Resumo
Este estudo quase-experimental avaliou os resultados do programa FAcilitando o conVívio com Alunos - FAVA, destinado a professores do ensino fundamental I, visando a promoção da eficácia docente e a redução de problemas emocionais/comportamentais infantis, aferidos pela Escala de Avaliação das Crenças de Eficácia do Professor e pelo Questionário de Capacidades e Dificuldades, respectivamente. O FAVA contemplou a psicoeducação sobre o modelo cognitivo, o desenvolvimento socioemocional e a modificação de comportamentos. Comparação entre os grupos experimentais (GE1, que recebeu intervenção completa, e GE2, sem o modelo cognitivo) e o grupo de comparação evidenciou a promoção da eficácia pessoal docente (GE2) e a redução da percepção das dificuldades emocionais/comportamentais infantis (GE1). Ressalta-se a contribuição do modelo cognitivo e da aprendizagem socioemocional em intervenções com professores.
Palavras-chave:
intervenção psicológica; eficiência do professor; terapia cognitivo-comportamental
ABSTRACT
Through a quasi-experimental design, the results of FAcilitando o conVívio com Alunos - FAVA´s program for elementary school teachers, were evaluated, aiming at promoting teaching effectiveness and reducing child behavior problems, as measured by Teacher’s Effectiveness Beliefs Scale and Strengths and Difficulties Questionnaire, respectively. The FAVA contemplated psychoeducation about cognitive model, socioemotional development and behavior modification. The comparison between experimental groups (GE1 that received complete intervention and GE2 that did not have the cognitive model) and comparison group showed the promotion of teaching staff effectiveness (GE2) and the reduction in the perception of child behavioral difficulties (GE1). The contribution of the cognitive model and socioemotional learning in interventions with teachers is emphasized.
KEYWORDS:
psychological intervention; teacher efficiency; cognitive behavioral therapy
No Brasil, estima-se que até 30% dos jovens que frequentam a escola expressam problemas emocionais e de comportamento (Lopes et al., 2016Lopes, C. S., Abreu, G. D. A., Santos, D. F. D., Menezes, P. R., Carvalho, K. M. B. D., Cunha, C. D. F., Vasconcellos, M.T.L., Bloch, K. V., & Szklo, M. (2016). ERICA: Prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros.Revista de Saúde Pública,50(1), 1-9. https://doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006690
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). Tais problemas compreendem tanto dificuldades internalizantes, que incluem sintomas como respostas de ansiedade, medo, humor deprimido, busca por isolamento e esquiva, como externalizantes, que abarcam sintomas como agressividade, comportamentos opositores, busca pelo risco, déficit de empatia e de comportamento prossociais (American Psychiatric Association, 2014American Psychiatric Association. (2014).DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed.). Ambos podem impactar negativamente a aprendizagem e contribuir para o desenvolvimento de psicopatologias futuras (Marin et al., 2018Marin, A. H., Borba, B. M. R., & Bolsoni-Silva, A. T. (2018). Problemas emocionais e de comportamento e reprovação escolar: Estudo de caso-controle com adolescentes.Psicologia: Teoria e Prática,20(3), 283-298. http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p299-313
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; Santos & Celeri, 2018Santos, R. G. H., & Celeri, E. H. R. V. (2018). Rastreamento de problemas de saúde mental em crianças pré-escolares no contexto da atenção básica à saúde.Revista Paulista de Pediatria , 36(1), 82-90. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;1;00009
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). Nesse sentido, tem-se enfatizado a importância de desenvolver e avaliar resultados de intervenções que buscam aprimorar estratégias para prevenir e atenuar os problemas emocionais e de comportamento infantil para além do ambiente familiar, como na escola, considerando a relação entre professores e alunos (Paulus et al., 2016Paulus, F. W., Ohmann, S., & Popow, C. (2016). Practitioner review: School‐based interventions in child mental health.Journal of Child Psychology and Psychiatry , 57(12), 1337-1359. https://doi.org/10.1111/jcpp.12584
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).
