Acessibilidade / Reportar erro

A indeterminação de Senior e o currículo mínimo de economia* * O autor agradece a Fábio N.P. Freitas, Antonio H.P. Silveira e Carlos F.L.R. Lopes pelas críticas e sugestões, e ao CNPq pelo apoio financeiro.

The indetermination of senior and the minimum economics curriculum

RESUMO

É apresentada uma descrição de um programa de pesquisa sobre a natureza incompleta do conhecimento científico e ampliado para analisar o currículo mínimo de economia no Brasil e a consequente mutação de propostas de mudança. Considerando os diferentes níveis de abstração na ciência pura, na ciência aplicada e na arte da tricotomia científica, observa-se que o currículo mínimo prescreve treinamento adequado para a economia social ou aplicada. Conclui-se que um período adicional de dois anos é recomendado, um para fortalecer a economia pura no ciclo básico e outro para a arte da economia na fase destinada ao treinamento profissionalizado. Consideração também é dada à especialização em economia pura voltada exclusivamente para o ensino e pesquisa

PALAVRAS-CHAVE:
Metodologia; curriculo

ABSTRACT

A description is given of a research program on the incomplete nature of scientific knowledge and extended to analyze the minimum curriculum for economics in Brazil and the consequent for mutation of proposals for change. Considering the different levels of abstraction in the pure science, applied science and the art of science trichotomy, it is observed that the minimum curriculum prescribes suitable training for social or applied economics. The conclusion is that a further period of two years is recommended, one to strengthen pure economics in the basic cycle and the other for the art of economics in the phase meant for professionalized training. Consideration is also given to specialization in pure economics exclusively directed at teaching and research.

KEYWORDS:
Methodology; curriculum

“Exatamente essa que constitui decerto a sabedoria humana (...): em não julgar saber o que de fato não sei.”

Apologia de Sócrates, Platão

1. INTRODUÇÃO

Na medida em que o saber científico cresce, ocorre simultaneamente a revelação de problemas e fenômenos antes ignorados. Revela-se a ignorância inclusive onde se pressupunha conhecimento sólido (Popper, 1978POPPER, KR. (1978). Lógica da ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/Universidade de Brasília.), como numa reprodução de Sócrates em sua busca.

Verifica-se que o saber científico cresce com a paralela conscientização de que a ignorância aumenta mais rapidamente ainda. As teorias são parciais (Heisenberg, 1963HEISENBERG, W. (1963). Physics and philosophy. London: George Allen & Unwin.) e temporais (Popper, 1961POPPER, KR. (1961). The logic of scientific discovery. New York: Sciences Editions.). A assimilação destes fatos leva o cientista a reconhecer que sabe um pouco que é quase nada. Trata-se de postura socrática que afugenta tecnocracias.

Nosso programa de pesquisa, que chamamos indeterminação de Senior, coloca­ se ao longo desta postura. Estudamos a incompletude do conhecimento derivada da própria natureza das ciências. O objeto das teorias reduz-se ao que é geral e necessário para a realização dos fenômenos, deixando de fora as cambiantes especificidades com que de fato ocorrem.

Na aplicação de teorias, os elementos específicos e contingentes podem ser mais importantes do que os fatores gerais e necessários. Tem-se assim uma indeterminação, cuja importância cresce na medida em que a realidade não pode ser moldada, reproduzindo condições idealizadas de laboratórios. Restringindo-nos por simplicidade à economia, formulamos a indeterminação de Senior nos termos seguintes (Silveira 1991SILVEIRA, A.M. (1991). “A indeterminação de Senior”. Revista de Economia Política 11 (out/dez): 0-88., p. 79):

As proposições da economia pura, não importando a generalidade ou verdade que encerrem, não autorizam conclusões normativas, mas não podem ser ignoradas. A economia social positiva entrelaça teorias da economia pura e de todas as ciências sociais, mas com relevância variável. Conclusões normativas - sob a forma do que não pode ser feito - são deriváveis de proposições da economia social, mas são ainda qualificáveis pelas especificidades do caso em questão.

O conhecimento econômico mostra-se indeterminado, não apenas em sua esfera mais pura ou abstrata, onde prevalece a lógica das teorias hipotético-dedutivas, mas também em sua esfera aplicada, onde formulações interdisciplinares mostram-se indispensáveis. O vício ricardiano dos economistas, como analisado por Schumpeter (1986SCHUMPETER, J.A. (1986). History of economic analysis. London: Allen & Unwin., pp. 540, 1171), é o hábito de ignorar esta indeterminação:

“Eles [Senior, Mille outros] quiseram apenas dizer que as questões de política econômica envolvem sempre tantos elementos não-econômicos, que seu tratamento não deve ser feito na base de considerações puramente econômicas (...) poder-se-ia apenas desejar que os economistas daquele (como de qualquer outro) período nunca se esquecessem deste toque de sabedoria - nunca fossem culpados do Vício Ricardiano (...) o Vício Ricardiano, a saber, o hábito de empilhar uma carga pesada de conclusões práticas sobre uma fundação tênue, que não se lhe iguala, mas que parece, em sua simplicidade, não apenas atrativa, mas também convincente”.

As palavras de Schumpeter, dentro do contexto de desprestígio dos economistas no Brasil, e no Mundo, apontam para uma justificativa social do programa de pesquisa. Indevidamente fundamentadas que sejam, as acusações populares contra os economistas, por variados males da atualidade, constituem-se em meia-verdade1 1 Grandes literatos escreveram romances que são verdadeiros libelos contra a classe, como A vigésima­quinta hora, de Gheorghiu, ou já no século passado, Hard Times, de Charles Dickens. . É preciso investigá-las, fundamentá-las devidamente, e buscar soluções. A análise da indeterminação de Senior impõe-se claramente como questão maior.

Outra justificativa está no entendimento do “atraso” relativo da economia como ciência. Atribui-lo à categoria de “ciência nova” é duvidoso, bastando lembrar que Willian Petty foi veterano de Newton na Royal Society (Hayek, 1975HAYEK, F.A. von. (1975). “The pretense of knowledge”. Les Prix Nobel en 1974. Stockholm: Nobel Foundation.). Atribui-lo à complexidade e à mutabilidade do fenômeno, assim como à natureza semi-experimental do saber, é uma das meias-verdades em que trabalhamos. Atribuí-lo à inexistência do nível de divisão do trabalho alcançado nas ciências da matéria inerte e da vida, é outra meia-verdade sob investigações.

O Vício Ricardiano é indicador da recusa do especialista em reconhecer as limitações de sua especialização. Faltaria ao economista puro, teórico ou econometrista, o senso científico do físico, teórico ou experimental? Faltaria ao economista profissio­ nal o preceito ético do clínico geral, “que não trata de doenças, mas de pacientes”? Faltaria ao público reconhecer a diferença entre o economista puro e o social? A im­ portância da divisão de trabalho para o progresso é, naturalmente, matéria sabida de todos, desde Adam Smith, que a deixou bem clara.

As perguntas evocam questões sobre a formação dos economistas, como sobre cegueira científica (Kuhn, 1971KUHN, T.S. (1971). The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press.), ou sobre cientificismo (Hayek, 1975HAYEK, F.A. von. (1975). “The pretense of knowledge”. Les Prix Nobel en 1974. Stockholm: Nobel Foundation.). A falta de instrução filosófica nos currículos escolares é patente. Evocam questões maiores, como grau de tecnocracia mais acentuado nos economistas, causado talvez por irrecusável chamamento do dever público, nas palavras de Schumpeter (1949SCHUMPETER, J.A. (1949). “Science and ideology” American Economic Review XXXIX (March): 345-59.). Mas evocam também questões éticas, como comportamento interesseiro, aguçado talvez pelo fato dele retratar a premissa em que se fundamenta, em muitos departamentos, todo o ensino da ciência econômica: o Homem Econômico.

Apresentamos uma taxonomia do conhecimento na primeira parte, focalizando principalmente a linguagem da ciência aplicada, que chamamos dialógica, mas discutindo também a linguagem da arte da economia, e o conflito paradigmático entre especialistas dos diferentes níveis de abstração em que se desenvolve a ciência.

Derivamos então proposições normativas para o currículo de graduação, propondo algumas mudanças de abordagem. Consideramos em seguida o currículo mínimo em vigor, mostrando que as propostas se mantêm dentro do espírito que o informa, constituindo-se mais numa atualização em termos da evolução da ciência desde 1984.

2. TAXONOMIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

“A razão para esse desrespeito (pelas fronteiras rígidas entre ciências sociais] foi meu crescente reconhecimento do fato de que na realidade não existem problemas econômicos, sociológicos ou psicológicos, mas simplesmente problemas, e de que, em princípio, eles são complexos.”

Myrdal, Objetividade na pesquisa socialMYRDAL, G. (1969). Objectivity in social research. New York: Pantheon.

O quadro geral de referência abaixo desenvolve alguns atributos das três esferas do saber subentendidas na indeterminação. O conhecimento dos autores exemplares quase que dispensa comentários, a menos certamente das linguagens.


Quadro Geral de Referência

Especialistas em economia pura, não importando a escola de pensamento, usam da lógica na busca de colocação do saber no formato hipotético-dedutivo. Os postulados devem ser livres de contradições mútuas, independentes, necessários e suficientes, apresentando conexões múltiplas e fertilidade lógica, ou seja, mostrando-se gerais e capazes de gerar teoremas, cujas demonstrações devem ser simples e elegantes. Tem­se os atributos da teoria pura, que englobamos na chamada Navalha de Occam.

A lógica é imperativa, não há “conversa”, não há diálogo, ou o diálogo reduz-se à verificação de quem está certo ou errado. Dentro desse esquema, as cadeias de raciocínio podem ser longas e, de fato, esta é a tendência na medida em que as teorias vão sendo aperfeiçoadas (Margenau, 1966MARGENAU, H. (1966). “What is a theory?”. The structure of economic science, S.R. Krupp (ed.). Englewood, NY: Prentice-Hall., p. 36).

A viabilização de tudo isso exige que os conceitos ou construtos sejam claros, nítidos, discretamente distintos. É preciso que se possa dizer “é” ou “não é”, é indispensável que não haja “talvez”, “mais ou menos”, ou “é-e-não-é”. Em outras palavras, os conceitos devem atender ao princípio da contradição da lógica.

Não é outra a razão para que a física use “corpo rígido” ou “gás perfeito”, e a economia pura, “homem econômico” ou “concorrência perfeita”. Assim, para que possam usufruir de todos os benefícios da lógica formal, as ciências puras tornam-se irrealistas, constituindo-se num “terceiro mundo”, na denominação de Popper (1978POPPER, KR. (1978). Lógica da ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/Universidade de Brasília., p. 96).

Há campos da matéria inerte em que basta a introdução de alguns coeficientes de segurança para que uma teoria de corpo rígido seja aplicável na prática, assim como há outros em que as equações diferenciais todas necessitam ser substituídas por deselegantes tabelas, experimentalmente derivadas. Passamos à esfera da ciência aplicada.

Dialógica

O comprometimento com a aplicabilidade é das ciências de engenharia, esfera de abstração menor na qual imperativos lógicos já não imperam tanto. Imperam infinitamente menos na economia, pois muito da aplicação mais direta da física é conseguido porque é em geral possível moldar materiais suficientemente rígidos para aplicações, ou criar gases perfeitos a menos de aproximações suficientemente pequenas etc.

A moldagem de seres humanos é tecnicamente menos viável, além de eticamente insustentável. Vale o mesmo, consequentemente, para experimentos controlados na economia.2 2 Moldagens indiretas através de experiências de vida em distintos sistemas econômicos certamente ocorrem, como analisa parcialmente Knight (1936, pp. 41-75). Tudo o que se necessita aqui é reconhecer que, apesar da uniformidade, do automatismo e do anonimato das sociedades capitalistas e comunistas modernas (Gheorghiu, A vigésima-quinta hora), o ser humano não é redutível ao construto homem econômico “a menos de aproximações suficientemente pequenas”, nem a qualquer outro construto, como no caso da matéria inerte - há que se qualificar o uso de Gheorghiu, pois o maniqueísmo do “é” ou “não é” ainda é reconhecido como doença. A formação do economista profissional, mais do que a do engenheiro, exige assim teorias que lidem com o “talvez”, o “mais ou menos”, com o “é-e-não-é”: tem­ se então a linguagem que chamamos dialógica, sobre a qual passamos a uma elabora­ ção maior.

Os teóricos aplicados da economia, não importando a escola de pensamento, buscam a colocação do saber em forma ordenada, reconhecendo que o uso da lógica formal em modelos hipotético-dedutivos é frequentemente inviável. Como exemplo, trabalho não é aqui apenas desprazer, nem a dedicação do trabalhador depende somente do salário, como na teoria neoclássica.

Trabalho é prazer e desprazer ao mesmo tempo, e a dedicação envolve, além do salário, a identificação com o grupo, a oportunidade de realização, e uma série de outras variáveis correlacionadas e ordenadas em lista-mestra, como na teoria comportamental da firma (March e Simon, 1959MARCH, J.G. & SIMON, H.A. (1959). Organizations. New York: John Wiley & Sons.).

São assim entrelaçadas, sob a luz das distintas ciências sociais que se evidenciam relevantes, as variáveis não-econômicas que se apresentam de forma universal e necessária no fenômeno. Cabe então chamarmos geralmente de economia social a esfera aplicada da ciência - Wagner (1886WAGNER, A. (1886). Systematische nationaleconomie in the jahrbucher fur nationaleconomie und statistik. The Quarterly Journal of Economics I, “Wagner on the present state of political economy”, pp. 113-33.) usava a denominação, mas para a ciência como um todo.

Fenômenos como estratégia empresarial exigem racionalidade sócio-econômica, pois elementos políticos, sociológicos e psicológicos nele se mostram tão importantes e universais quanto os puramente econômicos - veja, em Silveira (1994aSILVEIRA, A.M. (1994). “Aplicabilidade de teorias: micro-neoclássica e estratégia empresarial”. Revista de Economia Política 14 (abr/jun): 53-76., pp. 64-71), como a tentativa de impor racionalidade apenas econômica neste nível decisório das grandes empresas tende a levá-las à falência.

As cadeias de raciocínio são curtas, pois o teórico necessita manter-se próximo da realidade, consciente a todo tempo que seus construtos não são discretamente distintos, não atendem ao princípio fundamental da lógica. Os silogismos lógicos são assim limitada e qualificadamente utilizáveis.

Passa-se do agente homem econômico no setor privado ao homem político no setor público, como na teoria keynesiana, sabendo-se que existe apenas uma frouxa e cambiante tendência de mudança comportamental do ser humano nesta passagem. Os postulados não se apresentam então livres de contradições mútuas.3 3 A questão pode parecer simples e de aceitação geral. É em sua negação, entretanto, que Buchanan centraliza a argumentação em defesa da escolha pública, e em recorrentes e virulentos ataques a keynesianos, como discutido, e refutado, em Silveira (1996a, p. 38 e 1996b, pp. 117-20).

O decisor em termos do interesse público é também interesseiro em variada extensão, e vice-versa. Como no domínio da matéria inerte, entretanto, existem setores em que o homem econômico é aproximação suficientemente boa no curto-prazo, como em finanças, permitindo que a teoria pura seja mais diretamente aplicável.

A economia social reduz-se então apropriadamente à economia aplicada, dispensando outras ciências sociais, e possibilitando que a dialógica se reduza à lógica, como caso limite - a formulação corresponde ao que Heisenberg (1963HEISENBERG, W. (1963). Physics and philosophy. London: George Allen & Unwin., pp. 156-57) denomina lógica quântica, tendo a lógica formal como caso limite; Georgescu-Roegen (1967GEORGESCU-ROEGEN, N. (1967). Analytical economics. Cambridge, MA: Harvard University Press., pp. 23-4), que formulou o mesmo para a economia, chama a dialógica de dialética, mas reconhece a limitação e o perigo no assim proceder.

Segundo Keynes, “para a interpretação econômica em sua forma superior, são necessários um amálgama de lógica e intuição e o amplo conhecimento dos fatos, cuja maioria não é exata” - citado em Harris (1954HARRIS, S.E. (1954). “A postscript by the editor”. Mathematics in economics: discussion of Mr. Novick’s article, P. A. Samuelson et al. Review of Economics and Statistics XXXVI (November): 382-6., p. 385). Nos termos aqui desenvolvidos, Keynes falava da economia social e da dialógica.

