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Gestação após transplante renal: 40 anos de experiência em centro único

Resumo

Histórico:

Transplante renal (TR) melhora qualidade de vida, incluindo recuperação da fertilidade.

Objetivo:

descrever desfechos gestacionais pós-TR e sobrevida de longo prazo da paciente e do enxerto renal comparada a um grupo controle pareado de receptoras de TR que não conceberam.

Métodos:

estudo retrospectivo caso-controle com receptoras de TR de 1977 a 2016, acompanhadas até 2019.

Resultados:

foram identificadas 1.253 receptoras de TR em idade fértil no período do estudo: 78 (6,2%) gestantes (casos), total de 97 gestações. Tempo mediano entre TR até concepção foi 53,0 (21,5 – 91,0) meses. Taxa de aborto foi 41% (espontâneo 21,6%, terapêutico 19,6%), parto prematuro, 32%, e a termo, 24%. Pré-eclâmpsia (PE) ocorreu em 42% das gestações que alcançaram pelo menos 20 semanas. Presença de 2 ou mais fatores de risco para desfechos gestacionais desfavoráveis foi significativamente associada a abortos [OR 3,33 (IC95% 1,43 – 7,75), p = 0,007] e perda de enxerto renal em 2 anos. O grupo controle de 78 mulheres com TR foi comparável na creatinina basal [1,2 (1,0 – 1,5) mg/dL nos dois grupos, p = 0,95] e na relação proteína/creatinina urinária (RPCU) [0,27 (0,15 – 0,44) vs. 0,24 (0,02 – 0,30), p = 0,06]. Sobrevida do enxerto foi maior nos casos que nos controles em 5 anos (85,6% vs. 71,5%, p = 0,012) e 10 anos (71,9% vs. 55,0%, p = 0,012) de acompanhamento.

Conclusão:

a gestação pode ser bem-sucedida após TR, mas existem altas taxas de abortos e partos prematuros. Aconselhamento pré-concepção é necessário e deve incluir aspectos éticos.

Descritores:
Gestação; Transplante Renal; Desfechos Gestacionais

Abstract

Background:

Kidney transplantation (KT) improves quality of life, including fertility recovery.

Objective:

to describe outcomes of post-KT pregnancy and long-term patient and graft survival compared to a matched control group of female KT recipients who did not conceive.

Methods:

retrospective single-center case-control study with female KT recipients from 1977 to 2016, followed-up until 2019.

Results:

there were 1,253 female KT patients of childbearing age in the study period: 78 (6.2%) pregnant women (cases), with a total of 97 gestations. The median time from KT to conception was 53.0 (21.5 – 91.0) months. Abortion rate was 41% (spontaneous 21.6%, therapeutic 19.6%), preterm delivery, 32%, and at term delivery, 24%. Pre-eclampsia (PE) occurred in 42% of pregnancies that reached at least 20 weeks. The presence of 2 or more risk factors for poor pregnancy outcomes was significantly associated with abortions [OR 3.33 (95%CI 1.43 – 7.75), p = 0.007] and with kidney graft loss in 2 years. The matched control group of 78 female KT patients was comparable on baseline creatinine [1.2 (1.0 – 1.5) mg/dL in both groups, p = 0.95] and urine protein-to-creatinine ratio (UPCR) [0.27 (0.15 – 0.44) vs. 0.24 (0.02 – 0.30), p = 0.06]. Graft survival was higher in cases than in controls in 5 years (85.6% vs 71.5%, p = 0.012) and 10 years (71.9% vs 55.0%, p = 0.012) of follow-up.

Conclusion:

pregnancy can be successful after KT, but there are high rates of abortions and preterm deliveries. Pre-conception counseling is necessary, and should include ethical aspects.

Keywords:
Pregnancy; Kidney Transplantation; Pregnancy Outcomes

Introdução

O transplante renal (TR) é considerado o tratamento de escolha para a doença renal crônica (DRC) em estágio terminal11. Wolfe RA, Ashby VB, Milford EL, Ojo AO, Ettenger RE, Agodoa LYC, et al. Comparison of mortality in all patients on dialysis, patients on dialysis awaiting transplantation, and recipients of a first cadaveric transplant. N Engl J Med. 1999;341(23):1725–30. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM199912023412303 PubMed PMID: 10580071
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. O Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em número absoluto de TR22. Registro Brasileiro de Transplantes. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2014–2021). 2021 [cited 2023 Oct 16]. Available from: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/
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, e a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre é um dos maiores centros, com mais de 5.000 procedimentos realizados desde o início do programa em 1977 até 2019. Mais de 2.000 dos receptores de TR eram mulheres, muitas delas em idade fértil.

