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A política antitabagismo e a variação dos gastos das famílias brasileiras com cigarro: resultados das Pesquisas de Orçamentos Familiares, 2002/2003 e 2008/2009

Tobacco control policy and variation in Brazilian family spending on cigarettes: results of the Brazilian Household Budget Surveys in 2002/2003 and 2008/2009

Política de control sobre el tabaco y variación del gasto de las familias brasileñas respecto al mismo: resultados de Encuestas de Presupuestos Familiares, 2002/2003 y 2008/2009

Resumos

O estudo teve como objetivo descrever a evolução dos gastos com cigarro das famílias brasileiras e seu peso sobre a renda dessas no período de 2002-2009. Foram utilizados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002/2003 e 2008/2009. Foi realizada correção dos valores mediante o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A proporção de famílias que tiveram gastos com cigarro reduziu de 23,5% para 18,2%, no período estudado, mas o valor do gasto aumentou de R$ 55,36 para R$ 59,45. O gasto foi maior à medida que aumentavam a renda e a escolaridade do chefe das famílias. As famílias com maior renda concentram a maior parte desses gastos, apesar da redução de sua contribuição no gasto total com cigarro. O comprometimento da renda na aquisição de cigarros foi de 5,2% no primeiro e de 1,2% no último quinto de renda. A política antitabagismo logrou êxitos na redução da prevalência do tabagismo no Brasil. Porém, medidas econômicas ainda são importantes no contexto nacional, tendo em vista que a parcela da renda e da despesa das famílias comprometida com cigarro apresentou redução.

Hábito de Fumar; Família; Economia de Saúde; Desigualdades em Saúde


This study aimed to describe trends in family spending on cigarettes and its share of family budget, comparing 2002 and 2009, using the Brazilian Household Budget Surveys from 2002/2003 and 2008/2009. The Expanded Consumer Price Index (IPCA) was used. The proportion of families that purchased cigarettes decreased from 23.5% to 18.2%, however their spending increased from BRL 55.36 to BRL 59.45. Spending on cigarettes was proportional to family income and head-of-family’s schooling. Higher-income families still accounted for most of the expenditure, although the share of family income spent on cigarettes declined. The share of income for purchasing cigarettes was 5.2% in the lowest income quintile and 1.2% in the highest. Tobacco control policy has succeeded in reducing smoking prevalence in Brazil. However, economic measures are still important in the country, since the family’s share of income and spending on cigarettes have decreased.

Smoking; Family; Health Economics; Health Inequalities


El objetivo fue describir la evolución de los gastos en las familias brasileñas con el tabaco y su peso en los ingresos familiares durante el período de 2002-2009. Se utilizaron datos de las Encuestas de Presupuestos Familiares (POF) 2002/2003 y 2008/2009. Se aplicó el Índice de Precios al Consumidor Ampliado (IPCA). La proporción de familias que habían gastado en tabaco disminuyó de 23,5 % a un 18,2 %. Sin embargo, el gasto de los hogares aumentó de R$ 55,36 a R$ 59,45. El gasto fue mayor con el aumento de los ingresos y de la educación del cabeza de familia. Los hogares con ingresos más altos concentran la mayor parte de estos gastos, mientras existe una reducción de su participación en el gasto total con el tabaco. El gasto comprometido con el tabaco fue un 5,2 % en la primera franja de ingresos y el 1,2 % en la última franja de ingresos. La política de control sobre el tabaco tuvo éxito en la reducción del consumo de tabaco en Brasil. No obstante, siguen siendo importantes las medidas económicas, dado que la proporción de ingresos y gastos comprometidos por las familias con el tabaco disminuyó.

Hábito de Fumar; Familia; Economía de la Salud; Desigualdades en la Salud


Introdução

No mundo, a prevalência do tabagismo é elevada. Estudo com dados de 187 países, no período de 1980-2013, estimou que a prevalência global na população maior de 15 anos reduziu de 41,2% para 31,1%, entre os homens, e de 10,6% para 6,2%, entre as mulheres. Apesar do declínio na prevalência, o número de fumantes aumentou de 721 milhões para 967 milhões, no mesmo período, devido ao crescimento da população 11. Ng M, Freeman MK, Fleming TD, Robinson M, Dwyer-Lindgren L, Thomson B, Smoking prevalence and cigarette consumption in 187 countries, 1980-2012. JAMA 2014; 311:183-92..

O tabagismo representa a mais importante causa evitável de mortalidade no mundo, em que mais da metade dos mais de um bilhão de fumantes irá morrer de doenças relacionadas ao tabaco 22. World Health Organization. WHO global report mortality attributable to tobacco. http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564434_eng.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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. O fumo e a exposição ambiental à fumaça do tabaco são responsáveis por 6,3 milhões de mortes, a cada ano, e por 6,3% da carga de doença global 33. Ezzati M, Riboli E. Behavioral and dietary risk factors for noncommunicable diseases. N Engl J Med 2013; 369:954-64.. Estima-se que se as tendências de uso do tabaco forem mantidas, em 2030, ocorrerão mais de oito milhões de mortes, sendo 80% dessas em países de baixa e média renda 22. World Health Organization. WHO global report mortality attributable to tobacco. http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564434_eng.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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O Brasil obteve sucesso no declínio da prevalência do tabagismo nas últimas décadas, decorrente da política regulatória voltada para a redução da demanda e da oferta de tabaco, aliada a medidas educativas e preventivas 44. Instituto Nacional de Câncer; Organização Pan-Americana da Saúde. Pesquisa especial de tabagismo – PETab: relatório Brasil. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_especial_tabagismo_petab.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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,55. Malta DC, Iser BPM, Sá NNB, Yokota RTC, Moura L, Claro RM, et al. Tendências temporais no consumo de tabaco nas capitais brasileiras, segundo dados do VIGITEL, 2006 a 2011. Cad Saúde Pública 2013; 29:812-22.,66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.. Em 1989, foi criado o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer, órgão do Ministério da Saúde. O Programa objetiva reduzir a prevalência do tabagismo e a consequente morbimortalidade associada. As ações do PNCT são desenvolvidas em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e com vários setores da sociedade civil organizada, sobretudo, sociedades científicas e conselhos profissionais da área da saúde 77. Teixeira LA, Jaques TA. Legislação e controle do tabaco no Brasil entre o final do século XX e início do XXI. Rev Bras Cancerol 2011; 53:295-304.. Em 1996, ocorreram a normatização da propaganda dos produtos fumígenos e a proibição do fumo em recintos coletivos fechados, públicos ou privados, o que foi retificado pela Lei no12.546, de 2011 88. Brasil. Lei no 12.546 de 2011. Institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 15 dez.. Em 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) passou a controlar, a regular e a fiscalizar os produtos derivados do tabaco.

