Acessibilidade / Reportar erro

Manipulação de carga e movimento de nitrato em horizontes B de um Latossolo Vermelho

Charge manipulation and nitrate displacement on B horizons of an Udox soil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência do pH e da adição de carbonatos, fosfatos e sulfatos na movimentação do nitrato, em colunas constituídas do horizonte subsuperficial de um Latossolo Vermelho Acriférrico. Os experimentos foram realizados de acordo com a técnica do deslocamento miscível. Utilizaram-se como pulso de nitrato soluções de KNO3 a 10 ou 40 mmol L-1. Em cada coluna, foram obtidas curvas de transposição do elemento. A carga líquida do solo nos diferentes tratamentos variou de - 24,0 a +35,0 mmol c L-1. Nos tratamentos que receberam adição de ácido clorídrico, ácido clorídrico + fosfato, carbonato + fosfato e sulfato, as recuperações de nitrato foram maiores do que o total aplicado no pulso. As adições de carbonatos, fosfato e sulfato favoreceram a lixiviação de nitrato, e deslocaram as curvas de transposição para a esquerda. A acidificação do solo retardou o deslocamento do nitrato, e deslocaram as curvas de transposição para a direita. A movimentação de nitrato no solo foi mais influenciada pelo pH do meio, pela presença de carbonatos, fosfatos e sulfatos, do que pela força iônica do pulso.

solos tropicais; deslocamento; carga líquida; carga variável


The objective of this work was to evaluate the influence of pH and of the addition of carbonates, phosphates and sulphates on nitrate movement in columns composed by a subsuperficial horizon of an Udox soil. The experiments were carried out according to the miscible displacement technique. A 10 or 40-mmol L-1 KNO3 solution was used as nitrate pulse. Nitrate breaktrough curves were obtained for all columns. The net charge varied from - 24.0 to +35.0 mmol c L-1 in the different treatments. In the treatments that received additions of hydrochloric acid, hydrochloric acid + phosphate, carbonate + phosphate and sulphate nitrate, recovery was greater than the total amount applied as pulse. Carbonate, phosphate and sulphate additions favored nitrate leaching, displacing nitrate breaktrough curves to the left. Soil acidification delayed nitrate movement, displacing breaktrough curves to the right. Soil nitrate movement was more influenced by the pH of the environment and by the presence of carbonates, phosphates and sulphates than by the ionic strength of the pulse.

tropical soils; displacement; net charge; variable charge


SOLOS

Manipulação de carga e movimento de nitrato em horizontes B de um Latossolo Vermelho

Charge manipulation and nitrate displacement on B horizons of an Udox soil

Marco Aurélio Kondracki de AlcântaraI; Otávio Antonio de CamargoII

IUniversidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Biotecnologia, Caixa Postal 116, CEP 12602-810 Lorena, SP. E-mail: marko@usp.br

IIInstituto Agronômico de Campinas, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Solos e Recursos Agroambientais, Avenida Barão de Itapura, nº1.481, Caixa Postal 28, CEP 13020-902 Campinas, SP. E-mail: ocamargo@iac.sp.gov.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência do pH e da adição de carbonatos, fosfatos e sulfatos na movimentação do nitrato, em colunas constituídas do horizonte subsuperficial de um Latossolo Vermelho Acriférrico. Os experimentos foram realizados de acordo com a técnica do deslocamento miscível. Utilizaram-se como pulso de nitrato soluções de KNO3 a 10 ou 40 mmol L-1. Em cada coluna, foram obtidas curvas de transposição do elemento. A carga líquida do solo nos diferentes tratamentos variou de - 24,0 a +35,0 mmolc L-1. Nos tratamentos que receberam adição de ácido clorídrico, ácido clorídrico + fosfato, carbonato + fosfato e sulfato, as recuperações de nitrato foram maiores do que o total aplicado no pulso. As adições de carbonatos, fosfato e sulfato favoreceram a lixiviação de nitrato, e deslocaram as curvas de transposição para a esquerda. A acidificação do solo retardou o deslocamento do nitrato, e deslocaram as curvas de transposição para a direita. A movimentação de nitrato no solo foi mais influenciada pelo pH do meio, pela presença de carbonatos, fosfatos e sulfatos, do que pela força iônica do pulso.

