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PROCESSOS DE RECONTEXTUALIZAÇÃO DO NOVO ENSINO MÉDIO NO RIO GRANDE DO SUL

PROCESSES OF RECONTEXTUALIZATION OF THE NEW HIGH SCHOOL IN RIO GRANDE DO SUL

PROCESOS DE RECONTEXTUALIZACIÓN DE LA SECUNDARIA EN RIO GRANDE DO SUL

RESUMO

O artigo resulta de uma pesquisa de pós-doutoramento em Educação desenvolvida ao longo de 2021 cujo objetivo consistiu em compreender o processo de recontextualização da reforma atual do ensino médio (Lei nº 13.415/2017) na experiência de escolas piloto localizadas na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Utilizou-se a perspectiva analítica da recontextualização desenvolvida por Bernstein (1996) para examinar os dados da pesquisa empírica, que integrou 91 sujeitos participantes distribuídos em 50 escolas, em 41 cidades do estado. De maneira geral, as proposições oficiais da reforma do ensino médio sofreram seleção, incorporação parcial, descontextualização e atribuição de sentido adicional no campo da prática.

Palavras-chave
Reforma do ensino médio; Lei nº 13.415/2017; Recontextualização

ABSTRACT

The article results from a post-doctoral investigation in Education developed over 2021 whose objective was to understand the process of recontextualization of the current reform of high school (Law no. 13.415/2017) in the experience of pilot schools located in the state public education network of Rio Grande do Sul. The analytical perspective of recontextualization developed by Bernstein (1996) was used to examine the data from the empirical research that integrated 91 participating subjects distributed in 50 schools in 41 cities of the state. In general, the official propositions of the high school reform suffered selection, partial incorporation, decontextualization, and attribution of additional meaning in the field of practice.

Keywords
High school reform; Law 13.415/2017; Recontextualization

RESUMEN

El artículo es el resultado de una investigación de posdoctorado en Educación desarrollada a lo largo de 2021, cuyo objetivo fue comprender el proceso de recontextualización de la actual reforma de la Enseñanza Media (Ley 13.415/2017) en la experiencia de las escuelas piloto ubicadas en el sector público estatal red de educación en Rio Grande do Sul/Brasil. Se utiliza la perspectiva analítica de recontextualización desarrollada por Bernstein (1996) para examinar los datos de la investigación empírica que integró 91 sujetos participantes distribuidos en 50 escuelas ubicadas en 41 ciudades del estado. En general, las propuestas oficiales de reforma de la Enseñanza Media sufrieron selección, incorporación parcial, descontextualización y atribución de sentido adicional en el campo de la práctica.

Palabras-clave
Reforma de la escuela secundaria; Ley 13.415/2017; Recontextualización

O artigo resulta do projeto de pesquisa intitulado O “Novo Ensino Médio”: experiências e narrativas de recontextualização na rede pública do estado do Rio Grande do Sul, desenvolvido pelo autor durante seu estágio de pós-doutoramento em Educação, sob supervisão da professora doutora Monica Ribeiro da Silva, na linha de pesquisa Políticas Educacionais do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. A pesquisa contou com auxílios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul.

Introdução

Como consta nas reformulações realizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) pela Lei nº 13.415/2017, o currículo do novo ensino médio brasileiro foi dividido em duas partes. A primeira é determinada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja carga horária ficou fixada em até 1.800 horas, destinadas à formação básica comum. A segunda é a parte diversificada, composta de cinco itinerários formativos1 1 Na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul também está sendo utilizado o termo percurso para referir-se ao itinerário. , sendo quatro distribuídos por área do conhecimento e um de formação técnico-profissional, ampliando a carga horária total do ensino médio de 2.400 horas para 3 mil horas.

O novo texto da LDB informa que são os sistemas e instituições de ensino que oferecerão um número mínimo de itinerários para realizar a escolha por parte do estudante. Ou seja, as alterações asseveram que os itinerários “deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Brasil, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em: 3 mar. 2022.
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). Como efeito prático, cada estado, rede e instituição de ensino é quem define qual(is) itinerário(s) formativo(s) será(ão) disponibilizado(s), possibilitando, por exemplo, que um/a aluno/a que estude em uma escola onde não seja oferecido determinado itinerário e não tenha meios para se deslocar para uma comunidade escolar que o disponha não tenha oportunidade de escolha para cursar o percurso de sua preferência (Silveira; Silva; Oliveira, 2021SILVEIRA, É. S.; SILVA, M. R.; OLIVEIRA, F. L. B. Reformas, docência e violência curricular: uma análise a partir do “Novo Ensino Médio”. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. esp. 3, p. 1562-1585, 2021. https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3.15298
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, p. 1564).

O novo ensino médio recupera o discurso da década de 1990 referente às competências, “que reintroduz os limites já identificados em pesquisas anteriores, dentre eles o de que tal abordagem se mostra limitada por seu caráter pragmático e a-histórico” (Silva, 2018aSILVA, M. R. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em Revista, v. 34, e214130, out. 2018a. https://doi.org/10.1590/0102-4698214130
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, p. 1). Padronização, formação administrada, enfraquecimento do ensino médio como educação básica (Silva, 2015SILVA, M. R. Perspectiva analítica para o estudo das políticas curriculares: processos de recontextualização. In: JORNADAS LATINOAMERICANAS DE ESTÚDIOS EPISTEMOLÓGICOS EN POLÍTICA EDUCATIVA, 2., 2014. Anais [...]. Curitiba, ago. 2014. Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-content/uploads/2014/04/ARTIGO-SILVA-RECONTEXTUALIZA%C3%87%C3%83O-DE-PE-RELEPE-2014-PUBL.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
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; 2018aSILVA, M. R. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em Revista, v. 34, e214130, out. 2018a. https://doi.org/10.1590/0102-4698214130
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; 2018bSILVA, M. R. O golpe no ensino médio em três atos que se completam. In: AZEVEDO, J. C.; REIS, J. T. (org.). Políticas educacionais no Brasil pós-golpe. Porto Alegre: Editora Universitária Metodista IPA, 2018b. p. 41-54.; Silva; Scheibe, 2017SILVA, M. R.; SCHEIBE, L. Reforma do ensino médio. Pragmatismo e lógica mercantil. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 19-31, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.769
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) e perda de conteúdos, de disciplinas e de autonomia estão entre os problemas que perpassam a atual reforma.

Em 2018, pela Portaria nº 649, o Ministério da Educação criou o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, pelo qual foram designadas, em 21 das 27 unidades da federação, escolas piloto do novo ensino médio. “O objetivo do Programa é o de dar suporte financeiro à implementação da BNCC e dos itinerários formativos, bem como à ampliação da carga horária total para um mínimo de 3.000 horas em 3 anos”, e “os repasses dos recursos financeiros são feitos via [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] FNDE diretamente às escolas, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)” (Silveira; Silva; Oliveira, 2021SILVEIRA, É. S.; SILVA, M. R.; OLIVEIRA, F. L. B. Reformas, docência e violência curricular: uma análise a partir do “Novo Ensino Médio”. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. esp. 3, p. 1562-1585, 2021. https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3.15298
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, p. 1565).

No Rio Grande do Sul, inicialmente, no ano de 2018, foram escolhidas 299 escolas piloto, porém ao longo do processo, em 2019, apenas 264 escolas indicadas aderiram à nova matriz curricular, ofertando itinerários formativos. Entre elas, 12 eram de ensino médio de tempo integral, que não implementaram a reforma em razão de suas particularidades, como o fato de já possuírem matriz própria. Além disso, outras 23 escolas não propiciaram a escolha dos itinerários aos alunos no ano de 2020 em virtude das dificuldades impostas pela pandemia, diminuindo o número de escolas piloto para 241 instituições.

Tomando o conjunto de escolas piloto do novo ensino médio no Rio Grande do Sul, a pesquisa desenvolvida baseou-se na seguinte problemática: como ocorre a recontextualização do novo ensino médio no campo da prática em escolas piloto da rede pública estadual do Rio Grande do Sul? O objetivo geral desta investigação consistiu em compreender o processo de recontextualização da reforma atual do ensino médio na experiência de escolas piloto localizadas na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Os objetivos específicos visaram:

  • Analisar os enunciados das principais proposições que caracterizam o discurso oficial;

  • Compreender como esses enunciados são recontextualizados nas escolas, como seus sujeitos interpretam e ressignificam os dispositivos normativos ou instrucionais no campo da prática.