Além da melhora geral na qualidade de vida, as mulheres geralmente recuperam a fertilidade e conseguem engravidar em pouco tempo33. Douglas NC, Shah M, Sauer MV. Fertility and reproductive disorders in female solid organ transplant recipients. Semin Perinatol. 2007;31(6):332–8. doi: http://dx.doi.org/10.1053/j.semperi.2007.09.002 PubMed PMID: 18063116
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,44. Groothoff J. Pregnancy during dialysis: still a challenge to get there, but worth the effort. Nephrol Dial Transplant. 2015;30(7):1053–5. doi: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/gfv124 PubMed PMID: 25934990
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. A primeira gestação bem-sucedida em uma receptora de TR ocorreu em 1958 e foi publicada em 196355. Murray JE, Reid DE, Harrison JH, Merrill JP. Successful pregnancies after human renal transplantation. N Engl J Med. 1963;269(7):341–3. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM196308152690704 PubMed PMID: 13936776
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e, desde então, muitos outros casos foram relatados. No entanto, a incidência de complicações não é irrelevante66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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. A viabilidade fetal, as complicações maternas e os fatores associados ainda são assuntos pouco estudados e subnotificados66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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As complicações maternas incluem hipertensão relacionada à gravidez, pré-eclâmpsia (PE), eclâmpsia, diabetes gestacional, rejeição do enxerto e infecções66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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. A rejeição do enxerto está associada à creatinina sérica basal elevada e aos níveis flutuantes de imunossupressores causados por alterações relacionadas à gestação na distribuição de volume e no clearance renal desses agentes77. Ajaimy M, Lubetzky M, Jones T, Kamal L, Colovai A, de Boccardo G, et al. Pregnancy in sensitized kidney transplant recipients: a single-center experience. Clin Transplant. 2016;30(7):791–5. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ctr.12751 PubMed PMID: 27101447
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.

Abortos espontâneos, prematuridade (nascimento antes de completar 37 semanas de gestação), perda fetal, baixo peso ao nascer (< 2.500g) e restrição de crescimento intrauterino são mais comuns em pacientes transplantadas, embora a magnitude do risco ainda não tenha sido claramente quantificada66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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,88. Díaz JM, Canal C, Giménez I, Guirado L, Facundo C, Solà R, et al. Pregnancy in recipients of kidney transplantation: effects on mother and child. Nefrologia. 2008;28(2):174–7. PubMed PMID: 18454707..

As condições ideais para a gestação após o TR são função adequada do enxerto (creatinina < 1,5mg/dL ou TFGe > 60mL/min), proteinúria mínima ou inexistente (< 500 mg/dia), normotensão ou pressão arterial controlada com um medicamento, ausência de episódios de rejeição aguda no ano anterior, boa adesão, dosagem de imunossupressão baixa e estável e pelo menos um ano após o transplante66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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,99. Milheiras ET, Martins LB, Rodrigues R. Gravidez em mulheres submetidas a transplante renal. Acta Med Port. 2005;18(2):153–8. PubMed PMID: 16202348.1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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. Medicamentos potencialmente teratogênicos, como ácido micofenólico e inibidores da proteína alvo da rapamicina em mamíferos (mTORi, por sua sigla em inglês), devem ser suspensos por pelo menos 6 a 12 semanas antes da concepção66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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,1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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A maioria dos dados sobre os desfechos gestacionais pós-transplante deriva de estudos observacionais retrospectivos, séries de casos ou registros nacionais (principalmente do Reino Unido, Europa e EUA). McKay e Josephson1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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compilaram dados de tais registros em 2006, encontrando uma média de 12% de abortos espontâneos, 2% de natimortos, 50% de partos prematuros, 50% de cesarianas e mais de 50% de baixo peso ao nascer. Entre as receptoras de TR, as taxas de PE foram de cerca de 30%, a perda do enxerto em 2 anos foi de 4–14% e os nascidos vivos de 71–78%. Mais recentemente, o Transplant Pregnancy Registry International relatou sua coleta de dados de 30 anos referente a 1.251 receptoras de TR, com 2.233 gestações e 26% de perdas fetais1212. Coscia L, Constantinescu S, Moritz MJ. Transplant pregnancy registry international – 30 years of data collection. Transplantation. 2022;106(9S):S360. doi: http://dx.doi.org/10.1097/01.tp.0000887368.00334.8e.
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Diversos estudos descrevem os efeitos adversos da gravidez para as mulheres e seus fetos; no entanto, poucos comparam a sobrevida da paciente e do enxerto em longo prazo entre receptoras de TR gestantes e não gestantes1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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O objetivo deste estudo é descrever as características das receptoras de TR em nosso centro que engravidaram, as complicações e os desfechos relacionados à gestação e comparar a sobrevida de longo prazo do enxerto e da paciente com a de controles femininos pareados.

