Resumo:
Introdução:
O curso de graduação em Medicina da Universidade Estadual de Londrina foi o segundo do Brasil a adotar currículo integrado e Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL). Apesar de seu currículo inovador ter servido de referência a outras escolas, avaliações recentes mostraram a necessidade de reforma.
Relato de experiência:
As avaliações sistemáticas do curso indicaram os seguintes problemas: dificuldade de adaptação dos ingressantes à primeira série; desorganização da sequência de conteúdos ao longo do curso; falta de motivação docente para as atividades da primeira à quarta série; necessidade de incluir tópicos obrigatórios e novas tendências; e desgaste da metodologia (PBL) a partir da terceira série. Um amplo trabalho de reforma curricular foi iniciado, baseado na construção coletiva, culminando em mudanças, como: o desenho de uma primeira série mais acolhedora por meio da inclusão de nivelamento de ciências básicas e mentoria; a reorganização cronológica dos conteúdos; o redesenho dos módulos, agora organizados ao redor de grandes áreas ou especialidades afins; a adoção de metodologias ativas mais motivadoras; e a inclusão de novos conteúdos.
Discussão:
A adoção de novas metodologias ativas em substituição à PBL em alguns momentos apresenta vantagens estratégicas. A Aprendizagem Baseada em Equipes (TBL), mais estruturada que a PBL, pode ajudar na adaptação dos ingressantes à primeira série e facilitar a realização de metodologias ativas num contexto de escassez de docentes. A Aprendizagem Baseada em Casos (CBL) é mais motivadora e pode ser mais efetiva para desenvolver habilidades de raciocínio clínico nas séries pré-internato.
Conclusão:
O novo currículo, que incorpora as mudanças mencionadas, foi implantado em 2022. Novas avaliações mostrarão se as mudanças trarão melhorias ao curso em termos de adaptação, motivação e resultados de aprendizagem.
Palavras-chave:
Educação de Graduação em Medicina; Avaliação do Ensino; Currículo Baseado em Problemas; Aprendizagem Baseada em Problemas; Métodos de Ensino
Abstract:
Introduction:
The undergraduate medical course of the State University of Londrina was the second in Brazil to adopt an integrated curriculum and Problem-Based Learning (PBL). Despite its innovative curriculum, which became a reference for other schools, new assessments showed the need to reform it.
Experience Report:
Systematic course evaluations showed some issues: difficulties in adaptation of new students attending the first year; disorganized sequence of contents throughout the course; teachers’ lack of motivation for activities from first to the fourth years; need to include new contents; and deterioration of the methodology (PBL) in third and fourth years. A wide collective effort for curricular reform was initiated, which led to important changes, such as: a more welcoming first year, by including mentoring and activities for the leveling of basic knowledge; chronological reorganization of contents; redesign of modules around great areas of knowledge or related specialties; adoption of new and more motivating active learning and teaching methodologies, and the inclusion of new topics/trends.
Discussion:
The adoption of other active learning and teaching methodologies present strategic advantages in replacement for PBL. Team-Based Learning (TBL) is a more structured method than PBL, so it can help newcomers to adapt to the first year and make it easier to implement active methodologies in a context of teacher shortage. Case-Based Learning (CBL) generates higher motivation and can be more effective to foster the development of clinical reasoning skills in the preclinical years.
Conclusion:
The new curriculum, incorporating the changes described above, started in 2022. Further evaluations will show whether the changes will improve the course in terms of adaptability, motivation and learning outcomes.
Keywords:
Undergraduate Medical Education; Educational Measurement; Problem-Based Curriculum; Problem-Based Learning; Teaching Methods
INTRODUÇÃO
O curso de graduação em Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL) completou 55 anos em 2022. Começou as atividades em 1967, a partir de iniciativas pioneiras da sociedade local, notadamente da Associação Médica de Londrina e do jornal Folha de Londrina. Os fundadores do curso buscaram professores de referência em escolas médicas tradicionais, especialmente em São Paulo e Curitiba. A trajetória do curso é marcada pelo compromisso com a inovação e a qualidade. Integrou iniciativas importantes (nacionais e internacionais) de avaliação e de reforma da educação médica, tais como a Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM), a proposta UNI (“Uma nova iniciativa na educação dos profissionais de saúde: união com a comunidade”) e a Network of Community-Oriented Educational Institutions for Health Sciences (hoje The Network: Towards Unity for Health)11. Almeida MJ. Educação médica e saúde: a mudança é possível! 2a ed. Rio de Janeiro: Abem; 2011..
