Resumo
From hexane fraction of methanol extract of leaves of Tapirira guianensis (Anacardiaceae) were obtained lupeol, 24-methylenecycloartan-3-ol, phytol, α-amyrin, β-amyrin, sitosterol, sitostenone, glycosyl sitosterol, as well as sitosterol esterified with palmitic and stearic acids. Phytol, α-amyrin and β-amyrin esterified with fatty acids were also identified from same extract. The EtOAc extract besides the norisoprenoids (6S,7E,9S)-6,9-dihydroxy-megastigma-4,7-dien -3-one 9-O-β-glucopyranoside and (6S,7E,9R)-6,9-dihydroxy-megastigma-4,7-dien-3-one 9-O-β-glucopyranoside also afforded kaempferol 3-O-rhamnoside, kaempferol 3-O-arabinofuranoside, quercetin 3-O-rhamnoside, and kaempferol. The structural elucidation of isolated compounds were based on UV, IR, MS, ¹H and 13C NMR data analysis.
norisoprenoides; fatty acid esters of triterpenes
norisoprenoides; fatty acid esters of triterpenes
Tapirira guianensis
ARTIGO
Flavonóides, norisoprenóides e outros terpenos das folhas de Tapirira guianensis
Flavonoids, norisoprenoids and other terpenes from leaves of Tapirira guianensis
Suzimone de J. CorreiaI; Jorge M. DavidII, * * e-mail: jmdavid@ufba.br ; Eliezer P. da SilvaII; Juceni P. DavidIII; Lucia M. X. LopesIV; Maria Lenise S. GuedesV
IDepartamento de Química e Exatas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 45206-190 Jequié - BA, Brasil
IIInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA, Brasil
IIIFaculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA, Brasil
IVInstituto de Química de Araraquara, Universidade Estadual Paulista,14801-970 Araraquara - SP, Brasil
VInstituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290, Salvador - BA, Brasil
ABSTRACT
From hexane fraction of methanol extract of leaves of Tapirira guianensis (Anacardiaceae) were obtained lupeol, 24-methylenecycloartan-3-ol, phytol, α-amyrin, β-amyrin, sitosterol, sitostenone, glycosyl sitosterol, as well as sitosterol esterified with palmitic and stearic acids. Phytol, α-amyrin and β-amyrin esterified with fatty acids were also identified from same extract. The EtOAc extract besides the norisoprenoids (6S,7E,9S)-6,9-dihydroxy-megastigma-4,7-dien -3-one 9-O-β-glucopyranoside and (6S,7E,9R)-6,9-dihydroxy-megastigma-4,7-dien-3-one 9-O-β-glucopyranoside also afforded kaempferol 3-O-rhamnoside, kaempferol 3-O-arabinofuranoside, quercetin 3-O-rhamnoside, and kaempferol. The structural elucidation of isolated compounds were based on UV, IR, MS, 1H and 13C NMR data analysis.
Keywords:Tapirira guianensis; norisoprenoides; fatty acid esters of triterpenes.
INTRODUÇÃO
Anacardiaceae é uma família constituída por 76 gêneros e 600 espécies. Cerca de 25% dos gêneros dessa família são conhecidos por possuírem espécies reconhecidas como tóxicas e causadoras de dermatite de contato severa. De modo geral, as espécies venenosas desta família estão restritas às tribos Anacardieae, Rhoeae e Semecarpeae.1 O gênero Tapirira é composto de aproximadamente 15 espécies que ocorrem principalmente na América do Sul. Tapirira guianensis Aubl. é uma árvore cuja altura varia de 8-14 m e que tem ocorrência em todo território brasileiro, principalmente em terrenos úmidos, em quase todas as formações vegetais. É conhecida popularmente como "pau-pombo" e é utilizada na medicina popular contra lepra, diarreia e sífilis.2,3 Espécies da família Anacardiaceae são conhecidas por conterem lipídios fenólicos, compostos distinguidos por suas propriedades vesicantes, que são responsáveis pela toxicidade.4 Em estudos anteriores realizados com espécies do gênero foram isolados terpenos, ferulatos e derivados de alquil e alquenil fenóis.2,5 No presente trabalho encontra-se descrita a composição química dos extratos hexânico e AcOEt obtida a partir das folhas de um espécime de T. guianensis.