Métodos

Este é um estudo retrospectivo de caso-controle realizado no Serviço de Transplante Renal da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Brasil. Foram incluídas pacientes do sexo feminino submetidas a TR de 1977 a 2016 e que estavam em idade fértil durante o acompanhamento. O acompanhamento foi definido até a data do óbito, retorno à diálise, novo transplante ou 31 de dezembro de 2019, o que ocorresse primeiro. Os critérios de exclusão foram transplantes combinados de rim e outros órgãos sólidos, exceto o pâncreas, e acompanhamento inferior a seis meses.

As pacientes que engravidaram (casos) foram comparadas com controles do sexo feminino que não conceberam durante o acompanhamento, pareadas por idade, tipo de doador, data do transplante e risco imunológico.

Os dados coletados para os casos incluíram o tempo decorrido entre o transplante e a gestação, a função basal do enxerto e a relação proteína-creatinina urinária (RPCU), hipertensão pré-existente e terapia imunossupressora basal. Foram registradas as complicações maternas (PE, eclâmpsia, hipertensão gestacional e diabetes) e os desfechos gestacionais (aborto espontâneo, aborto terapêutico, parto prematuro ou a termo, natimorto, tipo de parto, peso ao nascer). Após a gestação, foram registrados o número de episódios de rejeição aguda e a função renal aos 6 e 12 meses.

O número de fatores de risco para desfechos desfavoráveis na gestação foi calculado e definido como creatinina > 1,5 mg/dL ou TFGe < 60 mL/min, RPCU > 0,5, hipertensão pré-existente e concepção no primeiro ano pós-transplante.

Os dados do grupo controle incluíram imunossupressão basal, creatinina, RPCU, hipertensão e episódios de rejeição.

As pacientes também foram separadas em dois períodos de acordo com a terapia imunossupressora de manutenção padrão: antes do ano 2000, quando a ciclosporina e a azatioprina eram o esquema de escolha, e depois do ano 2000, com tacrolimus e ácido micofenólico como os principais agentes.

Quando houve manifestação do desejo de gravidez ou reconhecimento de concepção não planejada, trocamos a imunossupressão de ácido micofenólico ou mTORi para azatioprina como tratamento padrão, ajustando os inibidores de calcineurina de acordo com os níveis séricos e mantendo baixa dose de esteroides.

Com base em um estudo anterior realizado em nosso centro1313. Keitel E, Bruno RM, Duarte M, Santos AF, Bittar AE, Bianco PD, et al. Pregnancy outcome after renal transplantation. Transplant Proc. 2004;36(4):870–1. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.03.089 PubMed PMID: 15194297
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, o tamanho da amostra foi calculado considerando uma diferença de 10% na sobrevida do enxerto em 5 anos após o transplante entre as pacientes que engravidaram e as que não engravidaram. Tivemos um poder de 77,3%, com nível de significância de 5% (bicaudal) para detectar essa diferença em um estudo de caso-controle 1:1 com 65 pacientes em cada grupo. O cálculo foi realizado usando o programa WinPepi, versão 3.85 (Poder do teste de hipóteses para diferenças em proporções – módulo P1). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética do hospital.

Os dados coletados dos registros médicos foram analisados usando o Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) versão 21.0 (SPSS INC., Chicago, IL). As variáveis contínuas com distribuição normal são apresentadas como média e desvio padrão e comparadas com testes paramétricos. As variáveis com distribuição não-normal são apresentadas como mediana e intervalo interquartil 25–75% e comparadas com testes não-paramétricos. As variáveis categóricas são apresentadas como frequências absolutas e relativas e comparadas com o qui-quadrado. As comparações entre os grupos foram realizadas usando o teste U de Mann-Whitney. As comparações intragrupo foram realizadas por meio do teste pareado de Wilcoxon. A sobrevida do paciente e do enxerto foi avaliada com o teste de Kaplan-Meier. A análise ROC foi realizada para identificar os valores mais sensíveis e específicos de creatinina, TFGe e RPCU associados à perda do enxerto em 2 anos após a gestação. Considerou-se um nível de significância de p < 0,05 para todas as análises.