Termos para indexação: solos tropicais, deslocamento, carga líquida, carga variável.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the influence of pH and of the addition of carbonates, phosphates and sulphates on nitrate movement in columns composed by a subsuperficial horizon of an Udox soil. The experiments were carried out according to the miscible displacement technique. A 10 or 40-mmol L-1 KNO3 solution was used as nitrate pulse. Nitrate breaktrough curves were obtained for all columns. The net charge varied from - 24.0 to +35.0 mmolc L-1 in the different treatments. In the treatments that received additions of hydrochloric acid, hydrochloric acid + phosphate, carbonate + phosphate and sulphate nitrate, recovery was greater than the total amount applied as pulse. Carbonate, phosphate and sulphate additions favored nitrate leaching, displacing nitrate breaktrough curves to the left. Soil acidification delayed nitrate movement, displacing breaktrough curves to the right. Soil nitrate movement was more influenced by the pH of the environment and by the presence of carbonates, phosphates and sulphates than by the ionic strength of the pulse.

Indexterms: tropical soils, displacement, net charge, variable charge.

Introdução

A lixiviação de nitrato através do perfil do solo, além de implicar em perdas consideráveis desse nutriente, representa um risco de poluição às águas superficiais e subterrâneas. Em regiões tropicais como o Brasil, Latossolos com baixo conteúdo de matéria orgânica e ricos em cargas variáveis podem apresentar carga líquida positiva, o que favorece a retenção de nitrato, que é um ânion com adsorção predominantemente eletrostática (Dynia & Camargo, 1999). O fenômeno da adsorção do nitrato tem grande importância na dinâmica desse ânion e, portanto, na aplicação de resíduos orgânicos e adubos nitrogenados. Essa adsorção é uma propriedade benéfica em solos ácidos, pois diminui a lixiviação do nitrato. A contaminação das águas por compostos nitrogenados vem recebendo atenção não só no Brasil, conforme comentam Dynia et al. (2006), mas em várias partes do mundo, em especial em países de clima temperado (Torres-Dorante et al., 2009).

Estudos envolvendo as propriedades elétricas dos solos são importantes para entender vários fenômenos ambientais, físicos e químicos, relacionados à movimentação e à adsorção de íons no solo (Camargo & Alleoni, 2006). Donn & Menzies (2005a, 2005b) realizaram experimentos de lixiviação de nitrato em colunas de subsolos de Latossolos profundos, altamente intemperizados e ricos em óxidos de ferro, com presença acentuada de cargas variáveis ao longo do perfil, e avaliaram a influência da força iônica da solução das cargas do solo e da competição de outros ânions por essas cargas sobre a movimentação de nitrato. À medida que o pulso de fertilizante se movimentava pelo perfil do solo, observou-se aumento na força iônica da solução, com consequente aumento na densidade de cargas, positivas e negativas, o que favoreceu o surgimento de sítios de adsorção do nitrato. Posteriormente, quando a frente de contaminação era deslocada pela água, a força iônica da solução diminuía, e o nitrato voltava a ser liberado para a solução. Ainda de acordo com esses autores, a presença de minerais com cargas variáveis promove a formação de cargas positivas no solo, que adsorvem o nitrato e diminuem sua lixiviação. O retardamento da lixiviação do nitrato nesses trabalhos foi proporcional à quantidade de cargas positivas do solo. Quando foi adicionado sulfato ao solo, ele ocupou preferencialmente os sítios de carga positiva, o que resultou em adsorção quase nula e aumentou a lixiviação do nitrato.

Sansoulet et al. (2007) conduziram uma série de experimentos para estudar o transporte de nitrato e de potássio em uma plantação de banana cultivada em um solo de origem vulcânica. Embora não impedida, a lixiviação desses íons foi retardada pela redução na capacidade de troca catiônica (CTC) e aumento na aniônica (CTA). Em condições ácidas, o horizonte B, com maior conteúdo de alofana, apresentou maior afinidade pelo nitrato que o horizonte A.

A influência do pH e da presença de alguns ânions na adsorção de nitrato reveste-se de especial importância em termos práticos. A calagem e a adubação fosfatada, por exemplo, são manejos químicos de solo amplamente utilizados e, emmuitos casos, imprescindíveis à exploração agrícola. Tais práticas aumentam a quantidade de cargas negativas do solo, o que pode favorecer a lixiviação de nitrato (Dynia & Camargo, 1999).