Em 1998, a UEL foi a segunda escola do Brasil a adotar um currículo integrado, modular, usando metodologias ativas de ensino-aprendizagem centradas no estudante, como a Aprendizagem Baseada em Problemas - ABP (Problem-Based Learning - PBL) e a problematização. O currículo do curso teve forte influência da Network e da escola médica da Universidade de Maastricht (Holanda). Desde então, o curso acumulou mais de duas décadas de experiência com currículo integrado e metodologias ativas, especialmente PBL, assumiu lugar de destaque na vanguarda da educação médica brasileira e impactou inúmeras outras escolas, inclusive participando da confecção das primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de Medicina22. Brasil. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. publicadas em 200133. Perim GL. Avaliação da educação superior: uma experiência na educação médica. Londrina: Inesco; 2020..
Entretanto, a partir de 2018, novas avaliações do curso, realizadas com ampla participação de docentes e estudantes, apontaram a necessidade de mudança. Veio a inquietação: como fazer avançar ainda mais um curso que já era considerado inovador na década de 1990?
Neste relato de experiência, produto das reflexões promovidas na comunidade acadêmica do curso estudado, queremos compartilhar os desafios, as oportunidades e as lições aprendidas durante esse processo de reforma curricular do curso de Medicina da UEL.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Em 2018, o curso de Medicina da UEL comemorava 20 anos do início da primeira turma no currículo integrado. Nesse período, o curso formou aproximadamente 1.200 médicos, capacitou centenas de docentes no uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, e também demonstrou ter custo44. Trelha CS, Casarim LF, Almeida MJ, Gordan PA. Cursos de Medicina com currículos inovadores são mais caros? Análise de custos do Curso Integrado de Graduação em Medicina da Universidade Estadual de Londrina. Rev Bras Educ Med. 2008;32(2):160-73. e qualidade de formação55. Perim GL. Avaliação da educação superior: uma realidade na educação médica [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007. comparáveis às melhores escolas do país.
O projeto pedagógico vigente (publicado originalmente em 1997, com pequenos ajustes em 2005 e 2009) previa: turmas anuais de 80 alunos; estrutura curricular em módulos interdisciplinares, agrupados por grandes sintomas/síndromes, integrando conteúdos básicos e clínicos e teoria e prática; ensino centrado no estudante usando PBL em grupos de oito alunos da primeira à quarta série; inserção na comunidade desde o primeiro ano; oferta de módulos e práticas eletivas; e internato de dois anos66. Universidade Estadual de Londrina. Resolução CEPE/CA nº 282/2009. Reformula o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, a ser implantado a partir do ano letivo de 2010..
Justificativas de mudança: os “porquês”
O curso tem uma longa tradição de avaliação permanente: foi o primeiro a aderir à CINAEM e participou do primeiro Teste de Progresso nacional, na década de 1990. A partir de 2003, essa tradição institucionalizou-se no Sistema Integrado de Avaliação do Curso de Medicina (SIAMed), usando como referencial as DCN de 200122. Brasil. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), proposto à época pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e pelo Ministério da Educação (MEC)33. Perim GL. Avaliação da educação superior: uma experiência na educação médica. Londrina: Inesco; 2020..
Em 2018, continuando o esforço avaliativo, estudantes da primeira à quarta série realizaram avaliações escritas ao final de todos os módulos e foram convidados a apontar os principais problemas do curso e sugestões de melhora. Questionários, reuniões e oficinas foram organizados em 2018-2019 para coletar as opiniões de toda a comunidade acadêmica sobre o curso.
