Resumos
Os objetivos do estudo foram estimar a ocorrência de bridging, ou seja, o quanto as mulheres que não usavam métodos contraceptivos, começaram a utilizá-los no mês subsequente ao uso da anticoncepção de emergência; e estimar as taxas de descontinuidade contraceptiva antes e após o uso da anticoncepção de emergência. A coleta dos dados ocorreu por meio de um histórico retrospectivo diário sobre o uso de métodos nos 30 dias antes e após o uso da anticoncepção de emergência, com 2.051 usuárias de unidades básicas de saúde de São Paulo, Aracaju (Sergipe) e Cuiabá (Mato Grosso), Brasil. Resultados do estudo revelaram que, em média, as mulheres iniciaram o uso do método 7,6 dias (DP = 2,4) após o uso da anticoncepção de emergência e a descontinuidade ocorreu 17,1 dias (DP = 7,0) após o uso da mesma. A maioria das mulheres utilizou um método de forma contínua 30 dias antes (44,4%) e 30 dias após (65,7%) a anticoncepção de emergência. Foi identificado que apenas 8,1% das mulheres que não utilizavam método antes da anticoncepção de emergência, usaram após o seu uso (bridging). Ter 35 ou mais anos de idade (OR = 1,8; IC95%: 1,4-2,6) associou-se com o uso de métodos contraceptivos após a utilização da anticoncepção de emergência, entre mulheres que não usavam métodos. Residir em Aracaju (OR = 0,7; IC95%: 0,4-0,9), associou-se negativamente. Concluiu-se que uma ínfima parte das mulheres que não utilizava método anticoncepcional algum antes da anticoncepção de emergência, iniciaram o uso após o uso desta (bridging).
Palavras-chave:
Contracepção; Saúde Sexual e Reprodutiva; Anticoncepcionais de Emergência
The study’s objectives were to estimate the occurrence of bridging, that is, the degree to which women that had not been using contraceptive methods began to use them in the month following the use of emergency contraception, and to estimate the rates of contraceptive discontinuity before and after the use of emergency contraception. Data collection occurred through a retrospective daily history on the use of methods in the 30 days before and after the use of emergency contraception, with 2,051 users of primary health care units in São Paulo, Aracaju (Sergipe), and Cuiabá (Mato Grosso), Brazil. The study’s results showed that on average, women began their use of the method 7.6 days (SD = 2.4) after the use of emergency contraception, and that discontinuity occurred 17.1 days (SD = 7.0) after its use. Most of the women used the method continuously 30 days before (44.4%) and 30 days after (65.7%) emergency contraception. Only 8.1% of the women who had not been using the method before emergency contraception used it afterwards (bridging). Age 35 years or older (OR = 1.8; 95%CI: 1.4-2.6) was associated with the use of contraceptive methods after the use of emergency contraception among women who had not been using methods before. Residence in Aracaju (OR = 0.7; 95%CI: 0.4-0.9) showed an inverse association. In conclusion, a negligible portion of women who had not been using contraceptive methods before emergency contraception began using them afterwards (bridging).
Keywords:
Contraception; Sexual and Reproductive Health; Emergency Contraceptives
Los objetivos del estudio fueron estimar la ocurrencia de bridging, es decir, durante cuánto tiempo las mujeres, que no usaban métodos contraceptivos, comenzaron a utilizarlos en el mes subsiguiente al uso de la anticoncepción de emergencia; así como estimar las tasas de discontinuidad anticonceptiva antes y después del uso de métodos anticonceptivos de emergencia. La recogida de datos se produjo mediante un historial retrospectivo diario sobre el uso de métodos durante 30 días antes y después del uso de anticonceptivos de emergencia, con 2.051 pacientes de unidades básicas de salud de São Paulo, Aracaju (Sergipe) y Cuiabá (Mato Grosso), Brasil. Los resultados del estudio revelaron que, de media, las mujeres comenzaron el uso del método 7,6 días (DE = 2,4) tras el uso de la anticoncepción de emergencia, y la discontinuidad se produjo 17,1 días (DE = 7,0) tras la utilización de la misma. La mayoría de las mujeres utilizaron un método de forma continua 30 días antes (44,4%) y 30 días después (65,7%) de la anticoncepción de emergencia. Se identificó que solamente un 8,1% de las mujeres que no utilizaban un método antes de la anticoncepción de emergencia, tras su uso, comenzaron con el (bridging). Tener 35 o más años de edad (OR = 1,8; IC95%: 1,4-2,6) se asoció con el uso de métodos anticonceptivos, tras la utilización de la anticoncepción de emergencia, entre mujeres que no usaban métodos. Residir en Aracaju (OR = 0,7; IC95%: 0,4-0,9) se asoció negativamente. Se concluyó que una ínfima parte de las mujeres que no utilizaban método antes de la anticoncepción de emergencia comenzaron con su uso tras la misma (bridging).