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência do pH e da adição de carbonato, fosfatos e sulfato na movimentação do nitrato, em colunas constituídas do horizonte subsuperficial de um Latossolo Vermelho.

Material e Métodos

Foram utilizadas amostras do horizonte B (50-70 cm de profundidade) de um Latossolo Vermelho Acriférrico (LV) (Santos et al., 2006), coletadas no município de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo (21º05'S, 47º36'W). Detalhes da preparação, armazenamento e caracterização do solo utilizado encontram-se em Alcântara & Camargo (2005). Os principais atributos do solo determinados foram: pH em CaCl2, 5,0; P (extratorresina), 3 g dm-3; matéria orgânica,10 g dm-3; Al, 0,0 cmolc dm-3; H + Al, 2,8 cmolc dm-3; soma de bases, 0,53 cmolc dm-3; CTCpH 7,0, 3,33 cmolc dm-3; CTCpH solo, 1,10 cmolc dm-3; CTApH1,0, 0,78 cmolc dm-3; carga líquida (CL), -3,2 mmolc kg-1; ponto de efeito salino nulo (PESN), 4,94; Fe (extrator oxalato), 1,8 g kg-1; Al (extrator oxalato), 3,0 g kg-1; Mn (extrator oxalato), 0,6 g kg-1; argila, 596 g kg-1.

Foram utilizadas colunas de percolação com 5,6 cm de diâmetro interno e 30 cm de altura para o estudo da movimentação do nitrato. Em todas as colunas, acondicionou-se 0,909 kg de solo, de modo a resultar em densidade igual a 1,23 kg dm-3 e porosidade de 0,52 m3 m-3. As densidades de fluxo (Q) obtidas nas colunas variaram entre 3,31 e 4,78 cm h-1. Utilizou-se como pulso de nitrato uma solução com 10 ou 40 mmol L-1 de KNO3, e como solução deslocadora, CaCl2 a 50 mmol L-1.Paraquantificarasconcentrações (C) de nitrato nas amostras dos efluentes coletados, utilizou-se o método da reação desse ânion com brucina em presença de ácido sulfúrico (Baker, 1967). Os experimentos foram realizados utilizando a teoria do deslocamento miscível, descrita em Reichardt & Timm (2004).

Os tratamentos aplicados ao solo foram agrupados em três experimentos. No experimento I, avaliou-se o efeito da alteração do pH, da CL, e de carbonatos na eluviação de nitrato. Nos tratamentos ACID1 e ACID2, as colunas foram lixiviadas com soluções de HCl a 300 e 1.650 mmol L-1, respectivamente, e o excesso de ácido foi removido com água desionizada. Nos tratamentos BASE1 e BASE2, foram incorporados 1,25 e 3,75 mg MgCO3 por quilograma de solo respectivamente. No experimento II, avaliou-se o efeito da adição de fosfato, na dose de 300 mg de P por quilograma de solo e na forma de KH2PO4 e de sulfato, na dose de 40 mg S por quilograma de solo e na forma de CaSO4·2H2O, ao solo. Os tratamentos com aplicação de fosfato foram M.A.K. de Alcântara e O. A. de Camargo denominados de FOSF, ACID-FOSF e BASE-FOSF. O tratamento com adição de sulfato foi denominado de SULF. Em todas as colunas dos experimentos I e II, a concentração de nitrato no pulso foi igual a 10 mmol L-1. No experimento III, estudou-se a influência da força iônica do pulso de nitrato na sua lixiviação, utilizando-se um pulso contendo 40 mmol L-1 de NO na solução, que foi comparado aos dados do experimento I. Os tratamentos com aplicação do pulso concentrado foram denominados de CONC, ACID-CONC e BASE-CONC.

