Resumo
Fundamento
Os resultados a curto prazo após o uso de enxertos arteriais ainda suscitam questionamentos e dúvidas na sociedade médica.
Objetivo
Comparar os resultados imediatos de pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio com enxerto arterial único versus enxertos arteriais múltiplos.
Métodos
Estudo de coorte transversal no Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular II (REPLICCAR II). Os dados perioperatórios de 3122 pacientes foram agrupados pelo número de enxertos arteriais utilizados e seus desfechos foram comparados: reoperação, infecção profunda da ferida torácica (IPFT), acidente vascular cerebral, lesão renal aguda, intubação prolongada (>24 horas), tempo de internação curta (<6 dias), tempo de internação prolongada (>14 dias), morbidade e mortalidade. O Propensity Score Matching (PSM) correspondeu a 1062 pacientes, ajustado para o risco de mortalidade.
Resultados
Após PSM, o grupo enxerto arterial único apresentou pacientes com idade avançada, mais ex-fumantes, hipertensos, diabéticos, portadores de angina estável e infarto do miocárdio prévio. Nos enxertos arteriais múltiplos houve predomínio do sexo masculino, pneumonia recente e cirurgias de urgência. Após o procedimento, houve maior incidência de derrame pleural (p=0,042), pneumonia (p=0,01), reintubação (p=0,006), IPFT (p=0,007) e desbridamento esternal (p=0,015) no grupo de enxertos multiarteriais, porém, menor necessidade de hemotransfusão (p=0,005), infecções de extremidades (p=0,002) e menor tempo de internação (p=0,036). O uso bilateral da artéria torácica interna não foi relacionado ao aumento da taxa de IPFT, e sim a hemoglobina glicosilada >6,40% (p=0,048).
Conclusão
Pacientes submetidos a técnica multiarterial apresentaram maior incidência de complicações pulmonares e IPFT, sendo que a hemoglobina glicosilada ≥6,40% teve maior influência no resultado infeccioso do que a escolha dos enxertos.
Banco de dados, Revascularização Miocárdica; Indicadores de Morbimortalidade; Hemoglobina A Glicada
Abstract
Background
The short-term results after using arterial grafts still raise questions and doubts for medical society.
Objective
To compare the immediate outcomes of patients undergoing single arterial graft versus multiple arterial grafts coronary artery bypass grafting surgery.
Methods
Cross-sectional cohort study in the São Paulo Registry of Cardiovascular Surgery II (REPLICCAR II). Perioperative data from 3122 patients were grouped by the number of arterial grafts used, and their outcomes were compared: reoperation, deep sternal wound infection (DSWI), stroke, acute kidney injury, prolonged intubation (>24 hours), short hospital stay (<6 days), prolonged hospital stay (>14 days), morbidity and mortality. Propensity Score Matching (PSM) matched 1062 patients, adjusted for the mortality risk.
Results
After PSM, the single arterial graft group showed patients with advanced age, more former smokers, hypertension, diabetes, stable angina, and previous myocardial infarction. In the multiple arterial grafts, there was a predominance of males, recent pneumonia, and urgent surgeries. After the procedure, there was a higher incidence of pleural effusion (p=0.042), pneumonia (p=0.01), reintubation (p=0.006), DSWI (p=0.007), and sternal debridement (p=0.015) in the multiple arterial grafts group, however, less need for blood transfusion (p=0.005), extremity infections (p=0.002) and shorter hospital stays (p=0.036). Bilateral use of the internal thoracic artery was not related to increased DSWI rate, but glycosylated hemoglobin >6.40% (p=0.048).
Conclusion
Patients undergoing the multiarterial technique had a higher incidence of pulmonary complications, and DSWI, where glycosylated hemoglobin ≥6.40%, had a greater influence on the infectious outcome than the choice of grafts.
