Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação imunoistoquímica dos componentes fibrilares na matriz extracelular da fáscia transversal e da bainha do músculo reto abdominal de homens portadores de hérnia inguinal

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a participação dos componentes fibrilares da matriz extracelular na etiopatogenia das hérnias inguinais.

MÉTODOS:

foram retiradas amostras da fáscia transversal e da bainha anterior do músculo reto abdominal de 40 homens na faixa etária entre 20 e 60 anos, portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus e de 10 controles constituído por cadáveres frescos, na mesma faixa etária, sem hérnia. A técnica de coloração foi a imunoistoquímica para colágeno I, colágeno III e fibras elásticas e a quantificação dos componentes fibrilares foi realizada através de sistema computadorizado e software de processamento e análise de imagem.

RESULTADOS:

não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes na quantidade de fibras elásticas, colágeno I e colágeno III, e na proporção de colágeno I/III entre os pacientes portadores de hérnia inguinal em comparação com indivíduos sem hérnia.

CONCLUSÃO:

a quantidade dos componentes fibrilares da matriz extracelular não se alterou nos pacientes com e sem hérnia inguinal.

Imunoistoquímica; Colágeno; Matriz extracelular; Fáscia; Hérnia inguinal


OBJECTIVE:

to evaluate the role of fibrillar extracellular matrix components in the pathogenesis of inguinal hernias.

METHODS:

samples of the transverse fascia and of the anterior sheath of the rectus abdominis muscle were collected from 40 men aged between 20 and 60 years with type II and IIIA Nyhus inguinal hernia and from 10 fresh male cadavers (controls) without hernia in the same age range. The staining technique was immunohistochemistry for collagen I, collagen III and elastic fibers; quantification of fibrillar components was performed with an image analysis processing software.

RESULTS:

no statistically significant differences were found in the amount of elastic fibers, collagen I and collagen III, and the ratio of collagen I / III among patients with inguinal hernia when compared with subjects without hernia.

CONCLUSION:

the amount of fibrillar extracellular matrix components did not change in patients with and without inguinal hernia.

Immunohistochemistry; Collagen; Extracellular matrix; Fascia; Hernia, inguinal


INTRODUÇÃO

A incidência e a prevalência das hérnias da parede abdominal permanecem essencialmente desconhecidas, sendo que, das operações para correção das hérnias da parede abdominal, a herniorrafia inguinal constitui a operação mais realizada pelo cirurgião geral11. Rutkow IM. Surgical operations in the United States. Then (1983) and now (1994). Arch Surg. 1997;123(9):132:90..

Há décadas foram iniciados estudos direcionados à investigação dos fatores envolvidos na fragilidade da parede posterior do canal inguinal na tentativa de responder a questão fundamental envolvida na etiopatogenia das hérnias inguinais, ou seja, se estas são sequelas de um estresse mecânico excessivo ou manifestação local de um distúrbio metabólico dos constituintes da matriz extracelular22. Rodrigues Júnior AJ, Rodrigues CJ, da Cunha AC, Jin Y. Quantitative analysis of collagen and elastic fibers in the transversalis fascia in direct and indirect inguinal hernia. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002;57(6):265-70.

3. Read RC. Attenuation of the rectus sheath in inguinal herniation. Am J Surg. 1970;120(5):610-4.

4. Wagh PV, Read RC. Collagen deficiency in rectus sheath of patients with inguinal herniation. Exp Biol Med. 1971;37(2):382-4

5. Conner WT, Peacock EE Jr. Some studies on the etiology of inguinal hernia. Am J Surg. 1973;126(6):732-5.
- 66. Cannon DJ, Read RC. Metastatic emphysema: a mechanism for acquiring inguinal herniation. Ann Surg. 1981;194(3):270-8.. Todos estes trabalhos atribuíram aos componentes da matriz extracelular a propriedade de conferir resistência e integridade às aponeuroses e fáscias, estruturas estas, consideradas por alguns autores77. Baradi AF, Heslop JH, Rao NS. Peritoneal fine structure of inguinal hernia: a scanning electron microscope study. Histol Histopathol. 1986;1(1):89-92. , 8 8. Harrison PW. Inguinal hernia: a study of the principles involved in the surgical treatment. Arch Surg. 1922;4(3):680-9.como fundamentais à integridade anatomofuncional da parede posterior do canal inguinal.