A dialógica não é imperativa, e o diálogo não pode ser reduzido à verificação de quem está certo ou errado de maneira irrefutável. Cabe neste ponto darmos um passo além, qualificando o que foi dito acima. A lógica não dá conta das épocas cruciais da própria ciência pura.

No conflito paradigmático das revoluções científicas, a linguagem é a dialógica na forma de persuasão em termos dos valores básicos da comunidade, como exposto em Kuhn. Pode-se então afirmar que a linguagem da ciência pura é a dialógica, a qual se reduz à lógica, como caso limite, nos períodos de ciência normal.

A qualificação é mais importante, naturalmente, na economia e em outros domínios multiparadigmáticos. Dentro da esfera pura, paralelamente ao trabalho lógico normal de aperfeiçoamento no interior de cada escola de pensamento, ocorre o trabalho dialógico revolucionário de confrontação, questionamento e fertilização cruzada entre as escolas. Na interação entre a esfera pura e aplicada, entre economia pura e social, tem-se naturalmente igual trabalho dialógico.

Dialógica, numa expressão feliz de Lopes (1995LOPES, C.F.L.R. O método em Minsky: uma abordagem segundo a indeterminação de Senior. Rio: IE/UFRJ. Tese de Mestrado, novembro de 1995., p. 21), é a flexibilização da lógica formal, nada mais do que o que se entende coloquialmente por lógica. Noutra, de Silva (1995SILVA, D. (1995). “A visão neo-schumpteriana de Dosi e a indeterminação de Senior”. Rio: IE/UFRJ. Trabalho de Curso., p. 1), dialógica é a incorporação do diálogo à lógica. No Dicionário de Lógica, de Leônidas Hegenberg, dialógica é o desenvolvimento do saber sob a forma de diálogo. Em dicionário comum, dialógica é o uso do mesmo vocábulo com sentidos diferentes, numa mesma frase. Dialógica é também retórica como método, não “retórica em substituição ao método” (McCloskey, 1983MCCLOSKEY, D.N. (1983). “The rhetoric of economics”, Journal of Economic Literature XXI (June): 481-517.) - veja refutações em Caldwell e Coats (1984CALDWELL, B.J. & COATS, A.W. (1984). “The rhetoric of economists: a comment on McCloskey”, Journal of Economic Literature XXII (June): 575-8.), Rego (1996REGO, J.M. (org.) (1996). Retórica na economia. São Paulo: Editora 34.). Por outro lado, retórica como arte de enganar, a forma mais avançada da prática sofista o exemplifica, é exatamente o uso da lógica onde ela se mostra inaplicável.

Exemplifica-o mais ainda o entendimento de que a economia matemática pura esgota o conhecimento “científico”. O erro é óbvio nos próprios termos puros, pois numa teoria hipotético-dedutiva não se pode deduzir mais do que o que está contido nos postulados (observe que aqui a proposição é imperativa). Em Silveira (1994aSILVEIRA, A.M. (1994). “Aplicabilidade de teorias: micro-neoclássica e estratégia empresarial”. Revista de Economia Política 14 (abr/jun): 53-76., p. 64), mostra-se Friedman (1953FRIEDMAN, M. (1953). “The methodology of positive economics”. Essays in positive economics. Chicago: Univ. of Chicago Press., p. 24) neste erro.

O mesmo Friedman, no mesmo clássico, peca noutra questão bem mais perigosa. Numa teoria pura, partindo dos mesmos postulados, o uso correto da lógica leva imperativamente às mesmas conclusões. Esse é o fundamento dos que afirmam que, para diferenças em torno de valores básicos, em última instância, os homens “só podem lutar” (ibid., p.5). Ora, valores básicos não atendem ao princípio da contradição, e a pertinência do diálogo afasta a “última instância” entre os que sabem evitar o uso da lógica onde ela se mostra inaplicável.

Linguagem advocatícia e ideologia científica

A indeterminação de Senior focaliza a incompletude do conhecimento científico. Teorias econômicas puras são “caixas de ferramentas”, usando a expressão de Joan Robinson, para o desenvolvimento de teorias sócio-econômicas. Teorias sócio-econômicas também o são, mas para o aprimoramento da prática, da arte da economia.

A prática requer, além do conhecimento dos fatores econômicos e não-econômicos sistematicamente presentes no fenômeno, o reconhecimento da importância das especificidades cambiantemente presentes em cada uma de suas ocorrências. Cabe frisar a distinção. O todo não é geralmente igual à soma das partes, dos efeitos isolados dos fatores, pois podem acontecer novidades na composição (Georgescu-Roegen, 1967GEORGESCU-ROEGEN, N. (1967). Analytical economics. Cambridge, MA: Harvard University Press., pp. 61-2). Este entrelaçamento do saber universal com o específico é ainda parcial e necessariamente empreendido pelo meio acadêmico, através da história econômica, incluindo naturalmente a história contemporânea, como em disciplinas de economia brasileira. Dialógica é então coerência orgânica. Em sua análise da Contenda do Método, Schumpeter (1986SCHUMPETER, J.A. (1986). History of economic analysis. London: Allen & Unwin., pp. 812-3) disse-o magistralmente:

“... não devemos esquecer que, embora a pesquisa [histórica monográfica], mais o estudo coordenado de seus resultados, nunca venha a produzir teoremas articulados, ela pode realizar, para mentes apropriadamente condicionadas, algo que é muito mais valoroso. Ela pode gerar uma mensagem sutil, transmitir um entendimento íntimo dos processos sociais ou especificamente econômicos, um senso de perspectiva histórica ou, se preferem, a coerência orgânica das coisas, cuja formulação é difícil ao extremo, talvez impossível”.

A prática requer bem mais, a prática envolve opções de valor, além da ideologia e dos juízos implícitos ou explícitos nas próprias teorias. Como exemplo, a política econômica na opção Brasil-potência, como no recente período do autoritarismo, difere significativamente da política numa opção alternativa Brasil-humanismo. Essa dimensão extra-científica da arte da ciência leva-nos a reconhecer sua linguagem como advocatícia. Usa-se da dialógica ou da coerência orgânica, mas advoga-se além uma solução.

A ordem de precedência da indeterminação, de ciência pura para aplicada, e desta para arte, opõe-se geralmente à precedência histórica, cuja ordem pode ser exemplificada em Sully (1560-1641), Smith (1723-1790) e Walras (1834-1910). O primeiro, um dos grandes ministros de economia da França, não possuía sequer noção do que é uma teoria (Schumpeter, 1986SCHUMPETER, J.A. (1986). History of economic analysis. London: Allen & Unwin., p. 169).

É incorreto dizer que Sully antecipou as conclusões da teoria de vantagens comparativas, em diálogo de 1603 com Henrique IV (Cantu s/dCANTÚ, C. (s/d). Biografias de homens célebres, vol. 4. São Paulo: Editora das Américas., pp. 26-31). É errado afirmar, como o fez Pasinetti (1986PASINETTI, LL. (1986). “Theory of value: a source of alternative paradigms in economic analysis”. Foundations of economics: structures of inquiry in economic theory, M. Baranzzini & R. Scazzieri (eds.). New York: Basil Blackwell., p. 414), que Galiani “mostra uma extraordinária antecipação dos elementos de ambas teorias do valor...”. Existe mais verdade na asserção de que essas teorias foram sendo corroboradas, na medida em que explicaram, ou fundamentaram logicamente, conhecimentos antes consolidados na prática, através de gerações de profissionais.

A ordem de precedência histórica aparece claramente noutra tricotomia, ciências descritivas, correlativas e explicativas (Margenau, 1966MARGENAU, H. (1966). “What is a theory?”. The structure of economic science, S.R. Krupp (ed.). Englewood, NY: Prentice-Hall., p. 29). Evitando ir mais longe nessa questão, que nos levaria a controvérsias entre empirismo e racionalismo, pode­ se restringir o quadro geral de referência apenas para ciências explicativas, já maduramente estabelecidas.4 4 A prática de Popper (1994) de também chamar “teoria” a qualquer proposição desconexa, permite uma bela e consistente defesa do racionalismo. Em compensação, “gregos e troianos” tornam-se teóricos, descaracterizando a própria ciência explicativa. É nessa fase que a interação entre conhecimentos puros, aplicados e práticos gera o desenvolvimento econômico moderno e o progresso da ciência (Kuznets, 1972KUZNETS, S. (1972). “Modem economic growth: findings and reflections”. Les Prix Nobel en 1971. Stockholm: Nobel Foundation., p. 317).