Database; Myocardial Revascularization; Indicators of Morbidity and Mortality; Glycated Hemoglobin A
Introdução
As doenças cardiovasculares são a primeira causa de morte no mundo, sendo a doença arterial coronariana a de maior impacto.11. Benjamin EJ, Muntner P, Alonso A, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2019 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation. 2019;139(10):e56-e528. doi: 10.1161/CIR.0000000000000659.
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000...
Neste cenário, a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) tem se tornado uma estratégia fundamental resultando um dos procedimentos mais realizados no mundo,22. Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Biolo A, Nascimento BR, Malta DC, et al. Cardiovascular Statistics - Brazil 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(3):308-439. doi: 10.36660/abc.20200812. , 33. Carrel T, Winkler B. Current Trends in Selection of Conduits for Coronary Artery Bypass Grafting. Gen Thorac Cardiovasc Surg. 2017;65(10):549-56. doi: 10.1007/s11748-017-0807-8. aumentando a sobrevida em longo prazo. Sendo assim, a patência dos enxertos escolhidos se torna um ponto fundamental na tomada de decisão.
Evidências atuais têm recomendado o maior uso de enxertos arteriais principalmente para a segunda melhor artéria coronária. Neste cenário, estudos prospectivos com grandes amostras foram capazes de afirmar que o uso da artéria torácica interna (ATI) bilateral é melhor que a ATI única em longo prazo, inclusive quando a revascularização for incompleta.44. Locker C, Schaff HV, Daly RC, Bell MR, Frye RL, Stulak JM, et al. Multiarterial Grafts Improve the Rate of Early Major Adverse Cardiac and Cerebrovascular Events in Patients Undergoing Coronary Revascularization: Analysis of 12 615 Patients with Multivessel Disease. Eur J Cardiothorac Surg. 2017;52(4):746-52. doi: 10.1093/ejcts/ezx171.
5. Schwann TA, Habib RH, Wallace A, Shahian D, Gaudino M, Kurlansky P, et al. Bilateral Internal Thoracic Artery Versus Radial Artery Multi-Arterial Bypass Grafting: A Report from the STS Database†. Eur J Cardiothorac Surg. 2019;56(5):926-34. doi: 10.1093/ejcts/ezz106.
6. Gaudino M, Bakaeen FG, Benedetto U, Di Franco A, Fremes S, Glineur D, et al. Arterial Grafts for Coronary Bypass: A Critical Review After the Publication of ART and RADIAL. Circulation. 2019;140(15):1273-84. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.041096. - 77. Vallely MP, Ramponi F, Seco M, Royse A. Multiarterial Grafting: Why is it So Hard to Convince the Masses of the Benefits? J Thorac Cardiovasc Surg. 2021;161(5):1832-36. doi: 10.1016/j.jtcvs.2020.04.185. No entanto, a dificuldade da técnica de retirada dos enxertos e consequentemente o aumento do tempo cirúrgico fazem com que alguns cirurgiões optem pela utilização de enxertos venosos ao invés de arteriais,66. Gaudino M, Bakaeen FG, Benedetto U, Di Franco A, Fremes S, Glineur D, et al. Arterial Grafts for Coronary Bypass: A Critical Review After the Publication of ART and RADIAL. Circulation. 2019;140(15):1273-84. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.041096. , 88. Muneretto C, Negri A, Manfredi J, Terrini A, Rodella G, Elqarra S, et al. Safety and Usefulness of Composite Grafts for Total Arterial Myocardial Revascularization: A Prospective Randomized Evaluation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(4):826-35. doi: 10.1067/mtc.2003.154. , 99. Tatoulis J, Buxton BF, Fuller JA. Patencies of 2127 Arterial to Coronary Conduits Over 15 Years. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):93-101. doi: 10.1016/s0003-4975(03)01331-6. ao mesmo passo, a infeção profunda da ferida torácica, aumento de sangramento intraoperatório, maior tempo de cicatrização entre outros se destacam como pontos negativos.99. Tatoulis J, Buxton BF, Fuller JA. Patencies of 2127 Arterial to Coronary Conduits Over 15 Years. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):93-101. doi: 10.1016/s0003-4975(03)01331-6. Motivos que podem ter colaborado para uma baixa aderência na prática.