Palabras-clave:
Anticoncepción; Salud Sexual y Reproductiva; Anticonceptivo de Emergencia
Introdução
Anualmente, mais de 120 milhões de mulheres em idade reprodutiva relatam vivenciar gestações não intencionais no mundo, o que equivale a cerca de 64% das gestações em nível global, e muitas dessas são gestações finalizadas em abortamentos inseguros 11. Bearak J, Popinchalk A, Ganatra B, Moller AB, Tunçalp O, Beavin C, et al. Unintended pregnancy and abortion by income, region, and the legal status of abortion: estimates from a comprehensive model for 1990-2019. Lancet Glob Health 2020; 8:e1152-61.. No Brasil, o cenário não é muito diferente: cerca de 54% das gestações são classificadas como não intencionais 22. Theme-Filha MM, Baldisserotto ML, Fraga ACSA, Ayers S, Gama SGN, Leal MC. Factors associated with unintended pregnancy in Brazil: cross-sectional results from the Birth in Brazil National Survey, 2011/2012. Reprod Health 2016; 13 Suppl 1:118. e estima-se uma média anual de 500 mil abortos inseguros 33. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60..
Gestações não intencionais ocorrem por inúmeras razões, como dificuldades no acesso aos métodos anticoncepcionais (MAC), não uso de MAC quando se tem necessidade, o uso de forma inconsistente e/ou incorreta, dificuldades na negociação do uso com parceiros, dentre outras; mas este estudo pretende enfocar a descontinuidade no uso dos MAC, chamada de descontinuidade contraceptiva 44. Winner B, Peipert JF, Zhao Q, Buckel C, Madden T, Allsworth JE, et al. Effectiveness of long-acting reversible contraception. N Engl J Med 2012; 366:1998-2007.,55. Brandão ER, Cabral CS. Da gravidez imprevista à contracepção: aportes para um debate. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00211216..
A descontinuidade contraceptiva é definida como o evento de iniciar o uso de MAC e, posteriormente, trocá-lo ou abandoná-lo por qualquer razão enquanto ainda se está vulnerável a engravidar, ou quando há falha no uso do MAC, isso é, a mulher engravidou enquanto estava utilizando um método 66. Cleland J, Ali MM. Reproductive consequences of contraceptive failure in 19 developing countries. Obstet Gynecol 2004; 104:314-20.. Em países de média e baixa renda, um terço das mulheres que iniciam uso de MAC descontinua logo no primeiro ano e metade descontinua nos primeiros dois anos de uso 77. Castle S, Askew I. Contraceptive discontinuation: reasons, challenges, and solutions. http://ec2-54-210-230-186.compute-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/2015/12/FP2020_ContraceptiveDiscontinuation_SinglePageRevise_12.16.15.pdf (acessado em 21/Abr/2021).
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. Ou seja, a descontinuidade contraceptiva é um evento relativamente frequente.
Justamente nos casos em que o MAC é descontinuado sem intenção de engravidar é que há indicação para o uso de um backup contraceptivo, como a anticoncepção de emergência (AE), a fim de reduzir a chance de ocorrência de uma gravidez não intencional 77. Castle S, Askew I. Contraceptive discontinuation: reasons, challenges, and solutions. http://ec2-54-210-230-186.compute-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/2015/12/FP2020_ContraceptiveDiscontinuation_SinglePageRevise_12.16.15.pdf (acessado em 21/Abr/2021).
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. Por essa razão, a AE é considerada um marcador de descontinuidades contraceptivas 88. Borges ALV, Fujimori E, Hoga LAK, Contin MV. Práticas contraceptivas entre jovens universitárias: o uso da anticoncepção de emergência. Cad Saúde Pública 2010; 26:816-26., pois é frequentemente usada nos momentos de abandono ou troca de MAC regulares.
No Brasil, a AE é principalmente utilizada pelas jovens - estimou-se que entre 42% e 60% das mulheres entre 18 e 24 anos de idade já usaram a AE anteriormente 99. Alano GM, Costa LN, Mirand LR, Galato D. Conhecimento, consumo e acesso à contracepção de emergência entre mulheres universitárias no sul do Estado de Santa Catarina. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:2397-404.,1010. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive patterns after use of emergency contraception among female undergraduate students in Brazil. Eur J Contracept Reprod Health Care 2018; 23:335-43.,1111. Olsen JM, Lago TDG, Kalckmann S, Alves MCGP, Escuder MML. Práticas contraceptivas de mulheres jovens: inquérito domiciliar no Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00019617.. A literatura tem mostrado que, além de ser uma opção de backup para evitar uma gravidez não intencional, também tem potencial para incentivar o uso regular de MAC, o que se constitui numa transição conhecida como bridging1212. Cameron ST, Baraitser P, Glasier A, McDaid L, Norrie J, Radley A, et al. Pragmatic cluster randomised cohort cross-over trial to determine the effectiveness of bridging from emergency to regular contraception: the Bridge-It study protocol. BMJ Open 2019; 9:e029978.,1313. Cameron ST, Glasier A, McDaid L, Radley A, Baraitser P, Stephenson J, et al. Use of effective contraception following provision of the progestogen-only pill for women presenting to community pharmacies for emergency contraception (Bridge-It): a pragmatic cluster-randomised crossover trial. Lancet 2020; 396:1585-94.. Embora o bridging tenha sido relatado por inúmeros pesquisadores, que observaram a adoção mais frequente de contracepção regular após o uso de AE 1313. Cameron ST, Glasier A, McDaid L, Radley A, Baraitser P, Stephenson J, et al. Use of effective contraception following provision of the progestogen-only pill for women presenting to community pharmacies for emergency contraception (Bridge-It): a pragmatic cluster-randomised crossover trial. Lancet 2020; 396:1585-94.,1414. Sidebottom A, Harrison PA, Donna A, Finnegan K. The varied circumstances prompting requests for emergency contraception at school-based clinics. J School Health 2008; 78:258-63.,1515. Moreau C, Trussell J, Michelot F, Bajos N. The effect of access to emergency contraceptive pills on women's use of highly effective contraceptives: results from a French national cohort study. Am J Public Health 2009; 99:441-2., sua ocorrência ainda é praticamente desconhecida no Brasil. O único estudo conduzido com população brasileira foi realizado entre mulheres jovens e universitárias, que têm comportamentos contraceptivos bastante diversos das mulheres em geral. Tal estudo mostrou que 40,7% das jovens que não estavam utilizando MAC regular acabaram adotando um após o uso da AE 1010. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive patterns after use of emergency contraception among female undergraduate students in Brazil. Eur J Contracept Reprod Health Care 2018; 23:335-43..