A análise dos resultados foi feita considerando-se o total de nitrato recuperado, o fator de retardamento (FR) e as curvas de transposição. O nitrato recuperado (total lixiviado) foi considerado como a área sob o gráfico das concentrações C em função do volume total V de soluções aplicadas. A área foi calculada pela regra trapezoidal, utilizando-se o programa computacional QtiPlot versão 0.9.7 em ambiente Linux. As curvas de transposição foram obtidas registrando-se, na abscissa, o volume de solução aplicado em relação ao ocupado pelos poros do solo na coluna (V/V0); na ordenada, foi registrada a concentração de nitrato no efluente em relação à aplicada inicialmente no pulso (C/C0).

O FR pode ser obtido de diferentes maneiras: a partir de estudos de adsorção em condições estáticas pelo ajuste de isotermas de Freundlich, ou a partir de técnicas relacionadas com as colunas de lixiviação. A inadequação dos parâmetros obtidos na equação de Freundlich em relação à movimentação de solutos no solo foi observada por Alcântara & Camargo (2001), ao trabalhar com movimentação de crômio em colunas de solo. Qafoku & Sumner (2001), em trabalho com lixiviação de nitrato, afirmam que as técnicas em colunas ("flow-through") têm algumas vantagens sobre os estudos de adsorção que investigam a adsorção em condições estáticas ("batch-type"). Utilizando-se colunas de lixiviação, obtém-se uma estreita relação entre as fases sólida e líquida do solo, permitindo que a fase sólida do solo fique imóvel em relação ao líquido que contém uma concentração de sorbato constante e baixa. Assim, neste trabalho, o FR foi ajustado automaticamente às curvas de eluição pelo aplicativo computacional STANMOD, versão 2.07 (2003), disponível como domínio público (Simunek et al., 2008).

Resultados e Discussão

A CL diminuiu algebricamente de -3,2 (no LV-B) para -19,0 e -24,0 mmolc dm-3 de solo, nos tratamentos BASE1 e BASE2, respectivamente (Tabela 1). Nos tratamentos ACID1 e ACID2, houve aumento da CL do LV-B de -3,2 para +34,0 e +35,0 mmolc dm-3 respectivamente. Embora tenha sido grande a concentração de ácido utilizada nos tratamentos ACID1 e ACID2, a variação na CL foi pequena, o que sugere forte efeito tampão onde os tratamentos possibilitaram atingir valores próximos aos limites de variação possível para a CL desse solo. A adição de sulfato (SULF) reduziu o valor algébrico da CL de -3,2 para -8,2 mmolc dm-3, o que indica uma pequena, mas possível, adsorção específica. Como esperado, a adição de fosfato (FOSF) teve um efeito ligeiramente mais pronunciado do que SULF na CL do LV-B, que passou de -3,2 para -9,0 mmolc dm-3.

Verificou-se correlação significativa entre a CL e o pHKCl do solo (r = 0,954; p = 0,000014). Isso pode ser explicado se for considerado que a carga superficial de um solo com carga variável, como o estudado neste trabalho, depende do seu pH, do pH0 (pH no qual a adsorção de H+ é igual à de OH-), da concentração eletrolítica e da valência do íon acompanhante de sinal contrário. Porém, diferentemente do observado por Alcântara & Camargo (2010) no mesmo solo, não houve correlação entre a CL e o FR (r = 0,411; p = 0,184). O tratamento LV-B foi o que apresentou o maior FR em relação aos demais, o que pode ter mascarado a correlação com a CL. De fato, quando se exclui dessa correlação o LV-B, ela passa a ser significativa (r = 0,554; p = 0,046). O FR dos tratamentos com adição de bases, BASE1 e BASE2, foi menor, quando comparado aos FR dos tratamentos com adição de ácidos, ACID1 e ACID2: 1,223±0,042 e 1,036±0,031 versus 1,674±0,044 e 1,590±0,121, respectivamente. Esse aumento do FR com a acidificação era esperado, uma vez que a adição de ácidos ao solo promoveu o aumento do valor algébrico da CL, que passou de valores negativos para positivos. Uma maior disponibilidade de sítios de cargas positivas no solo favorece a adsorção eletrostática do nitrato, o que dificultaria sua movimentação pelo solo. Do mesmo modo, houve diminuição do FR com a adição de carbonatos ao solo. Esses resultados estão de acordo com os obtidos por Dynia & Camargo (1999), em experimentos de campo conduzidos em Latossolo Vermelho Escuro.