PARTE EXPERIMENTAL
Os espectros de RMN foram registrados em espectrômetro de RMN Varian Gemini 2000 e Inova 500 (7,05 e 11,74 Tesla), operando a 300 e 500 MHz (1H) e 75 e 125 MHz (13C), respectivamente. As aquisições dos espectros foram realizadas a 26 e 30 ºC, respectivamente, utilizando-se solventes deuterados (CDCl3, metanol-d4, piridina-d5), com grau de pureza superior a 99,8%, das marcas Aldrich®, Merck® ou Isotech. Os sinais dos espectros foram registrados com base nos sinais do solvente empregado em relação ao TMS.
Os ésteres metílicos dos ácidos graxos foram identificados por CG-EM, empregando-se cromatógrafos da Varian mod. Saturn II e Hewllett Packard mod. 5970 equipados com coluna DB-5 30,0 m x 0,25 mm, com filme de 0,25 µm. As condições de operação das análises cromatográficas foram as seguintes: temperatura programada da coluna de 50 ºC por 1 min, velocidade de aquecimento 15 ºC/min até 250 ºC, mantida por 2 min; temperatura do injetor de 200 ºC; temperatura da interface de 230 ºC; hélio foi empregado como gás de arraste (fluxo 1,1 mL/min). A corrida com detector de massa foi feita na forma scan, com tempo de aquisição de 9 a 40 min; voltagem do filamento de 70 eV; voltagem do detector de 1,3 KV; analisador do tipo quadrupolo. Os ésteres metílicos foram identificados através de comparação com os espectros de massas das bibliotecas NIST 62 e NIST 12. Os espectros de absorções no IV foram registrados utilizando-se espectrofotômetros FT-IR Bolmen Hartmann & Braum, modelo MB100, Nicolet Impact 400 e Nicolet-730 FT-R, empregando-se pastilhas de KBr ou filme líquido. As rotações ópticas foram medidas em polarímetro Polamat A Carl Zeiss Jena à temperatura ambiente (19-25 °C). Os espectros de massas foram registrados em espectrômetro de massas de baixa resolução FISONS-Modelo VG Platfform II, no modo ESI positivo. Para obtenção das curvas de DC empregou-se espectropolarímetro da marca Jobin Yvon CD6.
Extração e isolamento dos constituintes químicos
As folhas secas de T. guianensis (2668,0 g) foram maceradas por 48 h, por 3 vezes, seqüencialmente com hexano (5 L) e MeOH (3,5 L). O extrato metanólico (58,0 g) foi ressuspenso em solução de MeOH:H2O (9:1) e, submetido à partição líquido-líquido com solventes de polaridade crescente: hexano e clorofórmio. A fase hidroalcoólica resultante foi submetida à destilação sob pressão reduzida para eliminação do metanol, parcialmente dissolvida em água e particionada com AcOEt (4 x 500 mL) e BuOH (4 x 500 mL), sucessivamente. O extrato hexânico foi lavado com MeOH:H2O (9:1, 4 x 500 mL). Após eliminação dos solventes, obteve-se a fração metanólica (22,3 g).
A fração AcOEt (8.1 g) foi submetida à CC empregando-se gel de sílica 60 eluída com misturas de CHCl3-AcOEt e AcOEt-MeOH. Foram coletadas 36 subfrações de 125 mL cada. Aquela eluída com CHCl3-AcOEt 7:3 (465,3 mg) foi refracionada em CC em sílica gel e, seguida de CCDP empregando CHCl3-AcOEt (3:2), fornecendo 1+2 (23,7 mg). A subfração da primeira coluna, eluída com CHCl3-AcOEt 6:4 (118,7 mg), foi também submetida à CCDP (CHCl3-MeOH 4:1), levando à obtenção de 3 (25,8 mg), 4 (37,9 mg) e 5 (14,7 mg).