Nosso estudo vai além e propõe estimar a ocorrência de bridging, ou seja, o quanto mulheres - jovens e adultas - que não usavam MAC regular ao usar a AE, iniciaram o uso no mês posterior; propõe também estimar as taxas de descontinuidade contraceptiva antes e após o uso da AE. Tudo isso é relevante para compreender a dinâmica contraceptiva da AE, tendo em vista que se trata de um MAC de uso pontual.
Metodologia
Trata-se de estudo quantitativo do tipo transversal com recordatório dos últimos cinco anos, parte de uma pesquisa mais ampla que investigou os padrões e determinantes das descontinuidades contraceptivas. O estudo foi conduzido com uma amostra probabilística de mulheres com idades entre 18 e 49 anos e que utilizaram os serviços das unidades básicas de saúde (UBS) em São Paulo, Aracaju (Sergipe) e Cuiabá (Mato Grosso), Brasil, entre 2015 e 2017.
O cálculo e plano amostral utilizados na pesquisa mais ampla foram descritos por Borges et al. 1616. Borges ALV, Chofakian CBN, Viana OA, Divino EA. Descontinuidades contraceptivas no uso do contraceptivo hormonal oral, injetável e do preservativo masculino. Cad Saúde Pública 2021; 37:e0014220.. Foram entrevistadas 2.051 mulheres, sendo 1.030 em São Paulo (2015), 508 em Aracaju (2016) e 513 em Cuiabá (2017). O tamanho da subamostra foi calculado considerando os seguintes parâmetros: proporção de mulheres que já usou AE 1717. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnds_crianca_mulher.pdf (acessado em 15/Mai/2021).
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, nível de 95% de confiança, erro de amostragem de 5% e efeito do delineamento (deff) igual a 2. Os erros do tipo I (alfa) e II (beta) foram fixados em 0,05 e 0,20, respectivamente. Logo, o nível de significância (valor de p) e o poder do teste (1-beta) foram definidos como 5% e 80%, respectivamente. Dessa forma, a subamostra calculada foi igual a 325.
A subamostra aqui analisada compreendeu as mulheres que relataram ter usado AE alguma vez nos cinco anos anteriores à entrevista e que não estavam grávidas no momento do uso da AE (n = 775). Caso a mulher relatasse ter usado AE mais de uma vez nesse período, foi solicitado que considerasse apenas a última vez em que a usou.
Além do cálculo amostral, foi calculado o poder do teste estatístico post hoc1818. Flahault A, Cadilhac M, Thomas G. Sample size calculation should be performed for design accuracy in diagnostic test studies. J Clin Epidemiol 2005; 58:859-62., sendo que esse cálculo foi embasado no uso da AE. A partir dos dados válidos de 775 mulheres, o poder do teste estatístico foi aproximadamente 89%.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas face a face, que duravam 20 minutos, por pesquisadoras graduadas na área da saúde. Neste estudo, foi utilizado o Calendário Diário da AE, que é um histórico retrospectivo diário sobre o uso de MAC nos 30 dias antes e 30 dias após o uso da AE, considerando a última vez em que foi usada. Tal calendário foi elaborado pelas pesquisadoras com base no Calendário Contraceptivo usado nas pesquisas do tipo demografia e saúde (DHS; Demographic and Health Survey) 1919. Bradley SEK, Schwandt HM, Khan S. Levels, trends, and reasons for contraceptive discontinuation. https://dhsprogram.com/pubs/pdf/AS20/AS20.pdf (acessado em 02/Mar/2021).
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e já foi validado em estudo conduzido com jovens universitárias 1010. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive patterns after use of emergency contraception among female undergraduate students in Brazil. Eur J Contracept Reprod Health Care 2018; 23:335-43..
