Resumos
OBJETIVO: Descrever a apresentação clínica cardiológica e a evolução temporal, estimar a incidência de ectasia ânulo-aórtica e de prolapso da valva mitral, e avaliar a tolerância e a efetividade dos betabloqueadores em crianças com síndrome de Marfan. MÉTODOS: Foram submetidas a exame clínico e ecocardiográfico seriado, durante um ano, 21 crianças com síndrome de Marfan. No ecocardiograma foram analisados: presença de prolapso mitral, diâmetro da raiz aórtica, refluxos das valvas mitral e aórtica, e o crescimento dos diâmetros aórticos na vigência de betabloqueadores. Em 11 pacientes foi possível obter duas medidas da raiz aórtica no intervalo de um ano. RESULTADOS: Durante o estudo as crianças não apresentaram sintomas. Prolapso mitral foi encontrado em 11 (52%) crianças. Ectasia ânulo-aórtica ocorreu em 16 (76%) pacientes, sendo de grau discreto em 42,8%, moderado em 9,5%, e importante em 23,8%. Um desses pacientes foi submetido com sucesso à cirurgia de Bentall DeBono. Com o uso de betabloqueador a freqüência cardíaca diminuiu 13,6% (de 85 para 73 bpm; p < 0,009), mas houve um crescimento da raiz aórtica de 1,4 mm/ano (p < 0,02). Uma criança não pôde receber betabloqueador em razão de asma brônquica, e não foram observados efeitos colaterais significativos nas outras crianças, incluindo uma com asma brônquica. CONCLUSÃO: Os resultados obtidos sugerem que, no período observado, as crianças permaneceram assintomáticas, o uso de betabloqueadores diminuiu significativamente a freqüência cardíaca e não se acompanhou de efeitos adversos significativos. Ao contrário da literatura, a incidência de ectasia ânulo-aórtica foi elevada e maior do que a de prolapso valvar mitral, tendo crescimento mesmo na vigência de uso eficaz de betabloqueador.
síndrome de Marfan; aneurisma de aorta torácica; prolapso da valva mitral; ecocardiografia com Doppler
OBJECTIVE: To describe the clinical cardiac manifestations and temporal evolution of Marfan syndrome in children; to estimate the incidence of annuloaortic ectasia and mitral valve prolapse; and to evaluate tolerability and efficacy of beta-blockers in these patients. METHODS: During one year, 21children with Marfan syndrome underwent serial clinical and echocardiographic examinations. Echocardiograms assessed: the presence of mitral valve prolapse, aortic root diameter, mitral and aortic valves regurgitation, and aortic enlargement during beta-blocker therapy. Eleven patients had two measurements of the aortic root taken one year apart. RESULTS: The children were asymptomatic throughout the study. Mitral prolapse was found in 11 (52%) children. Annuloaortic ectasia occurred in 16 (76%) patients and found to be mild in 42.8%, moderate in 9.5%, and severe in 23.8%. One of these patients underwent aortic valve replacement and repair of the ascending aorta by the Bentall-De Bono technique, with good results. Heart rate decreased by 13.6% (from 85 to 73 bpm; p < 0.009) with the use of beta-blockers; however, aortic root diameter increased by 1.4 mm/year (p<0.02). One child could not be given beta-blockers due to bronchial asthma, and no significant side effects were observed in the remaining children, including one who also had bronchial asthma. CONCLUSION: The children remained asymptomatic throughout the study, the use of beta-blockers led to a significant decrease in heart rate, and no significant adverse effects were observed. Contrary to the literature, incidence of annuloaortic ectasia was high among the study population, greater than that of mitral valve prolapse, even during beta-blocker therapy.
Marfan syndrome; thoracic aortic aneurysm; mitral valve prolapse; Doppler echocardiography
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação clínico-cardiológica e ecocardiográfica, seqüencial, em crianças portadoras da síndrome de Marfan
Victor Manuel Oporto Lopez; Ana Beatriz Alvarez Perez; Valdir Ambrósio Moisés; Lourdes Gomes; Patricia da Silveira Pedreira; Célia C. Silva; Orlando Campos Filho; Antônio Carlos C. Carvalho
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Victor Manuel Oporto Lopez R: Ouvidor Peleja, 779 04128-001 - São Paulo, SP E-mail: victoroporto666@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO: Descrever a apresentação clínica cardiológica e a evolução temporal, estimar a incidência de ectasia ânulo-aórtica e de prolapso da valva mitral, e avaliar a tolerância e a efetividade dos betabloqueadores em crianças com síndrome de Marfan.