Com a aplicação do pulso 10 mmol L-1 de NO, as quantidades totais de nitrogênio recuperadas variaram de 0, 474 a 1, 213 mmol L-1 (Tabela 1). Nos tratamentos ACID2, ACID-FOSF, BASE-FOSF e SULF, as recuperações de nitrato foram maiores do que o total aplicado no pulso, atingindo até 21,3% maior, no caso do ACID2. No tratamento FOSF, quase todo o nitrato aplicado foi recuperado. Dynia & Camargo (1999) também detectaram aumento na recuperação de nitrato com a aplicação de carbonatos e defosfatos, em experimentos de campo em um Latossolo Vermelho Escuro. É importante lembrar que, no presente trabalho, no momento de início das coletas e antes de receberem o pulso de nitrato, as colunas foram intensamente percoladas com solução deslocadora, livre desse íon. Ou seja, no momento em que as coletas do líquido efluente começaram a ser feitas, o nitrogênio previamente existente no solo já havia sido completamente removido, o que exclui a possibilidade de sua contribuição para o total recuperado.

A quantidade de nitrato recuperada na coluna que recebeu o tratamento BASE-CONC (4,251 mmolc ) foi maior do que a da coluna que recebeu o tratamento CONC (3,464 mmolc ). Com a adição de carbonatos, a CLdoLV-B teve seu valor algébrico diminuído de -3,2 para -24,0 mmolc dm-3. A maior quantidade de cargas negativas no solo decorrente da adição de carbonatos explicaria a maior lixiviação de nitrato, que resulta da menor adsorção eletrostática ao solo. Quando se compara a recuperação de nitrato nas colunas CONC e ACID-CONC, os resultados são aparentemente contraditórios. Com a adição de ácido clorídrico ao solo, a CL passou de -3,2 para +35,0 mmolc dm-3. Desse modo, era esperado aumento na adsorção com consequente diminuição na lixiviação. No entanto, o nitrato recuperado na coluna ACID-CONC foi maior (4,488 mmolc ) em relação à coluna CONC (3,464 mmolc ). Comportamento semelhante foi observado em relação às colunas LV-B e ACID2. Uma possível explicação é que a exclusão iônica dos íons nitrato, em decorrência da competição pelos sítios de carga entre os íons nitrato e os íons cloreto, pode ter ocorrido. Donn & Menzies (2005b), relatam experimentos nos quais alguns solos, submetidos a uma faixa de variação de pH entre 4,0 e 7,5, foram tratados com soluções contendo concentrações iniciais iguais de íons cloreto e nitrato. Os resultados obtidos por esses autores mostram que a razão entre as atividades de cloreto e nitrato em solução (aCl/aNO3) é sempre menor que 1,0, o que indica uma leve preferência dos sítios de troca do solo pelo cloreto em relação ao nitrato. No presente trabalho, se estão sendo adsorvidos preferencialmente aos íons nitrato, os íons cloreto provenientes do HCl poderiam ter sofrido exclusão iônica por competição, o que explicaria as maiores quantidades recuperadas de nitrato nas olunas acidificadas, quando comparadas às colunas sem adição de ácido.

Neste trabalho, os tratamentos BASE1, BASE2 e BASE-CONC resultaram em aumento na quantidade de nitrato recuperado em relação às colunas sem adição desse corretivo (LV-B e CONC). Segundo Ernani (2008), a adição de carbonatos promove o surgimento de cargas negativas no solo e, consequentemente, o aumento na adsorção negativa de ânions. Isso explicaria a maior recuperação de nitrato no efluente observada aqui.

Segundo Ji (1997), a adsorção negativa de ânionsno solo pode ser estimada pormeio da seguinte equação:

XA/YA = [(mC7/V) +YM]/XM (1)

em que: X é a atividade dos íons na solução livre; Y representa a atividade dos íons do eletrólito livre em solução, contidos na dupla camada elétrica (teoria de Donnan); m é a massa do solo; C7 é a capacidade de troca de cátions a pH 7; V é o volume da solução da camada interna; M são as espécies catiônicas e A as espécies aniônicas.