A análise dos dados foi realizada em duas etapas, no Stata 14.0 (https://www.stata.com). A primeira etapa consistiu na descrição, por meio de número absoluto e proporção: (a) do perfil sociodemográfico e reprodutivo das mulheres que usaram AE nos cinco anos anteriores; (b) do uso contínuo/descontinuado de MAC nos 30 dias anteriores ao uso da AE, por tipo de MAC; essa mesma análise foi também conduzida considerando cinco dias antes do uso da AE, tendo em vista que este é o período em que AE pode ser usada após uma relação sexual desprotegida 2020. Ministério da Saúde. Anticoncepção de emergência - perguntas e respostas para profissionais de saúde. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anticoncepcao_emergencia_perguntas_respostas_2ed.pdf (acessado em 02/Mar/2021).
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; (c) do uso de MAC nos 30 dias posteriores ao uso da AE, segundo uso contínuo/descontinuado por tipo de MAC e por tipo de descontinuidade (abandono, troca para um método mais eficaz, troca para um método menos eficaz; e, por fim, (d) do uso de MAC antes e após o uso da AE, considerando as categorias “usou MAC antes e após o uso da AE”; “usou MAC antes do uso da AE, mas não usou após”; “não usou MAC antes do uso da AE e nem após”; “não usou MAC antes do uso da AE, mas usou após”; “descontinuou o MAC antes de usar a AE e usou MAC após” e “descontinuou o MAC antes de usar a AE e não usou MAC após”. Todas essas categorias foram descritas tanto em relação ao período de 30 dias quanto em relação ao período de cinco dias antes do uso da AE. Foi considerada descontinuidade contraceptiva quando houve troca no MAC (o uso do MAC foi descontinuado, mas outro método foi iniciado no dia seguinte do Calendário Diário da AE), ou abandono do método (o uso do método foi interrompido, mas nenhum outro MAC foi adotado no dia subsequente do Calendário Diário da AE).
As variáveis independentes dizem respeito às características socioeconômicas (município, idade, escolaridade, cor da pele, grupo socioeconômico, religião, trabalho remunerado, plano de saúde, união conjugal), história sexual (idade na primeira relação sexual, número de parceiros sexuais), e reprodutiva (gravidez anterior, número de gestações anteriores, aborto anterior, intenção reprodutiva). Quanto ao grupo socioeconômico, é importante ressaltar que este foi definido segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil2121. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica Brasil. http://www.abep.org/criterio-brasil (acessado em 02/Mar/2021).
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Destacamos que, como o uso da AE poderia ter ocorrido até cinco anos anteriores à entrevista, foi realizada análise de sensibilidade, a fim de verificar diferenças nos resultados em relação ao momento em que a AE foi utilizada pela última vez (mais recente ou não).
A segunda etapa consistiu no uso da regressão logística univariada e múltipla, na qual as variáveis sociodemográficas e da história contraceptiva foram inseridas simultaneamente no modelo, a fim de identificar os fatores associados à ocorrência de descontinuidade do uso do MAC cinco dias antes do uso da AE (não/sim); e a não usar MAC cinco dias antes do uso da AE, mas iniciar o uso após (não/sim), ou seja, o bridging. O teste Hosmer-Lemeshow foi utilizado para analisar o ajuste do modelo. Odds ratio ajustada (OR) e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) foram estimados. Destacamos que as variáveis analisadas referem-se às características da mulher no momento da entrevista. Dessa forma, na análise de regressão logística, não foram incluídas as variáveis que podem se alterar no curso de vida da mulher (união conjugal, número de parceiros sexuais, gravidez anterior, número de gestações anteriores, aborto anterior e intenção reprodutiva) e que, portanto, podem não refletir a situação da mulher na ocasião do uso da AE.
Por último, para analisar o tempo até́ o início do uso de MAC após o uso da AE (variável dependente) e o tempo até́ ocorrer alguma descontinuidade após o uso da AE (variável dependente), foi utilizado o estimador de Kaplan-Meier. Salienta-se que as taxas de descontinuidade por falhas não foram analisadas.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (CAAE 40558714.8.3001.0086) e da Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (CAAE 40558714.8.0000.5392).
Resultados
As mulheres entrevistadas que usaram AE nos cinco anos anteriores à entrevista tinham, em média, 27 anos de idade (DP = 6,8). A maioria era de São Paulo (51,9%), estudou entre 9 e 11 anos (64,5%), classificou-se como parda (51,9%), pertencia ao grupo socioeconômico C (66,2%), era católica (41,6%), exercia trabalho remunerado (54,1%) e não possuía plano de saúde (80,8%). Quanto ao comportamento sexual e história reprodutiva, a maioria estava em união conjugal (65%), teve a primeira relação sexual entre 15 e 18 anos de idade (67,2%), teve quatro ou mais parceiros sexuais na vida (46,9%), já havia engravidado anteriormente (84,9%), não relatou aborto anterior (78,2%) e não queria ter (mais) filhos (51,7%) (Tabela 1).
Em relação à última vez que a AE foi utilizada, a maioria das mulheres (71,1%) a utilizou no máximo até dois anos anteriores à entrevista, sendo que na análise de sensibilidade não foram observadas diferenças nos resultados quanto ao momento em que a AE foi utilizada (mais recente ou não). Ainda, mais da metade das mulheres (66,1%) utilizou a AE no máximo três vezes na vida, o que denota que o uso é pontual (dado não apresentado em tabela).