Metodologicamente, buscamos identificar as formas como os sujeitos das escolas interpretam e ressignificam os dispositivos instrucionais do novo ensino médio a fim de compreender a atuação dessa política no campo da prática. Para tanto, fundamentamo-nos na perspectiva analítica da recontextualização desenvolvida por Bernstein (1996)BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., que vem contribuindo para a análise de políticas curriculares no Brasil. Essa perspectiva, conforme explicou Silva (2014, p. 3)SILVA, M. R. Perspectiva analítica para o estudo das políticas curriculares: processos de recontextualização. In: JORNADAS LATINOAMERICANAS DE ESTÚDIOS EPISTEMOLÓGICOS EN POLÍTICA EDUCATIVA, 2., 2014. Anais [...]. Curitiba, ago. 2014. Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-content/uploads/2014/04/ARTIGO-SILVA-RECONTEXTUALIZA%C3%87%C3%83O-DE-PE-RELEPE-2014-PUBL.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
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, implica “investigar os modos particulares por meio dos quais ela [a escola] se apropria das políticas e práticas culturais [...], produz novas práticas e as formaliza”. Nesse sentido, não há relação direta entre os textos normativos da política e sua prática. A processualidade da política, no campo da prática, sofre diferentes recontextualizações, caracterizadas por “procedimentos de seleção e de deslocamento de significados” nos processos de “transferência do texto curricular de um contexto para outro” (Silva, 2014SILVA, M. R. Perspectiva analítica para o estudo das políticas curriculares: processos de recontextualização. In: JORNADAS LATINOAMERICANAS DE ESTÚDIOS EPISTEMOLÓGICOS EN POLÍTICA EDUCATIVA, 2., 2014. Anais [...]. Curitiba, ago. 2014. Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-content/uploads/2014/04/ARTIGO-SILVA-RECONTEXTUALIZA%C3%87%C3%83O-DE-PE-RELEPE-2014-PUBL.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
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, p. 4).

O estudo das políticas educacionais em geral e das políticas curriculares em particular não se esgota na análise dos documentos propositivos, ou mesmo nos processos pelos quais são elaborados. Tal estudo requer investigar os processos por meio dos quais tais proposições são submetidas à discussão nos momentos em que a escola e seus sujeitos dialogam com os dispositivos normativos oficiais, com suas referências explícitas ou implícitas, momentos estes em que se manifestam intenções de aceitação e resistência, momentos ao mesmo tempo partilhados e contrastantes, que evidenciam processos de continuidades e rupturas, representados por novos discursos e práticas, híbridos entre o “novo” e o “velho”, entre o que muda e o que permanece

(Silva, 2014SILVA, M. R. Perspectiva analítica para o estudo das políticas curriculares: processos de recontextualização. In: JORNADAS LATINOAMERICANAS DE ESTÚDIOS EPISTEMOLÓGICOS EN POLÍTICA EDUCATIVA, 2., 2014. Anais [...]. Curitiba, ago. 2014. Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-content/uploads/2014/04/ARTIGO-SILVA-RECONTEXTUALIZA%C3%87%C3%83O-DE-PE-RELEPE-2014-PUBL.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
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, p. 4).

Com base na perspectiva da recontextualização, os procedimentos de pesquisa e análise adotados precisaram considerar dois principais campos e suas inter-relações. Um deles pode ser chamado de “campo recontextualizador oficial”, composto de diferentes agentes e de um discurso pedagógico oficial (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.) – “são as regras oficiais que regulam a produção, distribuição, reprodução e inter-relação e mudança dos discursos pedagógicos legítimos, bem como os conteúdos [...] e o modo de transmissão” (Mainardes; Stremel, 2010MAINARDES, J.; STREMEL, S. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais curriculares. Revista Teias, v. 11, n. 22, p. 31-54, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24114/17092. Acesso em 20 ago. 2022.
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, p. 43). O campo de recontextualização oficial, como explicam Mainardes e Stremel (2010, p. 43)MAINARDES, J.; STREMEL, S. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais curriculares. Revista Teias, v. 11, n. 22, p. 31-54, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24114/17092. Acesso em 20 ago. 2022.
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, “tem o objetivo de estabelecer um conjunto de conhecimentos específicos e práticas pedagógicas reguladoras a serem transmitidas pelas escolas”. O outro campo pode ser nomeado de “recontextualização pedagógica”, igualmente constituído de diferentes agentes, e “tem a função decisiva de criar a autonomia fundamental da educação” (Mainardes; Stremel, 2010MAINARDES, J.; STREMEL, S. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais curriculares. Revista Teias, v. 11, n. 22, p. 31-54, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24114/17092. Acesso em 20 ago. 2022.
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, p. 44). Os dois campos influenciam e disputam a “configuração do discurso pedagógico” e, embora inter-relacionados, têm certa autonomia. Todavia, é no campo da recontextualização pedagógica que um texto ou discurso “sofre uma transformação ou reposicionamento adicional na medida em que se torna ativo no processo pedagógico” (Mainardes; Stremel, 2010MAINARDES, J.; STREMEL, S. A teoria de Basil Bernstein e algumas de suas contribuições para as pesquisas sobre políticas educacionais curriculares. Revista Teias, v. 11, n. 22, p. 31-54, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24114/17092. Acesso em 20 ago. 2022.
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, p. 44).

Haja vista essa perspectiva de análise, buscamos um procedimento para a coleta ou produção de dados que permitisse captar os códigos pelos quais a recontextualização se manifesta. Na sociologia de Bernstein (1996)BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., o conceito de código é fundamental. Para o autor, trata-se de “um princípio regulativo, tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de realização e contextos evocadores” (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 143). Bernstein (1996, p. 14)BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996. reconhece que “o conceito de código tem alguma relação com o conceito de habitus de Bourdieu”, entretanto diferencia-se do conceito deste no seguinte aspecto: “No processo de aquisição de códigos específicos, adquirem-se princípios de ordem, mas também, ao mesmo tempo, princípios tácitos de desordenamento dessa ordem” (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 14).

Nesse sentido, todo processo de recontextualização envolve, variavelmente, descontextualização e deslocamentos de sentido entre o que é proposto na política e o que é praticado nas escolas. Assim, a rigor, identificamos a recontextualização quando reconhecemos os códigos pelos quais os sujeitos e os documentos expressam seleção, descontextualização, deslocamento de sentido e atribuição de sentido adicional (também denominado reposicionamento adicional). Essas foram as quatro subcategorias definidas previamente e empregadas para a análise dos dados, ainda que tenhamos trabalhado com uma subcategoria emergente, denominada neste artigo de associação com políticas anteriores, código específico que permitiu perceber em parte das respostas a manifestação de processos de recontextualização por hibridismo, como veremos no decorrer do artigo2 2 A noção de recontextualização por hibridismo também tem sido trabalhada em outras perspectivas teóricas e epistemológicas, sobretudo com base na difusão da abordagem do ciclo de políticas e da teoria da atuação das políticas, desenvolvida por Ball, Bowe e Gold (1992), Ball (1994) e Ball, Maguire e Braun (2016). No Brasil, Alice Casimiro Lopes é uma das pesquisadoras que investigaram “a potencialidade da recontextualização por hibridismo para entender a circulação de discursos e textos nos diferentes contextos de produção das políticas de currículo” (Lopes, 2016, p. 4). .

Teoricamente, baseamo-nos numa abordagem pela qual a Lei nº 13.415/2017, enquanto norma jurídica de uma política pública, se insere em uma processualidade que no campo da prática expressa maneiras distintas de recontextualização da política. Para além da implementação, partilhamos da perspectiva de que nenhuma política será simplesmente implementada, pois há uma distância muito grande entre a formulação e a prática. Por essa razão, entendemos que essa processualidade comunica diferentes processos de recontextualização, podendo essa processualidade ser percebida por meio dessa macrocategoria.

O primeiro procedimento metodológico consistiu na identificação e análise de documentos-referência que orientam e normatizam a implementação da reforma curricular do ensino médio nas referidas escolas piloto, buscando compreender o denominado campo recontextualizador oficial. O segundo procedimento envolveu a criação de um instrumento de coleta e produção de dados no formato de um questionário organizado no Google Forms, com questões abertas e fechadas, intitulado “Novo ensino médio: pesquisa com professores/as e gestores/as de escolas piloto no RS”.

O questionário foi composto de questões iniciais referentes ao conhecimento do participante sobre: a reforma do ensino médio; os documentos orientadores; e os itinerários formativos ofertados na escola. Em outro grupo de questões, buscamos identificar as narrativas de gestores e professores sobre o que mudou com a reforma, o que ela trouxe de inovação e como cada um desses profissionais avaliava essas mudanças. Elaboramos um par de questões sobre o Projeto de Vida, mais especificamente convidando os sujeitos a descreverem o que vem sendo feito nesse componente curricular e como o(a) docente avaliava o envolvimento dos alunos nessa disciplina. Também solicitamos aos sujeitos que citassem as principais dificuldades e desafios impostos pela reforma, incluindo a dimensão do trabalho docente. Perguntamos, ainda, quais formações os professores receberam com relação à reforma e quem as ministrava. Por fim, questionamos se o/a participante percebia semelhanças do novo ensino médio com outras políticas ou reformas e, caso positivo, quais eram elas.