As hérnias inguinais compartilham um aspecto comum: o de emergir através do orifício miopectíneo de Fruchaud33. Read RC. Attenuation of the rectus sheath in inguinal herniation. Am J Surg. 1970;120(5):610-4.. É uma abertura na parede abdominal inferior fechada apenas pela fáscia transversal, que tem sua resistência conferida pelas fibras colágenas e elásticas - os dois principais constituintes fibrilares da matriz extracelular99. Goffi FS, Leite GM, Pinto PEL. Alguns aspectos da etiopatogenia das hérnias inguinais. Rev Paul Med. 1953;43:29-45..

A utilização de próteses para correção das hérnias inguinais tem demonstrado baixa recidiva e, por isso, grande aceitação, constituindo procedimento padrão para correção das hérnias da região inguinal1010. Silva AL, Barbosa CA, Souza PL, Vieira RG. Uso do saco herniário autólogo no reforço das hernioplastias incisional e inguinal. RBM rev bras med. 2004;61:273-8.. Este fato levanta a questão se a utilização de próteses sintéticas constitui procedimento que elimina a tensão - considerada como o elemento principal envolvido nas recidivas -, ou indiretamente trata a alteração metabólica presente na etiopatogenia das hérnias inguinais.

Diante de achados controversos na literatura sobre a possibilidade da hérnia inguinal representar manifestação metabólica do tecido conjuntivo, realizou-se o presente estudo em homens adultos portadores de hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus1111. Nyhus LM. Individualization of hernia repair: a new era. Surgery. 1993;114(1):1-2.. Ele tem por objetivo analisar o colágeno I, colágeno III e fibras elásticas na fáscia transversal e na bainha do músculo reto abdominal destes pacientes, identificando possíveis alterações quantitativas dos componentes fibrilares da matriz extracelular em cada um dos tipos de hérnias, em comparação com indivíduos sem hérnia.

MÉTODOS

Este trabalho foi realizado na Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica do Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil. O Comitê de Ética aprovou o protocolo de pesquisa (CEP 0801/08) sem restrições.

Utilizaram-se fragmentos da fáscia transversal e da bainha anterior do músculo reto abdominal, obtidos por biópsias, durante intervenções cirúrgicas para a correção de hérnias inguinais e durante autópsias. Foram selecionados 20 homens com idade entre 20 e 60 anos com hérnias inguinais tipo II de NYHUS (grupo de hérnia indireta); 20 entre 20 e 60 anos com hérnia inguinal tipo IIIA de NYHUS (grupo de hérnia direta); e dez cadáveres frescos de homens com idade entre 20 e 60 anos, não portadores de hérnia inguinal (grupo controle) ( Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos pacientes nos grupos por faixa etária.

Dos pacientes selecionados, foram excluídos os diabéticos, fumantes, portadores de doenças do tecido conjuntivo e os com risco cirúrgico igual ou maior que ASA III.

Preparação histológica

Retirada, a amostra era imediatamente lavada em solução salina a 0,9% e fixada em solução constituída de paraformaldeído a 10% (2,5ml), Phosfate Buffer Solution (PBS) concentrado (5ml) e água destilada (2ml) e armazenada à temperatura de 4oC durante duas horas. Após o período de fixação, era desprezada a solução fixadora com pipeta e adicionado 1ml de PBS concentrado, mais 9ml de água destilada, mantendo-se resfriado a 4oC por mais 24h e, a seguir, as amostras eram incluídas em parafina. Estes preparados histológicos foram submetidos à técnicas de coloração imunoistoquímica, com o objetivo de evidenciarem-se os constituintes fibrosos da matriz extracelular.

Todos os preparados histológicos, a partir dos cortes obtidos da bainha do músculo reto abdominal e da fáscia transversal, foram corados pelos métodos imunoistoquímico para colágeno I, colágeno III e elastina utilizando-se anticorpos anticolágeno tipo I, anticolágeno tipo III e antielastinas.

Quantificação das fibras colágenas e elásticas

Na análise morfométrica utilizou-se um software de processamento e análise de imagem, onde é obtida a intensidade de coloração (marrom-alaranjado) e a extensão da área positiva (para colágeno I, III e elastina) e os resultados são expressos em porcentagem/área. Este procedimento foi realizado para colágeno I, III e elastina isoladamente, com o objetivo de obter resultados de cada um.