Em 1989, a Pesquisa Nacional em Saúde e Nutrição (PNSN) revelou prevalência de tabagismo de 34,8% entre adultos de 18 anos ou mais 99. Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição. Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) 1989. Brasília: Ministério da Saúde; 1990.. O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) revelou que, entre 2006 e 2011, a prevalência do tabagismo reduziu de 16,2% (intervalo de 95% de confiança – IC95%: 15,4-16,9) para 14,8% (IC95%: 13,9-15,7), na mesma faixa etária 55. Malta DC, Iser BPM, Sá NNB, Yokota RTC, Moura L, Claro RM, et al. Tendências temporais no consumo de tabaco nas capitais brasileiras, segundo dados do VIGITEL, 2006 a 2011. Cad Saúde Pública 2013; 29:812-22.. A prevalência estimada em 2012 foi de 12,1% (IC95%: 11,5-12,8) 1010. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2012: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2013..

Todavia, o tabagismo ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil. Estudo da carga das doenças tabaco-relacionadas mostrou que, em 2008, aproximadamente, 13% dos óbitos no país foram relacionados ao tabagismo. Infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica representaram 72% das mortes relacionadas ao tabagismo 1111. Aliança de Controle do Tabagismo; Fundação Oswaldo Cruz. Carga das doenças tabaco relacionadas no Brasil, 2012. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/721_Relatorio_Carga_do_tabagismo_Brasil.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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A elevada carga de doença relacionada ao tabagismo gera importantes custos que, em países de alta renda, chegaram a atingir em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) 1212. Lightwood J, Collins D, Lapsley H, Novotny T. Estimating the costs of tobacco use. In: Jha P, Chaloupka F, editors. Tobacco control in developing countries. Oxford: Oxford University Press; 2000. p. 63-99.. No Brasil, em 2005, os custos totais atribuíveis ao tabagismo com o atendimento de indivíduos com mais de 35 anos alcançaram US$ 185 milhões, equivalentes a 27,6% dos custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento do câncer, doenças do aparelho circulatório e doenças do aparelho respiratório, ou a 7,7% do gasto total do SUS com internações e quimioterapia 1313. Pinto M, Ugá MAD. Os custos de doenças tabaco- relacionadas para o Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública 2010; 26:1234-45.. De 1996 a 2005, foi registrado mais de um milhão de hospitalizações por causas atribuídas ao fumo, com custos de aproximadamente US$ 500 milhões 1414. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Silva V. Controle do tabagismo no Brasil. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/202_controle-tabagismo-brasil-BM.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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O tabagismo resulta em pesada carga econômica, tanto para as sociedades como para as famílias. Os gastos com cigarro são um item de despesa para muitas famílias brasileiras 1515. Kroeff LR, Mengue SS. Análise dos gastos individuais com tabagismo a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003. Cad Saúde Pública 2010; 26:2334-42.,1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Frente a isso, conhecer esses gastos pode contribuir para a proposição de políticas públicas voltadas à redução do uso do cigarro.

O presente estudo teve como objetivos conhecer a evolução dos gastos com cigarro das famílias brasileiras e o peso sobre a renda dessas no período de 2002/2009.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, utilizando microdados das Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF), realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2002/2003 e 2008/2009. Essas pesquisas fornecem informações detalhadas sobre tipos de gastos, quantidade, valor, assim como sobre os rendimentos das famílias 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..

A unidade de análise das POF são as famílias, ou unidades de consumo, definidas como morador ou conjunto de moradores que compartilham o mesmo estoque de alimentos e/ou conjunto de despesas alimentares; ou perante as despesas com moradia, quando não existem estoques, nem despesas com alimentos 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Essa definição é importante, uma vez que, muitas vezes, as despesas registradas para um morador podem se referir a produtos comprados para outro ou mesmo para um não residente. Assim, para as despesas com cigarro, não é possível definir qual ou quais moradores é ou são consumidores desses produtos. Todavia, ter despesa individual com cigarro pode ser considerado uma aproximação de ser consumidor de cigarro.

Seis questionários compõem as POF, a saber: domicílios, despesa coletiva, caderneta de despesa coletiva, despesa individual, rendimento individual e avaliação das condições de vida. O gasto com cigarros se refere a sete dias de pesquisa, com registro nas cadernetas de aquisição 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010..

No presente estudo, foram considerados exclusivamente os gastos com cigarro, definidos como despesas correntes, constantes no questionário de despesa individual. Não foram considerados outros itens da categoria fumo: fósforo, fumo desfiado, fumo de rolo, palha para cigarro, charuto, cigarrilha, uma vez que os valores do gasto com esses itens foram inexpressivos.