De acordo com a equação (1), a concentração de eletrólitos também influencia a adsorção negativa. XM diminui com a concentração, m e C7 permanecem inalterados, o que resulta em aumento da magnitude da adsorção negativa. Isso poderia explicar os resultados obtidos no presente trabalho quando se comparam as colunas que receberam pulso menos concentrado com aquelas que receberam pulso mais concentrado (LV-B versus CONC; BASE2 versus BASE-CONC e ACID2 versus ACID-CONC). A lixiviação de nitrato foi proporcionalmente maior nas colunas que receberam pulso menos concentrado de nitrato em relação àquelas com aplicação de pulso mais concentrado.

Ao comparar os tratamentos ACID1 e ACID2 em relação ao BASE1 e BASE2, verificou-se que a adição de ácidos resultou em deslocamento das curvas de transposição para a direita (Figura 1). Isto pode ser explicado pelo aumento na retenção de nitrato no solo, decorrente da inversão de sinal da carga líquida, o que se refletiu também em aumento no FR. Qafoku & Sumner (2001) também relataram aumento no FR e deslocamento das curvas de transposição de ânions em colunas de lixiviação, em decorrência do aumento do valor algébrico da CL. Neste trabalho, o efeito da acidificação do solo foi mais evidente no lado direito das curvas de transposição, o que sugere uma dessorção mais lenta desse ânion no solo. A região aqui denominada de "lado direito da curva" começa no ponto de máxima recuperação de nitrato e vai até a extremidade direita da curva. O "lado esquerdo da curva" refere-se ao início da recuperação de nitrato até o ponto em que se obtêm as máximas relações C/C0 desse elemento.


Nos tratamentos FOSF, BASE-FOSF e SULF, houve um acentuado deslocamento da curva de transposição de nitrato para a esquerda, em comparação aos demais tratamentos (Figura 2). Nesses três tratamentos, o início da recuperação de nitrato foi muito rápido com valores de V/V0 próximos de zero. Essa rápida recuperação de nitrato está de acordo com os valores de FR de 0,983±0,066 e 0,960±0,052, para o FOSF e BASE-FOSF, respectivamente. No tratamento SULF, o FR também foi próximo a 1,0: 1,059±0,095. Há que se considerar que os mecanismos de adsorção de fosfato e de sulfato ao solo são muito diferentes em relação aos do nitrato. O fosfato é adsorvido especificamente aos coloides do solo, notadamente oxidróxidos de Fe e Al (Novais et al., 2007). Casagrande et al. (2003), ao estudar a adsorção de fosfato e de sulfato em três solos, utilizaram um Latossolo Vermelho Acriférrico, semelhante ao aqui utilizado. Esses autores comentam que, com a adição de fosfatos ao solo, ocorreu elevação do pH, o que teria tornado o potencial elétrico dos coloides do complexo solo-Ca mais negativo com diminuição do valor algébrico. Um potencial mais negativo contribuiria para a repulsão do nitrato.


Para detalhar a comparação entre os tratamentos LV-B, SULF e FOSF, a análise das curvas foi dividida em duas regiões. O lado esquerdo das curvas de SULF e FOSF são praticamente coincidentes, o que sugere que o efeito dos tratamentos na movimentação do nitrato nessa região foram muito semelhantes. Os valores da CL para o SULF e o FOSF foram muito próximos: - 8,2 e -9,0 mmolc dm-3, respectivamente. Também os valores de FR para esses dois tratamentos foram próximos. O mecanismo pelo qual o sulfato é adsorvido ao solo ainda é uma questão controversa. Agbenin (1997), ao estudar a retenção de sulfato em um solo caulinítico, mostrou que parte da adsorção foi específica e pode ter criado alguma carga negativa complementar. Porém, Casagrande et al. (2003) não encontraram resultado tão evidente para Latossolos brasileiros. Assim, a presença de sulfato resulta em diminuição da quantidade de sítios de troca disponíveis para adsorver o nitrato, ou por aumento de CL negativa ou por simples competição entre os dois ânions. Consequentemente, a adsorção do nitrato seria prejudicada, o que favoreceria a sua movimentação no solo. As curvas de SULF e FOSF diferiram consideravelmente na região aqui denominada de "lado direito da curva". A região do lado direito do SULF mostrou-se mais alongada em relação ao FOSF. Ou seja, no caso do SULF, a diminuição dos valores de C/C0 ocorreu de forma mais lenta, o que reflete uma dessorção mais lenta do ânion. Curtin & Syers (1990) verificaram que a adsorção de sulfato promoveu a formação de cargas positivas pela liberação de OH-. O aparecimento de cargas negativas no solo, no SULF, em decorrência da adsorção de sulfato, poderia explicar, ao menos em parte, a dessorção mais lenta do nitrato.