Análise estatística

Foram utilizados os seguintes testes estatísticos: 1) Kruskal-Wallis para comparar a concentração dos componentes fibrilares na fáscia transversal e na bainha do músculo reto abdominal entre os grupos e para avaliar a proporção entre colágeno I e III nos diferentes grupos; 2) Mann-Whitney para a comparar a concentração de componentes fibrilares na fáscia transversal e na bainha do músculo reto abdominal entre os dois grupos, com e sem hérnia. Em todos os testes, fixou-se em 0,05 ou 5% (ád+0,05) o nível de rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com asterisco os valores significantes.

RESULTADOS

Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos na comparação da concentração de fibras colágenas tipo I, colágenas tipo III e elásticas na fáscia transversal e na bainha anterior do músculo reto abdominal (Figura 1).

Figura 1
Boxplot dos valores da concentração dos componentes fibrilares (colágeno tipo I, colágeno tipo III e fibras elásticas) na fáscia transversal e bainha do músculo reto abdominal dos grupos controle, hérnia tipo II de Nyhus e hérnia tipo IIIA de Nyhus.

Também não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos na comparação da proporção de fibras colágenas tipo I e tipo III (colágeno I/III) na fáscia transversal e na bainha anterior do músculo reto abdominal (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação da proporção entre fibras colágenas tipo I e tipo III em pacientes portadores de hérnias inguinais tipo II (indireta), tipo IIIA (diretas) e controle cadáver (sem hérnia).

Não havendo diferenças estatísticas significantes entre os grupos com hérnias tipo II de Nyhus (indireta) e tipo IIIA de Nyhus (direta) e com o intuito de aumentar o número da amostra com hérnias, realizou-se a comparação dos grupos com e sem hérnia e não se evidenciou diferença estatisticamente significante (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação da quantidade de fibras colágenas tipo I, tipo III e fibras elásticas em pacientes portadores de hérnias inguinais (indireta ou direta) e controle (cadáver sem hérnia).

DISCUSSÃO

Alterações anatômicas, anatomofuncionais, congênitas e que promovem a elevação da pressão intra-abdominal são fatores já consagrados na literatura como participantes na etiopatogenia das hérnias inguinais44. Wagh PV, Read RC. Collagen deficiency in rectus sheath of patients with inguinal herniation. Exp Biol Med. 1971;37(2):382-4 , 1212. Bórquez PM, Garrido LO, Manterola CD, Peña PS, Schlageter CT, Orellana JJC, et al. Estudio de fibras colágenas y elásticas del tejido conjuntivo de pacientes com y sin hérnia inguinal primaria. Rev méd Chile. 2003;131(11):1273-9.

13. Ozdogan M, Yildiz F, Gurer A, Orhun S, Kulacoglu H, Aydin R. Changes in collagen and elastic fiber contents of the skin, rectus sheath, transversalis fascia and peritoneum in primary inguinal hernia patients. Bratisl Lek Listy. 2006;107(6-7):235-8.
- 1414. Watson LF. Embryologic and anatomic consideration in etiology of inguinal and femoral hernias. Am J Surg. 1938;42(3):695-703. , no entanto, nos últimos anos, um novo conceito tem despertado interesse nos cirurgiões, a presença de alterações no tecido conjuntivo dos pacientes portadores de hérnias inguinais como fator predisponente ao desenvolvimento desta doença.

O conhecimento atual sobre os mecanismos bioquímicos e metabólicos que incidem sobre a etiopatogenia da hérnia inguinal são controversos. O presente trabalho está baseado na possibilidade da existência de uma associação entre alterações na proporção e/ou quantidades de um dos componentes fibrilares, elástico, colágeno I e colágeno III, e a fragilização da fáscia transversal como condição fisiopatológica envolvida na herniogênese.

O primeiro estudo para investigar a associação de hérnia inguinal com defeito do metabolismo do colágeno foi realizado por Read1515. Read RC. Pre-extraperitoneal approach to inguinofemoral herniorrhaphy. Am J Surg. 1967;114(5):672-8., que descreveu aponeurose do músculo reto abdominal mais fina e com menor peso por área em pacientes com hérnia direta. Ele e outros autores acreditam que o processo que influencia sobre a quantidade de colágeno nessas aponeuroses se refletiria igualmente na fáscia transversal, tornando-a fragilizada e propiciando a formação das hérnias1515. Read RC. Pre-extraperitoneal approach to inguinofemoral herniorrhaphy. Am J Surg. 1967;114(5):672-8.