Todos esses dados foram cuidadosamente revisados pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE). A partir dessa análise, os problemas mais comumente citados foram agrupados em cinco grandes categorias:
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Problema 1: dificuldade de adaptação dos ingressantes à vida acadêmica na primeira série, relacionada ao intenso estresse associado à nova metodologia (PBL) desde o primeiro mês do curso;
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Problema 2: desorganização da sequência de conteúdos do curso, que precisava ser revista para garantir uma progressão dos conteúdos mais simples para os mais complexos;
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Problema 3: falta de motivação dos docentes para atividades da primeira à quarta séries do curso, atribuída, ao menos em parte, à divisão considerada “artificial” dos módulos ao redor de grandes sintomas ou síndromes (exemplo: “Dor” ou “Dispneia, Dor Torácica e Edemas”);
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Problema 4: necessidade de inserir/complementar tópicos obrigatórios (inglês, gestão e educação em saúde, Linguagem Brasileira de Sinais - LIBRAS, relações étnico-raciais etc.) pelas DCN de 20147 e/ou áreas estratégicas ou tendências (medicina de família e comunidade, medicina baseada em evidências/iniciação científica, cuidados paliativos, espiritualidade etc.);
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Problema 5: desgaste da metodologia de ensino-aprendizagem (PBL). Apesar de percebido como um avanço em relação à pedagogia dita tradicional, a partir da terceira série muitos grupos deixam de adotar a sequência de passos do método. No caso dos discentes, isso parece ocorrer por pressa ou imediatismo. Entre docentes, um fator é a tendência a superestimar a importância dos tópicos da sua área. Isso resulta em heterogeneidade entre os grupos no alcance dos objetivos de estudo e insatisfação. Junte-se a essa observação o fato de que escolas médicas de referência vêm adotando novas metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como a Aprendizagem Baseada em Equipes - ABE (Team-Based Learning - TBL) na Faculdade de Medicina do Hospital Albert Einstein88. Paes AT, Dias BF, Eleutério GN, Paula VP. Profile of medical students in the first group of the Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Einstein (São Paulo). 2018;16(3):eAO4228. e a Aprendizagem Baseada em Casos - ABC (Case-Based Learning - CBL) na escola médica de Harvard99. Krupat E, Richards JB, Sullivan AM, Fleenor Jr TJ, Schwartzstein RM. Assessing the effectiveness of case-based collaborative learning via randomized controlled trial. Acad Med. 2016;91(5):723-9.. A própria escola médica de Maastricht, na qual a UEL se espelhou para desenhar seu currículo, já vinha mesclando PBL com simulações e outras abordagens1010. Maastricht University. Medicine: courses & curriculum 2022-2023. Universiteit Maastricht; c2022 [acesso em 28 jun 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.maastrichtuniversity.nl/education/bachelor/bachelor-medicine/courses-curriculum .
https://www.maastrichtuniversity.nl/educ... .
Além dessas questões, outras justificativas para mudança vinham se acumulando. O conceito do curso no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) diminuiu de 5 em 2010-2013 para 4 em 2016-2019. O perfil dos estudantes mudou: de 2010 a 2020, aumentou a idade média dos ingressantes, e diminuíram a renda média familiar e a proporção de egressos de escolas privadas, em paralelo com a adoção do sistema universal de cotas na UEL a partir de 2011-2012. A universidade tem sofrido enxugamento do corpo docente e técnico-administrativo nas últimas décadas, impactando o pessoal disponível para atividades pedagógicas. Finalmente, surgiram novas regras e exigências para o curso, como as DCN de 201477. Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. e a curricularização da extensão1111. Brasil. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e dá outras providências.),(1212. Universidade Estadual de Londrina. Resolução CEPE/CA nº 005/2022. Reformula o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, a ser implantado a partir do ano letivo de 2022..
O processo de reforma curricular: o “como”
Diante das justificativas expostas anteriormente, era indiscutível a necessidade de mudanças. Mas um grande desafio se impunha ao NDE:
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Como reformar um currículo com mais de 20 anos de tradição, que serviu de modelo a tantas outras escolas?
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Como convencer os docentes a mudar novamente?
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Como angariar o apoio dos estudantes, muitos dos quais haviam escolhido a UEL justamente por causa do currículo integrado e da PBL?
A resposta foi a construção coletiva. Em 1997, Feuerwerker1313. Feuerwerker LCM. Mudanças na educação médica: os casos de Londrina e Marília. São Paulo: Hucitec; Londrina: Rede Unida; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2002. já havia afirmado o seguinte sobre o processo anterior de reforma do mesmo curso: “a mudança [...] começa no próprio processo de construção da proposta de transformação, que deve ser feita através da criação de espaços coletivos, possibilitando a participação do maior número possível de professores e alunos, do maior número possível de áreas e departamentos”.