A pesquisa contou com a autorização da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc), que manifestou sua anuência via e-mail. O questionário foi enviado para todas as 264 escolas piloto da rede pública estadual e suas Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), por e-mail, com a solicitação de que fosse direcionado apenas a gestores/as e professores/as de ensino médio, únicos sujeitos participantes da pesquisa. O envio às coordenadorias ocorreu no sentido de estas ajudarem a divulgar o questionário entre os/as professores/as de suas escolas piloto, não sendo obtidas respostas de professores alocados nas CREs. O instrumento também foi disponibilizado e divulgado em redes sociais virtuais. O formulário ficou aberto para respostas por aproximadamente três meses, em 2021, totalizando 91 sujeitos participantes. O percentual de respostas foi 61,5% de gestores/as e 38,5% de professores/as. A abrangência de participação com relação às CREs foi de 76,67%, incluindo 50 escolas piloto da rede pública estadual do Rio Grande do Sul, distribuídas em 41 cidades.

O processo de análise não foi regulado por um único método. A rigor, a análise pautou-se pela perspectiva analítica da recontextualização e por procedimentos de categorização, inferência e interpretação oriundos da análise de conteúdo (Bardin, 1979BARDIN, L. Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70, 1979.; Moraes, 1999MORAES, R. Análise de Conteúdo. Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, mar. 1999.; 2003; Gomes, 2015GOMES, R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2015. p. 79-108.) e da análise textual discursiva (Moraes; Galiazzi, 2016MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. 3. ed. Ijuí: Editora da Unijuí, 2016.). Assim, uma planilha do Excel foi gerada com todas as perguntas e respostas, considerada a planilha-base, gerada automaticamente do formulário Google Forms. Com base nela, foram criadas mais 16 planilhas, no mesmo software, a fim de realizar esse processo de fragmentação e categorização de cada uma das questões e/ou enfoques das perguntas.

Nesse processo de fragmentação por questão ou tema, foi possível observar as unidades de significado, os padrões de recorrência nas respostas e sua representação quantitativa. Chamamos de unidades de significado os termos-chave que expressavam os conteúdos nucleares de cada uma das respostas, em cada uma das questões. Trata-se de um processo de desmontagem dos textos, que também pode ser conhecido como processo de unitarização, que “implica examinar os materiais em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atingir unidades constituintes, [bem como os] enunciados referentes aos fenômenos estudados” (Moraes, 2003MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003. , p. 191). A rigor, as principais unidades de significado identificadas foram: itinerários formativos, mudanças curriculares, inovação, Projeto de Vida, associação com políticas curriculares anteriores, dificuldades enfrentadas, formação continuada, envolvimento estudantil e trabalho docente.

Por fim, buscou-se, em cada uma das planilhas, uma legenda com cores distintas para o posterior agrupamento de respostas e unidades de significado de acordo com as formas como os sujeitos expressaram a recontextualização.

Elementos do Discurso Oficial nos Documentos-Referência doNovo Ensino Médio

A leitura dos principais documentos-referência do novo ensino médio em nível nacional (Lei nº 13.415/2017; Resolução nº 3/2018, do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; Portaria nº 1.432/2018, que estabelece referenciais curriculares para a elaboração de itinerários formativos; e Portaria nº 649/2018, do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio) apontam como principais mudanças da reforma:

  • Aumento da carga horária total do ensino médio de 2.400 horas para 3 mil horas (1 mil horas anuais), e ampliação progressiva da carga horária anual total para o ensino médio diurno para 1.400 horas;

  • Currículo organizado por áreas do conhecimento e por competências e habilidades, incluindo as “aprendizagens essenciais socioemocionais”, com base na organização e no planejamento inter e transdisciplinar e na BNCC;

  • Currículo separado em duas partes, uma de formação geral básica de no máximo 1.800 horas; outra considerada diversificada, composta de até cinco itinerários formativos, sendo quatro referentes às quatro áreas do conhecimento e um relacionado à formação técnico-profissional de nível médio;

  • Obrigatoriedade apenas de língua portuguesa e matemática, únicos componentes curriculares considerados disciplinas em todos os anos do ensino médio. As demais disciplinas são tratadas como “estudos e práticas”, indicando haver, por parte dos formuladores da política, menor relevância no processo de formação das juventudes;

  • Currículo flexível e para a flexibilidade;

  • Discurso da escolha e do protagonismo juvenil como um princípio basilar do currículo;

  • Concepção de formação integral reduzida à formação por competências e à formação de sujeitos empreendedores;

  • Projeto de Vida como princípio-base que fundamenta as propostas pedagógicas das unidades escolares das redes;

  • Possibilidade de realização de parcerias público-privadas para a oferta de parte do currículo. A reforma também trouxe uma mudança no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por meio da qual foram alteradas algumas regras do financiamento público, sendo possível que os recursos também sejam usados para financiar essas parcerias com o setor privado;

  • Os itinerários formativos serão ofertados de acordo com a disponibilidade e as condições dos sistemas de ensino. Isto é, nenhuma escola fica obrigada a oferecer todos os itinerários ou mais de um deles;

  • Possibilidade de contratação de profissionais com notório saber para atuarem como professores no itinerário de formação técnica e profissional;

  • Possibilidade de oferecer até 80% da carga horária total a distância na modalidade de educação de jovens e adultos, tanto na formação geral básica quanto nos itinerários formativos;

  • Possibilidade de oferecer 20% da carga horária total a distância no ensino médio diurno, tanto na formação geral básica quanto nos itinerários formativos, podendo chegar até 30% no ensino médio noturno.

O discurso oficial, conforme expresso nos documentos, também defende que o novo ensino médio se faz necessário para que tenha mais sentido aos estudantes, para aprimorar seu desempenho e melhor prepará-lo para a cidadania e para o mundo do trabalho. Para tanto, os sistemas de ensino devem, entre outras orientações, “fomentar alternativas de diversificação e flexibilização curriculares” (Brasil, 2018dBRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2018d. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003-18/file. Acesso em: 9 mar. 2022.
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). As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), em seu artigo 26, determina que a proposta pedagógica das escolas deve garantir o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas fundamentadas no exercício da autonomia e da gestão democrática.

A proposta pedagógica das unidades escolares deve traduzir a proposta educativa construída coletivamente, garantida a participação efetiva da comunidade escolar e local, bem como a permanente construção da identidade entre a escola e o território no qual está inserida

(Brasil, 2018dBRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 2018d. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003-18/file. Acesso em: 9 mar. 2022.
http://portal.mec.gov.br/docman/novembro...
, p. 13).

Diferentemente do que ficou expresso nas DCNEM sobre possibilidade de construção coletiva das propostas pedagógicas, a experiência das escolas piloto no estado do Rio Grande do Sul revela significativa falta de autonomia, como também observaram Carvalho e Gonçalves (2021)CARVALHO, I. A. da S.; GONÇALVES, S. da R. V. Reflexões sobre a reforma do Ensino Médio – Lei 13.415/2017 – no Rio Grande do Sul. Reflexão e Ação, v. 29, n. 3, p. 190-204, 2021. https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/16405. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://online.unisc.br/seer/index.php/r...
e Silveira, Silva e Oliveira (2021)SILVEIRA, É. S.; SILVA, M. R.; OLIVEIRA, F. L. B. Reformas, docência e violência curricular: uma análise a partir do “Novo Ensino Médio”. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. esp. 3, p. 1562-1585, 2021. https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3.15298
https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3...
.

Na análise que segue, apresentamos algumas informações sobre o processo de implementação da reforma do ensino médio no estado do Rio Grande do Sul e o contato dos sujeitos da pesquisa com seus documentos-referência. Na sequência, explicamos a recontextualização da política no campo da prática por meio dos principais códigos pelos quais foi possível identificá-la: itinerários formativos, mudança e inovação; Projeto de Vida; associação com políticas curriculares anteriores; e trabalho docente.

O Novo Ensino Médio no Rio Grande Do Sul e o Contato dos Sujeitoscom Documentos-Referência da Reforma

O estado do Rio Grande do Sul, por indução gerada pelo Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio (Portaria nº 649, de 10 de julho de 2018), passou a elaborar e executar um Plano de Implementação do Novo Ensino Médio, conforme previsto. O objetivo geral do programa era dar suporte às unidades da federação na criação de seus planos de implementação. De acordo com o referido programa, os planos de implementação dos estados deveriam apresentar uma proposta curricular que contemplasse a BNCC, diferentes itinerários formativos e a ampliação da carga horária. As secretarias de Educação dos estados e do Distrito Federal deveriam ainda desenvolver mecanismos de responsabilização e pactuação de resultados. Quanto ao apoio financeiro previsto, as escolas piloto receberiam recursos conforme disposto na Portaria nº 1.024/2018, que definiu as diretrizes no âmbito do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio.

O repasse do recurso ocorre via PDDE, sendo composto de um valor fixo por escola, de R$ 20 mil, e de um valor flexível de aproximadamente R$ 170,00 por estudante do ensino médio. O valor foi dividido em três cotas, 20% em dezembro de 2018, 40% após aprovação de um documento a ser produzido pela escola, a Proposta de Flexibilização Curricular (PFC), e 40% na conclusão e entrega do PFC. No entanto, como demonstrou um estudo recente envolvendo escolas piloto no estado do Rio Grande do Sul,

[...] até o final de 2019, as escolas-piloto não haviam conseguido utilizar o recurso. Inicialmente, o site do PDDE não dava acesso para o preenchimento das informações necessárias. A SEDUC informou, ao longo do ano de 2019, que o dinheiro seria liberado posteriormente, mas o cronograma indicado inicialmente não foi cumprido

(Carvalho; Gonçalves, 2021CARVALHO, I. A. da S.; GONÇALVES, S. da R. V. Reflexões sobre a reforma do Ensino Médio – Lei 13.415/2017 – no Rio Grande do Sul. Reflexão e Ação, v. 29, n. 3, p. 190-204, 2021. https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/16405. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://online.unisc.br/seer/index.php/r...
, p. 197).