Por outro lado, análises recentes mostrando os benefícios do uso do enxerto da artéria radial para a segunda melhor artéria coronária mostram o impacto de uma boa alternativa. Os motivos potenciais seriam a diminuição do tempo da cirurgia, a diminuição do risco de infeção profunda na ferida torácica e uma excelente patência em longo prazo quando associada ao uso de antagonistas do cálcio.1010. Verma S, Szmitko PE, Weisel RD, Bonneau D, Latter D, Errett L, et al. Should Radial Arteries Be Used Routinely for Coronary Artery Bypass Grafting? Circulation. 2004;110(5):e40-6. doi: 10.1161/01.CIR.0000136998.39371.FF. Embora sua escolha para os diversos perfis de pacientes pareça maior, incluindo os diabéticos, alguns questionamentos relacionados às características da artéria coronária alvo e ao grau de obstrução são manifestos.
Nesta vertente quando analisamos os resultados do ART trial vemos que pacientes tratados com a opção multiarterial, independentemente de ser ATI bilateral ou ATI unilateral com enxerto radial, tiveram maior sobrevida livre de eventos quando comparados ao braço uniarterial.1111. Taggart DP, Lees B, Gray A, Altman DG, Flather M, Channon K, et al. Protocol for the Arterial Revascularisation Trial (ART). A Randomised Trial to Compare Survival Following Bilateral Versus Single Internal Mammary Grafting in Coronary Revascularisation [ISRCTN46552265]. Trials. 2006;7:7. doi: 10.1186/1745-6215-7-7. No entanto ainda existem controvérsias de que a opção multiarterial aumentaria o número de complicações imediatas.
Desta forma, o intuito deste estudo foi comparar os resultados imediatos no que tange a morbimortalidade de pacientes submetidos a CRM uniarterial versus multiarterial no projeto Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular II (REPLICCAR II)
Métodos
Para esta análise foram utilizados dados do REPLICCAR II, desenvolvido em parceria com a Escola da Saúde Pública de Harvard Medical School . Trata-se de um registro prospectivo, observacional e multicêntrico com dados de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica primária e isolada em 5 hospitais do estado de São Paulo entre julho de 2017 e junho de 2019. A coleta das variáveis perioperatórias foi online em um registro construído na plataforma REDCap e dedicada ao projeto o mesmo que seguiu as definições da versão 2.9 do sistema de coleta de dados da Society of Thoracic Surgeons (STS).
Foi avaliada a tendência do uso dos enxertos arteriais nas cirurgias de revascularização miocárdica em centros no Estado de São Paulo, ao mesmo passo que foram comparados os resultados imediatos utilizando 1 enxerto arterial (uniarterial) versus ≥2 enxertos arteriais (multiarterial) em relação aos desfechos recomendados pelo STS. Duas análises foram feitas, uma com a base total e outra após o ajuste com a técnica de Propensity Score Matching que utilizou o risco esperado de mortalidade pelo STS resultando no pareamento de 1062 pacientes (531 em cada grupo uni versus multiarterial). O fluxograma de metodologias abordadas está disposto na figura 1 . A caracterização dos pacientes avaliados é representada no suplemento 1. Os autores seguiram os critérios estabelecidos pelo Strengthening the Reporting od Observational Studies in Epidemiology (STROBE).1212. Vandenbroucke JP, von Elm E, Altman DG, Gøtzsche PC, Mulrow CD, Pocock SJ, et al. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE): Explanation and Elaboration. Int J Surg. 2014;12(12):1500-24. doi: 10.1016/j.ijsu.2014.07.014.