A indeterminação de Senior focaliza a divisão de trabalho, delimitando as esferas do conhecimento científico. E, ao mostrar a complementaridade delas, desnuda o conflito paradigmático e a cegueira científica dominante entre especialistas.

Cientistas puros e aplicados têm comunidades e educações distintas, e trabalham com motivações, comprometimentos e linguagens diferentes, como exposto no quadro geral de referência. Assim, o conflito é da mesma natureza daquele que se manifesta entre facções de cientistas puros durante processos revolucionários (Kuhn, 1971KUHN, T.S. (1971). The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press., pp. 111-59), ou entre escolas de pensamento econômico (Silveira, 1987SILVEIRA, A.M. (1987). Filosofia e política econômica: o Brasil do autoritarismo. Rio de Janeiro: Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA/INPES)., pp. 21-30), assim como entre escolas da sociologia, da ciência política, psicologia etc.

A Contenda do Método foi o primeiro grande conflito paradigmático entre economistas puros e sociais, exemplificando bem a cegueira científica ou os “antolhos” acadêmicos dos especialistas (Silveira, 1993SILVEIRA, A.M. (1993). “Wagner e Schmoller sob a luz da indeterminação de Senior”. Estudos Econômicos 23 (mai/ago): 319-45., p. 336). Artífices da ciência, ou profissionais em oposição a acadêmicos, desenvolvem suas próprias comunidades e estendem a educação em treinamento no trabalho, e em suas experiências de vida prática. O conflito entre profissionais e acadêmicos pode então ser explicado nos mesmos termos kuhnianos.

“A teoria na prática é outra” porque especificidades podem ser mais determinantes ou mais modificadoras de ocorrências do fenômeno do que universalidades, porque motivações, comprometimentos e linguagens do profissional diferem ainda mais dos acadêmicos do que as diferenças internas destes (Silveira, 1994aSILVEIRA, A.M. (1994). “Aplicabilidade de teorias: micro-neoclássica e estratégia empresarial”. Revista de Economia Política 14 (abr/jun): 53-76., p. 207).

Por outro lado, o provérbio “quem sabe faz, quem não sabe ensina” pode ser tomado como lema do profissional cientificamente desinformado, ou cuja cegueira impede a compreensão da importância da ciência. Existem ainda profissionais “osmóticos”, que aprenderam na prática apenas, mas é espécie em extinção.

Mesmo no subdesenvolvimento brasileiro, por exemplo, quase não mais existem “parteiras”, profissão comum há cinquenta anos. A sociedade já possui condições para aparelhar o profissional com o capital humano das ciências médicas, esfera de conhecimento aplicado ou social.

Ironicamente, o cientista filosoficamente desinformado, que aprendeu a fazer pesquisa na prática ou por osmose, é espécie ainda hegemônica, e reage contra a filosofia de maneira bem semelhante à reação do profissional osmótico contra a ciência - veja Silveira (1983SILVEIRA, A.M. (1983). “Simon e o satisfazimento”. Literatura Económica 5 (set./out): 487-606., p. 598). Na perspectiva da indeterminação de Senior, filosofia e matemática são bens de capital para a construção das ciências puras e aplicadas.

3. POR UM APRENDIZADO MAIS FILOSOFICAMENTE INFORMADO

“Não devemos buscar instituir a felicidade por meios políticos, mas sim tentar a eliminação de misérias concretas. Ou seja, em termos mais práticos: devemos lutar pela eliminação da pobreza diretamente - por exemplo, garantindo que todos tenham uma renda mínima: lutar...”

Utopia e violência, Popper, 1947

A indeterminação enfatiza o valor social da ciência. Para a teoria pura, ao lado dos atributos de Occam e dos testes empíricos de hoje, a indeterminação realça a potencialidade de iluminar, informar e fundamentar a construção de teorias aplicadas. Para estas, o realce é para a amplitude e o sucesso de suas utilizações na prática.

Há que se ver ainda, nesta linha, as mais escassas possibilidades das teorias puras afetarem diretamente a prática e, mais importante, os alertas que puras e aplicadas transmitem para a evitação do vício ricardiano e da cegueira científica.

Quanto ao objetivo maior da ciência, o destaque proporcionado pela indeterminação de Senior é para a compreensão do fenômeno em sua completude. Volta-se assim a atenção para o potencial de uso das teorias no estudo de história, de setores e de casos. Volta-se a atenção para o historiador, para o estudioso da

... “análise de condições contemporâneas” (genjo bunseki): a compreensão do sistema econômico passado e presente, com toda a sua riqueza em complexidade e contradições. Tal compreensão é, naturalmente, o objetivo último da ciência econômica, mas Uno [Kôzõ] argumenta que ele precisa, necessariamente, ser construído sobre as fundações firmes da teoria pura e da teoria-estágio [ciência aplicada] (Morris-Suzuki 1991MORRIS-SUZUKI, T. (1991). A history of Japanese economic thought. London: Routledge., p. 118).5 5 Pelo que se pode depreender da rápida revisão de Morris-Suzuki, Kõzõ reescreve a teoria marxista ao longo da tricotomia da indeterminação, e parece próximo de acusar vicio ricardiano no próprio Marx. A citação está no contexto marxista, mas não vislumbramos problema algum em sua generalização.

Nota-se que o destaque da indeterminação para o “analista de condições contemporâneas” conflita com seu atual prestígio e status, em extensão tal que algum motivo necessita ser aventado. A imitação da física, ou o cientificismo, como em outro contexto o coloca Hayek (1975HAYEK, F.A. von. (1975). “The pretense of knowledge”. Les Prix Nobel en 1974. Stockholm: Nobel Foundation., p. 249), é certamente um deles. Já qualificamos o quadro geral de referência, afirmando que a lógica é a linguagem da ciência pura normal, não da extraordinária ou revolucionária.

Tem-se agora uma segunda qualificação. O “analista de condições contemporâneas” está na arte da ciência, tanto quanto o profissional, em termos da importância que atribui à unicidade do fato histórico, às especificidades que individualizam cada ocorrência de um fenômeno, à sua irreversibilidade ou mudança com a passagem do tempo, à memória que não pode ser apagada.

Não existe sua correspondência na física ou, se bem entendemos Prigogine e Stengers (1991PRIGOGINE, I. & STENGERS, I. (1991). A nova aliança: metamorfose da ciência. Brasília: Editora Universidade de Brasília., pp. 122-24), ainda não existe tal correspondência. De qualquer forma, o cientificismo econômico ainda se acha preso à mecânica newtoniana, cujos fenômenos diferenciam-se ostensivamente dos econômicos nesta dimensão, fato que leva à maior limitação das teorias neoclássicas.

É fato que também leva ao desprestígio do “analista”, a seu reconhecimento quase cerimonial em alguns currículos de graduação, e a sua exclusão, sem cerimônia, na maioria da pós-graduação. É fato que também leva ao vício ricardiano dos especialistas em teorias puras ou aplicadas que se aventuram nesta análise, sem possuírem formação para fazê-lo.6 6 Nas ciências da matéria inerte não se fala em vício, mas em falta de senso científico ou charlatanismo.

Por opção didática, evitamos introduzir tais modificações no quadro geral de referência. Uma categoria intermediária entre ciência aplicada e arte da ciência (profissionais) teria exemplos nos trabalhos do “analista” Myrdal - “pensamento inovativo não-formalizado”, na classificação dos laureados com o Nobel, segundo Lindbeck (1985LINDBECK, A. (1985). “The prize in economic science in memory of Alfred Nobel”, Journal of Economic Literature XXIII (March): 37-56., p. 45) -, e dos historiadores Furtado (1968FURTADO, C. (1968). The economic growth of Brazil: a survey from colonial to modern times. Berkeley: University of California Press.) e Schmoller - veja Silveira (1993SILVEIRA, A.M. (1993). “Wagner e Schmoller sob a luz da indeterminação de Senior”. Estudos Econômicos 23 (mai/ago): 319-45., pp. 335-39).