Resultados

Durante o estudo, foram identificadas 1.253 receptoras de transplante renal em idade fértil. No primeiro período (1977 a 1999), 44 (12,9%) das 341 mulheres conceberam. No segundo período (2000 a 2016), 34 (3,7%) das 912 mulheres engravidaram. Sessenta e seis (84,6%) pacientes conceberam uma vez, e 12 tiveram mais de uma gestação, o que resultou em um total de 97 gestações analisadas.

A Tabela 1 mostra as características basais de 78 casos e 78 controles. Não houve diferenças significativas entre os grupos, incluindo função renal basal e RPCU. Houve um caso com diabetes tipo 1 e dois controles, e o caso recebeu um transplante simultâneo rim-pâncreas.

Tabela 1
Características basais de casos e controles

A Tabela 2 apresenta dados relacionados a 78 casos e 97 desfechos de gestação. O tempo mediano desde o transplante até a concepção foi de 53,0 (21,5 – 91,0) meses. A creatinina mediana antes da concepção e um ano depois não diferiu [1,2 (1,0–1,5) mg/dL vs. 1,2 (1,1–1,5) mg/dL; p = 0,114]. A RPCU mediana antes da gestação e um ano depois não diferiu [0,3 (0,16 – 0,6) vs. 0,29 (0,14 – 0,80); p = 0,225]. Sessenta e cinco (67%) casos apresentaram hipertensão preexistente e 43 (44,3%) tinham mais de um fator de risco para desfechos gestacionais desfavoráveis. Cinquenta e sete (58,7%) pacientes atingiram pelo menos 20 semanas de gestação, 23 (40,3%) delas tiveram PE e uma teve eclâmpsia e foi a óbito por complicações relacionadas.

Tabela 2
Dados e desfechos gestacionais

Cinquenta e cinco (56,7%) gestações resultaram em nascidos vivos, dos quais 31 (54,3%) eram prematuros. Houve 2 (2,0%) natimortos e 40 (41,2%) abortos (espontâneos = 21, terapêuticos = 19), e estes foram associados à presença de dois ou mais fatores de risco para desfechos adversos [OR 3,33 (IC95% 1,43 – 7,75); p= 0,007]. Quanto aos abortos terapêuticos, houve maior frequência no primeiro período [(TR antes de 2000), 16 vs. 3; p = 0,010], todas as pacientes apresentaram hipertensão pré-existente e 12 (63,1%) apresentaram RPCU basal > 0,5. Com relação ao tipo de parto, houve 6 (10,9%) partos vaginais, 5 deles após 2000. Das 47 pacientes que realizaram cesarianas, 26 (55,3%) apresentaram hipertensão preexistente, 21 (44,6%) tiveram pré-eclâmpsia e 27 (57,5%) foram partos prematuros. Não houve associações entre os regimes imunossupressores e os desfechos gestacionais.

Houve 12 (12,3%) eventos de rejeição aguda do enxerto após a gestação. A única paciente que recebeu transplante simultâneo rim-pâncreas não apresentou disfunção em nenhum dos enxertos. Houve 14 (17,9%) perdas de enxerto dentro de 2 anos de gestação, e elas foram associadas à presença de dois ou mais fatores de risco para desfechos gestacionais desfavoráveis [OR 4,42 (IC 95% 1,12 – 17,3); p = 0,037]. A Figura 1 mostra a sobrevida do enxerto de acordo com a soma desses fatores de risco.

Figura 1.
Sobrevida do enxerto de mulheres receptoras de transplante renal em um acompanhamento de 2 anos após a gestação, de acordo com o número de fatores de risco para desfechos desfavoráveis na gestação.

Não houve diferenças na sobrevida do enxerto em 5 anos dos casos de acordo com o período do transplante (antes ou depois de 2000) (87,7% vs. 84,1%; p = 0,18). As pacientes transplantadas antes de 2000 (casos mais controles) apresentaram uma sobrevida global do enxerto significativamente menor em 5 anos de acompanhamento do que aquelas transplantadas após o ano 2000 (71,6% vs. 87,9%; p = 0,006). Esses dados são mostrados na Figura 2.

Figura 2.
Sobrevida do enxerto de acordo com o período de transplante renal, antes ou depois de 2000, de casos mais controles (painel superior), casos (painel central) e controles (painel inferior).