Como mencionado, cada escola piloto ficou incumbida de apresentar uma PFC a ser implementada em 2019. Nesse documento, as escolas deveriam expor suas propostas de flexibilização curricular, contemplando diferentes eixos: formação continuada, Projeto de Vida, atividades com foco no desenvolvimento de competências socioemocionais e protagonismo juvenil, identificação dos interesses dos estudantes para a oferta de itinerários formativos, plano de utilização dos recursos e de monitoramento e avaliação do PFC (Portaria nº 1.024/2018). Também foi exigido que as ações de flexibilização curricular, em 2019, mobilizassem duas ou mais áreas do conhecimento e/ou formação técnica profissional, “com o intuito de construir as condições da oferta de itinerários formativos em 2020” (Portaria nº 1.024/2018).

No Rio Grande do Sul, os itinerários foram apresentados como temáticas mediante as quais um conjunto de unidades curriculares buscou articular duas ou mais áreas do conhecimento e/ou formação técnico-profissional, conforme previsto na Portaria nº 1.024/2018, que definiu as diretrizes do apoio financeiro por meio do PDDE às escolas participantes do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio. No entanto, diferentemente do previsto na Portaria nº 1.024/2018, os Referenciais Curriculares para a Elaboração dos Itinerários Formativos, publicados em um novo dispositivo normativo (Portaria nº 1.432/2018), orientaram que os itinerários fossem compostos de uma ou mais áreas do conhecimento ou da formação técnica e profissional. No caso do Rio Grande do Sul, os itinerários implementados seguiram a orientação da Portaria nº 1.024/2018, o que explica o fato de os componentes curriculares da parte diversificada do currículo terem sido distribuídos entre duas áreas do conhecimento. Em geral, cada um dos dez itinerários introduziu no currículo um conjunto muito amplo de novas disciplinas totalmente estranhas aos docentes e às comunidades escolares, como veremos com mais detalhes na sequência.

A indicação das escolas piloto no estado do Rio Grande do Sul ocorreu ainda em 2018, e os critérios para tanto eram: desempenho das escolas nas avaliações externas (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul); escolas com alta vulnerabilidade social; escolas de ensino médio referência em seu município, isto é, que fossem a única escola do município a ofertar ensino médio; e escolas localizadas na zona rural.

As CREs foram orientadas pela Seduc para evidenciar nas escolas a relevância do processo de escolha dos itinerários formativos, considerado um elemento “importante para o desenvolvimento da autonomia do estudante e para o fortalecimento de sua identidade enquanto indivíduo” (MC-L51)3 3 Resistência, para Giroux (1986, p. 145), “é um construto teórico e ideológico que fornece um foco importante para se analisar as relações entre a escola e a sociedade maior”. Trata-se de uma categoria que “representa um modo de discurso que rejeita as explicações tradicionais do fracasso escolar e do comportamento de oposição” (Giroux, 1986, p. 146). Essa noção de resistência, nas palavras do autor, permite entender “as maneiras complexas pelas quais as pessoas medeiam e respondem à intersecção de suas próprias experiências de vida com as estruturas de dominação e coerção” (Giroux, 1986, p. 146). Giroux (1986) identifica categorias centrais que vão emergir da resistência: a intencionalidade, a consciência, o significado do senso comum e a natureza e o valor do comportamento não discursivo. Além delas, o autor acrescenta a esperança, algo “inerente à noção radical de resistência”, um elemento de “transcendência para a transformação radical” (Silveira, 2022, p. 194). Como consideramos que nossos dados de pesquisa não nos permitem fazer esse tipo de análise, julgamos pertinente não chamar as críticas apresentadas pelos sujeitos de resistência. . Todavia, cada uma das escolas piloto indicada oferta apenas dois itinerários formativos e os alunos optam por um deles, e, para oferecer dois itinerários, é necessário que a escola tenha capacidade estrutural e número de alunos optantes suficiente para formar as turmas. Caso contrário, desenvolverá e disponibilizará somente um itinerário.

O processo de atuação do novo ensino médio na rede pública estadual do Rio Grande do Sul começou em 2019, quando as escolas indicadas iniciaram um exercício de flexibilização curricular, com 100 minutos semanais. Nesses minutos, os alunos deveriam experimentar diferentes oficinas e atividades dentro da escola, com temas que partissem de seus centros de interesse e da comunidade escolar. A intenção divulgada na época era mapear a temática dos itinerários na comunidade. Isso porque havia o discurso de que os futuros itinerários da parte diversificada do currículo deveriam emergir da própria escola, considerando o mapeamento de interesses dos jovens em questionário da Seduc aplicado e analisado naquele ano com alunos dos 8º e 9º anos do ensino fundamental, alunos do ensino médio, professores e comunidade.

Com relação a esse mapeamento, como apontaram Carvalho e Gonçalves (2021, p. 200)CARVALHO, I. A. da S.; GONÇALVES, S. da R. V. Reflexões sobre a reforma do Ensino Médio – Lei 13.415/2017 – no Rio Grande do Sul. Reflexão e Ação, v. 29, n. 3, p. 190-204, 2021. https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/16405. Acesso em: 9 mar. 2022.
https://online.unisc.br/seer/index.php/r...
, “pode-se considerar que houve por parte da Secretaria de Educação um redirecionamento no processo. Inicialmente, foi informado que as escolas teriam liberdade de escolher a forma como fariam este levantamento”. Além disso, muitas perguntas induziam determinadas respostas sem revelar a realidade da escola e do currículo. Também em 2019, cada CRE passou a contar com um assessor referência para o novo ensino médio, e cada escola piloto passou a ter um docente articulador da reforma curricular.

No entanto, antes mesmo de a escola concluir sua experiência de flexibilização curricular, no segundo semestre de 2019 houve uma determinação da Seduc de que essas experiências deveriam ser realizadas em dez temas específicos, vinculados aos itinerários assumidos pela rede. Então, nem todas as escolas piloto conseguiram manter as temáticas que estavam emergindo na experiência da flexibilização curricular como núcleo temático de seus itinerários. Ao fim e ao cabo, não tiveram a autonomia de construir ou definir os itinerários formativos. Os dez itinerários implementados nas escolas piloto foram: Cidadania e Gênero; Educação Financeira; Empreendedorismo; Expressão Corporal; Expressão Cultural; Profissões; Relações Interpessoais; Saúde; Sustentabilidade; e Tecnologia.

Ao serem questionados se tinham ciência de que a escola era uma das escolas piloto do novo ensino médio, 96% dos participantes responderam que sim e 4% disseram que não sabiam disso. Quando perguntamos quais documentos foram lidos sobre a reforma, 22 pessoas (24,2%) não souberam responder à pergunta. Os documentos mais citados nas respostas foram: BNCC (45,1%); matrizes curriculares referência da rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul (12,1%); Referencial Curricular Gaúcho (8,8%); Lei nº 13.415/2017 (7,7%); e DCNEM (7,7%). Além disso, 11% dos participantes responderam que leram “documentos encaminhados pela CRE e/ou Seduc” – pelo que pôde ser observado nas respostas de algumas CREs, trata-se dos principais dispositivos normativos nacionais do novo ensino médio. Entre as respostas com menores índices de recorrência, foram mencionados, por exemplo, “lives e vídeos de formação” (6,6%), “Guia de Implementação do Novo Ensino Médio” (4,4%), “artigos científicos” (1,1%) e “Constituição de 1988 (1,1%)”.

No tocante aos documentos referidos pelos participantes da pesquisa, destacou-se a diversidade de respostas. A rigor, houve recorrência de citação dos dispositivos normativos nacionais, principalmente entre os(as) gestores(as). Quando as respostas emanavam dos(as) professores(as), a diversidade delas era muito superior, permitindo inferir que nem todos os documentos oficiais chegavam até o(a) professor(a), sendo a BNCC o mais citado entre gestores(as) e professores(as).

Itinerários Formativos, Mudança e Inovação

A apropriação da noção de itinerários formativos também ocorreu de diferentes formas. Ainda que a maioria dos sujeitos tenha dito corretamente o nome dos itinerários formativos de sua escola, o conjunto de respostas permite compreender que, no campo da prática, há falta de informações, confusão e incertezas sobre o que são os itinerários e como eles são concebidos, indicando descontextualização e deslocamento de sentido com relação ao campo oficial. Conforme demonstramos em seções anteriores, houve quem respondesse que o itinerário formativo de sua escola era o componente curricular Projeto de Vida, assim como aqueles/as que disseram que os itinerários formativos eram determinados conteúdos e ações pedagógicas específicos do novo currículo. Até mesmo reuniões pedagógicas foram consideradas itinerários formativos.