Apresenta-se, na Figura 1, o intervalo de tempo (em dias) até o início de uso de MAC regular e até a ocorrência de descontinuidade contraceptiva após o uso da AE. Em média, as mulheres iniciaram o uso do MAC 7,6 dias (DP = 2,4) após o uso da AE, com mediana de 6 dias; e, dentre as que iniciaram o uso de MAC após a AE, a descontinuidade ocorreu 17,1 dias (DP = 7,0) após o uso da AE, com mediana de 16 dias.
Início de uso de métodos anticoncepcionais após uso de anticoncepção de emergência (1a) e descontinuidade do uso de método anticoncepcional após o uso de anticoncepção de emergência (1b). São Paulo, Aracaju (Sergipe) e Cuiabá (Mato Grosso), Brasil, 2015-2017.
Em relação à dinâmica contraceptiva antes do uso da AE, independentemente se considerados os períodos de 30 ou cinco dias antes do seu uso, uma parcela significativa das mulheres utilizava um método de forma contínua (44,4% e 44,5%, respectivamente), sendo o preservativo masculino o mais citado (43,1% e 45,5%, respectivamente). Entretanto, o preservativo masculino foi o método mais descontinuado ao avaliar as descontinuidades contraceptivas ocorridas nos cinco dias que antecederam o uso da AE (46,2%), ao passo que o contraceptivo hormonal oral foi o método mais descontinuado ao considerarmos os 30 dias (46%) (Tabela 2). Cabe destacar que, comparando a ocorrência de descontinuidade contraceptiva em ambos os períodos (30 dias e cinco dias) e que todas as mulheres descontinuaram o MAC regular apenas uma única vez, a descontinuidade ocorreu majoritariamente nos 5 dias anteriores ao uso da AE (82,4%; n = 145) (dado não apresentado em tabela).
Quanto à dinâmica contraceptiva nos 30 dias após o uso da AE, 65,7% das mulheres utilizaram um MAC continuamente nesse período, sendo o preservativo masculino o mais utilizado (39%). No total, apenas 11 mulheres, dentre as que iniciaram o uso de MAC regular, relataram descontinuidade nos 30 dias após o uso da AE, sendo que 36,4% eram usuárias do preservativo masculino e 36,4% eram usuárias do injetável; ainda, a maioria (81,8%) descontinuou o MAC porque trocou para um método mais eficaz (Tabela 2).
Quanto ao uso de MAC antes e após a AE, aproximadamente um quarto das mulheres não utilizou qualquer MAC nem antes e nem após a AE, independentemente se considerados os períodos de 30 dias ou cinco dias antes do uso da AE (24,8% e 25,6%, respectivamente). Por sua vez, identificou-se bridging em 8,1% das mulheres que não utilizaram MAC nos 30 dias e em 11,2% das que não utilizaram MAC nos cinco dias antes de usar AE, mas começaram a usar MAC logo após (Tabela 2).
Chama a atenção o fato de que quase um terço das mulheres que não descontinuaram o MAC nos cinco dias anteriores ao uso da AE, tampouco utilizaram MAC após (31%), ou seja, abandonaram o MAC em uso. Em contrapartida, dentre as mulheres que descontinuaram o MAC nos cinco dias anteriores ao uso da AE (n = 145), a maioria usou MAC após a AE (n = 130 ou 89,6%), sendo o contraceptivo hormonal oral o mais utilizado (43,9%) (dado não apresentado em tabela).
Em relação à ocorrência de descontinuidades contraceptivas nos cinco dias que antecederam o uso da AE, a análise de regressão logística múltipla mostrou que as mulheres de Cuiabá tiveram 70% menos chance de descontinuar o método em relação às mulheres de São Paulo; e as usuárias do preservativo masculino tiveram 2,8 vezes a chance de descontinuar o método em relação às usuárias do contraceptivo hormonal oral. No que concerne ao bridging (não uso de MAC nos cinco dias que antecederam a AE, mas com início de uso após a AE), a análise de regressão logística múltipla mostrou que as mulheres de Aracaju tiveram 30% menos chance de começar a usar MAC após a AE em relação às mulheres de São Paulo e mulheres que tinham 35 ou mais anos de idade tiveram 1,8 vez a chance de usar MAC após a AE em relação às mulheres com idades entre 18 e 24 anos (Tabelas 3 e 4).
Discussão
Este estudo teve como foco explorar o papel da AE como bridging, além de avaliar as descontinuidades contraceptivas e sua relação com o uso da AE entre mulheres de três capitais brasileiras. Ao mesmo tempo, outro ponto forte deste estudo foi a análise dos cinco dias que antecedem o uso da AE, uma vez que este é um período decisivo para evitar uma gravidez não intencional e que carece ser avaliado na dinâmica de seu uso. Nossos resultados indicaram que a maioria das mulheres utilizou a AE enquanto não estava usando nenhum MAC ou em situações de descontinuidade contraceptiva, sendo que a maior parte dos episódios de descontinuidade ocorreu cinco dias antes do uso da AE. Isso denota que a AE foi utilizada justamente nos momentos de inconsistência, alternância ou não uso de MAC, as quais são as principais indicações para o uso da AE; e que a AE pode ter sido utilizada dentro do período máximo recomendado do seu uso após relação sexual desprotegida 2020. Ministério da Saúde. Anticoncepção de emergência - perguntas e respostas para profissionais de saúde. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anticoncepcao_emergencia_perguntas_respostas_2ed.pdf (acessado em 02/Mar/2021).