Dados utilizados
Os dados perioperatórios e de seguimento (presencial ou via telefônica) realizados 30 dias após a cirurgia (se alta hospitalar prévia) foram incluídos na plataforma construída no REDCap para este projeto. Auditorias de qualidade foram realizadas periodicamente com o intuito de verificar a exatidão, integridade e consistência dos dados.1313. Orlandi BMM, Mejia OAV, Borgomoni GB, Goncharov M, Rocha KN, Bassolli L, et al. REPLICCAR II Study: Data Quality Audit in the Paulista Cardiovascular Surgery Registry. PLoS One. 2020;15(7):e0223343. doi: 10.1371/journal.pone.0223343.
As variáveis de desfecho analisadas foram: reoperação, infecção profunda de ferida torácica, acidente vascular cerebral, lesão renal, intubação prolongada (>24 horas), tempo de internação curta (<6 dias), tempo de internação prolongada (>14 dias), morbimortalidade e mortalidade operatória.
Todas as definições das variáveis seguiram os critérios estipulados pela versão 2.9 da STS Adult Cardiac Surgery Database. 1414. Society of Thoracic Surgeons. STS Adult Cardiac Database Data Specifications Version 2.9 [Internet]. Chicago: The Society of Thoracic Surgeons; 2017 [cited 2023 Jan 13]. Available from:: http://www.sts.org/sites/default/files/documents/word/STSAdultCVDataSpecificationsV2_73 withcorrection.pdf
http://www.sts.org/sites/default/files/d...
A variável morbidade foi um desfecho composto que incluiu os cinco desfechos importantes: acidente vascular cerebral, falha renal aguda, intubação prolongada, infeção profunda da ferida torácica e reoperação. Mortalidade operatória foi definida como as mortes ocorridas após a alta hospitalar, mas antes do trigésimo dia de pós-operatório, assim como os óbitos ocorridos durante a internação em que a operação foi realizada, mesmo que após 30 dias.
Todos os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio de julho de 2017 a 2019 nos 5 centros participantes deste estudo foram incluídos no REPLICCAR II. Desse banco de dados total (N=3122), 17% (N=531) receberam múltiplos enxertos arteriais. Durante o estudo, percebeu-se que houve um aumento no uso de enxertos de artéria radial e torácica direita, conforme mostrado no Material suplementar – Figura 1 .
Análise estatística
O software R versão 4.0.2 foi utilizado para a realização de todas as análises neste estudo.
Na análise descritiva, as variáveis contínuas foram expressas em média, mediana, desvio padrão e quartis (25% e 75%), enquanto as variáveis categóricas foram expressas em termos de frequências e porcentagens. Em razão de missings data , as porcentagens foram calculadas em função do N de respostas obtidas por variáveis e não do número total de pacientes.
O Propensity Score Matching foi utilizado para o pareamento dos grupos utilizando o método “nearest”, disponível no pacote “matchit” do software R.
Para a comparação de dois grupos nas variáveis contínuas foi utilizado o teste t para variáveis que seguiam a distribuição normal (teste de Anderson-Darling) e para as demais foram utilizados os testes não paramétricos. No caso das variáveis homogêneas foi utilizado teste de Mann-Whitney e para variáveis heterogêneas foi utilizado teste de Brunner-Munzel. Em relação, as variáveis categóricas, foi utilizado o teste Exato de Fisher ou o teste Qui-Quadrado. O nível de significância adotado nos testes foi de 0,05. Foram consideradas hipóteses bicaudais. Além disso, os intervalos de confiança construídos foram de 95%.