Com relação aos itinerários, o discurso da escolha – ilusão criada para legitimar a reforma e o sistema de dominação e de dualidade que ela representa – também foi problematizado nas respostas. Um dos sujeitos destacou: “[O novo ensino médio] não promove possibilidade de escolha, pois a escola só pode oferecer um itinerário formativo”. Outro asseverou:

Os conceitos básicos de cada área do conhecimento precisam ser abordados [referindo-se ao que se perdeu relativamente à formação geral básica, limitada em até 1.800 horas], para que o aluno tenha possibilidade de escolha. Da forma como foi apresentado o novo ensino médio, as lacunas serão muitas na formação dos alunos.

Outros, por sua vez, citaram a possibilidade de escolha como uma mudança trazida pelo novo ensino médio, incorporando e/ou reproduzindo o sentido presente no discurso oficial da escolha, relacionado à mudança e à inovação curricular no ensino médio.

Sobre o discurso da escolha, vale destacar a observação de Krawczyk e Ferretti (2017, p. 36)KRAWCZYK, N.; FERRETTI, C. J. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 33-44, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.757
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, quando explicam que a flexibilização é “a palavra de ordem” do novo ensino médio. Segundo a autora e o autor, o termo vem sendo utilizado “para se opor a uma estrutura estatal de proteção do trabalho e de proteção social” (Krawczyk; Ferretti (2017, p. 36)KRAWCZYK, N.; FERRETTI, C. J. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 33-44, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.757
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. Constatam que o uso do termo flexibilização tem sido sedutor,

[...] porque remete, na fantasia das pessoas, à autonomia, livre escolha, espaço de criatividade e inovação. Mas flexibilização pode ser também desregulamentação, precarização, instabilidade da proteção contra a concentração da riqueza material e de conhecimento, permitindo a exacerbação dos processos de exclusão e desigualdade social

(Krawczyk; Ferretti, 2017KRAWCZYK, N.; FERRETTI, C. J. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 33-44, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.757
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, p. 36).

Outro código pelo qual percebemos a recontextualização nas respostas dos sujeitos diz respeito às mudanças introduzidas pelo novo ensino médio. Foi possível apreender certa divergência entre as interpretações e as percepções das instituições quanto às mudanças ocorridas no currículo do ensino médio com a reforma. De maneira geral, as proposições oficiais sofreram seleção, incorporação parcial, descontextualização ou atribuição de sentido adicional no campo da prática.

O diálogo dos sujeitos com os dispositivos normativos aconteceu de formas diferentes entre as escolas. Para alguns sujeitos, as principais mudanças trazidas pelo novo ensino médio foram um currículo com maior conexão com a realidade e maior vínculo entre teoria e prática; para outros, a mudança estava no fato de que as aulas se tornam mais atraentes; para outros, as principais mudanças foram os itinerários formativos e a diminuição da carga horária de suas disciplinas específicas de formação geral. Em 60% das respostas obtidas, apareceram críticas quando solicitamos aos sujeitos que falassem acerca das mudanças trazidas com a reforma curricular. Para muitos, houve a “inclusão de matérias desnecessárias” e a diminuição de carga horária de disciplinas importantes com o limite imposto de até 1.800 horas de formação geral comum vinculada à BNCC.

Do conjunto de respostas para a pergunta sobre a percepção dos participantes quanto às mudanças ocorridas, 42 respostas (46,15%) consideraram as mudanças negativas; 36 (39,56%), positivas; e 13 (14,29%) poderiam ser classificadas como “respostas neutras”. É importante perceber que a avaliação dos participantes como “positiva” e “negativa” foi diferente quando se comparam as respostas de gestores(as) e de professores(as). Enquanto 57,14% dos(as) gestores(as) avaliaram a reforma curricular como positiva, apenas 28,57% dos(as) professores(as) tiveram o mesmo posicionamento.

Ao fragmentar todas as respostas e/ou comentários das questões relativas às mudanças citadas pelos sujeitos e categorizá-las, consideramos que uma mesma resposta poderia representar mais de uma subcategoria. Desse modo, em 60% das respostas do instrumento apareceram críticas quando solicitamos aos sujeitos que falassem sobre as mudanças trazidas com a reforma curricular. Esse grupo de respostas foi categorizado em uma subcategoria emergente denominada de “crítica ou comportamento de oposição”, sendo empregada como um marcador de identificação de todos os trechos que apresentaram críticas, queixas ou comportamento de oposição ao novo ensino médio. Vale destacar que preferimos utilizar as expressões “comportamento de oposição”, e não “resistência”, ao levar em conta as observações de Giroux (1986)GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. sobre esses dois termos.

De forma geral, para esse grupo de professores(as) e gestores(as) houve “inclusão de matérias desnecessárias” e diminuição de carga horária de disciplinas importantes. A diminuição de carga horária ou mesmo o desaparecimento de determinados componentes curriculares na composição da formação geral comum vinculada à BNCC foram os fatores que mais apareceram nas críticas realizadas. Vejamos alguns exemplos deste conjunto de respostas:

Penso ser um absurdo algumas turmas não terem aulas de Literatura. Poucas aulas de Língua Portuguesa e Matemática

(MC-L51)4 4 A identificação dos sujeitos será realizada de acordo com a categorização utilizada nas planilhas de organização e análise das fontes. Nesse caso, por exemplo, a sigla MC-L51 indica a resposta/o sujeito localizada/o na planilha correspondente à categoria Mudança, subcategoria Crítica, Linha 51. .

A matriz Curricular que é precária. Não se ensina, na prática, nada de útil. Pipocamos assuntos, mas como foi retirado disciplinas do núcleo comum, eles não têm base para se aprofundar nas disciplinas dos itinerários. Sem contar que os conteúdos elencados para as disciplinas dos itinerários em sua maioria não condizem com a realidade, com a prática, com o que é realmente importante

(MC-L56).

As novas disciplinas que para isso deveria ser turno integral para não mexer com a carga horária de outras disciplinas do núcleo comum que são de suma importância

(MC-L63).

Implementação de novos componentes e diminuição de carga de componentes tradicionais. Livros didáticos por área (que considero ser pouco provável que algum professor usará – até agora ouvi apenas que eles ficaram terrivelmente confusos e rasos em conteúdo)

(MC-L85).

Percebo como uma forma de aumento das desigualdades. A escola pública, com uma formação mínima; e creio que logo algumas empresas irão ofertar os itinerários. Isso caracteriza a privatização do ensino público. Entretanto, haverá a escola privada, com oferta dos componentes tradicionais que irão preparar para os vestibulares mais disputados e com uma formação integral do ser humano que contemplará as artes, linguagens, humanidades e ciências da natureza

(MC-L99).

Temos uma nova BNCC, temos novos referenciais curriculares estaduais e com a matriz curricular do novo ensino médio não conseguimos trabalhar nada desses documentos. Não conseguimos nos aprofundar. E enquanto um aluno de escola privada tem quatro períodos de física, por exemplo, por ano do ensino médio, nós somos obrigados a ofertar apenas um semanal a cada ano. Aí fica o questionando: estamos formando o que mesmo? Por que não aumentar a carga horária de química, física e biologia e garantir a execução da BNCC nas escolas? Todos os conteúdos dos itinerários poderiam ser trabalhados nessas disciplinas e com mais propriedade do que os conteúdos que estão listados nos itinerários

MC-L147).

As críticas revelam o quanto o currículo do novo ensino médio pode ser violento para com as juventudes e seus/suas professores/as, porque a flexibilização e a fragmentação criadas pela inclusão dos itinerários negam o direito de formação comum (Silva; Scheibe, 2017SILVA, M. R.; SCHEIBE, L. Reforma do ensino médio. Pragmatismo e lógica mercantil. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 19-31, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.769
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), privando os/as jovens de escolas públicas de conhecimentos produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história e que constituem, portanto, seus patrimônios culturais (Silveira; Moretti, 2017SILVEIRA, É. S.; MORETTI, C. Z. Ensino médio para quem? A falácia do discurso da escolha e o reforço da dualidade estrutural. Revista Textual, Porto Alegre, p. 30-35, maio 2017.)5 5 A dimensão da violência curricular expressa no novo ensino médio foi recentemente analisada no artigo de Silveira, Silva e Oliveira (2021). . As denúncias, nessas críticas, anunciam o “enfraquecimento do sentido do Ensino Médio como ‘educação básica’” (Silva, 2018aSILVA, M. R. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em Revista, v. 34, e214130, out. 2018a. https://doi.org/10.1590/0102-4698214130
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, p. 4) e apontam outras contradições da reforma relacionadas à falta de infraestrutura e condições de trabalho docente, bem como a incoerência do discurso da possibilidade de aprofundamento de conhecimentos por meio dos itinerários, porque, para ocorrer tal aprofundamento, seria necessário antes garantir formação de base mais sólida, o que ficou inviabilizado com o limite imposto de até 1.800 horas para essa formação.