A sobrevida do enxerto após o transplante foi maior nos casos em comparação aos controles em 5 anos (85,6% vs. 71,5%; p= 0,012) e 10 anos (71,9% vs. 55,0%; p= 0,012) de acompanhamento. A sobrevida das pacientes também foi maior nos casos do que nos controles em 5 anos (98,6% vs. 85,8%; p = 0,004) e 10 anos (95,2% vs. 80,3%; p= 0,004) de acompanhamento. Esses dados são mostrados na Figura 3. A análise de regressão de Cox mostrou que o transplante antes de 2000 [HR 2,36 (IC 95% 1,3 – 4,2); p = 0,005] e o grupo controle [HR 2,07, (IC 95% 1,2 – 3,5); p = 0,09] foram independentemente associados à menor sobrevida do enxerto em 10 anos.

Figura 3.
Sobrevida do paciente (painel superior) e do enxerto (painel inferior) de mulheres receptoras de transplante renal que conceberam (casos) e que não conceberam (controles) durante o acompanhamento.

A análise da área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) (AUC) foi realizada para avaliar a precisão das variáveis basais na previsão da sobrevida do enxerto em 2 anos pós-gestação. Para a creatinina, a AUC foi de 72,7% (IC 95% 0,59 – 0,85; p = 0,001), e um valor de 1,55 mg/dL forneceu 58,8% de sensibilidade com 85% de especificidade. Para a TFGe, a AUC foi de 71,3% (IC 95% 0,57 – 0,84; p = 0,002), e 60,5 mL/min/1,73m22. Registro Brasileiro de Transplantes. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2014–2021). 2021 [cited 2023 Oct 16]. Available from: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/
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proporcionou 64,7% de sensibilidade com 64% de especificidade. Para a RPCU, a AUC foi de 79,5% (IC 95% 0,66 – 0,92; p < 0,0001) e um valor de 0,51 forneceu 75% de sensibilidade com 84% de especificidade.

Discussão

A recuperação da fertilidade está relacionada à melhora da saúde geral após o TR. Entretanto, a gestação pós-TR não é isenta de riscos, e as pacientes e seus familiares devem ser orientados sobre os possíveis desfechos maternos e fetais. Em nosso estudo, a proporção de gestações diminuiu ao longo dos anos, o que provavelmente está associado ao nosso aconselhamento multidisciplinar e ativo e à consequente redução de concepções não planejadas.

Já se passaram mais de 50 anos desde que a primeira gestação pós-transplante bem-sucedida foi descrita55. Murray JE, Reid DE, Harrison JH, Merrill JP. Successful pregnancies after human renal transplantation. N Engl J Med. 1963;269(7):341–3. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM196308152690704 PubMed PMID: 13936776
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, e, desde então, muitos outros casos foram relatados1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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. Considerando que a maternidade se tornou viável para essas pacientes, os esforços se concentraram em entender e mitigar os riscos tanto para a mãe quanto para o filho. As dificuldades em reunir evidências de boa qualidade residem na heterogeneidade da população, na falta de estudos de grande porte e na inconsistência da nomenclatura1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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. A descrição da candidata ideal para a gestação pós-transplante está, de certa forma, bem estabelecida, mas o impacto que as condições abaixo do ideal podem ter sobre os desfechos gestacionais permanece não quantificável66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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.

Os fatores de risco para desfechos gestacionais desfavoráveis são definidos com base em estudos observacionais e diretrizes de melhores práticas66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
https://doi.org/10.1007/s40620-018-0499-...
,1010. McKay DB, Josephson MA, Armenti VT, August P, Coscia LA, Davis CL, et al. Reproduction and transplantation: report on the AST Consensus Conference on Reproductive Issues and Transplantation. Am J Transplant. 2005;5(7):1592–9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2005.00969.x PubMed PMID: 15943616
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,1515. Expert Group on Renal Transplantation. European best practice guidelines for renal transplantation. Section IV: long-term management of the transplant recipient. IV.10. Pregnancy in renal transplant recipients. Nephrol Dial Transplant. 2002;17:50–5., compilando informações de estudos retrospectivos, registros de transplantes e séries de casos1616. Armenti VT, Daller JA, Constantinescu S, Silva P, Radomski JS, Moritz MJ, et al. Report from the National Transplantation Pregnancy Registry: outcomes of pregnancy after transplantation. Clin Transplant. 2006;57–70. PubMed PMID: 18368705.. O estabelecimento de valores de corte ideais para creatinina, TFGe, excreção de proteínas, pressão arterial e tempo é complexo, e recomenda-se uma abordagem individualizada66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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.