16. Berliner SD. An approach to groin hernia. Surg Clin North Am. 1984;64(2):197-213.
- 1717. Wagh PV, Leverich AP, Sun CN, White HJ, Read RC. Direct inguinal herniation in men: a disease of collagen. J Surg Res. 1974;17(6):425-33..

Os grupos controles, utilizados pelos trabalhos citados acima, analisaram amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal de pacientes operados através de incisões infraumbilicais medianas para o tratamento de algumas afecções que também apresentam desordens do sistema conjuntivo, como os portadores de aneurismas de aorta abdominal, tornando inadequada tal comparação. Neste experimento, o grupo controle foi constituído por cadáveres não portadores de hérnia inguinal, o que possibilitou que as amostras da bainha anterior do músculo reto abdominal e da fáscia transversal fossem coletadas diretamente da região inguinal.

Estudos que utilizaram a fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal para avaliação quantitativa do colágeno22. Rodrigues Júnior AJ, Rodrigues CJ, da Cunha AC, Jin Y. Quantitative analysis of collagen and elastic fibers in the transversalis fascia in direct and indirect inguinal hernia. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002;57(6):265-70. , 66. Cannon DJ, Read RC. Metastatic emphysema: a mechanism for acquiring inguinal herniation. Ann Surg. 1981;194(3):270-8. , 1717. Wagh PV, Leverich AP, Sun CN, White HJ, Read RC. Direct inguinal herniation in men: a disease of collagen. J Surg Res. 1974;17(6):425-33. mostram controvérsias em seus achados.

Peacock e Madden realizaram estudos bioquímicos para quantificação do colágeno, através da dosagem da hidroxiprolina na fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal recidivada e compararam com a fáscia do mesmo lado, contudo não encontraram diferença significativa entre o lado herniário e o sem hérnia1818. Peacock EE Jr, Madden JW. Studies on the biology and treatment of recurrent inguinal hernia. II. Morphological changes. Ann Surg. 1984;179(5):567-71..

Bellón et al. em estudo mais detalhado avaliou, através da microscopia eletrônica, a ultraestrutura da fáscia transversal, a dosagem da hidroxiprolina tecidual e através de coloração imunoistoquímica, determinando a porcentagem do colágeno tipo I e colágeno tipo III e a presença de metaloproteinases na fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal direta e indireta. Encontrou apenas a matriz extracelular mais abundante nos pacientes com hérnia inguinal direta, o que ele atribuiu à maior expressão de metaloproteinases nos portadores de hérnia direta1919. Bellón JM, Buján J, Honduvilla NG, Jurado F, Gimeno MJ, Turnay J, et al. Study of biochemical substrate and role of metalloproteinases in fascia transversalis from hernial processes. Eur J Clin Invest. 1997;27(6):510-6..

Wolwacz et al. utilizaram a avaliação computadorizada para quantificar as fibras colágenas presentes na fáscia transversal de pacientes com hérnia direta, coradas pela técnica histoquímica de picrosirius-polarização, e compararam com cadáveres sem hérnia. Demonstraram que a área média percentual de colágeno nos pacientes com hérnia era metade da área dos controles2020. Wolwacz Júnior I, Trindade MRM, Cerski CT. O colágeno em fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal direta submetidos à videolaparoscopia. Acta cir bras. 2003;18(3):196-202.. Estudo similar realizado pelos autores deste trabalho não demonstrou diferenças estatisticamente significantes entre os pacientes com hérnia direta, indireta e o controle sem hérnia2121. Gonçalves RO, Silva EM, Marques TC, Lopes Filho GJ. Avaliação histoquímica quantitativa do colágeno na fascia transversalis e na bainha anterior do músculo reto abdominal em doentes com hérnia inguinal. Rev Col Bras Cir. 2003;30(4):286-92..