MÉTODOS: Foram submetidas a exame clínico e ecocardiográfico seriado, durante um ano, 21 crianças com síndrome de Marfan. No ecocardiograma foram analisados: presença de prolapso mitral, diâmetro da raiz aórtica, refluxos das valvas mitral e aórtica, e o crescimento dos diâmetros aórticos na vigência de betabloqueadores. Em 11 pacientes foi possível obter duas medidas da raiz aórtica no intervalo de um ano.
RESULTADOS: Durante o estudo as crianças não apresentaram sintomas. Prolapso mitral foi encontrado em 11 (52%) crianças. Ectasia ânulo-aórtica ocorreu em 16 (76%) pacientes, sendo de grau discreto em 42,8%, moderado em 9,5%, e importante em 23,8%. Um desses pacientes foi submetido com sucesso à cirurgia de Bentall DeBono. Com o uso de betabloqueador a freqüência cardíaca diminuiu 13,6% (de 85 para 73 bpm; p < 0,009), mas houve um crescimento da raiz aórtica de 1,4 mm/ano (p < 0,02). Uma criança não pôde receber betabloqueador em razão de asma brônquica, e não foram observados efeitos colaterais significativos nas outras crianças, incluindo uma com asma brônquica.
CONCLUSÃO: Os resultados obtidos sugerem que, no período observado, as crianças permaneceram assintomáticas, o uso de betabloqueadores diminuiu significativamente a freqüência cardíaca e não se acompanhou de efeitos adversos significativos. Ao contrário da literatura, a incidência de ectasia ânulo-aórtica foi elevada e maior do que a de prolapso valvar mitral, tendo crescimento mesmo na vigência de uso eficaz de betabloqueador.
Palavras-chave: síndrome de Marfan, aneurisma de aorta torácica, prolapso da valva mitral, ecocardiografia com Doppler
A síndrome de Marfan deve seu nome ao pediatra francês, Antoine Marfan, que apresentou, em 1896, à Societé Médicale des Hôpitaux de Paris, o caso de uma menina de cinco anos de idade1. As características da doença e a história natural foram descritas de maneira ordenada pela primeira vez por McKusick em 19552. A síndrome de Marfan é uma doença do tecido conjuntivo, de origem genética, autossômica dominante e de expressividade variável, que acomete principalmente os sistemas esquelético, ocular e cardiovascular. A prevalência se estima ao redor de 1/10.000 indivíduos. Porém, outras estimativas elevam esses números até 4 a 6/10.000 indivíduos3. A origem da doença se encontra numa mutação no gene da fibrilina4 (FBN-1). As principais alterações cardiovasculares são a ectasia ânulo-aórtica e o prolapso valvar mitral. Por conta dessas alterações a expectativa de vida até poucos anos atrás era até a terceira ou a quarta décadas de vida5, mas nos últimos anos houve uma melhora significativa do prognóstico em razão do maior conhecimento da doença e das técnicas de intervenção cirúrgica6.
A maioria dos trabalhos na literatura inclui pacientes adultos2-7,8; porém, a população pediátrica não se encontra livre de complicações. Assim, os objetivos deste estudo foram descrever a apresentação clínico-cardiológica e sua evolução temporal, estimar a incidência de ectasia ânulo-aórtica e de prolapso da válvula mitral, bem como avaliar a tolerância e a efetividade dos betabloqueadores em crianças com síndrome de Marfan.
MÉTODOS
Entre janeiro de 1999 e novembro de 2000, foram avaliadas, de forma prospectiva, 21 crianças portadoras da síndrome de Marfan, 13 (62%) do sexo masculino e 8 (38%) do feminino. A síndrome foi confirmada em todos os pacientes utilizando os critérios revisados9. A idade variou dos nove meses aos dezesseis anos, com mediana de dez anos. O peso dos pacientes variou de 8 a 70 kg. O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todos os responsáveis legais pelas crianças assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para sua inclusão no estudo.