Para correção dos valores, de modo a permitir comparação dos valores absolutos dos gastos calculados a partir das duas POF, foi utilizado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, disponibilizado no sítio eletrônico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea Data; http://www.ipeadata.gov.br). A correção foi feita considerando-se as datas de referência das POF 2002/2003 (15 de janeiro de 2003) e POF 2008/2009 (15 de janeiro de 2009), tendo, como base, a última. Esse índice foi selecionado por pertencer ao Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (SNIPC), cuja atualização ocorre mediante a POF, bem como já haver sido utilizado em outros estudos sobre gastos das famílias 1717. Garcia LP, Sant’Anna AC, Magalhães LCG, Freitas LRS, Aurea AP. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda familiar: análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 e de 2008-2009. Cad Saúde Pública 2013; 29:1605-16..

As famílias foram divididas em quintos de renda (1Q a 5Q), considerando a renda familiar mensal per capita total (somatório da renda monetária e não monetária, variáveis disponibilizadas pelo IBGE). Também foram consideradas as seguintes variáveis: região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-oeste), situação do setor censitário (urbano, rural), número de anos de estudo do chefe da família (0, 1-3, 4-7, 8-10, 11 e mais) e sexo do chefe da família (masculino, feminino).

Foram calculados os percentuais de famílias que tiveram gastos positivos e não nulos com cigarro, o gasto médio mensal com cigarros das famílias que tiveram esse tipo de gasto e o gasto médio mensal per capita com cigarros das famílias que tiveram esse tipo de gasto. Também foi calculada a participação percentual do gasto com cigarro em relação à renda total e à despesa total das famílias que tiveram esse tipo de gasto, assim como a contribuição percentual de cada quinto de renda em relação ao gasto com cigarro das famílias brasileiras.

Para a compatibilização dos dados das POF, utilizou-se o software SAS 9.2 (SAS Inst., Cary, Estados Unidos). Para obtenção das estatísticas, utilizou-se o Stata 10.1 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos), com utilização da funçãosurvey, adequada para análise de dados amostrais complexos. Para incorporar a estrutura do plano amostral, foram declaradas as variáveis disponibilizadas pelo IBGE referentes ao fator de expansão da amostra, estrato geográfico e domicílio. Foram calculados IC95%, com estimação da variância pelo método de linearização de Taylor. O software Excel 2010 (Microsoft Corp., Estados Unidos) foi empregado para produção dos gráficos.

O estudo foi realizado em conformidade com as normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. Foram utilizados exclusivamente dados de fonte secundária disponibilizados pelo IBGE, garantindo o anonimato dos participantes.

Resultados

As amostras das POF 2002/2003 e 2008/2009 foram compostas, respectivamente, por 48.568 e 56.091 famílias, das quais, 10.171 e 9.033 tiveram registro de gasto com cigarro. As características das famílias incluídas nas POF estudadas estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Número de famílias, tamanho médio das famílias e renda média familiar mensal segundo características sociodemográficas. Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002/2003 e 2008/2009.

Na Tabela 2, é possível observar que a proporção de famílias que tiveram gastos com cigarro no Brasil reduziu de 23,5% para 18,2%, de 2002/2003 para 2008/2009. As regiões Sudeste e Sul foram aquelas que apresentaram maior proporção de famílias que tiveram gasto com cigarro, nas duas POF estudadas (respectivamente, 26,8% e 24,4%, em 2002/2003, e 20,7% e 20,9%, em 2008/2009). Essa proporção foi mais elevada entre famílias residentes em áreas urbanas (24,5% e 18,9%, respectivamente, em 2002/2003 e 2008/2009) em comparação com as rurais (17,9% e 14,5%, respectivamente, em 2002/2003 e 2008/2009). Também foi mais elevada entre famílias pertencentes aos quintos intermediários de renda e nas categorias intermediárias de escolaridade do chefe da família.

Tabela 2
Proporção das famílias que tiveram gasto com cigarro (%), gasto médio total e per capita com cigarro das famílias que tiveram gasto com esse item (R$). Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002/2003 e 2008/2009.

O gasto médio mensal com cigarro das famílias brasileiras elevou de R$ 55,36 para R$ 59,45, enquanto o gasto médio mensal per capita aumentou de R$ 18,60 para R$ 21,27. Ou seja, apesar da redução de 22,7% na proporção de famílias que tiveram gasto com cigarro, o valor médio mensal familiar desses gastos teve aumento de 7,4%.

O gasto médio mensal per capita com cigarro foi maior entre as famílias residentes nas regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste, assim como entre as famílias residentes em áreas urbanas, com maior renda e com maior escolaridade do chefe da família. Tanto o percentual de famílias que tiveram gasto com cigarro quanto o valor médio desse gasto foram semelhantes entre famílias chefiadas por homens e mulheres.

A Figura 1 ilustra a participação percentual dos gastos com cigarro em relação à renda das famílias. Os gastos com cigarro ocupam maior parcela da renda entre as famílias dos primeiros quintos. O peso dos gastos com cigarro decresce à medida que aumenta a renda das famílias. Em 2008/2009, as famílias do primeiro e do último quintos comprometeram, respectivamente, 5,2% e 1,2% de sua renda com cigarros. Comparando- se as duas POF estudadas, houve decréscimo no peso do gasto com cigarro sobre a renda das famílias, em todos os grupos de renda. Para o total das famílias brasileiras, essa proporção foi equivalente a 2,9%, em 2002/2003, e a 2,3%, em 2008/2009.

Figura 1
Participação (%) dos gastos com cigarro em relação à renda média das famílias que tiveram esse tipo de gasto, segundo quintos de renda e total das famílias. Pesquisas de Orçamentos Familiares2002/2003 e 2008/2009.

A Figura 2 mostra que a participação percentual dos gastos com cigarro em relação à despesa total das famílias, segundo quintos de renda, exibe comportamento semelhante à participação em relação à renda. O comprometimento das despesas é maior entre as famílias com menor renda e apresentou redução entre 2002/2003 e 2008/2009, em todos os estratos de renda.