Há indicativos que os professores que relatam crenças de autoeficácia e são mais propensos a demonstrar atitudes positivas em relação ao ensino como profissão conseguem manter a disciplina, lidando melhor com os desafios do dia a dia em sala de aula, como a manifestação de problemas emocionais e de comportamento (Guo et al., 2011Guo, Y., Justice, L. M., Sawyer, B., & Tompkins, V. (2011). Exploring factors related to preschool teachers' self-efficacy. Teaching and Teacher Education, 27, 961-968. https://doi.org/10.1016/j.tate.2011.03.008
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; Zee & Koomen, 2016Zee, M., & Koomen, H. M. (2016). Teacher self-efficacy and its effects on classroom processes, student academic adjustment, and teacher well-being: A synthesis of 40 years of research. Review of Educational Research, 86(4), 981-1015. https://doi.org/10.3102/0034654315626801
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; Zee et al., 2017Zee, M., de Jong, P. F., & Koomen, H. M. (2017). From externalizing student behavior to student-specific teacher self-efficacy: The role of teacher-perceived conflict and closeness in the student-teacher relationship.Contemporary Educational Psychology , 51, 37-50. https://doi.org/10.1016/j.cedpsych.2017.06.009
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). Constata-se, portanto, que os professores que melhor gerenciam a turma apresentam maiores níveis de eficácia pessoal (Reinke et al., 2013Reinke, W. M., Herman, K. C., Stormont, M. (2013). Classroom-level positive behavior supports in schools implementing SW-PBIS: Identifying areas for enhancement. Journal of Positive Behavior Interventions, 15, 39-50. https://doi.org/10.1177%2F1098300712459079
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), que consiste na crença de ter capacidade de executar com sucesso uma tarefa específica (Bandura, 1997Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. W.H. Freeman. ), nesse caso, a docência. Bandura (1997Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. W.H. Freeman. ) já indicava que a baixa eficácia docente costuma se associar às relações de menor qualidade com os alunos, o que, por sua vez, acentua o estresse laboral e os problemas emocionais e de comportamento infantil. Dessa forma, entende-se que a falta de confiança pode interferir na capacidade de um professor de ser eficaz em atender às necessidades emocionais e comportamentais de seus alunos (Herman et al., 2018Herman, K. C., Hickmon-Rosa, J., & Reinke, W. M. (2018). Empirically derived profiles of teacher stress, burnout, self-efficacy, and coping and associated student outcomes.Journal of Positive Behavior Interventions,20(2), 90-100.https://doi.org/10.1177/1098300717732066
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; Wu et al., 2019Wu, Y., Lian, K., Hong, P., Liu, S., Lin, R. M., & Lian, R. (2019). Teachers' emotional intelligence and self-efficacy: Mediating role of teaching performance.Social Behavior and Personality: An International Journal,47(3), 1-10. https://doi.org/10.2224/sbp.7869
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).
Muitas das intervenções voltadas a professores abordam conteúdo baseado nos modelos comportamentais, tendo como foco o gerenciamento da sala de aula por meio do manejo adequado de contingências e reforçamento positivo, além da orientação sobre a aplicação de penalidades e estratégias, tais como redirecionamento, pistas visuais e comandos efetivos (Chow & Gilmour, 2016Chow, J. C., & Gilmour, A. F. (2016). Designing and implementing group contingencies in the classroom: A teacher’s guide.TEACHING Exceptional Children,48(3), 137-143. https://doi.org/10.1177/0040059918757945
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). Nas últimas décadas, a aprendizagem socioemocional também passou a fundamentar essas intervenções, visando o desenvolvimento de habilidades para a vida, tais como a empatia e a resolução de problemas (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning [CASEL], 2017Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning. (2017). Framework for systemic social and emotional learning. http://www.casel.org/what-is-sel
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; Chuang et al., 2020Chuang, C. C., Reinke, W. M., & Herman, K. C. (2020). Effects of a universal classroom management teacher training program on elementary children with aggressive behaviors.School Psychology, 35(2), 128-136. https://doi.org/10.1037/spq0000351
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).
Apesar de o gerenciamento das emoções ser uma das habilidades contempladas na aprendizagem socioemocional, tal modelo não enfatiza a cognição. Nesse sentido, a Abordagem Cognitivo-Comportamental (ACC), que tem como foco o monitoramento e a modificação dos pensamentos para a promoção da regulação emocional e comportamental, pode estabelecer o elo entre as abordagens socioemocional e comportamental.
A ACC tem fundamentado recentes intervenções voltadas a professores e crianças em idade escolar, especialmente quando o foco é a regulação da raiva, a resolução de problemas ou o treino de habilidades sociais (Marin & Fava, 2020Marin, A., & Fava, D. C. (2020). Programas de intervenção no contexto escolar: Revisão da literatura científica. In D. C. Fava (Ed.), A Prática da psicologia na escola: Introduzindo a abordagem cognitivo-comportamental (pp. 325-348). Artesã.). A psicoeducação, importante técnica dessa abordagem, embora bastante difundida, não tem sido comumente utilizada com fins pedagógicos nessas intervenções, priorizando-se sua característica informativa. Dessa forma, sustenta-se que a psicoeducação sobre o modelo cognitivo, bastante utilizada no contexto clínico, também possa ser aplicada no âmbito escolar, trazendo benefícios aos professores.