Os exames clínicos e ecocardiográficos seriados foram realizados por um único examinador. Foram obtidos radiografia de tórax na primeira consulta e eletrocardiograma em cada retorno. Os pacientes foram mantidos sob uso de betabloqueador, exceto aqueles com alguma contra-indicação; nas crianças menores foi utilizado propranolol e nas demais o atenolol. Não foi possível obter a pressão arterial sistêmica em todas as crianças, sendo a dose administrada de betabloqueador baseada apenas na freqüência cardíaca, ou seja, a dose necessária para manter a freqüência cardíaca ao redor de 60 bpm, ou a dose máxima do medicamento para o peso. Todos os pacientes em idade escolar receberam orientação para o afastamento de atividades físicas de nível competitivo.
Os aparelhos de ecocardiografia utilizados foram da ATL, modelos HDI 1500, HDI 5000 ou Phillips, modelo SD-800. Os transdutores utilizados foram de 5 ou 2,5 MHz, eletrônicos e multifreqüenciais. As medidas das cavidades cardíacas e da raiz aórtica (na região dos seios de Valsalva) foram realizadas utilizando-se o modo unidimensional com o cursor orientado pelo bidimensional; em apenas um paciente a medida da raiz aórtica foi realizada no modo bidimensional, no corte paraesternal longitudinal, ao final da diástole.
Prolapso valvar mitral foi definido mediante exame ecocardiográfico, utilizando-se os critérios da publicação de Freed e cols.10 (deslocamento superior de uma ou ambas as cúspides, acima do plano do anel valvar, maior que 2,0 mm, durante a sístole ventricular, no corte paraesternal longitudinal).
Os refluxos valvares mitral e aórtico foram subdivididos em dois grupos: discretos ou menores e aqueles significativos (moderados e importantes). Após ajuste de ganho e aumento máximo da velocidade de Nyquist, foi feita a análise visual e subjetiva da gravidade do refluxo, considerando-se as alterações morfológicas da valva mitral, as medidas das cavidades e quanto o jato de refluxo ocupava o átrio esquerdo11. Uma análise interobservador da quantificação do refluxo mitral foi realizada posteriormente. Dois examinadores experientes e independentes reviram as imagens de dez exames gravados em fita VHS e determinaram, pelo mesmo método, o grau de refluxo valvar.
O refluxo aórtico foi estimado pela relação da largura do jato ao mapeamento de fluxo em cores com a via de saída do ventrículo esquerdo11.
A classificação da ectasia ânulo-aórtica foi definida com base nos valores de referência utilizados no Setor de Ecocardiografia (adaptada deRoge e cols.12), foi estabelecida por faixas de peso, e seguiu o seguinte critério: a) até 20%, aumento discreto; b) entre 20 e 40%, aumento moderado; c) acima de 40%, aumento importante.
O teste utilizado para a análise de duas médias foi o teste pareado ou t de Student para amostras relacionadas, no caso, a comparação com um ano de seguimento do crescimento da raiz aórtica e do comportamento da freqüência cardíaca sob efeito de betabloqueador, sendo considerado significante um valor de p < 0,05. O teste utilizado para a análise da variação interobservador do refluxo mitral foi o teste de Kappa.
RESULTADOS
Todas as crianças mantiveram-se assintomáticas durante o ano de acompanhamento e não mostraram sinais de insuficiência cardíaca, mesmo as poucas crianças com refluxos valvares significativos. Não foram encontradas assimetrias na palpação dos pulsos periféricos. Uma criança de dois anos foi submetida à substituição da aorta ascendente com a técnica de Bentall-De Bono, em razão da ectasia ânulo-aórtica importante com rápido crescimento da aorta ascendente e agravamento do refluxo aórtico.
Ectasia ânulo-aórtica ocorreu em 16 (76%) pacientes, sendo de grau discreto em 42,8%, moderado em 9,5% e importante em 23,8% (5 crianças) (fig. 1). Em 11 (52%) crianças foi possível obter duas medidas da raiz aórtica com um ano de intervalo, medindo-se um crescimento anual médio do diâmetro aórtico de 10%, ou seja, de 1,4 mm/ano (p < 0,02) (tab. I). Apenas três crianças (14,2%) apresentaram regurgitação valvar aórtica, sendo o refluxo discreto na avaliação inicial, mas acentuou-se em um deles para grau moderado a importante.