Figura 2
Participação (%) dos gastos com cigarro em relação à despesa total das famílias que tiveram esse tipo de gasto, segundo quintos de renda e total das famílias. Pesquisas de Orçamentos Familiares2002/2003 e 2008/2009.

A Figura 3 revela que, apesar de as famílias pertencentes aos primeiros quintos ocuparem maior parcela de sua renda no gasto com cigarros, são aquelas com maior renda que concentram o maior volume desse gasto. Os dois últimos quintos de renda (40% das famílias no extremo superior da distribuição de renda) contribuíram com 51,3% e 49% do total do gasto com cigarros em 2002/2003 e 2008/2009, respectivamente. Por sua vez, as famílias pertencentes aos dois primeiros quintos de renda (40% das famílias no extremo inferior da distribuição de renda) contribuíram com 28,5% e 31,3% em 2002/2003 e 2008/2009, respectivamente. Ou seja, enquanto a contribuição das famílias com maior renda diminuiu, a contribuição daquelas com menor renda aumentou.

Figura 3
Distribuição (%) do gasto total com cigarro das famílias segundo quintos de renda. Pesquisas de Orçamentos Familiares2002/2003 e 2008/2009.

Discussão

Entre 2002/2003 e 2008/2009, houve aumento do valor médio das famílias brasileiras com cigarro. Por outro lado, houve redução da proporção de famílias que tiveram gastos com cigarro, nas áreas urbanas e rurais, em todos os quintos de renda e estratos de escolaridade do chefe da família. Isso fez com que, apesar do aumento no valor médio do gasto com cigarro, esse passou a representar menor peso em relação à renda das famílias, principalmente para aquelas pertencentes aos primeiros quintos. Contudo, são ainda essas as famílias que comprometem maior parcela de sua renda com a compra de cigarro.

A redução da proporção de famílias que tiveram gasto com cigarro é coerente com estudos que revelaram redução da prevalência de tabagismo no Brasil 55. Malta DC, Iser BPM, Sá NNB, Yokota RTC, Moura L, Claro RM, et al. Tendências temporais no consumo de tabaco nas capitais brasileiras, segundo dados do VIGITEL, 2006 a 2011. Cad Saúde Pública 2013; 29:812-22.,66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.,1818. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil simsmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med 2012; 9:e1001336.. O achado da maior proporção de famílias que tiveram gasto com cigarro nas regiões Sul e Sudeste também é coerente com a maior prevalência de tabagismo nessas regiões. O estudo VIGITEL revelou que o consumo de tabaco foi maior entre indivíduos do sexo masculino, com idade entre 45-54 anos, com menor escolaridade (0-8 anos de estudo), residentes nas regiões Sul e Sudeste 55. Malta DC, Iser BPM, Sá NNB, Yokota RTC, Moura L, Claro RM, et al. Tendências temporais no consumo de tabaco nas capitais brasileiras, segundo dados do VIGITEL, 2006 a 2011. Cad Saúde Pública 2013; 29:812-22.. Um dos fatores que explicam a prevalência de tabagismo na região Sul é que essa é a principal produtora de tabaco, em que as relações entre a agricultura, a indústria, a cultura e as ações políticas dos produtores e da indústria podem ter influenciado para o maior consumo 1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87..

Os achados de que o peso do gasto com tabagismo em relação à renda foi menor entre as famílias com maior renda, em comparação com aquelas de menor, e de que o valor médio do gasto foi menor entre as últimas reforçam os resultados de estudo prévio realizado com dados da POF 2002/2003 1515. Kroeff LR, Mengue SS. Análise dos gastos individuais com tabagismo a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003. Cad Saúde Pública 2010; 26:2334-42.. Todavia, há que se destacar que o estudo prévio considerou os gastos individuais e utilizou a totalidade da rubrica referente ao gasto com tabagismo constante da POF. Por sua vez, no presente estudo, a unidade de análise foi a família, e foram considerados, exclusivamente, os gastos com cigarro, que corresponderam a 92% e a 93% do total do gasto com tabagismo nas POF 2002/2003 e 2008/2009, respectivamente (dados não apresentados). Apesar de serem reconhecidos os danos à saúde decorrentes da utilização de outras formas de tabaco 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838., a opção de estudar exclusivamente os gastos com cigarro das famílias foi realizada com base no fato de que o gasto com outros itens foi inexpressivo e visando a conhecer o peso desse gasto sobre a renda familiar, de modo a subsidiar políticas voltadas, em particular, ao enfrentamento do hábito de fumar cigarro.

O presente estudo apresenta limitações inerentes à utilização de dados das POF. Uma delas se refere ao fato de a informação ser autorreferida. Pessoas que adquirem cigarros sem o conhecimento dos demais membros da família podem não ter registrado esses gastos na caderneta de coleta de dados das POF. Também é conhecido o fato de que os fumantes tendem a subinformar seu consumo 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838.. Ademais, não é possível determinar a finalidade, a quantidade, a marca ou o tipo de cigarro comprado, nem quais os moradores do domicílio (ou se destinam-se a não residentes) que dele fazem uso 2121. Menezes T, Campolina B, Silveira FG, Servo LMS, Piola SF. O gasto e a demanda das famílias em saúde: uma análise a partir da POF de 2002-2003. In: Silveira FG, Servo LM, Menezes T, Piola SF, organizadores. Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2006. p. 313-44..

Cabe ainda registrar que o consumo de cigarro não é captado pela POF, apenas o gasto com esse produto. O fato de as famílias com maior renda terem maior gasto não necessariamente significa que compram mais cigarros, pois essas podem adquirir cigarros com preço unitário mais elevado. Corroborando essa suposição, estudo com dados do VIGITEL 2006 revelou que a prevalência de fumantes com consumo intenso de cigarros foi maior entre indivíduos com escolaridade mais baixa 2222. Silva GA, Valente JG, Almeida LM, Moura EC, Malta DC. Tabagismo e escolaridade no Brasil, 2006. Rev Saúde Pública 2009; 43:48-56..