A linguagem é a coerência orgânica, como acima destacado nas palavras de Schumpeter. O comprometimento é com a aplicação de teorias, e não apenas com a aplicabilidade delas, como na categoria de ciência aplicada. A motivação é também mais ampla, pois é a compreensão do objeto em sua totalidade, incluindo o específico. Como se vê, a indeterminação constitui-se numa importante diretriz para reformulações de currículos. Continuamos com este tópico, restringindo-nos a poucos toques estratégicos para a graduação em economia, e suas implicações para o currículo mínimo - para a pós-graduação, veja Silveira (1994aSILVEIRA, A.M. (1994). “Aplicabilidade de teorias: micro-neoclássica e estratégia empresarial”. Revista de Economia Política 14 (abr/jun): 53-76., pp. 211-3).

Proposições normativas (nosso contexto é a UFRJ/1994)

Usando os cursos de engenharia e de medicina como exemplares para facilitar uma comunicação enxuta, algo que o quadro geral de referência da indeterminação qualificadamente legitima, pode-se listar uma série de proposições para reflexão.

A separação dos cursos de economia pura e social, em analogia com física e engenharia, já se faz aconselhável, com o cuidado de se estabelecer o fundamental em comum (dois anos). Significa concentração em matemática e teorias abstratas, como, por exemplo, micro-neoclássica e teoria marxista pura, esta na conceituação de Uno Kõzõ como indicado por Morris-Suzuki (1991MORRIS-SUZUKI, T. (1991). A history of Japanese economic thought. London: Routledge., pp. 116-21).

O estudo quantitativo seria contrabalançado com o “qualitativo”, história da ciência e das economias, além de metodologia. Em virtude das diferenças entre fenômenos físicos e econômicos, creio que um mínimo do lado qualitativo precisa ser ensinado aos estudantes que optarem por economia pura. E ao fazerem tal opção, estes devem estar cientes de que automaticamente estão optando por ensino e pesquisa, como na física. O profissionalizante (três a quatro anos), já poderia começar com economia social, as disciplinas comuns seguidas de especializações como economia do setor público e economia industrial - economia agrícola seria uma terceira na linha, a qual deve ser lembrada não para implantação na UFRJ, mas em virtude da longa experiência já acumulada em universidades rurais.

Economia de serviços seria alternativa considerável, dadas as especificidades cariocas. Dentre disciplinas comuns a todas opções, destaco uma segunda em filosofia, agora concentrada na aplicabilidade de teorias, e não em sua construção, como no fundamental.

Um grande desafio é a introdução do aluno à aplicação do conhecimento na prática, em analogia com o treinamento em hospitais e “residências” da medicina. Estágios supervisionados, tanto externa quanto internamente em pesquisas institucionais, parecem apontar o caminho, desde que vinculados à realização da monografia de graduação.

As bolsas de iniciação científica ficariam voltadas para alunos que aspirassem à vida acadêmica, em economia pura ou social, com prioridade para a realização de monografias teóricas e empíricas em ciência, incluindo naturalmente a “análise de condições contemporâneas”, mas excluindo objetivos práticos imediatos.

É óbvio que tais proposições apontam para a extensão do curso para cinco, ou mesmo seis anos. É mais óbvio ainda que o horizonte para implementação é de uma ou duas décadas, mas com reflexos a curto prazo na política de aperfeiçoamento de docentes, e na abertura de concursos para o magistério.

É óbvio também que universidade alguma deve empreender isoladamente tais mudanças, muito menos sem analisar a dimensão pedagógica7 7 José Rubens Damas Garlipp refere-se a matéria que proporcionaria um “choque de economia” no início do curso, e a outras questões pedagógicas, em “Para enfrentar a evasão”, resumo de sua participação no II Encontro Paulista de Professores de Economia. Suplemento Especial do Jornal do Economista, CORECON/SP, nº 90, julho de 96. , e sem antes consultar os segmentos sociais diretamente interessados, em pesquisa empírica mais séria do que o feito, por exemplo, em Krueger et al. (1991KRUEGER, A.O. et al. (1991). “Report of the commission on graduate education in economics”, Journal of Economic Literature XXIX (September), 1035-53.).

Creio que tais conjecturas podem ter o mérito de gerar refutações (Popper, 1994POPPER, KR. (1994). Conjecturas e refutações: o progresso do conhecimento científico. Brasília: UnB.), particularmente do tipo que levanta especificidades, e assim desenvolver políticas, superando, quem sabe, algo das politicagens então reveladas.

Currículo mínimo8 8 O Parecer do relator (Mendes, 1984) da Resolução N. 11, de 26/6/84, do Conselho Federal de Educação é primoroso, mas não cabe uma revisão ou reprodução maior. Em anexo, reproduzimos apenas a Resolução.

As questões que informam a indeterminação de Senior, assim como a derivada concepção do economista social, estão muito bem expostas no parecer, no currículo mínimo, e nos princípios que os nortearam (Art. 7). Permitam-me algumas variações num exemplo da abordagem ao ensino no profissionalizante.

Na matéria Desenvolvimento Sócio-Econômico (II A 18, no Apêndice) não se pensa, certamente, nas teorias de crescimento, nos modelos de Harrod-Domar, Solow, Kaldor-Pasinetti etc. (teoria pura, matéria do fundamental), mas em teorias de desen­ lvimento, onde também se estudam as “interrelações ligando os fenômenos econômicos ao todo social em que se inserem” (Art. 7, c)9 9 Blaug (1985, p. 95) estabelece o marco da separação das duas disciplinas na década de 50, com The Strategy of Economic Development, de Albert O. Hirschman. . Tomemos uma das interrelações de Kuznets (1972KUZNETS, S. (1972). “Modem economic growth: findings and reflections”. Les Prix Nobel en 1971. Stockholm: Nobel Foundation., pp. 318-21):

“As migrações internas do campo para as cidades(...) representam custos substanciais de desenraizamento e de ajustamento à anonimidade, além dos custos mais altos da vida urbana. A aprendizagem de novas habilidades e o decréscimo de valor das habilidades adquiridas anteriormente foram por certo um processo custoso(...) considerando somente o princípio da urbanização, o principal efeito negativo foi a elevação significativa das taxas de mortalidade, enquanto a população mudava-se da área mais saudável do campo para as condições mais densas e propensas a infecções das cidades sem saneamento”.

Números, ordens de grandeza, ou pseudo-números (Georgescu-Roegen, 1967GEORGESCU-ROEGEN, N. (1967). Analytical economics. Cambridge, MA: Harvard University Press., p. 122) são tão indispensáveis quanto o comprometimento “com o estudo da realidade brasileira” (Art. 7, a). Essas passagens referem-se aos desenvolvidos, e ainda para eles, “um declínio de 30 a 40 pontos percentuais [da participação do setor agrícola na força de trabalho] no decorrer de um século é uma mudança estrutural surpreendentemente rápida” (Kuznets, ibid, p. 315).

Focalizando tangencialmente o problema no Brasil, a taxa passou de aproximadamente 70 (1930) para 30% (1970) em quarenta anos, menos da metade do tempo! Torna-se óbvia a necessidade de perguntar sobre “o senso ético de responsabilidade social”, (Art. 7, d), que pode ter norteado economistas e políticos que contribuíram para acelerar o nosso processo.

Cabe enfatizar que subsídios para a mecanização da agricultura foram estendidos, enquanto obviamente pouco se fez pelos custos impostos aos deslocados do campo e excluídos da cidade - digo “excluídos” por não possuírem condições para a vida urbana, inclusive para o ingresso em sua força de trabalho não-marginalizada. (A garantia de renda mínima poderia ter sido vista como bolsa para “aprendizagem de novas habilidades”, incluindo alfabetização.)

O currículo mínimo prevê a matéria Economia e Ética, 1 B 10, como de escolha institucional, mas o relator e os autores da proposta - permitam-me um destaque para Isaac Kerstenetzky (1927-1991) - entendem que “Há de ser feito um esforço para que esses aspectos [éticos] sejam trazidos à luz, sem dis farce, em numerosas disciplinas...” (Mendes ibid., p. 173)10 10 O Parecer não toca num aspecto ético de importância maior, mas que se refere à consciência do professor. Maior porque se liga à moldagem do ser humano. tema que necessariamente se coloca agora, mas cuja incorporação pode ser postergada. Há evidências estatisticamente significativas de que o estudo da economia. pelo menos quando exclusivamente neoclássico. acentua o comportamento interesseiro dos alunos (Frank et al.. 1993) - agradeço a Eduardo Augusto de A. Ramos pela referência Usemos Popper (1994POPPER, KR. (1994). Conjecturas e refutações: o progresso do conhecimento científico. Brasília: UnB., p. 394) para, duplamente seguros, iluminar um pouco mais:

“Não devemos argumentar no sentido de que uma certa ação social seja um simples meio para um fim determinado, na base de que constitua mera situação histórica provisória. De fato, todas as situações são provisórias. [Este princípio levaria ao sacrifício de cada futuro particular pelo que se lhe seguisse.] Também não devemos arguir que a miséria de uma geração deve ser considerada como um meio para assegurar a felicidade permanente de gerações futuras(...) Todas as gerações passam. Todas têm igual direito...”.