Por um lado, não foi tão difícil: muitos docentes e discentes estavam insatisfeitos com a situação, e o NDE tinha muitos argumentos para justificar a mudança. Além disso, a maioria do atual corpo docente mostrou-se favorável ao redesenho do currículo e à adoção de novas metodologias ativas.
Por outro lado, o intenso trabalho de avaliação do curso em 2018-2019 já havia sido uma construção coletiva. Discutir mudanças a partir dessas avaliações acabou sendo a continuidade natural desse trabalho. Em 2019, o NDE promoveu oficinas sobre metodologias ativas, internato médico e reforma curricular, com ampla participação da comunidade acadêmica, interessada em ajudar a sugerir novos rumos.
Mas era preciso definir um lugar para começar. Da mesma maneira que no final da década de 1990, a reforma recebeu grande apoio dos docentes das ciências básicas1313. Feuerwerker LCM. Mudanças na educação médica: os casos de Londrina e Marília. São Paulo: Hucitec; Londrina: Rede Unida; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica; 2002.. Por isso, o NDE preferiu começar por lá. Foram promovidas reuniões com docentes das várias áreas das ciências biológicas, exatas e humanas que participavam do curso, em que o NDE lhes propôs a seguinte questão: “Qual você acha que seria a maneira ideal de abordar o seu conteúdo dentro do curso de Medicina?”. A seguir, montaram-se grupos de trabalho congregando docentes de áreas correlatas (por exemplo: biologia celular, bioquímica e genética) para sugerir propostas conjuntas. Dessa forma, preservou-se a integração curricular - mas de forma mais focal, entre áreas mais próximas.
Depois da reflexão sobre as primeiras duas séries, agregando principalmente conteúdos das ciências básicas, uma abordagem semelhante foi realizada nas áreas clínicas. Os novos módulos da terceira e quarta séries também foram planejados buscando uma integração mais focal, ao redor de especialidades/áreas de atuação naturalmente próximas (por exemplo: pneumologia, pneumopediatria e cirurgia torácica), de forma mais semelhante à divisão vista na prática clínica real. Com esses novos módulos transdisciplinares, espera-se estimular o senso de pertencimento dos docentes e, consequentemente, a motivação deles (problema 3).
As propostas das áreas foram analisadas pelo NDE e depois discutidas reiteradamente com os docentes envolvidos para negociar ajustes, necessários para garantir um desenho macroscópico de cada série que fosse coerente entre si e com as demais séries e que respeitasse os limites de carga horária.
Nessa etapa, os conteúdos da primeira à quarta série foram cuidadosamente mapeados e ordenados para solucionar o problema 2 (desorganização da sequência de conteúdos). Ao final, realizaram-se dezenas de reuniões, durante três anos, com mais de 200 docentes de 19 departamentos e de cinco centros de estudo, até chegar a um desenho curricular que fosse aceito por todos.
A solução do problema 5 (rever metodologias de ensino) também foi trabalhosa. Ao consultarem a literatura sobre ensino na saúde, o NDE e docentes de módulos da terceira e quarta séries interessaram-se pela CBL como possível alternativa à PBL nesse momento mais clínico do curso. Assim como a PBL, a CBL também envolve discussões em pequenos grupos com um professor-tutor, mas tem enfoque mais clínico, é mais estruturada, tem objetivos mais claros, é mais motivadora para estudantes e docentes (problema 3) e parece mais efetiva para promover o desenvolvimento de habilidades de raciocínio clínico1414. Thistlethwaite JE, Davies D, Ekeocha S, Kidd JM, MacDougall C, Matthews P, et al. The effectiveness of case-based learning in health professional education. A BEME systematic review: BEME Guide No. 23. Med Teach. 2012;34(6):e421-4.),(1515. ten Cate O, Custers EJFM, Durning SJ. Principles and practice of case-based clinical reasoning education. New York: Springer; 2018.. Outra vantagem da CBL, num contexto de enxugamento progressivo de pessoal, é que pode ser feita em grupos maiores (15-20 estudantes) do que a PBL (8-10 alunos), exigindo menor número de docentes1515. ten Cate O, Custers EJFM, Durning SJ. Principles and practice of case-based clinical reasoning education. New York: Springer; 2018.. Foram feitas experiências em alguns módulos, cujos resultados guiaram a proposição de um método próprio de CBL, atendendo às necessidades do curso1616. Diehl LA, Prado FA, Trigo FC, Soares FC, Anegawa TH, Martin LMM. Nem CBCRE, nem PBL: o “nosso CBL” - relato de experiência. Anais do X Fórum Nacional de Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem na Formação em Saúde; 29-31 julho 2021; Curitiba. Curitiba: Faculdades Pequeno Príncipe; 2021..