Quando se compara os tratamentos LV-B e ACID-FOSF, observa-se que as curvas de transposição são praticamente coincidentes, o que sugere que a adição de ácido teria conseguido minimizar os efeitos da adição de fosfato ao solo. É interessante notar que comportamento semelhante foi observado ao comparar o LV-B aos tratamentos com adição de ácidos (ACID1 e ACID2). Note-se, porém, que a acidificação não conseguiu eliminar completamente o favorecimento da movimentação causado pelo fosfato, uma vez que, na curva de transposição do ACID-FOSF, foram obtidos maiores valores máximos para C/C0 em comparação ao LV-B, bem como, maiores quantidades totais de recuperação no efluente, conforme discutido para a Tabela 1.

A aplicação de um pulso concentrado de nitrato de 40 mmol L-1 (CONC), resultou em antecipação da recuperação desse ânion no solo em relação à aplicação do pulso menos concentrado de 10 mmol L-1 (LV-B) (Figura 3). Esse efeito pode ser constatado pela diminuição dos valores de início da recuperação de nitrato (V/V0 inic), de 1,35 para 0,45, nas colunas LV-B e CONC, respectivamente. Black & Waring (1976), em experimento de campo em solo de textura grosseira, também mostraram que baixas concentrações de nitrato se movem através do solo mais lentamente do que altas concentrações.


Comparando-se as curvas LV-B versus CONC, ACID2 versus ACID-CONC e BASE2 versus BASE-CONC, observa-se que elas são praticamente Figura 3. Curvas de transposição de nitrato, em Latossolo Vermelho Acriférrico, submetido a pulsos com diferentes forças iônicas (Experimento III): A, LV-B; B, CONC; C, ACID2; D, ACID-CONC; E, BASE2 e F, BASE-CONC. coincidentes. Esses resultados sugerem que o efeito da modificação de pH do meio deve ser maior do que o efeito da força iônica do pulso de nitrato. Dessa forma, algum efeito da força iônica do pulso fica encoberto pelo efeito do pH.

Finalmente, cabe lembrar que, a princípio, deve-se evitar a extrapolação direta dos resultados de colunas de lixiviação para condições de campo, pois são situações distintas em relação aos pressupostos teóricos e experimentais envolvidos. Tais extrapolações devem ser feitas com muita prudência.

Conclusões

1. As adições de carbonatos, fosfato e sulfato em Latossolo Vermelho Acriférrico favorecem a lixiviação de nitrato.

2. A acidificação de Latossolo Vermelho Acriférrico retarda o deslocamento do nitrato.

3. O movimento de nitrato em Latossolo Vermelho Acriférrico é mais influenciado pelo pH do meio e pela presença de carbonato, de fosfato e de sulfato do que pela força iônica do pulso.