Existe associação íntima entre os componentes colágenos e elásticos da fáscia transversal, pressupondo ação integrada desses dois componentes na resistência da parede posterior do canal inguinal. Alguns trabalhos defendem a hipótese de que a deformação inelástica do colágeno, também alterado em sua quantidade acompanhado de alterações quantitativas e estruturais do sistema de fibras elásticas, seriam os responsáveis pela formação da hérnia inguinal22. Rodrigues Júnior AJ, Rodrigues CJ, da Cunha AC, Jin Y. Quantitative analysis of collagen and elastic fibers in the transversalis fascia in direct and indirect inguinal hernia. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002;57(6):265-70. , 2222. Quintas ML. Alterações do sistema de fibras elásticas no ligamento interfoveolar do homem com envelhecimento [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 1998.. No entanto, são poucos os estudos na literatura que avaliam concomitantemente as fibras colágenas e elásticas nos pacientes portadores de hérnia inguinal.

Significativa diminuição na quantidade de colágeno e aumento na quantidade de fibras elásticas na fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal direta quando comparado à pacientes com hérnia inguinal indireta, foram demonstradas; no entanto, este aumento da quantidade de fibras elásticas não elevaria a complacência do tecido elástico, pois estas fibras apresentam alterações estruturais, principalmente, com o aumento da idade22. Rodrigues Júnior AJ, Rodrigues CJ, da Cunha AC, Jin Y. Quantitative analysis of collagen and elastic fibers in the transversalis fascia in direct and indirect inguinal hernia. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002;57(6):265-70. , 2323. Quintas ML, Rodrigues CJ, Yoo JH. Age related changes in the elastic fiber system of the interfoveolar ligament. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2000;55(3):83-6.. Foram demonstradas alterações da densidade do colágeno na pele de pacientes com hérnia quando comparada a pele da mesma região de pacientes sem hérnia; no entanto, nenhuma diferença na densidade e distribuição das fibras elásticas foi observada entre os dois grupos1212. Bórquez PM, Garrido LO, Manterola CD, Peña PS, Schlageter CT, Orellana JJC, et al. Estudio de fibras colágenas y elásticas del tejido conjuntivo de pacientes com y sin hérnia inguinal primaria. Rev méd Chile. 2003;131(11):1273-9..

Ozdogan et al. analisaram, através de microscopia óptica, o grau de densidade da coloração das fibras colágenas e elásticas na pele, bainha do músculo reto abdominal, fáscia transversal e peritônio de pacientes com hérnia inguinal direta e indireta e compararam com controles submetidos à colecistectomia1313. Ozdogan M, Yildiz F, Gurer A, Orhun S, Kulacoglu H, Aydin R. Changes in collagen and elastic fiber contents of the skin, rectus sheath, transversalis fascia and peritoneum in primary inguinal hernia patients. Bratisl Lek Listy. 2006;107(6-7):235-8.. As amostras da bainha do músculo reto abdominal dos controles demonstraram alto grau de coloração para fibras colágenas e elásticas quando comparadas ao grupo com hérnias. Nenhuma diferença foi encontrada nas amostras dos outros tecidos e entre os grupos de hérnia direta e indireta.

As dificuldades na análise desses trabalhos estão, inicialmente, na seleção do tipo de hérnias, pois foram utilizados indiscriminadamente pacientes com hérnias tipo II, IIIA, IIIB e IIIC e na utilização de doentes de ambos os sexos, uma vez que as mulheres podem apresentar alterações do sistema conjuntivo relacionadas com distúrbios hormonais determinados pela gravidez e uso de hormônios2323. Quintas ML, Rodrigues CJ, Yoo JH. Age related changes in the elastic fiber system of the interfoveolar ligament. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2000;55(3):83-6.. Além disso, a utilização de pacientes idosos também pode interferir nos resultados desses trabalhos, pois existem alterações das fibras colágenas e elásticas nos pacientes com idade acima dos 60 anos2323. Quintas ML, Rodrigues CJ, Yoo JH. Age related changes in the elastic fiber system of the interfoveolar ligament. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2000;55(3):83-6. , 2424. Novelli MD, Barreto E, Matos D, Saad SS, Borra RC. Aplicação de processamento de imagens por computador na quantificação das variáveis histopatológicas da reparação tecidual de anastomose colocólicas em cães. Rev Ass Med Bras. 1997;43(4):277- 82..

