Resumo
In the selective reduction procedure proposed by Magos SnCl2 was used as reductant for inorganic mercury while total mercury was determined after reduction with a mixture of SnCl2 and CdCl2. The difference between total mercury and inorganic mercury determines the content of organic mercury. The procedure of the present work differs of Magos in that the mercury vapour is carried to the absorption cell after magnetic stirring of the solution in the reaction flask; in the Magos procedure, mercury vapour is carried by bubbling the gas in to the solution. In contrast to the Magos procedure this slight modification overcame the necessity of at calibration by analyte addition, saving time and gainning accuracy.
mercury speciation; selective reduction; atomic absorption
mercury speciation; selective reduction; atomic absorption
ARTIGO
Redução seletiva aplicada à especiação de mercúrio em peixes: uma adaptação do método de magos
Aricelso Maia Limaverde Filho e Reinaldo Calixto de Campos
Dep. de Química - PUC - Rio - Rua Marquês de São Vicente, 225 - Gávea - Rio de Janeiro - RJ
Recebido em 28/11/97; aceito em 16/4/99
Selective reduction for the determination of mercury in fish: an adaptation of the magos method. In the selective reduction procedure proposed by Magos SnCl2 was used as reductant for inorganic mercury while total mercury was determined after reduction with a mixture of SnCl2 and CdCl2. The difference between total mercury and inorganic mercury determines the content of organic mercury. The procedure of the present work differs of Magos in that the mercury vapour is carried to the absorption cell after magnetic stirring of the solution in the reaction flask; in the Magos procedure, mercury vapour is carried by bubbling the gas in to the solution. In contrast to the Magos procedure this slight modification overcame the necessity of at calibration by analyte addition, saving time and gainning accuracy.
Keywords: mercury speciation; selective reduction; atomic absorption.
INTRODUÇÃO
A especiação de mercúrio em amostras clínicas ou ambientais é particularmente complexa devido à ampla gama de formas químicas que este metal assume e à variedade de comportamento das mesmas. Porém, é de suma importância, não somente para definir o comportamento e destino destes compostos, mas também as consequências toxicológicas potenciais de sua presença nos diversos sistemas. Assim, como consequência da constatação dos problemas associados à presença de organomercuriais no ambiente, uma maior preocupação passou a existir quanto ao desenvolvimento de procedimentos analíticos que permitam a especiação do mercúrio com exatidão e sensibilidade.
Para identificar as espécies mercuriais presentes em uma determinada amostra, a primeira dificuldade consiste na escolha de um pré-tratamento adequado. Este deve ser capaz de trazer os compostos de mercúrio presentes na amostra a formas convenientes à etapa posterior de determinação sem, entretanto, modificar a identidade das espécies ao longo do processo. São sugeridos, dependendo da amostra, diversos procedimentos, que envolvem, p.ex. a digestão alcalina1, extração com solventes2 ou troca iônica3.
Quanto à detecção instrumental, a cromatografia gasosa foi, inicialmente, o método mais utilizado4,5, permitindo a discriminação das diferentes espécies organomercuriais entre si, mas encontrando dificuldades quanto às espécies inorgânicas. Normalmente, os procedimentos analíticos que precedem a especiação por cromatografia gasosa são longos e tediosos, envolvendo extrações e reextrações sucessivas, de modo a levar à obtenção de um extrato orgânico adequado à injeção no equipamento. Embora espécies inorgânicas possam ser identificadas por derivatização6, o detector normalmente recomendado (captura de elétrons) é não específico, o que pode trazer problemas de interferências. Alguns autores7,8,9,10,11 sugerem, então, o acoplamento da cromatografia a gás com técnicas espectrométricas atômicas (absorção, emissão e fluorescência ou espectrometria de massas), de modo a aumentar não só a especificidade da detecção, mas também sua sensibilidade.
A cromatografia líquida de alta eficiência também foi sugerida para a especiação do mercúrio por vários autores. Neste caso, não há problemas quanto à separação e quantificação das espécies inorgânicas ou orgânicas, tendo sido utilizados detectores diversos, sejam eles eletroquímicos12, espectrofotométricos (UV)13 ou também através do acoplamento com métodos mais específicos, como AAS ou AES14,15.