A fração metanólica do extrato hexânico (22,3 g) foi submetida à CC em e gel de sílica 60, eluída com misturas de hexano-AcOEt em gradiente crescente de polaridade. Deste fracionamento foram coletadas 36 frações de 250 mL cada. As frações eluída do extrato original com 5% de AcOEt (4,024 g) foram refracionadas em CC, empregando-se misturas de hexano-AcOEt como eluente. Assim, a fração eluída com 5% de AcOEt (178,7 mg) foi identificada como sendo as substâncias 6-8.
A fração hexânica do extrato metanólico (11,83 g) foi submetida à CC utilizando-se como suporte gel de sílica 60, eluída com misturas de hexano-AcOEt, da qual foram coletadas 26 subfrações de 250 mL cada. A subfração eluída em hexano-AcOEt 19:1 (2,55 g), após fracionamento em CC, usando como eluente hexano:DCM (95:5), forneceu uma subfração constituída por uma mistura 9-12 (34,1 mg), da subfração eluída com hexano:DCM (9:1) obteve-se uma mistura (78,0 mg) constituída de alcanoatos de α-amirinila, de lupeol (13-14) e de β-sitosterila (15-16). Além dos compostos 9-16, das subfrações da CC empregando-se a fração hexânica do extrato metanólico, foram também sucessivamente isolados das frações desta coluna: sitosterol (17), glicosil sitosterol (18), sitostenona (19), α- e β-amirina, fitol, lupeol e 24-metilenocicloartan-3-ol (20).5,6
Reações de transesterificação
O procedimento empregado na obtenção dos ésteres graxos dos triterpenos e esteróides consistiu no tratamento das misturas (5,0 mg) com solução de metóxido de sódio (0,5 M) em metanol (2,0 mL). O isolamento dos ésteres metílicos foi realizado após adição de água destilada à mistura reacional seguido de extração com hexano ou DCM.7
(6S,7E,9S)-6,9-diidroxi-megastigma-4,7-dien-3-ona 9-O-β-glicopiranosídeo (1). Sólido amorfo, amarelo pálido. EM (ESI) 409 [M + Na]+, 387 [M+ H]+. DC (CH3OH, c 2,6 10-4 M), Δε (λ nm): 20,5° (240). Dados de RMN de 1H [500 MHz, CD3OD, δ, J (Hz)]: 5,87 (s; H-4); 5,86 (m; H-7); 5,86 (m; H-8); 4,42 (dq; J 3,6 e 6,7 Hz; H-9); 2,60; (dd; J 2,2 e 2,6 Hz; H-2eq); 2,16 (dd; J 2,2 e J 2,6; H-2ax); 1,93 (d; J 11,0 Hz; J 1,5 Hz; H-13); 1,89 (s; H-12); 1,29 (d; J 6,7 Hz; H-10); 1,02 (s; H-11). RMN de 13C (126 MHz, CD3OD, δ): 42,43(C-1); 50,68 (C-2); 201,22 (C-3); 127,16 (C-4); 167,29 (C-5); 80,01(C-6); 131,52 (C-7); 135,26 (C-8); 77,29 (C-9); 21,18 (C-10); 23,42 (C-11); 24,69 (C-12); 19,56 (C-13); 102,71 (C-1'); 75,23(C-2'); 78,34 (C-3'); 71,62 (C-4'); 78,09(C-5'); 62,80 (C-6').
(6S,7E,9R)-diidroxi-megastigma-4,7-dien-3-ona 9-O-β-glucopiranosídeo (2). Sólido amorfo, amarelo pálido. EM (ESI) 409 [M + Na]+, 387 [M+ H]+. DC (CH3OH, c 2,6 10-4 M), Δε (λ nm): 20,5° (240). Dados de RMN de 1H [500 MHz, CD3OD, δ, J (Hz)]: 5,87 (s; H-4); 5,97 (m; H-7); 5,73 (m; H-8); 4,53 (dq; J 4,0 e 7,8 Hz; H-9); 4,34 (d; J 8,0 Hz; H-1'); 3,85 (dd; J 2,0 e J 11,5 Hz; H-6'); 3,26 (dd; J 9,5 e J 8,5 Hz; H-4'); 3,25 (dd; J 9,0 e J 8,5 Hz; H-5'); 3,24 (m, H-3'); 3,18 (m, H-2'); 2,60; (dd; J 2,2 e 2,6 Hz; H-2eq); 2,16 (dd; J 2,2 e 2,6 Hz; H-2ax); 1,93 (d; J 11,0; 1,5 Hz; H-13); 1,89 (s; H-12); 1,13 (d; J 6,5 Hz; H-10); 1,04 (s; H-11); RMN de 13C (126 MHz, CD3OD, δ): 201,22 (C-3); 167,29 (C-5); 133,75 (C-7); 133,67 (C-8); 127,10 (C-4); 101,22 (C-1'); 80,01(C-6); 78,34 (C-3'); 78,34 (C-5'); 75,23(C-2'); 74,94 (C-9); 71,62 (C-4'); 62,80 (C-6'); 50,68 (C-2); 42,43(C-1); 24,69 (C-12); 23,42 (C-11); 22,20 (C-10); 19,56 (C-13).
