med.J., 58: 374-8, 1965.
  • 16. NOVOTNY, T. Vaginal disease. Postgrad.Med., 73: 303-7,1983.
  • 17. OHM, M.J. & GALASK, RP. Bacterial flora of the cervix from 100 prehysterictomy patents. Amer. J.Obstet.Gynec., 122:683-7, 1975.
  • 18. PHEIFER, T.A. et al. Nonespecific vaginitis. New Engl.J.Med., 298:1429-33, 1978.
  • 19. WIED, G.L. The interpretation of inflamatory reactions in the vagina, cervix and endocervix by means of cytologic smears. Amer.J.clin.Pathol., 28: 233-42, 1957.
  • 20. ZUNIN, A. et al. Studio della flora bactterica vaginale in condizioni normali e in quadri patologici di frequente riscontro ginecologico. G.Batt. Virol.Immun., 74:320-34, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1986

Histórico

  • Revisado
    19 Ago 1986
  • Recebido
    17 Dez 1985
  • Aceito
    29 Ago 1986
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br