Além dos métodos cromatográficos citados, outros procedimentos de especiação, cromatográficos ou não, são encontrados na literatura: cromatografia de camada fina16, cromatografia de troca iônica17, destilação18, decomposição por UV19, eletrólise20, extração seletiva21, etc. A quantificação das diferentes espécies mercuriais pode ser feita após sua transformação a mercúrio elementar e detecção por absorção ou fluorescência atômicas, pela técnica do vapor frio. Uma tendência recente tem sido a derivatização das espécies mercuriais a seus etil derivados utilizando tetraetilborato de sódio, separando estes derivados voláteis em uma coluna de cromatografia gasosa22.
Uma alternativa extremamente interessante para especiação de mercúrio é a redução seletiva. Este procedimento, inicialmente proposto por Magos23, utiliza das diferentes respostas das espécies de mercúrio frente a diferentes redutores: o mercúrio inorgânico é reduzido a mercúrio elementar pelo cloreto estanoso, enquanto o metilmercúrio tem uma cinética de redução extremamente lenta; porém, na presença de íons Cd2+, em meio alcalino, o metil mercúrio é rapidamente reduzido. Usualmente, utiliza-se o cloreto estanoso para a redução do mercúrio inorgânico e da mistura cloreto estanoso/cloreto de cádmio para a redução, em outra alíquota da amostra, do mercúrio total, sendo o mercúrio orgânico encontrado por diferença. Outros pares de redutores são sugeridos na literatura24, mas o método de Magos é ainda o mais empregado. A principal limitação da redução seletiva é não permitir a diferenciação das várias espécies orgânicas ente si, havendo apenas uma distinção geral entre mercúrio orgânico e inorgânico. Entretanto, tal limitação não é problema para a maioria das análises, uma vez que apenas uma espécie orgânica (o metilmercúrio) é mais amplamente presente no ambiente ou tecidos / fluidos biológicos, sendo também a de maior potencial tóxico. Em peixes, por exemplo, 90-100% do mercúrio encontra-se como mercúrio orgânico, praticamente todo este na forma de metilmercúrio. Em alguns casos, com o controle do pH do meio e da natureza do redutor, é possível uma maior discriminação, mesmo por redução seletiva, das diferentes espécies25.
No procedimento original de Magos, a digestão das amostras (quando se faz necessária) se dá em meio alcalino, na presença de cisteína, avolumando-se com solução de cloreto de sódio. A redução é realizada com uma alíquota da amostra, no frasco de reação, após a adição de ácido sulfúrico, do redutor adequado e de hidróxido de sódio 40%. O transporte do mercúrio elementar para a célula de absorção se faz pelo borbulhamento de ar ou nitrogênio através do frasco de reação. A calibração é feita por adição padrão.
O presente trabalho busca apresentar um estudo sistemático da influência dos parâmetros envolvidos na especiação de mercúrio pelo método de Magos, utilizando um frasco de reação modificado, evitando a necessidade de calibração por adição de analito.
MATERIAIS E MÉTODOS
Instrumental
As determinações de mercúrio foram realizadas em um espectrômetro de absorção atômica Varian modelo AA-6, associado a um acessório gerador de vapor frio, derivado do modelo VGA 64 (também Varian). Foi usada uma lâmpada de catodo oco Varian Techtron de mercúrio, operando a 4 mA, no comprimento de onda de 253,7 nm, com uma fenda de 1 nm. Uma célula de absorção (finter. = 15mm; comp. = 170mm), de vidro, com janelas de quartzo, foi posicionada sobre o queimador; o aparato necessário à geração do vapor de mercúrio (Fig 1) consistiu de um frasco de 175 cm3 (finter. = 4 cm; h = 15 cm) de capacidade, equipado com agitação magnética, sendo os tubos de conexão utilizados de polietileno. Ar atmosférico (1,0 L.min-1) gerado por uma bomba de aquário, foi utilizado como carreador. Nos estudos de otimização, verificou-se a necessidade de utilizar um dessecador (Mallcosorb 7631) entre o frasco de reação e a célula de absorção, composto de hidróxido de cálcio e hidróxido de sódio floculados, que foi previamente testado quanto à retenção de mercúrio. As leituras foram realizadas por altura do pico máximo de absorvância, feitas pelo menos em duplicata e descontados os respectivos brancos.
Soluções e reagentes
Os reagentes utilizados, de grau analítico, não foram previamente purificados. Água destilada e deionizada foi usada em todos os experimentos. As principais soluções foram:
- Solução estoque 1000 mg mL-1 de HgCl2 (Titrisol, Merck); as soluções de trabalho (100ng mL-1) de mercúrio inorgânico, foram obtidas a partir da diluição da solução estoque 1000mg mL-1 (para sua conservação, as soluções de trabalho tiveram concentração final de 5% em ácido nítrico e 0,05% em dicromato de potássio, e foram preparadas diariamente).