Canferol 3-α-raminosídeo (3). Sólido amarelo. EM (ESI) em m/z 455 [M + Na]. RMN de 1H [300 MHz, CD3OD, δ, J (Hz)]: 7,75 (d; J 8,7 Hz; H-2', H-6'); 6,94 (d; J 8,7Hz; H-3', H-5'); 6,34 (sl; H-8); 6,17 (sl; H-6); 5,36 (sl; H-1''); 4,23 (m; H-2''); 3,73 (m; H-3''); 3,41(m; H-5''); 3,37(m; H-4''); 0,92 (d; J 5,1 Hz ; H-6''). RMN de 13C (75 MHz, CD3OD, δ): 179,33 (C-4); 166,62 (C-7); 163,12 (C-5); 161,56 (C-4'); 158,84 (C-9); 158,56 (C-2); 136,11 (C-3); 131,85 (C-2', C-6'); 122,59 (C-1'); 116,52 (C-3', C-5'); 105,67 (C-10); 103,46 (C-1''); 100,08 (C-6); 94,93 (C-8); 73,15 (C-4''); 72,08 (C-3''); 72,01 (C-2''); 71,90 (C-5''); 17,65 (CH3).
Canferol 3-α-arabinofuranosídeo (4). Sólido amarelo; EM (ESI) [M + Na]+ em m/z 441. RMN de 1H [300 MHz, CD3OD, δ, J (Hz)]:6,18 (d; J 1,2 Hz; H-6); 6,39 (d; J 8,8 Hz; H-8); 6,94 (d; J 8,9 Hz; H-3' e H-5'); 7,94 (d; J 8,9 Hz; H-2' e H-6'); 5,24 (sl; H-1''); 4,33 (dd; J 0,8 e 2,7 Hz; H-3''); 3,92 (m; H-4''); 3,49(m; H-5''). RMN de 13C (75 MHz, CD3OD, δ): 179,68 (C-4); 167,95 (C-7); 161,59 (C-5); 161,59 (C-4'); 161,60 (C-9); 159,08 (C-2); 134,74 (C-3); 131,89 (C-2', C-6'); 122,78 (C-1'); 116,53 (C-3', C-5'); 105,08 (C-10); 109,59 (C-1''); 100,52 (C-6); 95,25 (C-8); 88,04 (C-4''); 83,25 (C-2''); 78,59 (C-3''); 62,50 (C-5'').
Quercetina 3-α-raminosídeo (5). Sólido amarelo. EM (ESI) em m/z 455 [M + Na]. RMN de 1H [300 MHz, CD3OD, δ, J (Hz)]: 7,34 (m; H-2'/H-6'); 6,91 (d; J 7,6 Hz; H-5'); 6,35 (sl; H-8); 6,18 (sl; H-6); 5,35 (sl; H-1''); 4,23 (m; H-2''); 3,77 (dd; J 7,5 Hz; J 1,5 Hz; H-3''); 3,42 (m; H-5''); 3,35 (m; H-4''); 0,94 (d; J 5,8 Hz ; H-6''). RMN de 13C (75 MHz, CD3OD, δ): 179,54 (C-4); 166,35 (C-7); 163,01 (C-5); 158,45 (C-2); 158,24 (C-9); 149,78 (C-4'); 146,36 (C-3'); 136,14 (C-3); 122,95 (C-1'); 122,86 (C-6'); 116,40 (C-2'); 116,96 (C-5'); 105,71 (C-10); 103,49 (C-1''); 100,04 (C-6); 94,89 (C-8); 73,26 (C-4''); 72,11 (C-3''); 71,99 (C-2''); 71,87 (C-5''); 17,62 (C-6'').