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Destaca-se, ainda, que 44,4% das mulheres utilizaram a AE enquanto usavam outro MAC; dessa forma, faz-se necessária uma compreensão mais aprofundada dos motivos do uso da AE entre mulheres usuárias de MAC, buscando identificar se a AE foi uma alternativa devido a algum problema vivenciado com o método ou por outro motivo. Estudo que avaliou os principais motivos alegados para que as mulheres recorressem à AE observou que 33,4% a utilizaram por insegurança quanto ao método adotado 2222. Brandão ER, Cabral CS, Ventura M, Paiva SP, Bastos LL, Oliveira NVBV, et al. Os perigos subsumidos na contracepção de emergência: moralidades e saberes em jogo. Horizontes Antropológicos 2017; 23:131-61..
A análise da dinâmica contraceptiva nos 30 dias após o uso da AE revelou que apenas 1,4% das mulheres que usaram MAC o descontinuaram. A maioria dessas trocou para um método mais eficaz e a descontinuidade contraceptiva ocorreu, em média, após 17 dias do uso da AE. Esse resultado foi diferente quando comparado a um estudo conduzido com jovens universitárias no Brasil (35,6%) 1010. Chofakian CBN, Moreau C, Borges ALV, Santos OA. Contraceptive patterns after use of emergency contraception among female undergraduate students in Brazil. Eur J Contracept Reprod Health Care 2018; 23:335-43. e a um estudo de coorte nacional na França (28,7%) 1515. Moreau C, Trussell J, Michelot F, Bajos N. The effect of access to emergency contraceptive pills on women's use of highly effective contraceptives: results from a French national cohort study. Am J Public Health 2009; 99:441-2.. Isso reforça que uma parcela significativa das mulheres deste estudo utilizou a AE no contexto do uso regular de contraceptivos; logo, poucas mudaram seu comportamento contraceptivo após a AE. Essa invariação do comportamento contraceptivo pode ser observada também entre as mulheres que não adotavam um MAC antes da AE e que continuaram sem utilizar método após a AE.
No que tange ao uso de MAC antes e após o uso da AE, observou-se que uma pequena parcela de mulheres que não utilizou MAC antes da AE adotou um método após o uso desta, o que sugere que o bridging foi minoritário neste estudo, diferentemente do que foi observado em estudos realizados na França 2323. Moreau C, Trussell J, Bajos N. The determinants and circumstances of use of emergency contraceptive pills in France in the context of direct pharmacy access. Contraception 2006; 74:476-82., Estados Unidos 1414. Sidebottom A, Harrison PA, Donna A, Finnegan K. The varied circumstances prompting requests for emergency contraception at school-based clinics. J School Health 2008; 78:258-63., Reino Unido 2424. Cameron ST, Glasier A, Johnstone A, Rae L. Ongoing contraception after use of emergency contraception from a specialist contraceptive service. Contraception 2011; 84:368-71.; Jamaica 2525. Sorhaindo A, Beckera D, Fletcherb H, Garciaa SG. Emergency contraception among university students in Kingston, Jamaica: a survey of knowledge, attitudes, and practices. Contraception 2002; 66:261-8., Escócia 2626. Michie L, Cameron ST, Glasier A, Larke N, Muir A, Lorimer A. Pharmacy-based interventions for initiating effective contraception following the use of emergency contraception: a pilot study. Contraception 2014; 90:447-53. e Índia 2727. Kumar SK, Shekhar C, Gupta NK, Malabika R, Khan ME, Sebastina MP, et al. Provision of emergency contraception services through paraprofessionals in India. https://knowledgecommons.popcouncil.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1415&context=departments_sbsr-rh (acessado em 02/Mar/2021).
https://knowledgecommons.popcouncil.org/...
. Um dos fatores que pode contribuir para baixa adesão ao MAC após a AE, entre as mulheres que não utilizam MAC, é a falta de aconselhamento adequado sobre contracepção quando as mulheres adquirem a AE, o que ocorre, sobretudo, em farmácias comerciais 2828. ESHRE CapriWorkshop Group. Emergency contraception. Widely available and effective but disappointing as a public health intervention: a review. Hum Reprod 2015; 30:751-60.. No cenário atual da contracepção no Brasil, a AE é adquirida majoritariamente em farmácias comerciais e sem prescrição; por conseguinte, este poderia ser um local de troca de informações ou de incentivo ao uso de outros MAC 2929. Brandão ER. O atendimento farmacêutico às consumidoras da contracepção de emergência. Saúde Soc 2017; 26:1122-35.. Todavia, embora o aconselhamento pelos farmacêuticos seja relevante, é importante reconhecer que eles também possuem dúvidas e desinformações em relação aos métodos, sendo necessária capacitação para tais profissionais 2222. Brandão ER, Cabral CS, Ventura M, Paiva SP, Bastos LL, Oliveira NVBV, et al. Os perigos subsumidos na contracepção de emergência: moralidades e saberes em jogo. Horizontes Antropológicos 2017; 23:131-61..