Em relação ao restante do curso, observou-se que a primeira série vinha sendo especialmente afetada pela carência de docentes nesse momento, dificultando a PBL. Essa foi uma das razões pelas quais se optou pela adoção da TBL nessa série, já que essa metodologia permite realizar atividades com apenas um ou dois docentes para toda a turma1717. Parmelee D, Michaelsen LK, Cook S, Hudes PD. Team-based learning: a practical guide: AMEE Guide No. 65. Med Teach . 2012;34:e275-87. (em vez de seis ou dez docentes, como na CBL e PBL, respectivamente).
A TBL, mais estruturada que a PBL, também permitirá adaptação mais gradual dos ingressantes às metodologias ativas de ensino-aprendizagem, em que o estudante tem papel central (problema 1).
Ainda sobre a adaptação: graças à política de cotas da universidade, pelo menos 40% dos atuais ingressantes no curso de Medicina da UEL provêm de escolas públicas, e observa-se nítida discrepância da bagagem educacional desses estudantes quando comparados aos seus pares egressos de escolas privadas. No currículo vigente até então, esses dois conjuntos de estudantes eram aleatoriamente mesclados em pequenos grupos e incumbidos de discutir problemas na PBL já na segunda semana do curso. À dificuldade natural de adaptação à nova realidade de estudante universitário, somava-se a comparação com os colegas e o sentimento frequente de “não conseguir acompanhar” as atividades. É a “síndrome do impostor”, um fator importante para a grande prevalência de burnout e transtornos de humor entre estudantes de Medicina1818. Campos IFS, Camara GF, Carneiro AG, Kubrusly M, Peixoto RAC, Peixoto Jr. AA. Impostor syndrome and its association with depression and burnout among medical students. Rev Bras Educ Med . 2022;46(2):e068..
No novo currículo, a primeira série terá mais atividades (aulas expositivas e práticas de ciências básicas) para nivelamento dos estudantes nesses conteúdos fundamentais e a inclusão da mentoria como atividade curricular, provendo suporte socioemocional e orientação educacional aos ingressantes.
Finalmente, com relação ao problema 4 (necessidade de inserir novos conteúdos): noções para a prática da medicina científica serão abordadas num módulo longitudinal (da primeira à quarta série) de Trabalho Científico Obrigatório, em que os alunos aprenderão metodologia científica e executarão um trabalho científico antes da entrada no internato. LIBRAS e inglês tornaram-se disciplinas curriculares, e outros conteúdos exigidos pelas DCN que antes não eram plenamente contemplados (relações étnico-raciais, história da cultura afro-brasileira/indígena e outros) agora compõem um módulo de Medicina, Saúde e Sociedade. Medicina de Família e Comunidade ganhou um módulo anual longitudinal na terceira série, incluindo tópicos de gestão e educação em saúde. Espaços livres foram reservados às sextas-feiras à tarde durante todo o curso para organizar a participação em atividades extensionistas (curricularização da extensão)1111. Brasil. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e dá outras providências..
A nova matriz curricular do curso está publicada no site da UEL e pode ser consultada livremente em: http://www.uel.br/prograd/documentos/resolucoes/2022/resolucao_05_22.pdf
O Quadro 1 correlaciona os problemas identificados nas avaliações do curso e os ajustes curriculares propostos para sua respectiva solução.