Resultados
O banco de dados geral mostrou que o tempo de circulação extracorpórea foi significativamente maior no grupo enxerto arterial único (p=0,001), assim como o tempo de anóxia (p=0,031); por outro lado, o tempo total de cirurgia foi maior no grupo de enxertos arteriais múltiplos (p<0,001). Percebe-se que o perfil do paciente do grupo uniarterial apresentou níveis mais baixos de hematócrito (p≤0,001), hemoglobina (p≤0,001), mas maior taxa de hemotransfusões durante o procedimento (p≤0,001), comparado ao grupo multiarterial. No intraoperatório, a artéria radial foi utilizada em 30,32% dos pacientes submetidos ao tratamento com multiarterial e a artéria torácica interna direita em 79,28%, enquanto a artéria torácica interna esquerda foi utilizada em 100% dos casos; assim, a artéria torácica interna esquerda, a artéria torácica interna direita e a artéria radial foram utilizadas concomitantemente em 9,06% dos pacientes (Material suplementar – Tabela 2 ).
O grupo de tratamento uniarterial teve um risco predito significativamente maior do que o grupo multiarterial em todas as avaliações (p<0,001), exceto para previsão de permanência hospitalar <6 dias (STS) (Material suplementar – Tabela 1 ). Com relação aos desfechos observados no banco de dados total (Material suplementar – Tabela 3), no grupo enxerto arterial único houve aumento de lesão renal aguda (p≤0,001), nova fibrilação atrial (p=0,006), sepse (p=0,003), transfusão intra e pós-operatória de hemoderivados (p≤0,001), necessidade de balão intra-aórtico (p=0,008) e necessidade de diálise no pós-operatório (p=0,002), além do aumento do tempo de internação (>14 dias) (p=0,036) em comparação ao grupo de enxertos arteriais múltiplos.
Após a seleção de 531 pacientes em ambos os grupos, pareados através do risco de mortalidade esperada pelo STS com a técnica de Propensity Score Matching, foram realizadas as comparações de desfechos.
Entre as variáveis pré-operatórias após PSM (Material suplementar – Tabela 4), houve maior prevalência do sexo masculino no grupo de enxertos arteriais múltiplos (p<0,001). O perfil dos pacientes mostrou que os pacientes do grupo uniarterial tinham idade mais avançada (p<0,001), maior taxa de diabetes mellitus (p=0,008), hipertensão (p<0,001), infarto do miocárdio prévio >21 dias (p=0,004), e tabagismo (p=0,027). Em contrapartida, o grupo multiarterial apresentou maior taxa de cirurgias de urgência (p=0,022), história familiar de doença coronariana (p=0,011), pneumonia recente (p=0,007), angina instável ou infarto agudo do miocárdio com ou sem elevação do segmento ST e sintomas na admissão hospitalar (p=0,03). Apesar do risco predito de mortalidade estar equilibrado entre os dois grupos, observou-se heterogeneidade de probabilidade de risco em relação às variáveis dos desfechos avaliados.
Em relação aos achados intraoperatórios ( Tabela 1 ), o grupo uniarterial apresentou níveis de hematócrito e hemoglobina ligeiramente menores em relação ao grupo de enxertos arteriais múltiplos (p=0,007 e p=0,006, respectivamente), o que pode ter influenciado na maior necessidade de vermelho transfusão de células sanguíneas (p=0,005). No grupo de enxertos arteriais múltiplos, houve maior utilização da técnica esqueletizada para dissecção da artéria torácica interna (p<0,001) e tempo cirúrgico (p<0,001).
Com relação aos resultados pós-operatórios ( Tabela 2 ), o grupo de enxertos arteriais múltiplos teve maior necessidade de drenagem torácica devido a derrame pleural (p=0,042), IPFT (p=0,007), pneumonia (p=0,01), necessidade de reintubação (p= 0,006), morbidade (p=0,028) e desbridamento esternal (p=0,015). No entanto, houve menores taxas de infecção no local da retirada da veia safena (p=0,002) e tempo de internação <6 dias (p=0,036). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação ao pós-operatório de acidente vascular cerebral, lesão renal, tempo de intubação, mortalidade e tempo de internação > 14 dias ou mortalidade.