Considerando o pressuposto de que os pensamentos influenciam as emoções e os comportamentos e, ao serem monitorados, torna-se possível alterar o estado emocional e comportamental, dependendo de como a informação é processada (Beck et al., 2015Beck, A. T., Davis, D. D., & Freeman, A. (2015).Cognitive therapy of personality disorders. Guilford Publications. ; Hajal & Paley, 2020Hajal, N. J., & Paley, B. (2020). Parental emotion and emotion regulation: A critical target of study for research and intervention to promote child emotion socialization.Developmental Psychology, 56(3), 403-417. https://doi.org/10.1037/dev0000864
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; Wenzel, 2018Wenzel, A. (2018).Inovações em terapia cognitivo-comportamental: Intervenções estratégicas para uma prática criativa. Artmed.), acredita-se que os professores poderão ser mais assertivos junto aos seus alunos, pois tenderão a interpretar e pensar de modo menos distorcido as situações vivenciadas em sala de aula. As distorções cognitivas são características dos pensamentos disfuncionais, que levam ao entendimento dos fatos de forma a trazer mais desconforto emocional, podendo afetar as interações sociais (Beck et al., 2015Beck, A. T., Davis, D. D., & Freeman, A. (2015).Cognitive therapy of personality disorders. Guilford Publications. ).
Sabe-se que existe um vasto número de intervenções universais em escolas que se fundamentam nas abordagens comportamentais e cognitivo-comportamentais (não focadas em ensinar os conteúdos do modelo cognitivo para professores) e na aprendizagem socioemocional (Paulus et al., 2016Paulus, F. W., Ohmann, S., & Popow, C. (2016). Practitioner review: School‐based interventions in child mental health.Journal of Child Psychology and Psychiatry , 57(12), 1337-1359. https://doi.org/10.1111/jcpp.12584
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). Seus programas, geralmente, incluem manuais direcionados aos alunos, com vistas à redução de problemas emocionais e de comportamento, sendo ministrados pelos professores que recebem um breve treinamento dos pesquisadores, a exemplo do PATHS: Promoting Alternative Thinking Strategies (Kusche & Greenberg, 1994Kusche, C. A., & Greenberg, M. (1994). PATHS: Promoting alternative thinking strategies. South Deereld: Developmental research programs Inc. https://doi.org/10.1002/ijop.12426
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); do Second Step (Frey et al., 2000Frey, K. S., Hirschstein, M. K., & Guzzo, B. A. (2000). Second step: Preventing aggression by promoting social competence.Journal of Emotional and Behavioral Disorders, 8(2), 102-112. https://doi.org/10.1177/106342660000800206
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); do First Step to Success (Walker et al., 1998Walker, H. M., Kavanagh, K., Stiller, B., Golly, A., Severson, H. H., & Feil, E. G. (1998). First step to success: An early intervention approach for preventing school antisocial behavior.Journal of Emotional and Behavioral Disorders, 6(2), 66-80. https://doi.org/10.1177/106342669800600201
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); e do Anger Coping Program (Lochman et al., 2004Lochman, J. E., Palardy, N. R., McElroy, H. K., Phillips, N., & Holmes, K. J. (2004). Anger management interventions.Journal of Early and Intensive Behavior Intervention, 1(1), 47-56. http://dx.doi.org/10.1037/h0100283
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). Além de carecerem de evidências de eficácia para a população brasileira, eles podem se configurar como mais uma tarefa que exige tempo e esforço do professor em meio a tantas demandas dessa profissão, por serem manualizadas e envolverem, em geral, diversas atividades. Ademais, pode ser difícil transferir tais propostas de intervenções para outras culturas, pois podem não atender às especificidades dos participantes (Paulus et al., 2016Paulus, F. W., Ohmann, S., & Popow, C. (2016). Practitioner review: School‐based interventions in child mental health.Journal of Child Psychology and Psychiatry , 57(12), 1337-1359. https://doi.org/10.1111/jcpp.12584
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).