Pela indeterminação, cada corrente de pensamento tem a sua meia-verdade temporária, e o princípio do “pluralismo metodo lógico” (Art. 7, b) estabelece a exposição dos alunos a cada uma delas. No caso da preocupação ética esse princípio recebeu ênfase: “Aos autores da proposta pareceu aconselhável, porém, que essa preocupação permeasse toda a estrutura curricular em causa, até porque Éticas distintas orientam posturas distintas...” (ibid.).

Quaisquer que sejam as posturas, contudo, temos o bastante para compreender do que se fala quando se fala da dívida social no Brasil. Na postura popperiana, trata­ se talvez de um crime de lesa-humanidade, certamente uma das causas de misérias, doenças e criminalidade, como atualmente observadas no país.

Cabe-nos, ao invés de passar a posturas distintas, exemplificar a cegueira científica que leva à exclusão de qualquer tratamento dos elementos não-econômicos e éticos do fenômeno. Temos em teórico notável do crescimento puro, Solow (1989SOLOW, R.M. (1989). “Faith, hope and clarity”. The spread of economic ideas, D.C. Colander & A. W. Coats (eds.). Cambridge: Cambridge University Press., pp. 37-8). também um caso de vício ricardiano:

“Colander e muitos críticos gostariam que voltássemos aos primeiros dias, quando filosofia e outras ciências sociais estavam entrelaçadas. Ele chega a argumentar que deveríamos voltar às vagas generalizações de Adam Smith. Minha admiração por Smith não é ilimitada, mas não é menor do que a de mais de uma dúzia de colegas, se tanto. Não vejo, contudo, A riqueza das nações como teoria. Não vejo nela coisa alguma com implicações políticas(...) Eu necessito de algo mais preciso - menos amorfo, menos vago...”.

Trata-se de entrelaçar economia com outras ciências sociais e filosof ia, sim. O fenômeno continua complexo, ‘’entrel açado”, e não cabe dar ao profissional em formação apenas sua lógica econômica. Mas não se trata de voltar aos primeiros dias, certamente, Kuznets é exemplo de tratamento ainda atual de uma versão dialógíca.

O pluralismo metodológico leva-nos a Kaldor, não em sua fase pura, mas na aplicada, como citado em Lawson et al. (1989LAWSON, T. et al. (1989). “Kaldor’s contribution to economics: an introduction”, Cambridge Journal of Economics 13: 1-8., p. 2):

“Esse artigo [Kaldor, 1966KALDOR, N. (1966). “Marginal productivity and the macroeconomic theories of distribution’’, Review of Economic Studies 33(4).] marcou o final de uma série teórica em crescimento, desenvolvida através de raciocínio dedutivo a partir de axiomas macro-econômicos de caráter bem geral. Segui posteriormente um método diferente: tentava encontrar que espécies de regularidades podiam ser detectadas em fenômenos empiricamente observados, e então tentava descobrir quais hipóteses particulares e testáveis seriam capazes de explicar a associação. Conscientizei-me dessa abordagem mais pragmática durante a guerra, quando era usada por cientistas para fins de ‘pesquisa operacional’. É uma abordagem que é mais modesta em escopo (por não buscar explicações derivadas de um modelo geral do sistema), mas também mais ambiciosa, ao objetivar diretamente a descoberta de soluções (ou remédios) para problemas reais”.

Lógicas do fenômeno precisam, entretanto, ser lecionadas, e há que se respeitar a divisão de trabalho acadêmico, no ensino não menos do que na pesquisa. Se a ciência é um corpo, a lógica é seu esqueleto, não havendo sentido em optar por corpos disformes ou esqueletais - parece-me que tomei conhecimento da analogia em Georgescu-Roegen (ibid).

Assim, uma novidade dentre as proposições normativas da subseção anterior é o acréscimo do lado quantitativo no fundamental, constituído de versões puras de parte do “Núcleo Comum - Formação Teórico-Quantitativa (II A)”. Sua localização no fundamental segue a ordem de precedência da indeterminação, antes discutida, a ordem didática do mais simples para o mais complexo e, cabe enfatizá-lo, do mais fácil para o mais dificil - quando citamos Keynes na seção anterior, ele interpretava a dificuldade de Planck com a economia.

Outra novidade é o reconhecimento de que já cabe a formação de especialistas em economia pura, qualificados apenas para atividades acadêmicas. A eficiência e o próprio pluralismo metodológico apontam para o respeito aos diferentes tipos de mente (esprit geometrique, esprit de finesse) que o progresso da ciência requer. Não se pode exigir que espíritos puramente geométricos sejam capazes de entrelaçar “filosofia e outras ciências sociais” na pesquisa acadêmica. Reconhecemos assim que a economia pura “não pode ser ignorada”, mas igualmente que “ não é profissionalizante”.

4. CONCLUSÃO

Considerando o já feito no programa de pesquisa, avançamos ao longo de três temas. Em primeiro lugar, estendemos o estudo sobre a natureza da ciência aplicada (economia social), em particular o caráter não-imperativo de sua linguagem, em oposição ao que acontece com a lógica na ciência normal pura. Apontamos também a diferença entre a taxonomia da indeterminação e outra tricotomia usual, com a qual não pode ser confundida, ciências descritivas, correlativas e explicativas.

Em segundo, buscamos frisar uma das maiores diferenças entre fenômenos fisicos e sociais, e suas consequências nas respectivas ciências. Engenheiros moldam a matéria inerte para a realidade estilizada de laboratórios, e, no que ocorre de sucesso, aperfeiçoam tal moldagem para consequentes aplicações práticas. A natureza humana não é moldável no mesmo sentido, e não há sentido ético no pouco em que seria viável fazê-lo.

A diferença tende a diminuir, mas porque a física já não parece mais poder restringir-se a realidades estilizadas (Prigogine e Stengers). Exploramos o tema ao longo de uma consequência marcante, e menos cuidada, o papel indispensável do historiador, contemporâneo ou não, nas ciências sociais, em oposição à sua irrelevância na física (ou na física já do passado). Dada a interação entre teorias e fatos, segue-se também a importância maior da história do pensamento econômico.

Em terceiro, trabalhamos nas conclusões normativas do programa, numa dimensão bem polêmica. Acrescentamos ao já feito para a pós-graduação em economia (Silveira, 1994bSILVEIRA, A.M. (1994). “Teorias econômicas: a meia-verdade temporária”. Revista Brasileira de Economia 48 (abr/jun): 203-16.), o que se pode concluir para a graduação. Consideramos então o currículo mínimo. A afinidade é tal que todo o feito em nosso programa de pesquisa pode ser usado para defendê-lo.

Talvez pela maior importância que atribuímos à lógica do fenômeno (não pode ser ignorada, já o dizia Senior), certamente pela sua maior simplicidade e facilidade, advogamos um mínimo de cinco anos para o currículo pleno, usando o ano extra para teorias puras no fundamental. Seriam requisitos para a dialógica do fenômeno, abordagem que se manteria no profissionalizante.