Investigando os achados no grupo de enxertos arteriais múltiplos, foi feita uma análise relacionando o nível de hemoglobina glicosilada entre os pacientes que desenvolveram IPFT versus aqueles que não desenvolveram. No grupo de pacientes com enxertos multiarteriais, a hemoglobina glicosilada foi significativamente maior no grupo IPFT do que no grupo não IPFT (p=0,048). No entanto, não houve diferença entre as associações de enxertos arteriais utilizados, mesmo no subgrupo com artéria torácica interna bilateral ( Figura 2 ).
– Valores de hemoglobina glicosilada e sua relação com IPFT de acordo com o tipo de enxerto arterial utilizado.
Os resultados estão resumidos na figura central deste manuscrito.
: Resultados Imediatos após Múltiplos Enxertos Arteriais em Cirurgia de Revascularização Miocárdica no Estado de São Paulo: Estudo de Coorte
Discussão
O debate acerca da relação de prós e contras sobre o uso de enxertos arteriais múltiplos persistem, onde os melhores resultados em longo prazo99. Tatoulis J, Buxton BF, Fuller JA. Patencies of 2127 Arterial to Coronary Conduits Over 15 Years. Ann Thorac Surg. 2004;77(1):93-101. doi: 10.1016/s0003-4975(03)01331-6. são confrontados por maiores taxas de infecção, dificuldade técnica e o consequente aumento de tempo cirúrgico.1515. Schwann TA, Habib RH, Wallace A, Shahian DM, O’Brien S, Jacobs JP, et al. Operative Outcomes of Multiple-Arterial Versus Single-Arterial Coronary Bypass Grafting. Ann Thorac Surg. 2018;105(4):1109-19. doi: 10.1016/j.athoracsur.2017.10.058. , 1616. Samadashvili Z, Sundt TM 3rd, Wechsler A, Chikwe J, Adams DH, Smith CR, et al. Multiple Versus Single Arterial Coronary Bypass Graft Surgery for Multivessel Disease. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):1275-85. doi: 10.1016/j.jacc.2019.06.067. Nossa análise é consistente com a literatura e mostrou que na rotina a maioria das equipes prefere utilizar um único enxerto arterial nas cirurgias de revascularização miocárdica (uniarterial N= 2591 versus multiarterial N=531). Neste estudo transversal do banco de dados REPLICCAR II, o grupo com enxertos multiarteriais foi associado ao desenvolvimento de complicações imediatas pulmonares e IPFT.
Com relação aos desfechos pulmonares, houve aumento na taxa de derrame pleural (p=0,042), pneumonia pós-operatória (p=0,01) e necessidade de reintubação (p=0,006), entretanto, é importante ressaltar que este mesmo grupo também apresentou maior incidência de pneumonia no período pré-operatório (p=0,007), o que pode ter contribuído com o resultado negativo desta população, assim como a utilização de técnica de pleuras abertas para dissecção das artérias torácicas e o aumento de tempo cirúrgico (p>0,001), consequentemente levando a maior tempo de anestesia,1717. Auler JOC, Galas FRBG, Hajjar LA, Franca S. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica: Ventilação mecânica no intra-operatório. J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70. entretanto, não foi observado impacto na mortalidade do grupo de pacientes submetidos a técnica multiarterial.