Alcanoatos de fitila (3). Óleo. EM-IE (30eV); m/z (%) 257(100); 285 (25); 313(13); e 341(5); 369 (2) 648 (1); m/z 676 (5); m/z 704 (3) e m/z 732 (2). RMN de 1H [300 MHz, CDCl3, δ, J (Hz)]: 5,31 (m; H-2); 4,60 (d; 7,2 Hz; H-1); 2,29 (t; 7,5; H-4); 1,70 (s; H-20); RMN de 13C (75 MHz, CDCl3, δ): 61,43 (C-1); 118,43 (C-2); 142,80 (C-3); 39,86 (C-4); 25,02 (C-5); 36,88 (C-6); 32,90 (C-7); 37,54 (C-8); 24,70 (C-9); 37,60 (C-10); 32,91 (C-11); 37,66 (C-12); 24,70 (C-13); 39,61 (C-14); 28,22 (C-15); 22,84 (C-16); 22,92 (C-17); 19,93 (C-18); 19,59 (C-19); 16,59 (C-20); 174,24 (C-1'); 34,66 (C-2'); 14,32 (CH3).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da fração AcOEt obtida do extrato metanólico das folhas de T. guianensis foram isolados, por técnicas cromatográficas, uma mistura de norisoprenóides diastereoisoméricos 1 e 2, além dos flavonóides, 3, 4 e 5 (Figura 1).
A fórmula molecular C19H30O8 foi proposta para 1 e 2, com base no espectro de massas (ESI-EM) pela presença dos íons pseudo-moleculares m/z 409 [M + Na]+ e m/z 387 [M + H]+, aliado aos dados de RMN de 1H e 13C (incluindo experimento DEPT). A identificação destas substâncias, incluindo a determinação das configurações relativa e absoluta das mesmas, pode ser realizada pelas análises detalhada dos espectros de RMN e das curvas de dicroísmo circular. O espectro de RMN 1H evidenciou a presença de um multipleto em δH 5,86, além de dois duplos dupletos em δH 5,97 (15,0; 1,0 Hz) e δH 5,73 (15,0; 7,0 Hz) sugerindo a presença de ligação dupla com configuração E. Neste espectro também foi possível observar a presença de dois quartetos de dupletos, em δH 4,53 (7,8 e 3,9 Hz) e 4,42 (6,9 e 3,6 Hz) atribuíveis aos hidrogênios oximetínicos (H-9). Além destes foram verificados dois dupletos em δH 4,34(J = 8,0 Hz) e 4,27(J = 8,0 Hz), indicativos de hidrogênios anoméricos da β-glicose. A presença de uma unidade glicosídica na estrutura foi confirmada pela análise dos demais sinais de RMN 1H e RMN 13C e pela comparação com os dados da literatura.8
A presença de dois hidrogênios oximetínicos (H-9) constatada pelo espectro de RMN 1H contribuiu para sugerir que a fração se tratava de uma mistura binária diastereisomérica. Foi possível determinar por comparação dos valores de integração (1:0,97) dos sinais de H-9 (δH 4,42; δH 4,53) que as substâncias se encontram, aproximadamente, na razão 1:1. Devido às pequenas diferenças nos deslocamentos químicos da maioria dos sinais de RMN 1H dos componentes da mistura, a atribuição destes sinais para cada substância foi bastante dificultada. Porém a análise dos resultados do experimento TOCSY 1D possibilitou diferenciar de forma inequívoca os sinais de cada uma das substâncias da mistura, facilitando a interpretação dos espectros de RMN bidimensionais.