Necessário se torna enfatizar que nosso contexto é a UFRJ-1994 (o então planejado Instituto de Economia tornou-se realidade em 1996), com horizonte não menor do que dez anos. Entendemos que para a grande maioria das escolas brasileiras, o currículo mínimo não passa ainda de um longínquo nível de aspiração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BLAUG, M. (1985). Great economists since Keynes. Brighton, Sussex: Harvester Press.
  • CALDWELL, B.J. & COATS, A.W. (1984). “The rhetoric of economists: a comment on McCloskey”, Journal of Economic Literature XXII (June): 575-8.
  • CANTÚ, C. (s/d). Biografias de homens célebres, vol. 4. São Paulo: Editora das Américas.
  • FRANK, R.H. et al. (1993). “Does studying economics inhibit cooperation?”, Journal of Economic Perspectives 7 (Spring): 159-71.
  • FRIEDMAN, M. (1953). “The methodology of positive economics”. Essays in positive economics. Chicago: Univ. of Chicago Press.
  • FURTADO, C. (1968). The economic growth of Brazil: a survey from colonial to modern times. Berkeley: University of California Press.
  • GEORGESCU-ROEGEN, N. (1967). Analytical economics. Cambridge, MA: Harvard University Press.
  • HARRIS, S.E. (1954). “A postscript by the editor”. Mathematics in economics: discussion of Mr. Novick’s article, P. A. Samuelson et al. Review of Economics and Statistics XXXVI (November): 382-6.
  • HAYEK, F.A. von. (1975). “The pretense of knowledge”. Les Prix Nobel en 1974. Stockholm: Nobel Foundation.
  • HEISENBERG, W. (1963). Physics and philosophy. London: George Allen & Unwin.
  • KALDOR, N. (1966). “Marginal productivity and the macroeconomic theories of distribution’’, Review of Economic Studies 33(4).
  • KNIGHT, F.H. (1936). The ethics of competition and other essays. London: Allen & Unwin.
  • KRUEGER, A.O. et al. (1991). “Report of the commission on graduate education in economics”, Journal of Economic Literature XXIX (September), 1035-53.
  • KUHN, T.S. (1971). The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press.
  • KUHN, T.S. (1980). “Logic of discovery or psychology of research”. Criticism and the growth of knowledge, I. Lakatos & A. Musgrave (eds.). Cambridge: Cambridge University Press.
  • KUZNETS, S. (1972). “Modem economic growth: findings and reflections”. Les Prix Nobel en 1971. Stockholm: Nobel Foundation.
  • LAWSON, T. et al. (1989). “Kaldor’s contribution to economics: an introduction”, Cambridge Journal of Economics 13: 1-8.
  • LINDBECK, A. (1985). “The prize in economic science in memory of Alfred Nobel”, Journal of Economic Literature XXIII (March): 37-56.
  • LOPES, C.F.L.R. O método em Minsky: uma abordagem segundo a indeterminação de Senior. Rio: IE/UFRJ. Tese de Mestrado, novembro de 1995.
  • MARCH, J.G. & SIMON, H.A. (1959). Organizations. New York: John Wiley & Sons.
  • MARGENAU, H. (1966). “What is a theory?”. The structure of economic science, S.R. Krupp (ed.). Englewood, NY: Prentice-Hall.
  • MASTERMAN, M. (1980). “The nature of a paradigm”. Criticism and the growth of knowledge, l. Lakatos & A. Musgrave (eds.). Cambridge: Cambridge University Press.
  • MCCLOSKEY, D.N. (1983). “The rhetoric of economics”, Journal of Economic Literature XXI (June): 481-517.
  • MENDES, A.O. (1984). “Novo currículo mínimo de ciências econômicas: parecer”. Documenta 282 (junho): 163-93.
  • MORRIS-SUZUKI, T. (1991). A history of Japanese economic thought. London: Routledge.
  • MYRDAL, G. (1969). Objectivity in social research. New York: Pantheon.
  • PASINETTI, LL. (1986). “Theory of value: a source of alternative paradigms in economic analysis”. Foundations of economics: structures of inquiry in economic theory, M. Baranzzini & R. Scazzieri (eds.). New York: Basil Blackwell.
  • POPPER, KR. (1961). The logic of scientific discovery. New York: Sciences Editions.
  • POPPER, KR. (1978). Lógica da ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/Universidade de Brasília.
  • POPPER, KR. (1994). Conjecturas e refutações: o progresso do conhecimento científico. Brasília: UnB.
  • PRIGOGINE, I. & STENGERS, I. (1991). A nova aliança: metamorfose da ciência. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
  • REGO, J.M. (org.) (1996). Retórica na economia. São Paulo: Editora 34.
  • SCHUMPETER, J.A. (1949). “Science and ideology” American Economic Review XXXIX (March): 345-59.
  • SCHUMPETER, J.A. (1986). History of economic analysis. London: Allen & Unwin.
  • SILVA, D. (1995). “A visão neo-schumpteriana de Dosi e a indeterminação de Senior”. Rio: IE/UFRJ. Trabalho de Curso.
  • SILVEIRA, A.M. (1983). “Simon e o satisfazimento”. Literatura Económica 5 (set./out): 487-606.
  • SILVEIRA, A.M. (1987). Filosofia e política econômica: o Brasil do autoritarismo. Rio de Janeiro: Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA/INPES).
  • SILVEIRA, A.M. (1991). “A indeterminação de Senior”. Revista de Economia Política 11 (out/dez): 0-88.
  • SILVEIRA, A.M. (1993). “Wagner e Schmoller sob a luz da indeterminação de Senior”. Estudos Econômicos 23 (mai/ago): 319-45.
  • SILVEIRA, A.M. (1994). “Aplicabilidade de teorias: micro-neoclássica e estratégia empresarial”. Revista de Economia Política 14 (abr/jun): 53-76.
  • SILVEIRA, A.M. (1994). “Teorias econômicas: a meia-verdade temporária”. Revista Brasileira de Economia 48 (abr/jun): 203-16.
  • SILVEIRA, A.M. (1996). “A sedição da escolha pública: variações sobre o tema de revoluções científicas”. Revista de Economia Política 15 (jan./mar): 37-56.
  • SILVEIRA, A.M. (1996). “A perspectiva da escolha pública e a inclinação institucionalista de Knight”. Revista Brasileira de Economia 50 (jan./mar): 111-33.
  • SOLOW, R.M. (1989). “Faith, hope and clarity”. The spread of economic ideas, D.C. Colander & A. W. Coats (eds.). Cambridge: Cambridge University Press.
  • WAGNER, A. (1886). Systematische nationaleconomie in the jahrbucher fur nationaleconomie und statistik. The Quarterly Journal of Economics I, “Wagner on the present state of political economy”, pp. 113-33.
  • 1
    Grandes literatos escreveram romances que são verdadeiros libelos contra a classe, como A vigésima­quinta hora, de Gheorghiu, ou já no século passado, Hard Times, de Charles Dickens.
  • 2
    Moldagens indiretas através de experiências de vida em distintos sistemas econômicos certamente ocorrem, como analisa parcialmente Knight (1936KNIGHT, F.H. (1936). The ethics of competition and other essays. London: Allen & Unwin., pp. 41-75). Tudo o que se necessita aqui é reconhecer que, apesar da uniformidade, do automatismo e do anonimato das sociedades capitalistas e comunistas modernas (Gheorghiu, A vigésima-quinta hora), o ser humano não é redutível ao construto homem econômico “a menos de aproximações suficientemente pequenas”, nem a qualquer outro construto, como no caso da matéria inerte - há que se qualificar o uso de Gheorghiu, pois o maniqueísmo do “é” ou “não é” ainda é reconhecido como doença.
  • 3
    A questão pode parecer simples e de aceitação geral. É em sua negação, entretanto, que Buchanan centraliza a argumentação em defesa da escolha pública, e em recorrentes e virulentos ataques a keynesianos, como discutido, e refutado, em Silveira (1996aSILVEIRA, A.M. (1996). “A sedição da escolha pública: variações sobre o tema de revoluções científicas”. Revista de Economia Política 15 (jan./mar): 37-56., p. 38 e 1996bSILVEIRA, A.M. (1996). “A perspectiva da escolha pública e a inclinação institucionalista de Knight”. Revista Brasileira de Economia 50 (jan./mar): 111-33., pp. 117-20).
  • 4
    A prática de Popper (1994POPPER, KR. (1994). Conjecturas e refutações: o progresso do conhecimento científico. Brasília: UnB.) de também chamar “teoria” a qualquer proposição desconexa, permite uma bela e consistente defesa do racionalismo. Em compensação, “gregos e troianos” tornam-se teóricos, descaracterizando a própria ciência explicativa.
  • 5
    Pelo que se pode depreender da rápida revisão de Morris-Suzuki, Kõzõ reescreve a teoria marxista ao longo da tricotomia da indeterminação, e parece próximo de acusar vicio ricardiano no próprio Marx. A citação está no contexto marxista, mas não vislumbramos problema algum em sua generalização.
  • 6
    Nas ciências da matéria inerte não se fala em vício, mas em falta de senso científico ou charlatanismo.
  • 7
    José Rubens Damas Garlipp refere-se a matéria que proporcionaria um “choque de economia” no início do curso, e a outras questões pedagógicas, em “Para enfrentar a evasão”, resumo de sua participação no II Encontro Paulista de Professores de Economia. Suplemento Especial do Jornal do Economista, CORECON/SP, nº 90, julho de 96.
  • 8
    O Parecer do relator (Mendes, 1984MENDES, A.O. (1984). “Novo currículo mínimo de ciências econômicas: parecer”. Documenta 282 (junho): 163-93.) da Resolução N. 11, de 26/6/84, do Conselho Federal de Educação é primoroso, mas não cabe uma revisão ou reprodução maior. Em anexo, reproduzimos apenas a Resolução.
  • 9
    Blaug (1985BLAUG, M. (1985). Great economists since Keynes. Brighton, Sussex: Harvester Press., p. 95) estabelece o marco da separação das duas disciplinas na década de 50, com The Strategy of Economic Development, de Albert O. Hirschman.
  • 10
    O Parecer não toca num aspecto ético de importância maior, mas que se refere à consciência do professor. Maior porque se liga à moldagem do ser humano. tema que necessariamente se coloca agora, mas cuja incorporação pode ser postergada. Há evidências estatisticamente significativas de que o estudo da economia. pelo menos quando exclusivamente neoclássico. acentua o comportamento interesseiro dos alunos (Frank et al.. 1993FRANK, R.H. et al. (1993). “Does studying economics inhibit cooperation?”, Journal of Economic Perspectives 7 (Spring): 159-71.) - agradeço a Eduardo Augusto de A. Ramos pela referência
  • 12
    JEL Classification: A22; B41.