Rocha et. al.1818. Rocha RV, Tam DY, Karkhanis R, Nedadur R, Fang J, Tu JV, et al. Multiple Arterial Grafting is Associated with Better Outcomes for Coronary Artery Bypass Grafting Patients. Circulation. 2018;138(19):2081-090. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.118.034464. avaliaram retrospectivamente a evolução de pacientes que foram submetidos a CRM com 2 ou >2 enxertos arteriais, dentre seus achados, o tempo de permanência hospitalar entre os grupos não diferiu na população estudada (média de 6 dias em ambos os grupos). Em nosso estudo, avaliando pacientes submetidos a técnica cirúrgica uni e multiarterial, foi observado que o grupo multiarterial teve impacto significativo na redução do tempo de permanência hospitalar (p=0,036). A justificativa pode ser devida a uma maior disponibilidade do paciente para deambular de maneira mais eficiente no pós-operatório, implicando na redução de edema, dor, estímulo a circulação sanguínea entre outros, o que pode ter influenciado em um menor tempo de internação, tendo em vista de que a deambulação precoce é um dos itens mais importantes que contribui à evolução positiva do paciente, como o recomendam os protocolos de rápida recuperação pós-cirúrgica.1919. Mejia OAV, Borgomoni GB, Lasta N, Okada MY, Gomes MSB, Foz MLNN, et al. Safe and Effective Protocol for Discharge 3 Days After Cardiac Surgery. Sci Rep. 2021;11(1):8979. doi: 10.1038/s41598-021-88582-0.
Nesta análise, o grupo uniarterial, mesmo com uma maior prevalência de pacientes diabéticos (p=0,008) e maior risco de IPFT (p=0,003), teve menor taxa de IPFT (p=0,007) e de desbridamento (p=0,015) que o grupo de pacientes com enxertos multiarteriais, o que vai de encontro com a literatura atual.1515. Schwann TA, Habib RH, Wallace A, Shahian DM, O’Brien S, Jacobs JP, et al. Operative Outcomes of Multiple-Arterial Versus Single-Arterial Coronary Bypass Grafting. Ann Thorac Surg. 2018;105(4):1109-19. doi: 10.1016/j.athoracsur.2017.10.058. , 1616. Samadashvili Z, Sundt TM 3rd, Wechsler A, Chikwe J, Adams DH, Smith CR, et al. Multiple Versus Single Arterial Coronary Bypass Graft Surgery for Multivessel Disease. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):1275-85. doi: 10.1016/j.jacc.2019.06.067. Observamos que a hemoglobina glicosilada >6,40% foi determinante para o desenvolvimento de IPFT, independentemente do enxerto utilizado no grupo multiarterial (p=0,048). Isto também pode ter sido influenciado pelo fato de que no grupo multiarterial houve uma taxa maior de pacientes operados com status de urgência (p=0,022) e com idade mais avançada (p<0,001).
Tendo em vista de que a hemoglobina glicosilada elevada influenciou no desenvolvimento de IPFT no grupo multiarterial, levanta-se o questionamento relacionado à atual conduta das equipes médicas, onde pacientes portadores de diabetes, ou com níveis aumentados de hemoglobina glicosilada são gerenciados para o não uso da ATI bilateral e sim para métodos alternativos como enxerto de artéria radial e/ou safena, com o intuito de reduzir a probabilidade de ocorrer o desfecho de infecção.2020. Kamiya H, Akhyari P, Martens A, Karck M, Haverich A, Lichtenberg A. Sternal Microcirculation After Skeletonized Versus Pedicled Harvesting of the Internal Thoracic Artery: A Randomized Study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;135(1):32-7. doi: 10.1016/j.jtcvs.2007.09.004. , 2121. Borger MA, Rao V, Weisel RD, Ivanov J, Cohen G, Scully HE, et al. Deep Sternal Wound Infection: Risk Factors and Outcomes. Ann Thorac Surg. 1998;65(4):1050-6. doi: 10.1016/s0003-4975(98)00063-0. Entretanto, nossos achados mostram que para evitar IFPT, os valores glicêmicos precisam ser estritamente corrigidos antes, durante e após a cirurgia de forma soberana à escolha dos enxertos utilizados, desta forma, acreditamos que a otimização mais criteriosa da glicemia2222. Arthur CPS, Mejía OAV, Lapenna GA, Brandão CMA, Lisboa LAF, Dias RR, et al. Perioperative Management of the Diabetic Patient Referred to Cardiac Surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2018;33(6):618-25. doi: 10.21470/1678-9741-2018-0147. , 2323. Ansari DM, Harahwa T, Abuelgasim E, Harky A. Glycated Haemoglobin Levels and Its Effect on Outcomes in Cardiac Surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2022;37(5):744-753. doi: 10.21470/1678-9741-2020-0188. pode trazer mais benefícios ao paciente que simplesmente evitar o uso da ATI bilateral.