- Solução estoque 1000mg mL-1 de HgCH3Cl (Pfaltz & Bauer, M21890) em etanol 50%. As soluções de trabalho de 100ng mL-1 de mercúrio orgânico foram preparadas a partir da diluição, com água, da solução estoque 1000mg mL-1.
- Outras soluções foram: L(+) C3H8NO2SCl.H2 O 10%, SnCl2 20% em HCl 50%, SnCl2 20% + CdCl2 5% em HCl 50%, NaOH 40% e 45%, H2SO4 1:1, NaCl 1%, H2SO4/HNO3 1:1 + V2O5 0,1%, NH2OH.HCl 10%, KMnO4 5% e K2Cr2O7 1%, todas preparadas a partir de seus reagentes PA.
Amostras
As amostras de peixe foram obtidas de região próxima aos garimpos de ouro em Alta Floresta, M.T e de garimpos de ouro no Pará. As análises foram realizadas com alíquotas retiradas do músculo dos peixes, conservado por congelamento em freezer (-18oC). Foram ainda utilizados os materiais de referência Dorm-1 (NRC-Canadá) e Tonno (Comunidade Européia).
Procedimentos básicos
Digestão alcalina: amostras do filé de peixe (0,5 g) foram pesadas exatamente ao décimo de miligrama e atacadas, em frascos de vidro de 50 mL, com 4,0 mL de NaOH 45% e 1,0 mL de cisteína 1%, em chapa de aquecimento, durante 15 minutos, a 80-90oC, dissolvendo-se em uma solução opaca e viscosa. Retiradas do aquecimento, foram resfriadas à temperatura ambiente e avolumadas a 10,0 mL com NaCl 1%, fechadas e guardadas em refrigerador para posterior análise em, no máximo, 5 dias, pois os resultados de concentração encontrados ao longo deste período mostraram-se reprodutivos.
Digestão ácida: seguiu-se o procedimento já testado por Campos e Curtius26, as amostras (0,5 g) foram atacadas com 10,0 mL de mistura sulfonítrica 1:1 + V2O5 0,1%, em bloco digestor, durante 25 minutos, a 80-90oC, dissolvendo-se em uma solução translúcida. Retiradas do aquecimento, foram resfriadas à temperatura ambiente e transferidas para um balão volumétrico de 100 mL. Adicionou-se, em seguida, um excesso definido de KMnO4 5%, suficiente para a manutenção da sua forma oxidada (violeta) e as amostras foram assim fechadas e guardadas para posterior análise. Imediatamente antes da determinação intrumental, o excesso de KMnO4 foi reduzido com um volume definido de hidroxilamina 10%, avolumando-se a 100,0 mL com água deionizada, retirando-se uma alíquota definida para análise pela técnica do vapor frio.
Curvas analíticas: utilizou-se sempre, para fins de normalização, uma curva analítica de mercúrio inorgânico em meio ácido, que precedeu a cada teste. A ordem de adição dos reagentes no frasco de reação foi 21,0 mL de H2O + x mL solução 100 ng mL-1 de Hg2+ (x = 100, 200, 500 e 1000 mL) + 1,0 mL de SnCl2 20%. A partir daí, a solução foi agitada por 60 segundos, seguindo o procedimento descrito por Campos27. Para a calibração do mercúrio inorgânico, no procedimento de especiação, a ordem de adição dos reagentes no frasco de reação foi 5,0 mL de H2SO4 (1:1) + x mL sol. padrão 100 ng mL-1 de Hg+2 (x = 100, 200, 500 e 1000 mL)+ 1,0 mL de cisteína 1% + 1,0 mL de SnCl2 20% + 15,0 mL de NaOH 40%. A agitação também foi de 60 segundos, havendo após, o carreamento do vapor de mercúrio para a célula de absorção. Para o levantamento da curva analítica relativa à determinação do metilmercúrio, o procedimento foi o mesmo, apenas substituindo a solução de Hg+2 pela de HgCH3+ e a solução redutora de SnCl2 pela de SnCl2 / CdCl2.