Pela análise do espectro de RMN 13C considerando deslocamento químico e intensidade dos sinais pôde-se evidenciar a presença dos sinais dos carbonos de dois sistemas carbonílicos α,β-insaturados (δC 201,22; δC 127,16; δC 127,10; δC 167,29). Foram verificados também sinais para uma ligação dupla (δC 131,52 e δC 135,26), além de sinal de carbono oxigenado não hidrogenado (δC 80,01) e quatro carbonos metílicos (δC 21,18; δC 23,42; δC 24,69 e δC 19,56). A análise das correlações observadas no espectro HMQC permitiu atribuir para os carbonos metílicos os respectivos sinais de RMN 1H. Pela multiplicidade dos sinais, pôde-se concluir que pelo menos dois grupos metílicos se encontram diretamente ligados a carbonos não hidrogenados.
As correlações verificadas no espectro HMBC entre os sinais em δH 1,29 (C-10) com os sinais em δC 77,29 e 135,26 possibilitaram estabelecer a conectividade de três carbonos (C-8, C-9 e C-10). A partir deste espectro também pôde ser verificada a correlação entre os sinais de H-4 (δH 5,87) e os sinais dos carbonos em δC 19,56 e 80,01. Estes dados aliados às correlações observadas entre os sinais de H-2 equatorial (δHeq 2,60) e axial (δHax 2,16) e os sinais em δC 23,42; 42,43; 80,01 e 201,22 auxiliaram a se estabelecer a conectividade entre os carbonos do anel de seis membros de 1. Finalmente, o espectro HMBC possibilitou inferir a posição da glicosilação pela correlação entre o hidrogênio anomérico (δH 4,34) e o respectivo carbono carbinólico C-9 (δC 77,29). A atribuição dos deslocamentos químicos dos carbonos e hidrogênios para 2 foi realizada de forma análoga.
A configuração absoluta do centro estereogênico C-6 foi determinada com base nas análises das curvas de dicroísmo circular de 1+2 e naquelas de compostos modelos, cujas configurações absolutas estão bem estabelecidas na literatura, como para o (6S)-hidroxi-3-oxo-α-ionol.9 Estes compostos caracterizam-se como 6R quando apresentam um sinal de efeito Cotton negativo na região de 240 nm, e 6S quando apresentam um efeito positivo na mesma região espectral. Como foi observado para 1+2 um efeito Cotton positivo em 240 nm (εΔ = 20,5), causado pela helipticidade entre a enona e a ligação dupla em C-7, pôde-se concluir que 1 e 2 apresentam configuração 6S.8 A determinação da configuração do centro estereogênico C-9 foi baseada na comparação dos valores dos deslocamentos químicos destes carbonos com aqueles descritos na literatura para o 3-α-ionol-β-glicopiranosídeo, cuja configuração absoluta foi determinada após análises dos produtos da reação com reagentes de Mosher.9 Assim, estabelece-se a configuração 9S para os carbonos (C-9) que apresentam δ ~ 74 e 9R para aqueles com δ ~77. Logo, a substância 1 deve ter a configuração absoluta 6S,7E,9R e 2 a configuração 6S,7E,9S.10
Os flavonóides 3-5 foram identificados pela análise detalhada dos dados de RMN 1H, RMN 13C e pela comparação com os dados daqueles já descritos na literatura para flavonóides glicosilados.11 Baseado nas diferenças dos deslocamentos químicos dos carbonos C-2 e C-3 quando comparadas ao da aglicona, foi possivel identificar os flavonóides como sendo canferol 3-α-raminosídeo (3), canferol 3-α-arabinofuranosídeo (4) e quercetina 3-α-raminosídeo (5), também conhecida como quercetrina.