Neste estudo, utilizando coloração imunoistoquímica, mensurou-se o colágeno tipo I e tipo III e as fibras elásticas na fáscia transversal e na banha anterior do músculo reto abdominal. Quantificaram-se seus valores através do processamento de imagens por computador, cuja aplicabilidade e eficácia foram comprovadas1919. Bellón JM, Buján J, Honduvilla NG, Jurado F, Gimeno MJ, Turnay J, et al. Study of biochemical substrate and role of metalloproteinases in fascia transversalis from hernial processes. Eur J Clin Invest. 1997;27(6):510-6. , 2525. Calil MA. Avaliação quantitativa do colágeno da pele de ratas castradas após o uso de estrogênio, progestogênio e tamoxifeno [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1999. e não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os doentes com hérnia e sem hérnia.

A força tênsil e a estabilidade do tecido conjuntivo dependem da quantidade e da variação na proporção dos tipos I e III do colágeno; na pele esta proporção está representada na razão de 4:1 e o aumento do colágeno tipo III leva à alterações das propriedades físicas da parede abdominal facilitado a formação de hérnias2626. Liberatori Filho AW. Estudo histomorfométrico de cardiomiócitos e matriz colágena do ventrículo esquerdo de ratas albinas durante o ciclo gravídico-puerperal [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1999..

Existem evidências na literatura de que a proporção dos tipos I/III do colágeno está diminuída na fáscia transversal, saco herniário e pele de pacientes com hérnia inguinal e incisional recidivadas2727. Junqueira LC, Carneiro J. Histologia básica. 9a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1999.; no entanto, na hérnia inguinal primária, essas evidências estão menos esclarecidas. Enquanto alguns trabalhos demonstraram que a proporção de colágeno I/III em amostras da pele de pacientes com hérnia é menor do que nos controles sem hérnia99. Goffi FS, Leite GM, Pinto PEL. Alguns aspectos da etiopatogenia das hérnias inguinais. Rev Paul Med. 1953;43:29-45. , 1010. Silva AL, Barbosa CA, Souza PL, Vieira RG. Uso do saco herniário autólogo no reforço das hernioplastias incisional e inguinal. RBM rev bras med. 2004;61:273-8., outros autores2828. Tsuji T, Hamada T. Age-related changes in human dermal elastic fibres. Br J Dermatol. 1981;105(1):57-63. não evidenciaram diferenças na proporção dos tipos I/III do colágeno na fáscia transversal de pacientes com e sem hérnia inguinal.

Aqui, foram mensuradas as proporções do colágeno I/III em amostras da fáscia transversal e da bainha do músculo reto abdominal de pacientes com hérnia inguinal tipo II e IIIA de Nyhus e não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre doentes e o grupo controle.

A integridade da fáscia transversal depende do processo de renovação dos seus componentes fibrilares, colágenos e elásticos, e o envolvimento dos demais constituintes da matriz extracelular - proteoglicanas, glicoproteinas e metaloproteinases. Outros estudos são necessários para a quantificação destes constituintes, adotando critérios rigorosos de seleção dos grupos com hérnia e controle para melhor elucidação da etiopatogenia da hérnia inguinal no adulto.

Nossa pesquisa evidencia que a quantidade dos componentes fibrilares da matriz extracelular não se alterou nos pacientes com e sem hérnia inguinal.