Quando os períodos de referência para coleta de dados são mais longos, uma maior proporção das famílias pode contribuir com as médias. Quando o período para coleta de dados é curto, como é o caso do cigarro (7 dias), é mais adequado considerar apenas o gasto das famílias que tiveram registro de gasto, de modo a evitar subestimação dos gastos. Todavia, essa abordagem pode resultar em superestimação da proporção da renda comprometida com os gastos 1717. Garcia LP, Sant’Anna AC, Magalhães LCG, Freitas LRS, Aurea AP. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda familiar: análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 e de 2008-2009. Cad Saúde Pública 2013; 29:1605-16.. Quando se considera apenas as famílias que tiveram gastos com cigarro, a média desse gasto corresponde a um valor mais elevado em comparação com aquele que seria calculado incluindo-se o total das famílias. A segunda abordagem, por outro lado, subestimaria o valor do gasto com tabagismo e seu peso sobre a renda das famílias 1515. Kroeff LR, Mengue SS. Análise dos gastos individuais com tabagismo a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003. Cad Saúde Pública 2010; 26:2334-42..

Outra limitação do estudo está relacionada ao uso do IPCA como deflator. É possível que a adoção de um deflator mais específico pudesse ter reduzido a possível subestimação no valor do gasto com cigarro, uma vez que o valor desse gasto é influenciado pelas elevações da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Todavia, mesmo a adoção do preço médio dos cigarros resulta em problemas se a variabilidade dos preços do bem é alta quando se considera a renda do consumidor. E esse parece ser o caso dos cigarros, com amplo espectro de marcas e de preços, de modo que a utilização do preço médio pode acarretar viés, pois a diferença de preços dos cigarros do consumidor de baixa renda e o de alta pode ser grande. É possível que a adoção de um deflator mais específico não consiga corrigir esse eventual viés de deflação. Por outro lado, o eventual viés seria de subestimação da variação do preço dos cigarros, mas os resultados apontam que, apesar da subestimação, o valor médio mensal do gasto se elevou.

Não obstante suas limitações, o presente estudo evidencia que o peso do gasto com cigarro é maior para as famílias de menor renda. Essas famílias acumulam prejuízos, pois, além de apresentarem desvantagens quanto aos determinantes sociais da saúde, têm parte importante de sua renda comprometida na aquisição de cigarros, um produto cujas consequências negativas para a saúde são amplamente conhecidas, tanto para os fumantes ativos como para os passivos. O cigarro é um dos principais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabagismo seja responsável por aproximadamente 70% dos casos de câncer de pulmão, 42% de doenças respiratórias e 10% de doenças do aparelho circulatório 22. World Health Organization. WHO global report mortality attributable to tobacco. http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564434_eng.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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,2323. World Health Organization. Global health risks: mortality and urden of disease attributable to selected major risks. Geneva: World Health Organization; 2009.. Essa carga de doenças ainda resulta em maiores gastos com saúde nas famílias que têm fumantes 2424. Morishima T, Imanaka Y, Otsubo T, Hayashida K, Watanabe T, Tsuji I. Burden of household environmental tobacco smoke on medical expenditure for Japanese women: a population-based cohort study. J Epidemiol 2013; 23:55-62..

As ações do PNCT, juntamente com outras iniciativas voltadas ao controle do tabagismo, fizeram com que o Brasil se tornasse referência mundial na área e tivesse papel de liderança na elaboração da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), primeiro tratado internacional de saúde pública da história da OMS, adotada pela Assembleia Mundial da Saúde em 2003 e vigente a partir de 2005. Ainda em 2005, o Senado Federal retificou a adesão do Brasil, de modo que a implementação das medidas da CQCT passou a ser a PNCT, incluindo a adoção de medidas intersetoriais nas áreas de propaganda, publicidade, patrocínio, advertências sanitárias, tabagismo passivo, tratamento de fumantes, comércio ilegal e preços e impostos 77. Teixeira LA, Jaques TA. Legislação e controle do tabaco no Brasil entre o final do século XX e início do XXI. Rev Bras Cancerol 2011; 53:295-304.,2525. Cavalcante T. Experiencia brasileña con políticas de control del tabaquismo. Salud Pública Méx 2004; 46:549-58..

Com essas ações, o Brasil logrou importantes êxitos na redução da prevalência do tabagismo, assim como na incidência e na mortalidade por doenças associadas a esse hábito 55. Malta DC, Iser BPM, Sá NNB, Yokota RTC, Moura L, Claro RM, et al. Tendências temporais no consumo de tabaco nas capitais brasileiras, segundo dados do VIGITEL, 2006 a 2011. Cad Saúde Pública 2013; 29:812-22.,66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.,1818. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil simsmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med 2012; 9:e1001336.,1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87.,2626. Malta DC, Moura L, Souza MFM, Curado MP, Alencar AP, Alencar GP. Tendência de mortalidade do câncer de pulmão, traqueia e brônquios no Brasil, 1980-2003. J Bras Pneumol 2007; 33:536-43.. Levy et al. 1818. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil simsmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med 2012; 9:e1001336., ao decomporem o efeito de cada política implementada entre 1989 e 2010, verificaram que aumentos de impostos/preços contribuíram com 48% da redução, leis mais rígidas sobre o fumo em ambientes e restrições mais severas de propaganda com 14% cada, programas de tratamento para cessação com 10%, alertas sobre saúde mais fortes com 8%, campanhas de massa na mídia com 6%, e restrições de acesso para jovens com menos de 1%.