Recebido em 2 de dezembro de 2008 e aprovado em 23 de janeiro de2010

  • AGBENIN, J.O. Sulfate retention by kaolinitic Alfisols from Nigeriansavanna. Soil Science Society of America Journal, v.61, p.53-57, 1997.
  • ALCÂNTARA, M.A.K. de; CAMARGO, O.A. de. Adsorção de nitrato em solos com cargas variáveis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.40, p.369-376, 2005.
  • ALCÂNTARA, M.A.K. de; CAMARGO, O. A. de. Movimentação de nitrato em horizonte superficial e subsuperficial de Latossolo e Nitossolo com cargas variáveis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.45, p.81-88, 2010.
  • ALCÂNTARA, M.A.K. de; CAMARGO, O.A. de. Transporte de crômio trivalente influenciado pelo pH, horizonte do solo e fontes do crômio. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.5, p.497-501, 2001.
  • BAKER, A.S. Colorimetric determination of nitrate in soil and plant extracts with brucine. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.15, p.802-806, 1967.
  • BLACK, A.S.; WARING, S.A. Nitrate leaching and adsorption in a Krasnozem from Redland Bay, Qld. III. Effect of nitrate concentration on adsorption and movement in soil columns. Australian Journal of Soil Research, v.14, p.189-195,1976.
  • CAMARGO, O.A. de; ALLEONI, L.R.F. Alguns métodos e terminologias em eletroquímica de solos. 2006. Disponível em: <www.infobibos.com/artigos/solos/eletroquimica/eletroquimica.htm>.Acesso em: 11 dez.2007.
  • CASAGRANDE, J.C.; ALLEONI, L.R.F.; CAMARGO, O.A. de; BORGES, M. Adsorção de fosfato e sulfato em solos com cargas elétricas variáveis. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.27, p.51-59, 2003.
  • CURTIN, D.; SYERS, J.K. Mechanism of sulphate adsorption by two tropical soils. Journal of Soil Science, v.41, p.295-304, 1990.
  • DONN, M.J.; MENZIES, N.W. Simulated rainwater effects on anion exchange capacity and nitrate retention in Ferrosols. Australian Journal of Soil Research, v.43, p.33-42, 2005a.
  • DONN, M. J.; MENZIES, N. W. The effect of ionic strength variation and anion competition on the development of nitrate accumulations in variable charge subsoils. Australian Journal of Soil Research, v.43, p.43-50, 2005b.
  • DYNIA, J.F.; CAMARGO, O.A. de. Nitrate retention in a variable-charge soil, as influenced by phosphate fertilizing and liming Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.34, p.141-144, 1999.
  • DYNIA, J.F.; SOUZA, M.D. de; BOEIRA, R.C. Lixiviação de nitrato em Latossolo cultivado com milho após aplicações sucessivas de lodo de esgoto. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, p.855-862, 2006.
  • ERNANI, P.R. Química do solo e disponibilidade de nutrientes Lages, 2008.230p.
  • JI, G.L. Electrostatic adsorption of anions. In: YU, T.R. (Ed.). Chemistry of variable charge soils. Oxford: Oxford University, 1997. p.112-139.
  • NOVAIS, R.F.; SMYTH, T.J.; NUNES, F.N. Fósforo. In: NOVAIS, R.F.; ALVAREZ V., V.H.; BARROS, N.F.; FONTES, R.L.F.; CANTARUTTI, R.B.; NEVES, J.C.L. (Ed.). Fertilidade do solo Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2007. p.471-550.
  • QAFOKU, N.P.; SUMNER, M.E. Retention and transport of calcium nitrate in variable charge subsoils. Soil Science, v.166, p.297-307,2001.
  • REICHARDT, K.; TIMM, L.C. Solo, planta e atmosfera: conceitos, processos e aplicações. Barueri: Manole, 2004.478p.
  • SANSOULET, J.; CABIDOCHE, Y.M.; CATTAN, P. Adsorption and transport of nitrate and potassium in an Andosol under banana (Guadalupe, Trench West Indies). European Journal of Soil Science, v.58, p.478-489, 2007.
  • SANTOS, H.G. dos; JACOMINE, P.K.T.; ANJOS, L.H.C. dos; OLIVEIRA, V.A. de; OLIVEIRA, J.B. de; COELHO, M.R.; LUMBRERAS, J.F.; CUNHA, T.J.F. (Ed.). Sistema brasileiro de classificação de solos. 2.ed. Riode Janeiro: Embrapa Solos, 2006. 306p.
  • SIMUNEK, J.; GENUCHTEN, M.T. van; SEJNA, M. Development and Applications of the HYDRUS and STANMOD Software Packages and Related Codes. Vadose Zone Journal, v.7, p.587-600,2008.
  • TORRES-DORANTE, L.O.; LAMMEL, J.; KUHLMANN, H. Use of a layered double hydroxide (LDH) to buffer nitrate in soil: long-term nitrate exchange properties under cropping and fallow conditions. Plant and Soil, v.315, p.257-272, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 2010

Histórico

  • Aceito
    23 Jan 2010
  • Recebido
    02 Dez 2008
Embrapa Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento; Pesquisa Agropecuária Brasileira Caixa Postal 040315, 70770-901 Brasília DF Brazil, Tel. +55 61 3448-1813, Fax +55 61 3340-5483 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: pab@embrapa.br