Estudo caso-controle 1313. Cameron ST, Glasier A, McDaid L, Radley A, Baraitser P, Stephenson J, et al. Use of effective contraception following provision of the progestogen-only pill for women presenting to community pharmacies for emergency contraception (Bridge-It): a pragmatic cluster-randomised crossover trial. Lancet 2020; 396:1585-94., conhecido como Bridge-it, conduzido em 29 farmácias no Reino Unido, observou que a provisão de MAC juntamente ao convite para frequentar uma clínica de saúde sexual e reprodutiva às mulheres que procuravam AE nas farmácias (caso), propiciou um aumento significativo na continuidade do uso do método após a AE em comparação ao simples fornecimento da AE pelos farmacêuticos (controle); ainda, as autoras sugerem que essa prática pode ter efeitos significativos sobre a ocorrência de gestação não intencional após o uso da AE. Em termos gerais, estratégias tais como facilitar o acesso aos métodos, ofertar aconselhamento contraceptivo, além de instruir sobre a utilização da contracepção, são ações realizadas com vistas ao fortalecimento da saúde sexual e reprodutiva 1313. Cameron ST, Glasier A, McDaid L, Radley A, Baraitser P, Stephenson J, et al. Use of effective contraception following provision of the progestogen-only pill for women presenting to community pharmacies for emergency contraception (Bridge-It): a pragmatic cluster-randomised crossover trial. Lancet 2020; 396:1585-94..
Outro achado relevante deste estudo foi que quase um terço das mulheres que não descontinuou o MAC nos cinco dias anteriores ao uso da AE abandonou o método após a AE 1313. Cameron ST, Glasier A, McDaid L, Radley A, Baraitser P, Stephenson J, et al. Use of effective contraception following provision of the progestogen-only pill for women presenting to community pharmacies for emergency contraception (Bridge-It): a pragmatic cluster-randomised crossover trial. Lancet 2020; 396:1585-94.. Ainda, um quarto das mulheres não usou MAC nem antes e nem após o uso da AE, permanecendo em risco de uma gravidez não intencional. Todavia, apesar de uma parcela das mulheres ter abandonado ou não utilizado o método continuamente após a AE, a adoção de um MAC após a AE não ocorreu tardiamente, visto que a maioria iniciou um método regular após uma semana do uso da AE. Esse resultado pode indicar que as mulheres que usaram a AE reconheceram que tiveram relação sexual desprotegida, mesmo estando em uso de método regular, o que denota que esse grupo possivelmente queria evitar uma gravidez naquele momento. Todavia, este é um grupo parcialmente vulnerável, visto que não ocorreu a adoção de um método regular após o uso da AE. Falhas no acesso a um método regular podem explicar em parte este achado, bem como outras questões que não foram captadas neste estudo, como no caso de não estarem contempladas mulheres que iniciaram um método após 30 dias da AE.
Na análise de regressão logística quanto aos fatores associados a ter descontinuado o uso de MAC nos cinco dias que antecederam o uso da AE foi possível observar que as mulheres de Cuiabá tiveram menos chance de descontinuar o método, o que pode estar relacionado ao aconselhamento acerca da importância da continuidade no uso do método por profissionais de saúde nesse município. Ainda, as usuárias do preservativo masculino tiveram mais chance de descontinuidade em comparação às usuárias do contraceptivo hormonal oral, dados similares aos de estudos conduzidos nos Estados Unidos e na França 77. Castle S, Askew I. Contraceptive discontinuation: reasons, challenges, and solutions. http://ec2-54-210-230-186.compute-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/2015/12/FP2020_ContraceptiveDiscontinuation_SinglePageRevise_12.16.15.pdf (acessado em 21/Abr/2021).
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,1515. Moreau C, Trussell J, Michelot F, Bajos N. The effect of access to emergency contraceptive pills on women's use of highly effective contraceptives: results from a French national cohort study. Am J Public Health 2009; 99:441-2.,3030. Vaughan B, Trussell J, Kost K, Singh S, Jones R. Discontinuation and resumption of contraceptive use: results from the 2002 National Survey of Family Growth. Contraception 2008; 78:271-83.,3131. Mansour D, Korver T, Marintcheva-Petrova M, Fraser IS. The effects of Implanon on menstrual bleeding patterns. Eur J Contracept Reprod Health Care 2008; 13 Suppl 1:13-28..