Estudo realizado na década de 1990, no Brasil, mostrou que a elevação de preços do cigarro, por meio do aumento nos impostos sobre o produto, foi capaz de reduzir o consumo e elevar a arrecadação tributária 2727. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para a redução do consumo. Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Câncer; 2000.. Iglesias et al. 1414. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Silva V. Controle do tabagismo no Brasil. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/202_controle-tabagismo-brasil-BM.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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consideram paradoxal a situação do Brasil, que apresenta uma alta proporção da dívida pública em relação ao PIB, mas investe recursos públicos em medidas de controle do tabaco sem utilizar efetivamente os instrumentos fiscais e de regulação de preços para o controle do tabagismo. No mundo, a situação é inversa, a arrecadação supera o investimento no controle do tabaco que, segundo a OMS, ainda é subfinanciado. Enquanto os governos coletam aproximadamente US$ 133 bilhões de dólares a cada ano com os impostos incidentes sobre o tabaco, gastam, em conjunto, menos de US$ 1 bilhão, sendo que 97% dessa quantia são gastos em países de alta renda 22. World Health Organization. WHO global report mortality attributable to tobacco. http://whqlibdoc.who.int/publications/2012/9789241564434_eng.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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No Brasil, o Decreto no7.555/2011 regulamentou a incidência do IPI, relacionada aos cigarros, determinando um aumento gradual da alíquota do IPI e do preço mínimo do cigarro, que atingiu R$ 4,50 a vintena, a partir de janeiro de 2015 2828. Brasil. Decreto no 7.555 de 2011. Regulamenta os artigos 14 a 20 da Medida Provisória no 540, de 2 de agosto de 2011, que dispõem sobre a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, no mercado interno e na importação, relativo aos cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tabela de Incidência do IPI, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 28 ago..

Um número crescente de países tem aumentado os impostos sobre derivados do tabaco como medida de saúde pública e aplicado o valor arrecadado em programas voltados à redução do uso desses produtos e/ou na implementação de programas de saúde relacionados. Mais de cem estudos realizados em países de alta renda demonstram claramente que aumentos nos impostos dos derivados do tabaco resultam em reduções significativas no uso do tabaco, confirmando a máxima econômica de que, quando o preço de um produto aumenta, a demanda por ele diminui 2929. Jha P, Chaloupka F, Corrao M, Jacob B. Reducing the burden of smoking world-wide: effectiveness of interventions and their coverage. Drug Alcohol Rev 2006; 25:597-609.. Isso é particularmente importante no Brasil, onde o preço do cigarro é considerado baixo em comparação com outros países 66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.,3030. Guindon GE. Trends and affordability of cigarette prices: ample room for tax increases and related health gains. Tob Control 2002; 11:35-43.. Estudos nesse país também revelaram o potencial do aumento de impostos/preços sobre a redução da prevalência do tabagismo 1414. Iglesias R, Jha P, Pinto M, Silva V. Controle do tabagismo no Brasil. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/202_controle-tabagismo-brasil-BM.pdf (acessado em 02/Mar/2014).
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,1818. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil simsmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med 2012; 9:e1001336.,2727. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para a redução do consumo. Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Câncer; 2000..

A afirmação de que a elevação do preço do cigarro incentivaria o contrabando, em vez de reduzir o consumo, é considerada uma falácia. O aumento de preços é a medida considerada mais efetiva para a redução do consumo de cigarros, especialmente entre jovens e pessoas com menor renda 2727. Instituto Nacional de Câncer. O cigarro brasileiro: análises e propostas para a redução do consumo. Rio de Janeiro; Instituto Nacional de Câncer; 2000.. Relatório do Banco Mundial destaca que os temores econômicos relacionados às medidas de contenção do tabaco são infundados, pois essas trariam benefícios à saúde sem precedentes e não prejudicariam as economias dos países 2929. Jha P, Chaloupka F, Corrao M, Jacob B. Reducing the burden of smoking world-wide: effectiveness of interventions and their coverage. Drug Alcohol Rev 2006; 25:597-609..

Acredita-se que medidas econômicas são importantes no contexto nacional, pois, apesar do aumento do valor médio do gasto com cigarro observado no presente estudo, a parcela da renda e da despesa comprometida com esse tipo de gasto reduziu entre as famílias que gastaram com cigarro, em todos os estratos de renda. Ademais, a prevalência do tabagismo no Brasil ainda é maior entre os estratos da população com piores condições socioeconômicas e mais baixo nível de escolaridade 66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.,88. Brasil. Lei no 12.546 de 2011. Institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 15 dez.,1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87.,2222. Silva GA, Valente JG, Almeida LM, Moura EC, Malta DC. Tabagismo e escolaridade no Brasil, 2006. Rev Saúde Pública 2009; 43:48-56.. Segundo Wünsch Filho et al. 1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87., são justamente esses os grupos mais vulneráveis, uma vez que apresentam menor crítica às mensagens da indústria do tabaco. Essas desigualdades na prevalência também foram encontradas em outros países, a exemplo dos Estados Unidos 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838. e da Austrália 3131. Siahpush M, Wakefield MA, Spittal MJ, Durkin SJ, Scollo MM. Taxation reduces social disparities in adult smoking prevalence. Am J Prev Med 2009; 36:285-91., e são extremamente preocupantes, pois contribuem para aumentar as disparidades na expectativa de vida segundo condições socioeconômicas 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838.. Ademais, podem ser potencializadas pela associação entre consumo de álcool e tabaco, detectada em estudo realizado no México 3232. Vázquez-Segovia LA, Sesma-Vázquez S, Hernández-Avila M. El consumo de tabaco en los hogares en México: resultados de la Encuesta de Ingresos y Gastos de los Hogares, 1984-2000. Salud Pública Méx 2002; 44 Suppl 1:S76-81..