Ao observarmos as matrizes curriculares das escolas piloto da rede estadual do Rio Grande do Sul, também percebemos que em todas elas houve acréscimo de 12 novos componentes curriculares nos percursos formativos que compõem a parte diversificada e diminuição considerável da carga horária dos componentes correspondentes à formação comum. Literatura e Arte, por exemplo, ficaram reduzidas a um único período semanal6 6 Um período semanal de aula se refere a 50 minutos de aula. de aula, apenas no 1º ano do ensino médio; Física, Biologia, Educação Física, Sociologia e Química foram reduzidas a um único período semanal de aula, apenas no 1º e no 2º ano. No itinerário formativo denominado Expressão Cultural, por exemplo, o(a) estudante do 2º ano teve três períodos semanais em uma disciplina chamada Manifestações Culturais, três períodos semanais de Vivendo em Ambientes Extremos e três períodos semanais de Repertório Cultural, enquanto teve um único período semanal para a maior parte dos componentes curriculares tradicionais da formação geral e nenhum período de Arte e Literatura. Considerando esse exemplo, no 3º ano os estudantes não têm nenhuma aula de Arte, Educação Física, Língua Estrangeira, Literatura, Filosofia, Sociologia, Biologia e Química, enquanto terão mais de um período semanal para as disciplinas Festas Populares, Eventos Culturais, entre outras completamente estranhas e genéricas no ambiente escolar.

Uma ponderação importante nessa subcategoria de análise diz respeito ao fato de que o sentido de inovação veiculado no campo oficial é ressignificado no campo de recontextualização pedagógica, isto é, no campo da prática do ambiente escolar. O discurso oficial da reforma ou propagado pelos seus defensores e formuladores busca atribuir às mudanças implementadas um sentido de inovação positiva baseado na flexibilização, na ideia de “novidade” e de escolha dos itinerários formativos com temáticas que, em tese, deixariam o ensino médio mais atrativo. No entanto, considerando que 60% dos sujeitos participantes da pesquisa expressaram muitas críticas às mudanças implementadas, é possível inferir que o conceito de inovação tenha sofrido descontextualização e atribuição de sentidos divergentes no campo da prática.

Desse modo, concordamos com Sales e Kenski (2021)SALES, M. V. S.; KENSKI, V. M. Sentidos da inovação em suas relações com a educação e as tecnologias. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 30, n. 64, p. 19-35, out./dez. 2021. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p19-35
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: a adjetivação do termo inovação não basta se não ocorrer a criação de realidades. Como destacaram as autoras, “a positivação do termo, no entanto, não exclui as condições de fracasso de muitas situações de mudança, tendo em vista que nem sempre o processo inovador é melhor do que aqueles já existentes”, e, além disso, “nem sempre a inovação alcança, de forma positiva, todas as pessoas, todas as classes, todos os espaços sociais” (Sales; Kenski, 2021SALES, M. V. S.; KENSKI, V. M. Sentidos da inovação em suas relações com a educação e as tecnologias. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 30, n. 64, p. 19-35, out./dez. 2021. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p19-35
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, p. 23-24).

Mais de 50% das respostas sobre o tema das mudanças também indicaram algum grau de seleção por parte dos sujeitos, corroborando a ideia de recontextualização. Isso ocorreu quando o sujeito, ao responder a um tema específico da reforma, fê-lo selecionando apenas alguns aspectos e enunciados, ocultando ou ignorando outros que estão presentes no discurso oficial e nos dispositivos normativos. Os dados demonstraram que essa seleção nem sempre é acompanhada de descontextualização ou atribuição de sentido adicional.

De maneira geral, os sujeitos expressaram seleção acerca das mudanças produzidas pela reforma quando suas respostas apontaram apenas a mudança na carga horária das disciplinas de formação geral, ou somente a inclusão dos itinerários formativos e seus componentes curriculares. Foi recorrente nas respostas a menção a uma ou duas mudanças trazidas com a reforma, geralmente envolvendo as novas matrizes curriculares. Não houve respostas citando outros aspectos da reforma, entre os quais a organização do currículo por competências, aprendizagens socioemocionais, projeto de vida e protagonismo juvenil, possibilidade de realização de parcerias público-privadas etc.

Consideramos “incorporação parcial” do discurso oficial as respostas nas quais ocorreu certa concordância ou reprodução de um ou outro aspecto do discurso oficial com relação à reforma. De modo geral, as mudanças provocadas pelo novo ensino médio mais citadas nessa subcategoria foram:

  • O currículo do novo ensino médio possibilitaria maior conexão com a realidade e maior vínculo entre teoria e prática;

  • As aulas tornam-se mais atraentes;

  • Os alunos têm possibilidade de aprofundar conhecimentos nos itinerários;

  • Adoção de uma BNCC;

  • Possibilidade de escolha do itinerário.

Vejamos alguns exemplos.

Como “incorporação total”, consideramos um conjunto de 15 respostas (16%), as quais apresentaram ausência de qualquer crítica ou ponderação, avaliando todas as mudanças como positivas e reproduzindo o sentido de inovação presente no discurso oficial. Exemplos de respostas nessa subcategoria: “Muito positiva a questão das competências e habilidades, a inserção do projeto de vida e dos itinerários” (MIT-L52); “se for aplicada na íntegra e com determinação, teremos possibilidades de formar cidadãos melhores” (MIT-L150); “acho que essa mudança é válida, pois tudo que venha a contribuir para o desenvolvimento do nosso educando é positivo, e acredito que essa mudança vá proporcionar isso” (MIT-L184).

Algumas respostas relativas às mudanças também indicaram descontextualização e/ou deslocamento de sentido (18%). Um dos gestores, por exemplo, crê que a principal mudança do novo ensino médio seja possibilitar “uma visão para a equipe gestora do que seria mais importante para a sua comunidade” (MDD-L10). Outros professores destacaram maior interação entre as áreas do conhecimento, e também houve respostas mais enfáticas: “Na teoria mudou, mas na prática ficou um ensino médio pouco atrativo e muito mais confuso e desestimulante para os alunos” (MDD-L131). Uma observação recorrente nessa subcategoria foram as dificuldades impostas pela pandemia. Ou seja, por ter sido um novo ensino médio não presencial nos dois primeiros anos, a experiência das escolas piloto não permitia desenvolver nem avaliar devidamente as mudanças.

Projeto de Vida, Associação com Políticas Anteriores e Trabalho Docente

O Projeto de Vida foi um código importante pelo qual também foi possível perceber movimentos de recontextualização da reforma entre as escolas. Transitando do campo recontextualizador oficial para o pedagógico, o Projeto de Vida foi assumido como componente curricular obrigatório no estado do Rio Grande do Sul. No campo da prática, ocorreu a produção de significações próprias das proposições presentes nos documentos no tocante ao Projeto de Vida.

Os dados demonstram que 20% dos sujeitos/escolas pesquisados/as não souberam responder o que era ou o que se trabalhava nesse componente curricular. No conjunto de respostas, 40% disseram trabalhar no componente apenas aspectos socioemocionais, autoconhecimento e autoajuda. Outros 35% responderam lidar com temas como mercado de trabalho, empreendedorismo, educação financeira, futuro e protagonismo juvenil. Em 10% das escolas pesquisadas, houve recontextualização do Projeto de Vida como um “tipo de ensino religioso”, voltado para abordar temas relativos a valores, questões morais e temas transversais.

Além disso, foi possível notar que muitas escolas têm atribuído sentidos adicionais ao Projeto de Vida no campo da prática, descontextualizando-o relativamente aos dispositivos normativos oficiais. Uma das escolas, por exemplo, optou por trabalhar com palestras; outras usaram a disciplina Projeto de Vida para desenvolver oficinas de desenho, leitura e interpretação de texto. Considerando o que tem sido feito nesse componente pela perspectiva da recontextualização, verificamos que o alcance de suas funções prescritivas não pode ser garantido pela reforma, porque, no campo da prática, há diferentes sentidos e práticas caracterizando o trabalho das escolas-piloto. Também reforçam essa inferência os dados da pesquisa relativos ao envolvimento dos alunos com o novo componente. A maioria (44%) dos participantes respondeu ser “muito fraco ou baixo” envolvimento, enquanto apenas 13% o avaliaram como “muito bom”.

Por fim, outro código importante pelo qual se constataram movimentos de recontextualização foi a associação realizada pelos sujeitos entre o novo ensino médio e políticas curriculares anteriores. Esse código permitiu perceber uma recontextualização por hibridismo. Dos 41,8% que disseram identificar semelhanças entre o novo ensino médio e políticas anteriores, 42,1% responderam haver semelhanças entre o novo ensino médio e o ensino médio politécnico, especialmente quanto ao Seminário Integrado, disciplina que integrou o currículo escolar na rede pública estadual do Rio Grande do Sul durante a vigência daquela política, entre os anos de 2012 e 2016.