Os espectros de RMN 1H e RMN 13C de 6-8 (Figura 2) apresentaram evidências compatíveis com um derivado do fitol. No espectro de RMN 1H puderam ser identificados sinais característicos do fitol, tais como do H-2 (δ 5,31), além do dupleto em δH 4,60 (J = 7,2 Hz) referente aos hidrogênios oximetilênicos 2H-1. O valor do deslocamento químico destes hidrogênios foi indicativo de que 6-8 se tratavam de derivados esterificados do fitol. Foram observados no espectro de RMN de 13C, além dos sinais relativos aos carbonos da ligação dupla (δC 142,80 e δC 118,43), um sinal de carbono não hidrogenado (δC 174,24), típico de um carbono acílico de éster. Esta inferência pode ser confirmada pelo espectro de absorção no IV, pela presença das bandas de estiramento em 1724 e em 1203 cm-1. No espectro de RMN de 13C foi observado o sinal de carbono metilênico oxigenado em δC 61,43, mais desprotegido que o correspondente C-1 do fitol, devido ao efeito da acilação. Os deslocamentos químicos dos carbonos observados para a maioria dos demais sinais foram similares aos do fitol. Entretanto, sinais típicos de uma cadeia alquílica linear saturada foram observados no espectro. Pela análise por CG-EM dos ésteres metílicos obtidos da reação de transesterificação dos componentes da fração foi possível concluir que a mistura 6-8 era constituída por pelo menos três ésteres metílicos majoritários. Este dado foi revelado pela presença de três picos, correspondentes aos íons moleculares m/z 270; 298 e 326. Estes íons moleculares e o padrão de fragmentação destes ésteres metílicos permitem propor que os ácidos hexadecanóico, octadecanóico e eicosanóico estão esterificados com o fitol na mistura 6-8.
A mistura dos ácidos graxos esterificados com a-amirina (9-12) foi identificada a partir dos dados observados nos espectros de RMN 1H e RMN 13C, que se mostraram compatíveis com os observados para o derivado de α-amirina esterificado com ácido graxo de cadeia longa.12 A análise dos espectros de massas dos ésteres metílicos obtidos após transesterificação destes compostos possibilitou identificar os ácidos graxos esterificados com o triterpeno como sendo os ácidos hexadecanóico, octadecanóico, eicosadecanóico e dodeicosanóico. Pela área dos picos observados TIC constatou-se que os derivados dos ácidos C-16 e C-18 eram os majoritários. Assim, pôde-se concluir que a fração era constituída de derivados de quatro ácidos de cadeia longa, hexadecanoato (9), octadecanoato (10), eicosanoato (11) e dodeicosanoato (12) de α-amirinila. Para a identificação dos constituintes da mistura dos alcanoatos de fitila, lupeol e sitosterila considerou-se principalmente o espectro de RMN 13C .
Usando a metodologia empregada para identificação de substâncias terpenoídicas em mistura,13 foi possível identificar a mistura 13-16 a partir das intensidades e multiplicidades dos sinais de RMN 13C (incluindo experimento DEPT) dos carbonos das ligações duplas e carbonos oxigenados das diferentes substâncias. Assim, os sinais δC 150,56; 109,24 e 80,38 foram considerados pertencentes ao esqueleto terpenoídico das substâncias 13-14 e os sinais em δC 139,49; 122,39 e 73,47 das substâncias 15-16. Após derivatização da mistura por meio da reação de transesterificação e obtenção dos ésteres metílicos correspondentes, estes foram analisados por CG-EM. No cromatograma foram registrados dois picos majoritários com diferentes tempos de retenção, e cada um deles originou um espectro de massas cujos respectivos íons moleculares em m/z 298 e em 270 e fragmentos são correspondentes ao estearato de metila e ao palmitato de metila, respectivamente. Estes resultados permitem sugerir que os compostos da mistura se encontram esterificados, principalmente com os ácidos palmítico e esteárico.
Este é o primeiro relato da ocorrência dos derivados glicosilados de norisoprenóides (megastimanos), de alcanoatos de fitila, bem como de terpenos esterificados com ácidos graxos em Anacardiaceae. Previamente só foram descritos a presença de triterpenos livres na família.2 Os flavonóides 3 e 5 foram previamente encontrados em Sclerocarya birrea,14 no entanto, esta é a primeira descrição da ocorrência de 4 em Anacardiaceae.
AGRADECIMENTOS
À CAPES, ao CNPq, IMSEAR e à FAPESB pelas bolsas e apoio financeiro e à Profa. Dra. L. Beltramini (UFSCar) pela obtenção das curvas de dicroísmo circular.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 21/2/08; aceito em 30/6/08; publicado na web em 31/10/08
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jan 2009 -
Data do Fascículo
2008
Histórico
-
Aceito
30 Jun 2008 -
Recebido
21 Fev 2008