Estudos demonstraram que os grupos com menor renda são mais responsivos aos aumentos de preço dos cigarros 3131. Siahpush M, Wakefield MA, Spittal MJ, Durkin SJ, Scollo MM. Taxation reduces social disparities in adult smoking prevalence. Am J Prev Med 2009; 36:285-91.,3333. Colman GJ, Remler DK. Vertical equity consequences of very high cigarette tax increases: if the poor are the ones smoking, how could cigarette tax increases be progressive? J Policy Anal Manage 2008; 27:376-400.. Estudo realizado na Austrália sugere que o aumento do preço dos cigarros não é apenas uma estratégia efetiva para reduzir a prevalência do tabagismo, mas também pode fornecer meios para reduzir as desigualdades sociais relacionadas a esse hábito 3131. Siahpush M, Wakefield MA, Spittal MJ, Durkin SJ, Scollo MM. Taxation reduces social disparities in adult smoking prevalence. Am J Prev Med 2009; 36:285-91.. Estudo realizado nos Estados Unidos demonstrou que o aumento do preço do cigarro contribuiu para a redução da prevalência do tabagismo entre indivíduos de baixa renda 3434. Vijayaraghavan M, Messer K, White MM, Pierce JP. The effectiveness of cigarette price and smoke-free homes on low-income smokers in the United States. Am J Public Health 2013; 103:2276-83.. Outro estudo no mesmo país revelou que o aumento de preço do cigarro tem potencial para reduzir a prevalência de tabagismo entre jovens, com maior velocidade nas subpopulações de nível socioeconômico mais baixo 3535. Tauras JA, Huang J, Chaloupka FJ. Differential impact of tobacco control policies on youth sub-populations. Int J Environ Res Public Health 2013; 10:4306-22..

Uma das medidas mais eficientes para inibir o início do hábito de fumar entre jovens é aumentar o preço dos cigarros 2929. Jha P, Chaloupka F, Corrao M, Jacob B. Reducing the burden of smoking world-wide: effectiveness of interventions and their coverage. Drug Alcohol Rev 2006; 25:597-609.. A adolescência é o período de maior propensão para a aquisição de hábitos e atividades aditivas como o tabagismo 1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87.. Mecanismos para evitar a introdução precoce do hábito são extremamente relevantes, uma vez que, quanto menor a idade do início, maior a probabilidade de o indivíduo tornar-se um fumante pesado, dependente da nicotina 3636. Everett SA, Warren CW, Sharp D, Kann L, Husten CG, Crossett LS. Initiation of cigarette smoking and subsequent smoking behavior among U.S. high school students. Prev Med 1999; 29:327-33.. Segundo aPesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2009 com estudantes do 9º ano do ensino fundamental, a prevalência de fumante regular foi 6,3% (IC95%: 5,87-6,74) maior entre estudantes de escolas públicas, de cor parda e cujas mães têm menor escolaridade 3737. Barreto SM, Giatti L, Casado L, Moura L, Crespo C, Malta DC. Exposição ao tabagismo entre escolares no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15:3027-34..

Todavia, deve-se considerar que a taxação do cigarro é regressiva, ou seja, os grupos com menor renda gastam uma parcela desproporcionalmente maior de sua renda com impostos do que aqueles com maior renda 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838.,3333. Colman GJ, Remler DK. Vertical equity consequences of very high cigarette tax increases: if the poor are the ones smoking, how could cigarette tax increases be progressive? J Policy Anal Manage 2008; 27:376-400.. Essa regressividade é corroborada pelos achados do presente estudo. Apesar do efeito esperado de redução da prevalência de tabagismo no agregado dessas famílias após o aumento do preço do cigarro, individualmente, os fumantes de baixa renda podem ter respostas diferentes. Enquanto aqueles que estão motivados a parar de fumar podem aproveitar o aumento de preço como oportunidade, outros podem persistir com o hábito e buscar compensar o preço mais alto utilizando produtos mais baratos (por exemplo, cigarro de palha ou produtos contrabandeados). Uma preocupação é que a maior frequência de fumantes pesados na população com menor renda pode estar relacionada a uma limitação da autonomia dos sujeitos que não são capazes de abandonar o hábito, o que, juntamente com o estresse de lidar com restrições financeiras, pode dificultar a cessação. Outra preocupação é que os preços mais altos podem resultar em maior peso sobre a renda das famílias de menor nível socioeconômico 2020. Farrelly MC, Nonnemaker JM, Watson KA. The consequences of high cigarette excise taxes for low-income smokers. PLoS One 2012; 7:e43838.,3838. Ross H, Blecher E, Yan L, Hyland A. Do cigarette prices motivate smokers to quit? New evidence from the ITC survey: do cigarette prices motivate smokers to quit? Addiction 2011; 106:609-19.,3939. Wilson N, Thomson G. Tobacco taxation and public health: ethical problems, policy responses. Soc Sci Med 1982; 61:649-59..

A constatação da regressividade da taxação sobre o cigarro reforça que o aumento dos impostos e, consequentemente do preço dos cigarros, deve ser aliado a outras estratégias. Destaca-se a necessidade do reforço das ações do PNCT, especialmente para a população com menor nível socioeconômico, para não apenas promover a cessação do tabagismo, mas também prevenir a recaída 66. Monteiro C. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989-2003). Bull World Health Organ 2007; 85:527-34.,1919. Wünsch Filho V, Mirra AP, López RVM, Antunes LF. Tabagismo e câncer no Brasil: evidências e perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2010; 13:175-87.,3434. Vijayaraghavan M, Messer K, White MM, Pierce JP. The effectiveness of cigarette price and smoke-free homes on low-income smokers in the United States. Am J Public Health 2013; 103:2276-83..