Em 6 (28,6%) das crianças foi auscultado sopro de regurgitação mitral, sendo três deles considerados intensos. Em 13 (61%) dos pacientes foi auscultado clique mitral. Ao exame ecocardiográfico, 11 (52%) pacientes apresentavam prolapso valvar e 3 (14%) pacientes apresentavam refluxo mitral significativo, dos quais um foi considerado importante e os demais de grau moderado. Na análise interobservador realizada posteriormente para avaliação do refluxo mitral foi calculado um valor para a estatística Kappa de 0,635 e verificando-se, na tabela correspondente (tab. II), a maior parte das diferenças nos refluxos triviais.
O uso de betabloqueadores foi tentado em todos os pacientes, inclusive nas duas crianças com antecedentes de asma brônquica, sendo tolerado por apenas uma delas, com indicação de suspensão apenas se necessário em caso de broncoespasmo. Após a introdução do betabloqueador, foi constatada uma diminuição da freqüência cardíaca média durante a consulta de 85 bpm, para 73 bpm (p < 0,009) (tab. I).
DISCUSSÃO
A síndrome de Marfan é uma doença hereditária, ocasionada por uma mutação no gene da fibrilina, que se localiza no cromossomo 15. Em 1972, Murdoch e cols.5 demonstraram a precoce mortalidade dos portadores da síndrome de Marfan, entre a terceira e a quarta décadas de vida; porém, com uma quantidade nada desprezível de mortes abaixo dos vinte anos (25% do total de óbitos da série estudada). A causa da morte foi cardiovascular em 93% dos casos, sendo na grande maioria das vezes secundária a ruptura, dissecção ou insuficiência aórtica. Posteriormente, outros estudos demonstraram uma melhora significativa da sobrevida a partir de avanços no diagnóstico, tratamento clínico e, sobretudo, da indicação e técnicas cirúrgicas6. Recentemente Gott e cols.13 mostraram a importância da cirurgia eletiva na ectasia ânulo-aórtica, com baixa mortalidade operatória. Em contraste, cirurgia de emergência esteve associada com uma mortalidade muito mais elevada.
Embora todos os nossos pacientes tenham se mantido assintomáticos, uma criança de dois anos de idade, portadora da forma neonatal, a forma mais grave da doença, precisou da substituição da aorta ascendente com tubo valvado por ectasia importante (técnica de Bentall-De Bono14). Essa criança já se apresentou na primeira avaliação com 26 mm de raiz aórtica (máximo normal para o peso de 17 mm), e refluxo aórtico discreto, evoluindo posteriormente com um crescimento da raiz aórtica de 5 mm em apenas um ano (crescimento de 19%), atingindo 31 mm de diâmetro e piora do refluxo aórtico, fazendo-se necessária a correção, mesmo com a criança assintomática, em razão do risco iminente de ruptura ou dissecção aórticas. Essa criança encontra-se atualmente em bom estado geral e em uso de ácido acetilsalicílico como antiagregante plaquetário, em razão da presença da prótese mecânica em posição aórtica.
Outras quatro crianças com ectasia ânulo-aórtica importante aguardavam correção cirúrgica, sendo necessário, em uma delas, um reparo mitral concomitante por refluxo valvar importante.
Estudos anteriores têm acusado uma incidência de prolapso valvar mitral de até 100%15-16, porém, com taxas ao redor de 70% na maioria das publicações17. No presente estudo a incidência de prolapso mitral foi de 52,4% (11 pacientes), que em parte se explica pelos critérios mais estritos empregados em nosso protocolo. Refluxo mitral significativo foi detectado em apenas 3 (14%) pacientes, sendo apenas em uma criança de grau importante. A incidência de ectasia ânulo-aórtica encontrada no nosso material foi de 76% (16 pacientes), sendo em 23,8% deles de grau importante e, portanto, potencialmente mais grave. Enquanto o refluxo mitral é um processo em geral progressivo, a ectasia ânulo-aórtica, embora também evolua no tempo, uma vez atingido um grau de dilatação importante pode complicar subitamente e com catastróficas conseqüências, como dissecção ou ruptura. Em 11 (52%) crianças foi possível obter duas medidas da raiz aórtica com um ano de intervalo, medindo-se um crescimento anual médio do diâmetro aórtico de 10% ou de 1,36 mm/ano (valor de p< 0,02).