Há certo consenso na literatura de que o tipo de MAC utilizado varia conforme o tipo de relacionamento 3232. Barden-O'Fallon J, Speizer I. What differentiates method stoppers from switchers? Contraceptive discontinuation and switching among Honduran women. Int Perspect Sex Reprod Health 2011; 37:16-23.. Sabe-se que o preservativo masculino é utilizado principalmente nas relações sexuais esporádicas e no início dos relacionamentos, sendo observada uma tendência à flexibilização no uso à medida que o relacionamento torna-se estável 3333. Sassler S, Miller A, Favinger SM. Planned parenthood: fertility intentions and experiences among cohabiting couples. J Fam Issues 2009; 30:206-32.. Dessa forma, é esperado que haja maiores taxas de descontinuidades entre usuárias do preservativo masculino, uma vez que é considerado um MAC de transição, especialmente entre um relacionamento e outro. Por conseguinte, tais trocas contraceptivas podem acarretar uma maior vulnerabilidade para a gestação não intencional.
Na análise de regressão logística múltipla dos fatores associados ao não uso de MAC nos cinco dias que antecederam a AE, mas uso após a AE (bridging), foi observado que mulheres com 35 anos ou mais tiveram mais chance de adotar um método após a AE. Possivelmente, mulheres com mais idade vivenciaram mais experiências no uso de MAC comparadas às mulheres mais jovens e/ou já haviam alcançado o número desejado de filhos, o que pode contribuir para a facilidade na adesão ao uso de MAC regular após a AE.
É preciso levar em conta, ainda, que os resultados mostraram singularidades regionais, pois mulheres que eram de Aracaju tiveram menos chance de usar MAC após a AE, comparadas às de São Paulo. As características diferenciadas da população de São Paulo, em comparação a outras capitais do país, como o alto Índice de Desenvolvimento Humano e uma rede de atenção básica à saúde consolidada e bem estruturada podem ter contribuído para essas diferenças 3434. Seidl H, Vieira SP, Fausto MCR, Lima RCD, Gagno J. Gestão do trabalho na atenção básica em saúde: uma análise a partir da perspectiva das equipes participantes do PMAQ-AB. Saúde Debate 2014; 38(número especial):94-108.. Interessante notar que mesmo que todas as mulheres entrevistadas fossem usuárias de UBS, a porcentagem das que pertenciam ao grupo econômico A e B foi o dobro em São Paulo (16,2%), comparada a Aracaju (8,6%) (p < 0,001) (dados não apresentados). Pesquisas futuras que avaliem o uso de contracepção e a utilização e a frequência com que as mulheres frequentam o SUS versus mulheres atendidas em consultórios médicos particulares e de convênio, poderiam elucidar questões que versam sobre as diferenças na qualidade da assistência prestada nestes serviços.
Diante do exposto, esforços de aconselhamento contraceptivo poderiam se concentrar em informar as mulheres sobre a importância do uso contínuo da contracepção, principalmente, após o uso da AE. Com base em nossos resultados, acreditamos que uma maior compreensão acerca da experiência das mulheres no uso de contraceptivos, bem como das descontinuidades contraceptivas antes e após a AE poderiam auxiliar os profissionais de saúde a formular estratégias de aconselhamento para melhorar o uso contínuo dos MAC, o que, por certo, contribuirá para a redução da ocorrência de gravidez não intencional e o abortamento inseguro.
As limitações deste estudo concentram-se no fato de que a população aqui abordada é usuária do SUS e, portanto, os achados não são generalizáveis a todas as mulheres do Brasil, nem àquelas usuárias de serviços privados de saúde. Contudo, os resultados mostram que há padrões contraceptivos distintos antes e após o uso da AE, além dos aspectos associados à descontinuidade no uso de MAC antes da AE e o processo de transição conhecido bridging; que podem ser utilizados como guia para aprimorar as ações de planejamento reprodutivo nos serviços de atenção básica da saúde. Além disso, por se tratar de um estudo retrospectivo, há de se considerar o viés de memória, o que pode ter acarretado uma subestimação nas taxas de descontinuidades contraceptivas antes e após o uso da AE. Todavia, vale ressaltar que o uso da AE foi recente para a maioria das mulheres do estudo; além do fato do uso deste método ser pontual e, por isso, poder ter sido mais fácil para as mulheres se lembrarem da experiência de seu uso. Não obstante reconhecermos tais limitações, o estudo apresenta importantes contribuições e potencialidades que o diferenciam, como a heterogeneidade das UBS em que os dados foram coletados, a realização da coleta de dados em três capitais de diferentes regiões do país, a utilização de um instrumento validado anteriormente, além de ser um estudo pioneiro no Brasil.
Conclusão
A AE foi usada em situações em que não houve uso de MAC ou em situações em que o MAC utilizado foi descontinuado, o que ocorreu majoritariamente nos cinco dias que antecederam o uso da AE. Considerando os 30 dias após o uso da AE, a maioria das mulheres retomou rapidamente o uso de MAC regular, e a probabilidade dele ser descontinuado, neste período, foi baixa. Ainda, uma ínfima parte das mulheres que não utilizavam MAC antes da AE iniciaram o uso de MAC após (bridging); e um quarto dentre as que não usavam MAC antes da AE permaneceu em risco de vivenciar gravidez não intencional.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; 2014/02447-5) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; 440577/2014-4).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
02 Mar 2021 -
Revisado
12 Jun 2021 -
Aceito
18 Jun 2021