Juntamente com o aumento de preços, a adoção de lares livres do fumo tem potencial para reduzir o hábito de fumar entre indivíduos com baixa renda 3434. Vijayaraghavan M, Messer K, White MM, Pierce JP. The effectiveness of cigarette price and smoke-free homes on low-income smokers in the United States. Am J Public Health 2013; 103:2276-83.. As famílias com menor renda seriam as mais beneficiadas com a liberação de recursos gastos com cigarro para outras finalidades, pois esses gastos representam maior peso sobre sua renda. Além disso, o menor consumo de cigarros está relacionado com menos gastos com saúde para as famílias 2424. Morishima T, Imanaka Y, Otsubo T, Hayashida K, Watanabe T, Tsuji I. Burden of household environmental tobacco smoke on medical expenditure for Japanese women: a population-based cohort study. J Epidemiol 2013; 23:55-62.. A proibição do fumo dentro de veículos é outra medida defendida 4040. Desapriya E, Turcotte K, Subzwari S, Pike I. Smoking inside vehicles should be banned globally. Am J Public Health 2009; 99:1158-9.. Sua adoção protegeria crianças e outros acompanhantes dos malefícios do fumo passivo, com o benefício adicional de reduzir a distração ocasionada ao motorista pelo ato de fumar ao volante.

Outra medida importante é a regulação do uso de aditivos, usados com a finalidade de tornar os produtos derivados do tabaco mais palatáveis e estimular a iniciação de jovens. O Brasil foi pioneiro no mundo ao aprovar a Resolução de Diretoria Colegiada no14/2012, da ANVISA, que proibiu o uso de aditivos com sabores e aromas em cigarros. A indústria recebeu o prazo de 18 meses para adequar os produtos 4141. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada no 14, de 15 de março de 2012. Dispõe sobre os limites máximos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros e a restrição do uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2012; 16 mar.. Contudo, faltando menos de um mês para o fim do prazo, foi emitida a Instrução Normativa no06/2013, em resposta às petições da indústria, permitindo o uso de 121 aditivos, por um período de um ano 4242. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa no 6, de 26 de agosto de 2013. Diário Oficial da União 2013, 27 ago.. Em setembro de 2013, entidades ligadas à saúde pública, lideradas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), fizeram um apelo à Diretoria Colegiada da Anvisa para que anulasse a Instrução Normativa no06/2013, mantendo as determinações da RDC no14/2012.

Outra iniciativa recente foi a aprovação da Lei no12.921/2013, que proíbe a fabricação, a comercialização, a distribuição e a propaganda de produtos nacionais e importados, de qualquer natureza, bem como embalagens, destinados ao público infanto-juvenil, reproduzindo a forma de cigarros e similares 4343. Brasil. Lei no 12.921/2013. Proíbe a fabricação, a comercialização, a distribuição e a propaganda de produtos nacionais e importados, de qualquer natureza, bem como embalagens, destinados ao público infanto-juvenil, reproduzindo a forma de cigarros e similares. Diário Oficial da União 2013; 27 dez.. Também é relevante a recente regulamentação da Lei no12.546/201188. Brasil. Lei no 12.546 de 2011. Institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 15 dez., que proíbe o fumo em locais coletivos fechados, privados ou públicos, e os fumódromos e limita a propaganda do cigarro à exposição dos maços nos locais de venda.

A adoção de legislação para obrigar que os cigarros sejam vendidos em caixas de maços “genéricas”, sem identificação da marca (cores, imagens, logotipos), é outra estratégia interessante para ser adotada no Brasil, onde as demais restrições fizeram com que a embalagem do cigarro em si se tornasse uma das principais formas de propaganda usadas pela indústria. A Austrália foi o primeiro país a adotar, em 2012, legislação desse tipo, fazendo com que o destaque na embalagem seja dado aos alertas sobre os malefícios do cigarro. Estudo realizado naquele país revelou que os fumantes usando embalagens genéricas estavam mais propensos a pensar em parar de fumar, pelo menos, uma vez ao dia durante a semana anterior e a colocar a cessação como alta prioridade em suas vidas 4444. Wakefield MA, Hayes L, Durkin S, Borland R. Introduction effects of the Australian plain packaging policy on adult smokers: a cross-sectional study. BMJ Open 2013; 3:e003175.. O Reino Unido está discutindo a adoção de legislação semelhante 4545. Kmietowicz Z. Plain packaging seems to increase thoughts about quitting smoking. BMJ 2013; 347:f4665.. No Brasil, estudo realizado com mulheres de 16 a 26 anos de idade revelou que a utilização de embalagens genéricas pode tornar o cigarro menos atrativo para as jovens 4646. White CM, Hammond D, Thrasher JF, Fong GT. The potential impact of plain packaging of cigarette products among Brazilian young women: an experimental study. BMC Public Health 2012; 12:737..

Apesar da intensa redução da prevalência do tabagismo observada no Brasil, o número de fumantes ainda é suficiente para manter elevada a carga das doenças relacionadas ao fumo no futuro. Extrapolando-se a prevalência pontual estimada pelo VIGITEL 2012 (12,1% na população adulta) 1010. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2012: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2013., significa que existem aproximadamente 17 milhões de fumantes no país.

A prevenção e a cessação são as medidas de saúde pública mais efetivas para reduzir os efeitos danosos do cigarro. O aumento de impostos/preços, a regulação dos aditivos, a proibição de brinquedos que imitam cigarro, a adoção de embalagens genéricas, a redução do fumo nos lares e a proibição do fumo em veículos podem contribuir para isso, em conjunto com as estratégias do PNCT. Por fim, os resultados do presente estudo sugerem que a população com piores condições socioeconômicas deve ser o alvo privilegiado dessas ações e estratégias.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2014
  • Revisado
    11 Fev 2015
  • Aceito
    02 Maio 2015
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