REFERENCES

  • 1
    Rutkow IM. Surgical operations in the United States. Then (1983) and now (1994). Arch Surg. 1997;123(9):132:90.
  • 2
    Rodrigues Júnior AJ, Rodrigues CJ, da Cunha AC, Jin Y. Quantitative analysis of collagen and elastic fibers in the transversalis fascia in direct and indirect inguinal hernia. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002;57(6):265-70.
  • 3
    Read RC. Attenuation of the rectus sheath in inguinal herniation. Am J Surg. 1970;120(5):610-4.
  • 4
    Wagh PV, Read RC. Collagen deficiency in rectus sheath of patients with inguinal herniation. Exp Biol Med. 1971;37(2):382-4
  • 5
    Conner WT, Peacock EE Jr. Some studies on the etiology of inguinal hernia. Am J Surg. 1973;126(6):732-5.
  • 6
    Cannon DJ, Read RC. Metastatic emphysema: a mechanism for acquiring inguinal herniation. Ann Surg. 1981;194(3):270-8.
  • 7
    Baradi AF, Heslop JH, Rao NS. Peritoneal fine structure of inguinal hernia: a scanning electron microscope study. Histol Histopathol. 1986;1(1):89-92.
  • 8
    Harrison PW. Inguinal hernia: a study of the principles involved in the surgical treatment. Arch Surg. 1922;4(3):680-9.
  • 9
    Goffi FS, Leite GM, Pinto PEL. Alguns aspectos da etiopatogenia das hérnias inguinais. Rev Paul Med. 1953;43:29-45.
  • 10
    Silva AL, Barbosa CA, Souza PL, Vieira RG. Uso do saco herniário autólogo no reforço das hernioplastias incisional e inguinal. RBM rev bras med. 2004;61:273-8.
  • 11
    Nyhus LM. Individualization of hernia repair: a new era. Surgery. 1993;114(1):1-2.
  • 12
    Bórquez PM, Garrido LO, Manterola CD, Peña PS, Schlageter CT, Orellana JJC, et al. Estudio de fibras colágenas y elásticas del tejido conjuntivo de pacientes com y sin hérnia inguinal primaria. Rev méd Chile. 2003;131(11):1273-9.
  • 13
    Ozdogan M, Yildiz F, Gurer A, Orhun S, Kulacoglu H, Aydin R. Changes in collagen and elastic fiber contents of the skin, rectus sheath, transversalis fascia and peritoneum in primary inguinal hernia patients. Bratisl Lek Listy. 2006;107(6-7):235-8.
  • 14
    Watson LF. Embryologic and anatomic consideration in etiology of inguinal and femoral hernias. Am J Surg. 1938;42(3):695-703.
  • 15
    Read RC. Pre-extraperitoneal approach to inguinofemoral herniorrhaphy. Am J Surg. 1967;114(5):672-8.
  • 16
    Berliner SD. An approach to groin hernia. Surg Clin North Am. 1984;64(2):197-213.
  • 17
    Wagh PV, Leverich AP, Sun CN, White HJ, Read RC. Direct inguinal herniation in men: a disease of collagen. J Surg Res. 1974;17(6):425-33.
  • 18
    Peacock EE Jr, Madden JW. Studies on the biology and treatment of recurrent inguinal hernia. II. Morphological changes. Ann Surg. 1984;179(5):567-71.
  • 19
    Bellón JM, Buján J, Honduvilla NG, Jurado F, Gimeno MJ, Turnay J, et al. Study of biochemical substrate and role of metalloproteinases in fascia transversalis from hernial processes. Eur J Clin Invest. 1997;27(6):510-6.
  • 20
    Wolwacz Júnior I, Trindade MRM, Cerski CT. O colágeno em fáscia transversal de pacientes com hérnia inguinal direta submetidos à videolaparoscopia. Acta cir bras. 2003;18(3):196-202.
  • 21
    Gonçalves RO, Silva EM, Marques TC, Lopes Filho GJ. Avaliação histoquímica quantitativa do colágeno na fascia transversalis e na bainha anterior do músculo reto abdominal em doentes com hérnia inguinal. Rev Col Bras Cir. 2003;30(4):286-92.
  • 22
    Quintas ML. Alterações do sistema de fibras elásticas no ligamento interfoveolar do homem com envelhecimento [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 1998.
  • 23
    Quintas ML, Rodrigues CJ, Yoo JH. Age related changes in the elastic fiber system of the interfoveolar ligament. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2000;55(3):83-6.
  • 24
    Novelli MD, Barreto E, Matos D, Saad SS, Borra RC. Aplicação de processamento de imagens por computador na quantificação das variáveis histopatológicas da reparação tecidual de anastomose colocólicas em cães. Rev Ass Med Bras. 1997;43(4):277- 82.
  • 25
    Calil MA. Avaliação quantitativa do colágeno da pele de ratas castradas após o uso de estrogênio, progestogênio e tamoxifeno [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1999.
  • 26
    Liberatori Filho AW. Estudo histomorfométrico de cardiomiócitos e matriz colágena do ventrículo esquerdo de ratas albinas durante o ciclo gravídico-puerperal [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina; 1999.
  • 27
    Junqueira LC, Carneiro J. Histologia básica. 9a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1999.
  • 28
    Tsuji T, Hamada T. Age-related changes in human dermal elastic fibres. Br J Dermatol. 1981;105(1):57-63.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2012
  • Aceito
    18 Dez 2012
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br