ANEXO: RESOLUÇÃO Nº 11, DE 26/6/84

Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de Ciências Econômicas.

O Presidente do Conselho Federal de Educação, no uso de suas atribuições legais, e tendo em vista o Parecer 375/84, homologado pela Senhora Ministra de Estado da Educação e Cultura, resolve:

Art. 1º. O curso de bacharelado em Ciências Econômicas será ministrado com o mínimo de 2.700 (duas mil e setecentas) horas/aula, cuja integralízação se fará num mínimo de quatro e num máximo de sete anos.

§ 1º. No caso de cursos lecionados predominante ou exclusivamente em horário noturno, o prazo mínimo de integralização será de cinco, e o máximo, de oito anos.

§ 2º. O total de 2.700 horas não incluí a carga horária de Estudo de Problemas Brasileiros e de Educação Física (Prática Desportiva).

Art. 2º. O currículo mínimo do curso de Ciências Econômicas compreende as seguintes matérias (e atividade curricular):

I - MATÉRIAS DE FORMAÇÃO GERAL

1A - Núcleo Comum (seis matérias): 1. Introdução às Ciências Sociais (Evolução das Ideías Sociais). 2. Introdução à Economia. 3. Matemática. 4. Introdução à Estatística Econômica. 5. Instituições de Direito. 6. Contabilidade e Análise de Balanço.

I B - Matérias de Escolha: 7. Sociologia. 8. Ciência Política. 9. Antropologia. 10. Economia e Ética

II - MATÉRIAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL

11 A - Núcleo Comum - Formação Teórico-Quantitativa (oito matérias): 11. Estatística Econômica e introdução à Economia. 12. Contabilidade Social. 13. Teoria Macroeconômica. 14. Teoria Microeconômica. 15. Economia Internacional. 16. Economia do Setor Público. 17. Economia Monetária. 18. Desenvolvimento Sócio­Econômico.

II B - Núcleo Comum - Formação Histórica (quatro matérias): 19. História do Pensamento Econômico. 20. História Econômica Geral. 21. Formação Econômica do Brasil. 22. Economia Brasileira Contemporânea.

II C - Núcleo Comum - Trabalho de Curso (duas matérias): 23. Técnicas de Pesquisa em Economia. 24. Monografia (atividade curricular).

11 D - Matérias de Escolha: 25. Política e Planejamento Econômico. 26. Elaboração e Análise de Projetos. 27. Processamento de Dados. 28. Econometria. 29. Economia Agrícola. 30. Economia Industrial. 31. Economia Regional e Urbana. 32. Economia do Trabalho. 33. Demografia Econômica. 34. Economia dos Recursos Naturais. 35. Economia dos Transportes. 36. Economia da Energia. 37. Economia da Tecnologia. 38. Administração. 39. Metodologia da Análise Econômica.

Art. 3°. Cada instituição de ensino escolherá pelo menos uma matéria entre as listadas no item I B do artigo 2º (Matérias de Formação Geral - Matérias de Escolha) e pelo menos três entre as listadas no item II D (Matérias de Formação Profissional - Matérias de Escolha), como matérias integrantes do currículo mínimo.

Parágrafo Único - A escolha a que se refere este artigo, feita pelo colegiado de orientação didática do curso, poderá ser revista quando o indicarem a evolução da Economia e as necessidades de ensino.

Art. 4°. No desdobramento das matérias do currículo mínimo adotado pelas instituições, deverão ser observados os seguintes limites:

o número de horas/aula dedicado a cada matéria do currículo mínimo não poderá ser inferior a 60 (sessenta);

o número total de horas/aula do conjunto de matérias do currículo mínimo e das disciplinas, em que estas se desdobrarem, não poderá exceder a 2.160 (duas mil cento e sessenta), ou seja, 80% do mínimo estabelecido no Art. 1°.

o número total de horas/aula das matérias de Formação Geral do currículo mínimo (Art. 2º, item I), e das disciplinas em que estas se desdobrarem, não poderá exceder a 720 (setecentos e vinte);

as matérias Teoria Macroeconômica e Teoria Microeconômica e seus desdobramentos deverão corresponder, em seu conjunto, a pelo menos 240 (duzentos e quarenta) horas/aula;

as Matérias de Formação Histórica (Art. 2°, item II B) e seus desdobramentos deverão corresponder, em seu conjunto, a pelo menos 300 (trezentas) horas/aula;

o desenvolvimento da Monografia (Art. 2º, item II C, nº 24) deverá corresponder a pelo menos 240 (duzentos e quarenta) horas.

Parágrafo Único - No caso da Monografia, a carga horária corresponderá ao período dedicado a atividades relacionadas à elaboração do trabalho de graduação (Art. 6°), efetuadas sob a orientação do professor responsável.

Art. 5º. As instituições de ensino acrescentarão outras disciplinas às resultantes dos desdobramentos das matérias do currículo mínimo, formando assim seu currículo pleno, de forma a atender a vocação e interesse dos corpos docente e discente, e a peculiaridades regionais.

Parágrafo Único - Na fixação do currículo pleno, as instituições de ensino deverão oferecer um elenco de disciplinas optativas, aberto à escolha do estudante, de tal forma a propiciar flexibilidade na estrutura do curso e certo grau inicial de especialização.

Art. 6º. A Monografia consistirá de um trabalho de graduação, a ser elaborado individualmente pelo estudante, sob a orientação de um professor, e submetido à aprovação formal de uma comissão de professores, designada pelo colegiado do curso ou órgão equivalente.

Parágrafo Único - Só poderão candidatar-se à elaboração da Monografia os alunos que já tiverem completado pelo menos 1.800 (mil e oitocentas) horas/aula do currículo pleno (ou sejam, dois terços no mínimo fixado no Art. I º).

Art. 7º. A definição do currículo pleno e a fixação dos programas de cada disciplina, assim como seu ensino, deverão obedecer aos seguintes princípios:

o curso de Ciências Econômicas deverá estar comprometido com o estudo da realidade brasileira, sem prejuízo de uma sólida formação teórica, histórica e instrumental;

o curso deverá caraterizar-se pelo pluralismo metodológico, em coerência com o caráter plural da Ciência Econômica, formada por correntes de pensamento e paradigmas diversos;

no ensino das várias disciplinas do curso deverá ser enfatizada a importância fundamental das interelações ligando os fenômenos econômicos ao todo social em que se inserem;

dever-se-á transmitir ao estudante, ao longo do curso, o senso ético de responsabilidade social que deverá nortear o exercício futuro de sua profissão.

Art. 8°. O currículo mínimo fixado nesta Resolução vigorará para os estudantes que iniciarem seu curso a partir de 1985.

Parágrafo Único - Excepcionalmente, as instituições poderão adaptar ao novo currículo os cursos dos alunos que ingressarem durante a sua vigência no segundo ciclo ou ciclo de formação profissional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1999
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br