No que concerne a essa associação, para o aprofundamento da análise seria necessário realizar algumas digressões sobre o ensino médio politécnico a fim de problematizar certas diferenças entre o novo ensino médio e essas políticas curriculares que acabam sendo ocultadas pela recontextualização por hibridismo. Em razão dos limites deste texto, buscaremos tecer algumas notas para compreender a dimensão desse hibridismo manifesto na associação realizada por parte dos respondentes.

O ensino médio politécnico foi uma política curricular que vigorou entre os anos de 2012 e 2016 em toda a rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Ele nasceu como projeto de reestruturação curricular desenvolvido especificamente no estado do Rio Grande do Sul, mediante a indução promovida pelo Programa Ensino Médio Inovador. O programa, especialmente entre 2010 e 2014, incentivou reformulações curriculares no ensino médio dos estados que concebessem o conhecimento de forma mais integrada, contemplando alguns macrocampos, entre os quais o acompanhamento pedagógico, a iniciação científica e a pesquisa, considerados obrigatórios. O ensino médio politécnico contou com referencial e regimento curricular próprios destinados às escolas das redes públicas estaduais. As diretrizes e os fundamentos dessa política curricular também convergiam para os pressupostos de um amplo programa de formação de professores implementado em 2014 no Brasil, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013. Entre os pressupostos, estavam: “Trabalho, ciência, tecnologia e cultura como dimensões da formação humana; trabalho como princípio educativo; pesquisa como princípio pedagógico, direitos humanos como princípio norteador e sustentabilidade socioambiental como meta universal” (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013. Institui o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e define suas diretrizes gerais, forma, condições e critérios para a concessão de bolsas de estudo e pesquisa no âmbito do ensino médio público, nas redes estaduais e distrital de educação. Diário Oficial da União, p. 24-25, 9 dez. 2013.).

Em 2012, com a implementação do ensino médio politécnico, a carga horária do ensino médio na rede pública estadual de ensino aumentou para 3 mil horas, e um novo componente curricular passou a fazer parte do currículo, intitulado Seminário Integrado. A rigor, as principais mudanças concentraram-se nos eixos da pesquisa, da avaliação, do planejamento e da significação interdisciplinar dos conteúdos.

A pesquisa recebeu atenção especial no currículo do ensino médio politécnico. Aliás, uma das principais funções da nova disciplina que passou a integrar a matriz curricular, o Seminário Integrado, foi a transformação da concepção e da prática da pesquisa no ensino médio, tratando-a como princípio educativo. Essa nova disciplina teve papel fundamental na estrutura do novo currículo, particularmente no que tange à integração curricular e à produção e execução de projetos de pesquisa (ou projetos de pesquisa “vivenciais”, como também foram chamados), sendo uma base estruturante para a integração de áreas e saberes na escola.

Nesse sentido, observamos, por exemplo, que o “protagonismo do jovem adulto” previsto no ensino médio politécnico estava relacionado à construção de projetos de pesquisa desenvolvidos em espaços planejados em uma lógica de integração curricular que valorizava e fortalecia os conhecimentos de formação geral básica. Conforme constava da proposta pedagógica da Seduc-RS (Estado do Rio Grande do Sul, 2011ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio: 2011–2014. Porto Alegre: SEDUCRS, 2011. Disponível em: https://servicos.educacao.rs.gov.br/dados/ens_med_proposta.pdf. Acesso em: 10 mar. 2022.
https://servicos.educacao.rs.gov.br/dado...
), o ensino médio politécnico deveria articular uma formação geral sólida com uma parte diversificada, “vinculada a atividades da vida do mundo do trabalho”7 7 Talvez fosse oportuno refletir ou trazer para a discussão questões referentes à politecnia e ao trabalho como princípio educativo. Todavia, em razão dos objetivos deste artigo, esses temas não serão aqui desenvolvidos. Ver Gramsci (1978); Rodrigues (1998); Frigotto e Ciavatta (2004); Saviani (2007); Frigotto (2009); entre outros. .

No novo ensino médio, ao contrário, a ideia de protagonismo está relacionada à construção de “projetos de vida” desenvolvidos por meio de um projeto de formação voltado para o empreendedorismo e para o desenvolvimento de competências socioemocionais em uma lógica de fragmentação, desarticulação e flexibilização curricular que enfraquece e sonega conhecimentos de formação geral básica.

Além da associação com o ensino médio politécnico, o hibridismo também se manifestou entre professores/as e gestores/as que disseram perceber semelhanças do novo ensino médio com problemas vivenciados em outras políticas curriculares, sendo os mais citados o tecnicismo do antigo segundo grau, a dualidade estrutural e a falta de autonomia e participação das escolas nas mudanças que continuam chegando às instituições escolares por imposição.

Quanto ao trabalho docente, foi possível perceber, no conjunto dos dados, certa diferença entre o que responderam gestores/as e professores/as. No Quadro 1 exemplificamos, com alguns excertos, a distinção no padrão de respostas entre os dois grupos.

Quadro 1
Exemplo de distinção e tendência de respostas sobre o trabalho docente entre gestores/as e professores/as.

As críticas de gestores/as, quando ocorreram, geralmente se relacionaram ao excesso de disciplinas, à diminuição de carga horária da formação geral básica e à necessidade de formação continuada dos/as docentes. A rigor, enquanto os/as gestores/as buscavam destacar aspectos positivos e a superação de dificuldades no interior da escola, os/as professores/as assinalavam mais os aspectos negativos relacionados à docência, à insegurança e à intensificação do trabalho.

No que se refere às dificuldades encontradas pelas escolas piloto, os fatos mais recorrentes nas respostas foram a falta de informação sobre a reforma do ensino médio e o novo currículo, as aulas remotas durante a pandemia, a diminuição dos conteúdos e dos componentes curriculares de formação geral básica e a falta de envolvimento dos(as) alunos(as).

Conclusões

Considerando que a recontextualização de uma política curricular é uma manifestação intrínseca e inevitável no campo da prática – afinal os sujeitos recebem os dispositivos normativos, os interpretam e dialogam com eles de acordo com suas experiências, necessidades e cultura escolar –, é provável que, no caso das escolas piloto do Rio Grande do Sul, a falta de autonomia e participação na definição e composição dos itinerários também ajude a explicar a recontextualização expressa pelos sujeitos.

Ao longo do texto, é possível identificar os diversos elementos que nos permitiram reconhecer os movimentos de recontextualização nas escolas piloto pesquisadas. Mas qual de fato foi essa recontextualização? Quais foram esses significados próprios atribuídos no campo da prática? Observamos que, no campo da prática, a política sofreu diferentes formas de recontextualização nas escolas piloto. Isto é, de maneira geral, as proposições oficiais da reforma do ensino médio sofreram seleção, incorporação parcial, descontextualização e atribuição de sentido adicional em relação ao que ficou disposto nos dispositivos normativos nacionais. Essa recontextualização da política no campo da prática pode ser percebida nas formas particulares como as escolas compreenderam os itinerários formativos, as mudanças implementadas e o sentido de inovação trazido pela reforma.

No tocante aos itinerários formativos, constatamos que a recontextualização se manifestou principalmente pela descontextualização e pela atribuição de sentidos adicionais. Os dados sinalizaram para a falta de informações, confusão e incertezas sobre o que são os itinerários e como eles são concebidos nas escolas, indicando deslocamento de sentido no que se refere ao campo oficial. Conforme demonstramos, o componente curricular Projeto de Vida, determinados conteúdos trabalhados no novo currículo e até mesmo reuniões pedagógicas foram considerados itinerários formativos entre os participantes da pesquisa.

A recontextualização também se manifestou em relação ao Projeto de Vida. Na análise dos dados obtidos no questionário, que abrangeu as 50 escolas, distribuídas nas 41 cidades, observou-se que 20% dos sujeitos/escolas pesquisados/as não souberam responder o que era ou o que se trabalhava nesse componente curricular. Dos respondentes, 40% informaram trabalhar no componente apenas aspectos socioemocionais, autoconhecimento e autoajuda. Outros 35% responderam lidar com temas como mercado de trabalho, empreendedorismo, educação financeira, futuro e protagonismo juvenil. Em 10% das escolas pesquisadas, houve recontextualização do Projeto de Vida como um “tipo de ensino religioso”, voltado para abordar temas relativos a valores, questões morais e temas transversais. Além disso, foi possível perceber que muitas escolas têm atribuído sentidos adicionais, descontextualizando o Projeto de Vida dos dispositivos normativos oficiais. Uma das escolas, por exemplo, optou por trabalhar com palestras; outras usaram a disciplina para desenvolver oficinas de desenho, leitura e interpretação de texto.

O sentido de inovação veiculado no campo oficial igualmente foi um código pelo qual identificamos a recontextualização. Como discorremos anteriormente, o sentido de inovação é ressignificado no campo de recontextualização pedagógica, e, ainda que o discurso oficial da reforma busque empregar nas mudanças implementadas um sentido de inovação positiva baseado na flexibilização, na ideia de novidade e de escolha dos itinerários formativos com temáticas que, em tese, deixariam o ensino médio mais atrativo, se considerarmos as muitas críticas realizadas pelos sujeitos, é possível inferir que o sentido de inovação também sofreu descontextualização e atribuição de sentidos divergentes no campo da prática.