Em nossa amostra de 97 gestações em 78 mulheres, apenas 21% não apresentaram nenhum dos fatores de risco descritos antes da gestação. O tempo mediano desde o transplante até a concepção foi de 53 meses. Relatórios de consenso recentes reduziram o intervalo recomendado de dois anos para um ano, tendo em vista a função estável do enxerto e a imunossupressão e o risco geralmente menor de rejeição com tratamentos mais novos e mais potentes1010. McKay DB, Josephson MA, Armenti VT, August P, Coscia LA, Davis CL, et al. Reproduction and transplantation: report on the AST Consensus Conference on Reproductive Issues and Transplantation. Am J Transplant. 2005;5(7):1592–9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2005.00969.x PubMed PMID: 15943616
https://doi.org/10.1111/j.1600-6143.2005...
,1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
https://doi.org/10.1056/NEJMra050431...
,1717. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy after kidney transplantation. Clin J Am Soc Nephrol. 2008;3(Suppl 2):S117–25. doi: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.02980707 PubMed PMID: 18308999
https://doi.org/10.2215/CJN.02980707...
,1818. van Buren MC, Schellekens A, Groenhof TKJ, van Reekum F, van de Wetering J, Paauw ND, et al. Long-term graft survival and graft function following pregnancy in kidney transplant recipients: a systematic review and meta-analysis. Transplantation. 2020;104(8):1675–85. doi: http://dx.doi.org/10.1097/TP.0000000000003026 PubMed PMID: 32732847
https://doi.org/10.1097/TP.0000000000003...
.

A função basal do enxerto é considerada um dos fatores prognósticos mais importantes para a gestação e os desfechos do enxerto em pacientes com TR1919. Ferreira C, Ferreira H, Machado AP, Santos J, Montenegro N. Gravidez após transplante renal: interação entre a gestação e o enxerto. Acta Obstet Ginecol Port. 2017;11(3):168–73.. O risco de perda do enxerto é considerado baixo quando a função renal basal é normal, mas a definição de normal não é clara66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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. A avaliação da disfunção do enxerto durante a gestação é um desafio, uma vez que modificações na distribuição de volume e hiperfiltração geralmente reduzem os níveis de creatinina. A mediana da creatinina em nosso grupo de casos estava abaixo de 1,5 mg/dL no início do estudo e permaneceu estável aos 6 e 12 meses após a gestação. A mediana da RPCU ficou abaixo de 0,5 mg/dia e também permaneceu estável em um ano de acompanhamento. Esses valores são consistentes com a literatura e podem ter influenciado a sobrevida do enxerto em dois anos e a taxa de episódios de rejeição aguda pós-gestação. A análise ROC mostrou, em nosso estudo, que a RPCU acima de 0,51 foi um bom preditor de perda de enxerto em 24 meses.

Acreditava-se anteriormente que as alterações imunológicas para a tolerância do feto durante a gestação contribuíam para uma menor incidência de rejeições durante esse período. No entanto, isso é equilibrado por modificações de imunossupressão de manutenção e flutuações nos níveis séricos, e as taxas de rejeição são de cerca de 2 a 12%1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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,1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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,2020. Oliveira LG, Sass N, Sato JL, Ozaki KS, Pestana JOM. Pregnancy after renal transplantation - a five-yr single-center experience. Clin Transplant. 2007;21(3):301-4. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1399-0012.2006.00627.x PubMed PMID: 17488376
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.

Na população em geral, os distúrbios hipertensivos complicam cerca de 10% das gestações, sendo que até metade delas apresentam PE66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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. A prevalência de hipertensão em gestantes com DRC varia de 27% a 40% e a DRC é um fator de risco independente para desfechos gestacionais adversos. Mulheres com DRC apresentam dez vezes mais chances de ter PE em comparação com mulheres sem doença renal. Em pacientes com TR, a PE ocorre em até 40% das gestações1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
https://doi.org/10.1056/NEJMra050431...
,1313. Keitel E, Bruno RM, Duarte M, Santos AF, Bittar AE, Bianco PD, et al. Pregnancy outcome after renal transplantation. Transplant Proc. 2004;36(4):870–1. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.03.089 PubMed PMID: 15194297
https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2...
,2121. Zhang JJ, Ma XX, Hao L, Liu LJ, Lv JC, Zhang H. A Systematic review and meta-analysis of outcomes of pregnancy in CKD and CKD outcomes in pregnancy. Clin J Am Soc Nephrol. 2015;10(11):1964–78. doi: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.09250914 PubMed PMID: 26487769
https://doi.org/10.2215/CJN.09250914...
,2222. Candido C, Cristelli MP, Fernandes AR, Lima AC, Viana LA, Sato JL, et al. Pregnancy after kidney transplantation: high rates of maternal complications. J Bras Nefrol. 2016;38(4):421–6. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160067 PubMed PMID: 28001172
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, semelhante aos nossos achados. É importante observar que, no único caso de eclâmpsia em nossa amostra, a paciente não apresentava nenhum fator de risco antes da concepção e acabou indo a óbito por complicações relacionadas. Isso destaca a importância de compartilhar o cuidado da paciente com uma equipe pré-natal de alto risco.