DISCUSSÃO
Não existe currículo perfeito. Na medicina, em que avanços ocorrem numa velocidade vertiginosa, é inevitável que os currículos das escolas médicas precisem rapidamente de reformas, inclusive os currículos já considerados inovadores. Ao final da década de 1970, Abrahamson1919. Abrahamson S. Diseases of the curriculum. J Med Educ. 1978;53:951-7. já alertava para o mal da curriculoesclerose, “a mais incapacitante e, tragicamente, uma das mais prevalentes doenças do currículo”. E a Medicina da UEL, nos dizeres de Perim et al.2020. Perim GL, Sakai M, Almeida MJ, Marchese M, Matsuo T. A avaliação institucional no curso de Medicina da Universidade de Londrina: uma experiência inovadora. Rev Bras Educ Med . 2008;32(2):217-29., é “um curso de graduação que exige um repensar permanente”.
Depois de ser a segunda escola no Brasil a adotar currículo integrado e PBL, o curso de Medicina da UEL ficou conhecido quase como sinônimo de PBL, mas isso não nos impede de avançar. A própria escola médica de Harvard, que impulsionou a adoção da PBL em outros cursos ao adotá-la em 19862121. Bok D. Needed: a new way to train doctors. In: Schmidt H, et al. New directions for medical education: problem-based learning and community-oriented medical education. New York: Springer -Verlag; 1989. p. 17-38., já reviu suas metodologias e hoje adota um misto de TBL e CBL, que chama de Aprendizagem Colaborativa Baseada em Casos (CBCL), a qual parece ser efetiva2222. Krupat E, Richards JB, Sullivan AM, Fleenor Jr. TJ, Schwartzstein RM. Assessing the effectiveness of case-based collaborative learning via randomized controlled trial. Acad Med . 2016;91(5):723-9. e muito bem-aceita2323. Chang BJ. Problem-based learning in medical school: a student’s perspective. Ann Med Surg. 2016;12(1):88-9..
A adoção da CBL em substituição à PBL na terceira e quarta séries do nosso curso pretende otimizar o desenvolvimento do raciocínio clínico e aumentar a motivação de docentes e estudantes. Em outras escolas que fizeram uma transição semelhante, a CBL foi preferida por ser mais focada e permitir mais oportunidades para aplicação clínica2424. Srinivasan M, Wilkes M, Stevenson F, Nguyen T, Slavin S. Comparing problem-based learning with case-based learning: effects of a major curricular shift at two institutions. Acad Med . 2007;82(1):74-82., além de ser mais motivadora1414. Thistlethwaite JE, Davies D, Ekeocha S, Kidd JM, MacDougall C, Matthews P, et al. The effectiveness of case-based learning in health professional education. A BEME systematic review: BEME Guide No. 23. Med Teach. 2012;34(6):e421-4. e provavelmente mais efetiva para desenvolver raciocínio clínico1515. ten Cate O, Custers EJFM, Durning SJ. Principles and practice of case-based clinical reasoning education. New York: Springer; 2018.. Incentivos financeiros são uma das formas mais comumente utilizadas para tentar aumentar a motivação dos docentes2525. Wisener KM, Eva KW. Incentivizing medical teachers; exploring the role of incentives in influencing motivations. Acad Med . 2018;93:S52-S59., mas obviamente não são uma opção viável numa universidade pública; por essa razão, precisamos buscar outros incentivos, e o desenho do currículo pode ser um deles.
Nos módulos do novo currículo, mantivemos a integração entre áreas básicas e clínicas e/ou cirúrgicas, mas os módulos foram reorganizados ao redor de grandes áreas ou especialidades afins. Essa foi uma mudança para atender às demandas dos docentes e discentes, que frequentemente se queixavam da divisão “artificial” dos conteúdos ao redor de grandes sintomas ou síndromes. Cite-se, por exemplo, o módulo denominado “Dispneia, Dor Torácica e Edemas”, que abordava doenças cardíacas, pulmonares e renais na quarta série. Há anos, os próprios docentes dessas especialidades (cardiologia, pneumologia, nefrologia) já vinham fragmentando os conteúdos e as avaliações do módulo por motivos didáticos. No novo currículo, esse módulo deu lugar a três módulos independentes (Doenças Respiratórias, Doenças Renais e Doenças Cardiovasculares), cada um integrando conteúdos e docentes das áreas clínica, cirúrgica, pediátrica e de propedêutica complementar.