Leitura das amostras: nas amostras digeridas em meio alcalino, adicionou-se ao frasco de reação 1,0 mL do digerido, após a adição do H2SO4, em procedimento no mais semelhante ao das respectivas curvas analíticas; nas amostras digeridas em meio ácido, a leitura do mercúrio total foi realizada pela adição, ao frasco de reação, de 20,0 mL de amostra + 1,0 mL de SnCl2 20%, agitação por 60 segundos e carreamento do vapor de mercúrio à célula de absorção.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para otimização dos parâmetros relevantes relativos à leitura instrumental foi utilizado o método univariado de otimização, com os parâmetros não variados fixados nos valores que se encontram nos procedimentos descritos anteriormente. Tomou-se sempre o cuidado de manter constante o volume final no frasco de reação e, de cada ponto, descontou-se o respectivo branco.
Influência da concentração final do NaOH
A concentração final de NaOH na solução de leitura foi controlada variando-se o volume de solução NaOH 40% adicionada, mantendo-se constante o volume final de solução, pela adição da quantidade adequada de água. Para seu cálculo, descontou-se a porção do NaOH neutralizada pelo H2SO4 já existente no frasco de reação. Os resultados, mostrados na Figura 2, indicam que, para o Hg inorgânico, não há variação significativa da sensibilidade na faixa de concentração de NaOH estudada. Entretanto, para o metilmercúrio, somente para concentrações acima de 2M, a resposta alcança seu máximo e se torna constante.
Influência do volume de redutor
Neste caso, os resultados estão mostrados na Figura 3, onde observa-se que, para ambas as espécies, atinge-se um sinal máximo e constante para volumes acima de 0,5 mL.
Influência do volume de cisteína
Os resultados, mostrados na Figura 4, indicam que a cisteína não têm qualquer influência no sinal de absorvância de ambas formas de mercúrio, no intervalo de concentração estudado. Porém, a cisteína é importante para que o cloreto estanoso apenas não reduza parcialmente o mercúrio orgânico, como é mostrado na Tabela 1. Os resultados desta tabela foram obtidos a partir da leitura de uma solução com concentrações conhecidas de mercúrio inorgânico (0,43 ng mL-1) e metilmercúrio (2,17 ng mL-1), proporção que reproduz aquela esperada em um digerido de peixe.
Influência do tempo de agitação
Em trabalho anterior, Campos e outros26 verificaram, para o mesmo sistema, que o tempo de agitação de 60 segundos era suficiente para uma completa redução (praticamente imediata), pelo cloreto estanoso, do mercúrio inorgânico em meio ácido e também para que o equilíbrio Hg0(aq)Hg0(g), dentro do frasco de reação, fosse alcançado. Alcançar este equilíbrio é fundamental para uma boa reprodutibilidade, uma vez que só o Hg0(g) é carreado para o frasco de reação. Foi verificado também que, embora cerca de 30% do mercúrio permanecesse em solução após sua redução e agitação da solução, a altura do pico é praticamente a mesma daquela obtida borbulhando-se o gás carreador na solução, como fazem outros sistemas. O borbulhamento têm a vantagem de ser mais rápido, mas é mais passível de efeitos cinéticos e uma maior quantidade de vapor d'água é carreada junto com o mercúrio para a célula de absorção, podendo levar à sua condensação nas janelas da célula, causando absorção de fundo. Este problema pode ser evitado aquecendo-se a célula de absorção a 150-200oC o que, de certo modo, complica o sistema. Por este motivo, e também por acreditar-se, como vai aqui adiante provado, que o sistema com agitação evitaria problemas de efeito de matriz, optou-se pela continuidade do seu uso. A Figura 5 confirma que o tempo de 60 segundos é adequado, estando dentro do intervalo em que a absorvância é constante com o tempo de agitação.
Influência do volume de CdCl2 na determinação de metilmercúrio
A Figura 6 mostra a variação do sinal de absorvância com quantidades crescentes de CdCl2 adicionado. Neste caso, manteve-se constante o volume de SnCl2 20% (1,0 mL) e adicionaram-se, concomitantemente, ao frasco de reação, volumes crescentes da solução de CdCl2. Este experimento foi considerado importante porque, quando da adição final do NaOH ao frasco de reação, para posterior agitação da solução, forma-se um precipitado branco de Cd(OH)2. Ora, se o íon Cd2+ é o responsável por acelerar a redução do metilmercúrio e, em meio alcalino, há a formação do hidróxido de cádmio, pouco solúvel, devem ser os poucos íons Cd2+ remanescentes em solução os responsáveis pelo processo. Por outro lado, um excesso de cloreto de cádmio não viria a favorecer a formação de mais Cd2+, mas só de mais hidróxido de cádmio, o que aumentaria a quantidade de precipitado, podendo prejudicar a liberação do Hg0 da solução. Entretanto, vê-se na Figura 6 que, no intervalo de 0,2 a 1,0 mL, não houve variação significativa de sinal com o volume de solução de CdCl2 adicionada.