Também se puderam notar movimentos de recontextualização quando as respostas indicavam algum tipo de associação realizada pelos sujeitos entre o novo ensino médio e políticas curriculares anteriores. Esse código permitiu perceber uma recontextualização por hibridismo, conforme detalhamos na seção anterior. Além da associação com o ensino médio politécnico, observamos que o hibridismo se manifestou entre professores(as) e gestores(as) que disseram perceber semelhanças do novo ensino médio com problemas vivenciados em outras políticas curriculares. Os mais citados foram o tecnicismo do antigo segundo grau, a dualidade estrutural e a falta de autonomia e participação das escolas nas mudanças que continuam chegando às instituições por imposição.

Uma questão metodológica importante a ser pontuada nessas considerações: perguntar como as escolas interpretam as proposições oficiais da reforma exige certo cuidado metodológico de análise, pois no interior de uma mesma instituição podem coexistir diferentes leituras e sentidos produzidos pelos sujeitos. Os dados obtidos nesse sentido revelaram padrões diferentes de resposta entre gestores(as) e professores(as). Enquanto 57,14% dos(as) gestores(as) avaliaram como positiva a reforma curricular, apenas 28,57% dos(as) professores(as) tiveram o mesmo posicionamento. O mesmo ocorreu em relação às respostas relativas ao trabalho docente. As críticas de gestores(as), quando ocorreram, geralmente estiveram ligadas ao excesso de disciplinas, à diminuição de carga horária da formação geral básica e à necessidade de formação continuada dos(as) docentes. Houve certo padrão de respostas entre os(as) gestores(as) ao destacarem aspectos positivos e a superação de dificuldades no interior da escola. Já os(as) professores(as) destacaram mais os aspectos negativos envolvendo a docência, a insegurança e a intensificação do trabalho.

Como observou Silva (2014, p. 3)SILVA, M. R. Perspectiva analítica para o estudo das políticas curriculares: processos de recontextualização. In: JORNADAS LATINOAMERICANAS DE ESTÚDIOS EPISTEMOLÓGICOS EN POLÍTICA EDUCATIVA, 2., 2014. Anais [...]. Curitiba, ago. 2014. Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-content/uploads/2014/04/ARTIGO-SILVA-RECONTEXTUALIZA%C3%87%C3%83O-DE-PE-RELEPE-2014-PUBL.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.
http://www.observatoriodoensinomedio.ufp...
, “a teorização curricular contemporânea tem sinalizado a relevância da abordagem que toma a cultura como referência privilegiada na investigação da educação e da escola”, particularmente a cultura escolar. Nessa perspectiva, os movimentos de recontextualização na experiência das escolas piloto pesquisadas nos permitem concluir que as instituições atribuem significados próprios aos sentidos, às prescrições e às orientações dos dispositivos normativos oficiais por diferentes meios e razões. Olhar para essa diversidade de interpretações e experiências ajuda a compreendermos que “diversos agentes da área educativa contribuem também para definir, atualizar e transformar as orientações da educação” (Lessard; Carpentier, 2016LESSARD, C.; CARPENTIER, A. Políticas educativas: a aplicação na prática. Petrópolis: Vozes, 2016., p. 11). Afinal, “os agentes não têm somente interesses: eles também têm visões de mundo, maneiras de perceber, analisar e fazer sentido”, mostrando que “as políticas alicerçam-se em esquemas cognitivos, ideias e visões de mundo, que alguns associam a paradigmas ou referenciais [específicos]” (Lessard; Carpentier, 2016LESSARD, C.; CARPENTIER, A. Políticas educativas: a aplicação na prática. Petrópolis: Vozes, 2016., p. 12).

Por fim, vale assinalar que as experiências dos dois primeiros anos das escolas piloto com o novo ensino médio foram marcadas pelo contexto da pandemia, elemento importante a ser considerado nos movimentos de recontextualização, ainda que no conjunto dos dados obtidos a pandemia não tenha se configurado como um código especial para perceber os principais movimentos de recontextualização referenciados pelos sujeitos. É provável que isso também tenha ocorrido em virtude de o instrumento de pesquisa não ter privilegiado questões mais específicas sobre a pandemia e seu impacto nos processos de recontextualização.

Notas

  • 1
    Na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul também está sendo utilizado o termo percurso para referir-se ao itinerário.
  • 2
    A noção de recontextualização por hibridismo também tem sido trabalhada em outras perspectivas teóricas e epistemológicas, sobretudo com base na difusão da abordagem do ciclo de políticas e da teoria da atuação das políticas, desenvolvida por Ball, Bowe e Gold (1992)BALL, S. J.; BOWE, R.; GOLD, A. Reforming education & changing school: case studies in policy sociology. Londres; Nova York: Routledge, 1992., Ball (1994)BALL, S. J. Education reform: a critical and post-structural approach. Buckingham: Open University Press, 1994. e Ball, Maguire e Braun (2016)BALL, S. J.; MAGUIRE, M.; BRAUN, A. Como as escolas fazem políticas: atuação em escolas secundárias. Ponta Grossa: UEPG, 2016.. No Brasil, Alice Casimiro Lopes é uma das pesquisadoras que investigaram “a potencialidade da recontextualização por hibridismo para entender a circulação de discursos e textos nos diferentes contextos de produção das políticas de currículo” (Lopes, 2016LOPES, A. C. A teoria da atuação de Stephen Ball: e se a noção de discurso fosse outra? Archivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 24, n. 25, p. 1-19, 2016. https://doi.org/10.14507/epaa.24.2111
    https://doi.org/10.14507/epaa.24.2111...
    , p. 4).
  • 3
    Resistência, para Giroux (1986, p. 145)GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986., “é um construto teórico e ideológico que fornece um foco importante para se analisar as relações entre a escola e a sociedade maior”. Trata-se de uma categoria que “representa um modo de discurso que rejeita as explicações tradicionais do fracasso escolar e do comportamento de oposição” (Giroux, 1986GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 146). Essa noção de resistência, nas palavras do autor, permite entender “as maneiras complexas pelas quais as pessoas medeiam e respondem à intersecção de suas próprias experiências de vida com as estruturas de dominação e coerção” (Giroux, 1986GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 146). Giroux (1986)GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. identifica categorias centrais que vão emergir da resistência: a intencionalidade, a consciência, o significado do senso comum e a natureza e o valor do comportamento não discursivo. Além delas, o autor acrescenta a esperança, algo “inerente à noção radical de resistência”, um elemento de “transcendência para a transformação radical” (Silveira, 2022SILVEIRA, É. S. Resistência à política de ampliação do Ensino Médio de Tempo Integral no Rio Grande do Sul. In: SILVEIRA, É. S.; SILVA, M. R.; MARTINIC, S.; MOLL, J. (org.). Ensino médio, educação integral e tempo ampliado na América Latina. Curitiba: Editora CRV, 2022. p. 179-200., p. 194). Como consideramos que nossos dados de pesquisa não nos permitem fazer esse tipo de análise, julgamos pertinente não chamar as críticas apresentadas pelos sujeitos de resistência.
  • 4
    A identificação dos sujeitos será realizada de acordo com a categorização utilizada nas planilhas de organização e análise das fontes. Nesse caso, por exemplo, a sigla MC-L51 indica a resposta/o sujeito localizada/o na planilha correspondente à categoria Mudança, subcategoria Crítica, Linha 51.
  • 5
    A dimensão da violência curricular expressa no novo ensino médio foi recentemente analisada no artigo de Silveira, Silva e Oliveira (2021)SILVEIRA, É. S.; SILVA, M. R.; OLIVEIRA, F. L. B. Reformas, docência e violência curricular: uma análise a partir do “Novo Ensino Médio”. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. esp. 3, p. 1562-1585, 2021. https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3.15298
    https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp.3...
    .
  • 6
    Um período semanal de aula se refere a 50 minutos de aula.
  • 7
    Talvez fosse oportuno refletir ou trazer para a discussão questões referentes à politecnia e ao trabalho como princípio educativo. Todavia, em razão dos objetivos deste artigo, esses temas não serão aqui desenvolvidos. Ver Gramsci (1978)GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.; Rodrigues (1998)RODRIGUES, J. Educação politécnica no Brasil. Rio de Janeiro: Edusf, 1998.; Frigotto e Ciavatta (2004)FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: Ministério da Educação, 2004.; Saviani (2007)SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, v. 12 n. 34, p. 152-180, jan./abr. 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-24782007000100012
    https://doi.org/10.1590/S1413-2478200700...
    ; Frigotto (2009)FRIGOTTO, G. A polissemia da categoria trabalho e a batalhas das ideias nas sociedades de classe. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, p. 168-194, jan./abr. 2009. https://doi.org/10.1590/S1413-24782009000100014
    https://doi.org/10.1590/S1413-2478200900...
    ; entre outros.

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Editor de seção: Celso João Ferretti https://orcid.org/0000-0002-8692-0398

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    26 Mar 2024
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