Acreditamos ainda que o desenho mais acolhedor da primeira série, com atividades de nivelamento e adaptação gradual às metodologias ativas (TBL), além da promoção de um espaço seguro na mentoria para reflexão, autoconhecimento e promoção da autonomia2626. Silveira LMC, Bellodi PL, Diniz RVZ, Afonso DH. Mentoria em contexto. Rev Bras Educ Med . 2021;45(supl 1):e126., trará avanços ao facilitar a integração dos ingressantes2727. Rios IC, Santos CDV, Fernandes EMO, Pacheco MKO, Fernandes MTA, Vital Jr., PF. Welcome mentoring for new medicine students. Rev Bras Educ Med . 2021;45(Suppl 1):e111. e promover sua saúde mental2828. Cavalcante ACC, Barbosa LAO, Quintanilha LF, Avena KM. Prevalence of common mental disorders among medical students during the Covid-19 pandemic. Rev Bras Educ Med . 2022;46(1):e006..
Finalmente, a oferta de novas disciplinas optativas permitirá que o estudante individualize sua grade curricular ao optar entre: Espiritualidade na Prática Médica, História da Medicina, Gestão de Finanças e Empreendedorismo, Sexologia e Terapia Sexual, Toxicologia Clínica e Cuidados Paliativos (esta atende às modificações contidas no Parecer CNE/CES nº 265/2022)2929. Brasil. Parecer nº 265, de 17 de março de 2022. Alteração da Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências.. Além de enriquecer a cultura médica geral, esses conteúdos poderão contribuir para a formação de médicos bem preparados e para a consciência de seu papel na sociedade atual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Perim55. Perim GL. Avaliação da educação superior: uma realidade na educação médica [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007.: “não basta adotar novas metodologias de ensino ou promover mudanças curriculares, ainda que estas estejam amparadas em processos participativos. É preciso ousar!”. Pois bem: ousamos avançar, amparados em processos participativos.
A primeira turma do novo currículo iniciou suas atividades em 2022. O novo projeto pedagógico1212. Universidade Estadual de Londrina. Resolução CEPE/CA nº 005/2022. Reformula o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, a ser implantado a partir do ano letivo de 2022. prevê a continuidade dos esforços de capacitação docente e de avaliação do curso, de forma sistemática e contínua. Acreditamos que o curso irá apresentar ganhos em termos de motivação docente, acolhimento aos estudantes e qualidade da formação. Nossas avaliações futuras nos mostrarão se estamos na direção certa.
REFERÊNCIAS
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1Almeida MJ. Educação médica e saúde: a mudança é possível! 2a ed. Rio de Janeiro: Abem; 2011.
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2Brasil. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina.
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3Perim GL. Avaliação da educação superior: uma experiência na educação médica. Londrina: Inesco; 2020.
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4Trelha CS, Casarim LF, Almeida MJ, Gordan PA. Cursos de Medicina com currículos inovadores são mais caros? Análise de custos do Curso Integrado de Graduação em Medicina da Universidade Estadual de Londrina. Rev Bras Educ Med. 2008;32(2):160-73.
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5Perim GL. Avaliação da educação superior: uma realidade na educação médica [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007.
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6Universidade Estadual de Londrina. Resolução CEPE/CA nº 282/2009. Reformula o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, a ser implantado a partir do ano letivo de 2010.
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7Brasil. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências.
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8Paes AT, Dias BF, Eleutério GN, Paula VP. Profile of medical students in the first group of the Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Einstein (São Paulo). 2018;16(3):eAO4228.
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9Krupat E, Richards JB, Sullivan AM, Fleenor Jr TJ, Schwartzstein RM. Assessing the effectiveness of case-based collaborative learning via randomized controlled trial. Acad Med. 2016;91(5):723-9.
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10Maastricht University. Medicine: courses & curriculum 2022-2023. Universiteit Maastricht; c2022 [acesso em 28 jun 2022]. Disponível em: Disponível em: https://www.maastrichtuniversity.nl/education/bachelor/bachelor-medicine/courses-curriculum
» https://www.maastrichtuniversity.nl/education/bachelor/bachelor-medicine/courses-curriculum -
11Brasil. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e dá outras providências.
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12Universidade Estadual de Londrina. Resolução CEPE/CA nº 005/2022. Reformula o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina, a ser implantado a partir do ano letivo de 2022.
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Avaliado pelo processo de double blind review.
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FINANCIAMENTO
Declaramos não haver financiamento.
Editado por
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
09 Jul 2022 -
Aceito
23 Fev 2023