No trabalho de Shores e cols.18, que incluiu adultos e adolescentes, a razão de crescimento aórtico (diâmetro aórtico medido dividido pelo esperado) foi de 0,023 no grupo tratado versus 0,084 no grupo controle. Outro trabalho mostrou um crescimento de 2,1±1,6 mm/ano, no grupo não tratado, contra 0,7±1,8 mm/ano e 1,1±1,1 mm/ano em dois grupos de pacientes tratados com atenolol ou propranolol, todos eles com p < 0,0519. Um possível motivo para a maior velocidade de crescimento da raiz aórtica no nosso grupo pode ser a faixa etária estudada, pois o crescimento relativo da raiz aórtica é maior na infância e adolescência do que na idade adulta, e em parte porque, em nosso grupo, uma criança portadora da forma neonatal foi responsável, isoladamente, por 5 mm de aumento, representando 19% do diâmetro inicial.
A imagem ecocardiográfica da ectasia ânulo-aórtica é característica na síndrome de Marfan (formato em "moringa"), com o maior grau de dilatação nos seios de Valsalva, estendendo-se para a junção sino-tubular. Durante a progressão da dilatação, esta pode comprometer o resto da aorta ascendente e o arco. A dilatação da raiz aórtica predispõe também à falha de coaptação central e ao refluxo valvar aórtico20.
Embora outros autores também tenham relatado as alterações na aorta ascendente como as mais graves lesões na síndrome de Marfan em crianças7-21-24, vários livros de texto de cardiologia ainda indicam as lesões da valva mitral como as mais importantes no grupo pediátrico25, em parte pelo material consultado incluir dados da época em que não se contava com o apoio do ecocardiograma26 como método rotineiro para avaliação da raiz aórtica. É sabido que apenas a radiografia simples de tórax não permite uma avaliação completa dessa porção da aorta27. Vários estudos que acusavam a valva mitral como a principal causa de morbimortalidade no grupo pediátrico foram realizados em crianças acometidas pela forma neonatal da doença28, forma especialmente mais grave da doença na qual é mais freqüente o prolapso valvar mitral com refluxo importante e insuficiência cardíaca intratável29.
O betabloqueador utilizado foi o atenolol, pela facilidade de posologia. Apenas numa criança de um ano de idade e naqueles com antecedentes de asma brônquica foi utilizado inicialmente o propranolol. A resposta bradicárdica à medicação foi variada e imprevisível. Alguns responderam satisfatoriamente com uma freqüência cardíaca ao redor de 60 bpm, enquanto outros, inclusive com a dose máxima, conseguiram apenas modestos resultados. Uma criança asmática tolerou o uso de betabloqueadores, com a suspensão da medicação apenas nas crises de broncoespasmo. Mesmo assim, houve uma redução da freqüência cardíaca média no repouso de 84 bpm, para 73 bpm (valor de p < 0,009), e a freqüência cardíaca mínima caiu de 55 bpm para 48 bpm, e a freqüência cardíaca máxima, de 155 bpm para 115 bpm.
Algumas limitações do estudo devem ser apontadas, como o número relativamente pequeno de pacientes da amostra e daqueles em que foi possível realizar duas avaliações no intervalo de um ano, período que poderia ser considerado curto; entretanto, como a criança usualmente tem crescimento rápido, as variações observadas podem refletir o real acometimento progressivo da raiz da aorta em crianças com síndrome de Marfan. O crescimento médio da raiz aórtica de 1,4 mm/ano, valor que embora para o grupo estudado seja estatisticamente significante, deve ser analisado com cuidado, pois variações da ordem de 1 mm podem ser observadas na prática diária, sem significado clínico; contudo, deve-se salientar que ao final do estudo havia ectasia ânulo-aórtica em 76%, considerando-se o valor de referência para o peso.
Apesar das limitações apontadas, os resultados obtidos sugerem que no período observado as crianças permaneceram assintomáticas, o uso de betabloqueadores permitiu uma diminuição significante da freqüência cardíaca e não se acompanhou de efeitos adversos significativos. Ao contrário da literatura, a incidência de ectasia ânulo-aórtica foi elevada (72%) e maior do que a de prolapso valvar mitral (52,4%), e teve crescimento de 1,4 mm/ano, mesmo na vigência de uso eficaz de betabloqueador.
Recebido em 05/11/03
Aceito em 29/04/05
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Endereço para correspondência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2005 -
Data do Fascículo
Nov 2005
Histórico
-
Recebido
05 Nov 2003 -
Aceito
29 Abr 2005