Influência da presença do ácido sulfúrico
Uma questão que desperta curiosidade é o porque da necessidade de adição de ácido sulfúrico, uma vez que, no final, o meio reacional é alcalino. Foi verificado que, na ausência da adição de ácido sulfúrico, há evidente diferença de sensibilidade nas curvas analíticas relativas ao mercúrio inorgânico e ao mercúrio orgânico (Fig. 7). Entretanto, quando este é adicionado, as sensibilidades se igualam (Fig. 8). Logo após a adição dos reagentes, a temperatura do meio reacional no frasco de reação alcança 80oC. Assim, é possível que a reação exotérmica entre o ácido sulfúrico e o NaOH, ao aquecer o meio reacional, facilite a redução do metilmercúrio. Ora, como a temperatura influencia também no equilíbrio Hg0(g)Hg0(aq), para que haja igual sensibilidade nas leituras do mercúrio inorgânico e do orgânico (fundamental para que se possa calcular o mercúrio orgânico por diferença das absorvâncias), o ácido sulfúrico também deve ser adicionado na leitura do mercúrio inorgânico.
Digestão das amostras
Com vistas à especiação por redução seletiva, optou-se pela digestão alcalina com NaOH1, que preserva a ligação C-Hg, evitando alteração na razão mercúrio inorgânico / mercúrio orgânico. Assim, para a otimização dos parâmetros relevantes relativos à digestão da amostra, estudou-se a influência da relação massa de amostra / volume de NaOH, assim como da adição de cisteína e NaCl ao longo do processo de digestão.
Otimização da relação massa de amostra/volume de solução digestora de NaOH
Neste caso, a digestão de massas crescentes de uma mesma amostra de músculo de peixe, já analisada anteriormente por digestão ácida (1,15mg g-1), foi realizada por volumes de 2,0 a 5,0 mL de solução de NaOH 45%, adicionando-se, em todos os casos, 1,0 mL de cisteína 1% previamente à digestão e avolumando-se a 10,0 mL com NaCl 1%, seguindo-se de leitura de 1,0 mL desta solução nas condições instrumentais otimizadas. As leituras foram realizadas por curva analítica e por adição de analito, uma vez que a concentração da matriz diferiu para cada relação estudada. As aberturas foram realizadas em duplicata, e os resultados encontrados podem ser vistos na Tabela 2. Nesta tabela, observam-se concentrações equivalentes no que se refere aos teores de mercúrio total, para as diferentes situações estudadas. Uma flutuação maior é observada para a concentração do mercúrio inorgânico mas, dados valores mais baixos desta forma, absorvâncias próximas do branco foram encontradas, de modo que uma maior flutuação não é de se estranhar. Outro aspecto que deve ser levado em consideração é que a amostra não foi homogeneizada e que um estudo anterior, encontrou, para digestão ácida de um mesmo músculo de peixe, um valor de 0,392 ± 0,017 mg g-1 (n = 5), ie, com o desvio padrão da ordem do aqui encontrado. Optou-se por usar, sempre que possível, uma relação massa de amostra / volume de NaOH 45% de 0,5 g / 4,0 mL, como um bom compromisso entre o limite de detecção do procedimento analítico total e a manuseabilidade da solução resultante da digestão, não excessivamente viscosa.
Influência da adição de cisteína 1% durante a digestão e de NaCl 1% para aferição ao volume de diluição
A influência da adição de cisteína 1% no processo de digestão e do uso de NaCl 1% para levar o digerido ao volume final, foi verificada utilizando-se 0,5 g de uma amostra não homogeneizada de músculo de um mesmo peixe, digerida com 4,0 mL de NaOH 45%. A calibração foi realizada por adição de analito, a fim de evitarem-se quaisquer diferenças relativas à composição da amostra no momento da leitura instrumental. Da Tabela 3 observa-se que não houve diferenças significativas entre os diferentes resultados, ou seja, teores de mercúrio inorgânico não foram significativamente maiores na ausência de cisteína, nem a participação de NaCl 1% influenciou os resultados. Os resultados obtidos em relação à cisteína parecem em contradição com aqueles apresentados na Tabela 1. Entretanto, isto apenas significa que, na presença da matriz (o caso aqui em questão), a ligação Hg-C prescinde da presença da cisteína para ser preservada durante a digestão ou redução do mercúrio inorgânico, sendo provavelmente já protegida pelas proteínas desnaturadas contendo grupos SH. Quanto ao NaCl, é possível que ele tenha algum papel na preservação do digerido, evitando a adsorção das espécies mercuriais nas paredes dos frascos de estocagem. Deve-se observar que foi verificado, no presente trabalho, que estas soluções estocadas sob refrigeração, por até uma semana, não apresentaram qualquer diminuição no conteúdo das espécies mercuriais.