Acredita-se que a hipertensão e a proteinúria combinadas influenciem exponencialmente os eventos adversos66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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. A presença de dois ou mais fatores de risco em nossa população foi significativamente associada a abortos e perdas de enxertos dentro de dois anos de gestação, e a associação mais forte foi com hipertensão e proteinúria.

O aborto ocorre em até 26–35% das gestações pós-transplante e pode estar associado à elevada taxa de fatores de risco maternos e ao uso de medicamentos imunossupressores1313. Keitel E, Bruno RM, Duarte M, Santos AF, Bittar AE, Bianco PD, et al. Pregnancy outcome after renal transplantation. Transplant Proc. 2004;36(4):870–1. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.03.089 PubMed PMID: 15194297
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,1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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,2323. Sturgiss SN, Davison JM. Perinatal outcome in renal allograft recipients: prognostic significance of hypertension and renal function before and during pregnancy. Obstet Gynecol. 1991;78(4):573–7. PubMed PMID: 1923157.,2424. Cararach V, Carmona F, Monleón FJ, Andreu J. Pregnancy after renal transplantation: 25 years experience in Spain. Br J Obstet Gynaecol. 1993;100(2):122-5. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1471-0528.1993.tb15205.x PubMed PMID: 8476801
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. Nossa taxa foi maior (40%), e as interrupções terapêuticas foram mais frequentes em pacientes transplantados antes de 2000. Isso possivelmente está relacionado ao fato de que menos informações sobre a sobrevida do paciente e a função do enxerto estavam disponíveis naquela época, além de preocupações com malformações e complicações obstétricas. Vale ressaltar que todos os pacientes submetidos a interrupções terapêuticas apresentaram hipertensão preexistente e a maioria tinha proteinúria basal. Os abortos terapêuticos foram mais frequentes na América do Sul em comparação com outros países em uma meta-análise publicada recentemente que analisou mais de 6.000 gestações1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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. Embora após o ano 2000, com a exposição mais frequente ao micofenolato, possa ser especulada uma associação com aborto espontâneo.

Os principais desfechos fetais relatados são parto prematuro, crescimento intrauterino restrito e baixo peso ao nascer1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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,2525. Ross LF. Ethical considerations related to pregnancy in transplant recipients. N Engl J Med. 2006;354(12):1313–6. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMsb041648 PubMed PMID: 16554536
https://doi.org/10.1056/NEJMsb041648...
,2626. Rocha A, Cardoso A, Malheiro J, Martins L, Fonseca I, Braga J, et al. Pregnancy after kidney transplantation: graft, mother, and newborn complications. Transplant Proc. 2013;45(3):1088–91. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2013.02.006 PubMed PMID: 23622633
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. O risco de malformações, exceto aquelas ligadas a doenças genéticas, não aumenta se os medicamentos teratogênicos forem descontinuados pelo menos seis semanas antes da concepção66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
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,2525. Ross LF. Ethical considerations related to pregnancy in transplant recipients. N Engl J Med. 2006;354(12):1313–6. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMsb041648 PubMed PMID: 16554536
https://doi.org/10.1056/NEJMsb041648...
.

Mais da metade das gestações em nosso estudo resultaram em nascidos vivos, e a maioria deles foram prematuros. Essa é uma taxa menor do que a observada em outros estudos1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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,2727. Deshpande NA, James NT, Kucirka LM, Boyarsky BJ, Garonzik-Wang JM, Montgomery RA, et al. Pregnancy outcomes in kidney transplant recipients: a systematic review and meta-analysis. Am J Transplant. 2011;11(11):2388-404. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2011.03656.x PubMed PMID: 21794084
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. A prematuridade pode levar a diversas consequências que devem ser abordadas no aconselhamento pré-concepção, como mortalidade perinatal, retinopatia, danos neurológicos e a possibilidade de desenvolver DRC no futuro66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
https://doi.org/10.1007/s40620-018-0499-...
.