Dorman et al.2424. Dorman MJ, Kurlansky PA, Traad EA, Galbut DL, Zucker M, Ebra G. Bilateral Internal Mammary Artery Grafting Enhances Survival in Diabetic Patients: A 30-Year Follow-Up of Propensity Score-Matched Cohorts. Circulation. 2012;126(25):2935-42. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.112.117606. compararam retrospectivamente após PSM, pacientes diabéticos controlados e assistidos submetidos a CRM uni e multi arterial em um seguimento de 30 anos e mostraram que, por mais que o paciente fosse diabético o uso de ATI bilateral não aumentou as taxas de morbidade e tampouco de mortalidade, Zhou et al.2525. Zhou P, Zhu P, Nie Z, Zheng S. Is the Era of Bilateral Internal Thoracic Artery Grafting Coming for Diabetic Patients? An Updated Meta-Analysis. J Thorac Cardiovasc Surg. 2019;158(6):1559-1570.e2. doi: 10.1016/j.jtcvs.2019.01.129. também mostraram benefícios no uso da técnica mutliarterial para pacientes diabéticos devidamente controlados em sua metanálise, Estes achados reforçam a teoria colocada pelos autores deste artigo, onde o controle da glicemia do paciente é soberano à escolha dos enxertos.
Este estudo trata-se de uma coorte transversal em um banco de dados de pacientes submetidos a CRM no estado de São Paulo, onde o impacto da escolha do tipo de enxertos utilizados não seguiu uma padronização pré-cirurgia o que pode ter impactado nos achados. Para diminuir vieses foi feito um ajuste através da técnica de Propensity Score Matching a partir da mortalidade estimada pelo STS em nossos registros prospectivos e estruturados de forma robusta, portanto, os resultados precisam ser validados em futuras pesquisas, preferencialmente em estudos randomizados, considerados padrão-ouro para o perfil de análise.
Conclusão
Nesta presente análise, foi identificado que o uso de enxertos multiarteriais para pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica apresentaram maior taxa de complicações pulmonares e infecção profunda de ferida torácica, sendo que a hemoglobina glicosilada acima de 6,40% teve maior influência no resultado do que a escolha dos enxertos propriamente dita. Recomenda-se o controle rigoroso da glicemia dos pacientes eletivos para níveis de hemoglobina glicada ≥6,40%, assim como um controle exaustivo nos pacientes operados de urgência, de forma de evitar desfechos infecciosos que podem impactar na evolução do paciente de forma considerável.
Agradecimentos
Ao Grupo de Estudos REPLICCAR e Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) no âmbito do Programa de Pesquisa em Saúde Unificada Sistema de gestão compartilhada (PPSUS), que permitiu o desenvolvimento deste estudo no âmbito do Processo FAPESP nº 16 /15163-0.
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Vinculação acadêmicaNão há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.Aprovação ética e consentimento informadoEste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sob o número de protocolo 2016/15163-0. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013.
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Financiamento do estudo: Este subestudo do REPLICCAR II não obteve qualquer financiamento, o estudo Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular II (REPLICCAR II) recebeu financiamento da agência de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) sob processo nº: 16/15163-0 com o projeto intitulado “Ampliação e Aprimoramento do Registro Paulista de Cirurgia Cardiovascular através de parceria com o Registro do Estado de Massachusetts/Harvard University para melhoria da qualidade dos Programas em Cirurgia Cardíaca no Sistema Único de Saúde”.
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Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Mar 2023 -
Data do Fascículo
Mar 2023
Histórico
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Recebido
02 Set 2022 -
Revisado
14 Dez 2022 -
Aceito
14 Dez 2022