Análise de materiais de referência
A exatidão do procedimento total foi avaliada pela análise de dois materiais de referência disponíveis: Dorm -1 ("Dogfish"), do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá e uma amostra de atum, que havia sido utilizada em um exercício interlaboratorial na Comunidade Européia28. As umidades foram calculadas em alíquotas a parte e a Tabela 4 mostra os teores encontrados, em base seca. Embora os materiais de referência não tenham sido certificados para metilmercúrio,foram encontrados, na literatura, referência a esses valores. Assim, Rezende29 encontrou 396 ± 68 ng g-1 de metilmercúrio na amostra de atum, enquanto Horvat et al30 encontraram 748 ± 10 ng g-1 de metilmercúrio na amostra de Dogfish. Tanto estes valores, como aqueles certificados para mercúrio total, estão em concordância com os valores encontrados no presente trabalho.
Aplicação a amostras de interesse
O procedimento analítico proposto foi aplicado na análise de 15 amostras de peixe, de diferentes procedências. Os resultados (Tabela 5) mostram, em primeiro lugar, uma boa concordância entre os teores de mercúrio em peixes, encontrados utilizando-se calibração por adição de analito ou pela curva analítica, no caso da digestão alcalina. Observa-se, ainda, uma boa concordância entre os valores obtidos, para mercúrio total, entre a digestão alcalina e a digestão ácida, ambas usando calibração por curva analítica. Para mercúrio inorgânico, também observou-se uma boa concordância entre os valores encontrados pela calibração por adição de analito e curva analítica, utilizando-se obviamente digestão alcalina. Tais concordâncias foram confirmadas pelo teste t pareado, que mostrou que os resultados não são significativamente diferentes ao nível de confiança de 95%. Deve-se observar que as amostras não foram homogeneizadas.
Limites de detecção
O limite de detecção, de acordo com a IUPAC31, deve ser calculado a partir da análise de um branco de campo, ie, de uma amostra de igual composição a daquela em questão, mas sem o analito; no caso aqui em estudo, tal branco seria uma amostra homogênea de peixe sem mercúrio, o que não foi possível de obter. Assim, utilizou-se apenas o branco dos reagentes, o que subestima o limite de detecção, uma vez que não é medida a influência da matriz. Os limites de detecção foram (n=10, k=3) de 0,03 mg g-1 (na amostra original) para mercúrio inorgânico ou total, considerando a digestão de uma massa de 0,5 g.
CONCLUSÕES
Os parâmetros relativos à leitura instrumental (influência da concentração final do NaOH no frasco de reação, influência do volume de redutor, influência do volume de cisteína 1% adicionada ao frasco de reação, influência da presença de ácido sulfúrico e tempo de agitação) não se mostraram críticos dentro dos intervalos estudados. Na digestão das amostras, o uso de cisteína e/ou NaCl não influenciou significativamente nos resultados, embora o tivesse feito na ausência da matriz. Razões massa de amostra / volume de solução digestora de até 0,5 g por 3 mL de NaOH 45% podem ser utilizadas.
Os valores obtidos para o mercúrio total por digestão alcalina mostraram-se equivalentes àqueles obtidos por digestão ácida. Também, os teores de mercúrio total e inorgânico encontrados por adição de analito foram equivalentes aos encontrados por curva analítica, no caso da digestão alcalina. Os resultados encontrados pelo procedimento proposto na análise de materiais de referência, mostraram-se em concordância com os resultados certificados ou relatados na literatura, tanto para mercúrio total como para metilmercúrio, utilizando-se curva analítica ou adição padrão para calibração.
Os limites de detecção encontrados a partir do branco dos reagentes, submetido à todo o procedimento analítico, foi de 30 ng.g-1, para mercúrio inorgânico assim como, para mercúrio total (relativos a uma massa de 0,5 g de amostra). Estes valores podem ser melhorados pelo uso de reagentes mais puros, ou pelo uso de maior massa de amostra, embora adequem-se à determinação de mercúrio em peixes.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Fev 2000 -
Data do Fascículo
Jul 1999
Histórico
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Aceito
16 Abr 1999 -
Recebido
28 Nov 1997