Houve uma taxa muito elevada de cesarianas, semelhante a outros estudos1111. McKay DB, Josephson MA. Pregnancy in recipients of solid organs – effects on mother and child. N Engl J Med. 2006;354(12):1281–93. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra050431 PubMed PMID: 16554530
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,1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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,2222. Candido C, Cristelli MP, Fernandes AR, Lima AC, Viana LA, Sato JL, et al. Pregnancy after kidney transplantation: high rates of maternal complications. J Bras Nefrol. 2016;38(4):421–6. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160067 PubMed PMID: 28001172
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, nos quais a América do Sul apresentou a maior frequência1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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. O tipo de parto deve ser determinado por indicação obstétrica, sem impedimentos para partos vaginais. O Brasil tem uma incidência historicamente elevada de partos cesáreos, mesmo na população em geral2222. Candido C, Cristelli MP, Fernandes AR, Lima AC, Viana LA, Sato JL, et al. Pregnancy after kidney transplantation: high rates of maternal complications. J Bras Nefrol. 2016;38(4):421–6. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160067 PubMed PMID: 28001172
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. Uma vez que quase todas as nossas pacientes fizeram cesarianas, não foi possível identificar fatores de risco. Vale ressaltar que a maioria das pacientes apresentou hipertensão preexistente, quase metade teve pré-eclâmpsia e a maioria teve parto prematuro.

Estudos prévios demonstraram perda do enxerto de 10% em acompanhamento de 2 anos1414. Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12882-019-1213–5 PubMed PMID: 30674290
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,1818. van Buren MC, Schellekens A, Groenhof TKJ, van Reekum F, van de Wetering J, Paauw ND, et al. Long-term graft survival and graft function following pregnancy in kidney transplant recipients: a systematic review and meta-analysis. Transplantation. 2020;104(8):1675–85. doi: http://dx.doi.org/10.1097/TP.0000000000003026 PubMed PMID: 32732847
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. Em nosso estudo, a sobrevida do enxerto em 10 anos foi maior em mulheres grávidas do que em mulheres que nunca conceberam. Houve uma sobrevida global do enxerto mais baixa em casos mais controles que receberam o TR antes de 2000 em comparação com os transplantes que ocorreram depois de 2000. Isso pode ser explicado pelos avanços no procedimento de transplante e na imunossupressão nas últimas décadas, resultando, em última análise, em uma melhor função do enxerto e melhor qualidade de vida2828. Tonelli M, Wiebe N, Culleton B, House A, Rabbat C, Fok M, et al. Chronic kidney disease and mortality risk: a systematic review. J Am Soc Nephrol. 2006;17(7):2034–47. doi: http://dx.doi.org/10.1681/ASN.2005101085 PubMed PMID: 16738019
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. Pode-se especular que as mulheres que conseguiram engravidar tinham uma saúde em geral melhor, culminando com a recuperação da fertilidade, conforme demonstrado pelas taxas de sobrevida semelhantes em ambos os períodos.

Os pontos fortes desse estudo são o amplo tamanho da amostra e o longo período de acompanhamento, descrevendo aspectos importantes das gestações pós-transplante. Os pontos fracos são aqueles relacionados às limitações de estudos de caso-controle e ao longo intervalo de tempo que incluiu pacientes de uma época anterior à implementação de prontuários médicos eletrônicos, o que pode ter impactado a capacidade de recuperar informações precisas.

Como se demonstrou que a gestação pós-transplante é possível e pode ser bem-sucedida, a discussão se voltou para os aspectos éticos66. Cabiddu G, Spotti D, Gernone G, Santoro D, Moroni G, Gregorini G, et al. A best-practice position statement on pregnancy after kidney transplantation: focusing on the unsolved questions. The Kidney and Pregnancy Study Group of the Italian Society of Nephrology. J Nephrol. 2018;31(5):665–81. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s40620-018-0499-x PubMed PMID: 29949013
https://doi.org/10.1007/s40620-018-0499-...
,2525. Ross LF. Ethical considerations related to pregnancy in transplant recipients. N Engl J Med. 2006;354(12):1313–6. doi: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMsb041648 PubMed PMID: 16554536
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: a) a autonomia da mulher para decidir engravidar após esclarecidos os potenciais riscos para si mesma, para o enxerto e para a futura criança, e b) os princípios de não-maleficência e de justiça social, que desaconselham a exposição a riscos desnecessários, mesmo que atualmente estes sejam inconsistentes e não quantificáveis. A gestação é um valor agregado para as mulheres com TR. Estudos como este são importantes para ajudar a construir as evidências necessárias para o melhor aconselhamento e compartilhamento de decisões com a equipe multidisciplinar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2023
  • Aceito
    12 Out 2023
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