Considerando o exposto, desenvolveu-se o programa intitulado FAcilitando o conVívio com Alunos (FAVAFava, D. C. M (n.d.). Manual de aplicação do programa FAVA (em elaboração). Artesã.), que consiste em uma proposta de intervenção fundamentada na aprendizagem socioemocional (CASEL, 2017Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning. (2017). Framework for systemic social and emotional learning. http://www.casel.org/what-is-sel
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; Delahooke, 2019Delahooke, M. (2019).Beyond behaviors: Using brain science and compassion to understand and solve children's behavioral challenges. Pesi Publishing e Media.) e na ACC, incluindo os princípios de modificação de comportamento por meio de práticas positivas de interação (Barkley, 2013Barkley, R. A. (2013). Defiant children: A clinician’s manual for assessment and parent training. Guilford Press. ; Sugai et al., 2000Sugai, G., Horner, R. H., Dunlap, G., Hieneman, M., Lewis, T. J., ... & Ruef, M. (2000). Applying positive behavior support and functional behavioral assessment in schools.Journal of positive behavior interventions, 2(3), 131-143. https://doi.org/10.1177/109830070000200302
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). O FAVA compreende um dos módulos fundamentais da prática clínica baseada em evidências, que é a psicoeducação sobre o modelo cognitivo (Sparafino, 2020Sparafino, E. P. (2020) Autogerenciamento. In S. C. Hayes, & S. G. Hofmann (Eds), Terapia cognitivo-comportamental baseada em processos: Ciência e competências clínicas (pp. 184-192). Artmed.). Além disso, visa instrumentalizar o professor sem sobrecarregá-lo com aplicação de manuais junto a seus alunos, apostando que ferramentas pessoais que objetivam qualificar a interação docente-discente podem propiciar a melhora do comportamento infantil em sala de aula.
Apesar de os modelos clínicos para modificação de comportamento e promoção de saúde emocional e comportamental infantil geralmente envolverem os pais, adaptações para o contexto escolar têm se mostrado eficazes. Para tanto, alguns cuidados são necessários, tais como a importância de contar com um coordenador experiente para treinar a equipe escolar e incitar práticas eficazes no convívio com os alunos (LaForett et al., 2019LaForett, D. R., Murray, D. W., Reed, J. J., Kurian, J., Mills-Brantley, R., & Webster-Stratton, C. (2019). Delivering the Incredible Years® dina treatment program in schools for early elementary students with self-regulation difficulties.Evidence-Based Practice in Child and Adolescent Mental Health, 4(3), 254-272. https://doi.org/10.1080/23794925.2019.1631723
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), o que buscou-se atender no FAVA. Além disso, as intervenções em escolas exigem motivação e cooperação das pessoas envolvidas. Por isso, é preciso um planejamento cuidadoso, principalmente fornecendo informações completas e propiciando um clima positivo (Paulus et al., 2016Paulus, F. W., Ohmann, S., & Popow, C. (2016). Practitioner review: School‐based interventions in child mental health.Journal of Child Psychology and Psychiatry , 57(12), 1337-1359. https://doi.org/10.1111/jcpp.12584
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). Por isso, o FAVA foi aplicado e avaliado a partir de um grupo de professores de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul, que solicitava à Secretaria de Educação (SMED) a oferta de capacitação sobre como lidar com as dificuldades emocionais e comportamentais dos alunos em sala de aula.
Diante disso, o objetivo geral do presente estudo foi avaliar os resultados do programa FAVA destinado a professores do ensino fundamental I, que visava a promoção da eficácia docente e a redução de problemas emocionais e de comportamento infantil. Especificamente, examinou-se se o conteúdo do modelo cognitivo, que diferenciou a intervenção recebida entre os grupos, diferenciava os resultados da intervenção em relação às crenças de eficácia docente e aos problemas emocionais e de comportamento dos alunos percebidos pelos professores. Hipotetizou-se que os participantes dos grupos que receberam a intervenção teriam melhores resultados quanto aos desfechos, quando comparados ao grupo de comparação no pós-intervenção, assim como o grupo que foi contemplado com a psicoeducação sobre o modelo cognitivo apresentaria melhores resultados quanto aos desfechos do que o grupo que não recebeu esse conteúdo.
Método
Delineamento e Participantes
Adotou-se um delineamento quase-experimental, com grupo de comparação (Silveira & Córdova, 2002Silveira, D.T., & Córdova, F. P. (2002). A pesquisa científica. In T.E. Gerhardt, & D. T. Silveira (Eds.), Métodos de pesquisa (pp 31-42). Editora da UFRGS. ). Os participantes foram professores de primeiro a terceiro anos do Ensino Fundamental das escolas da rede municipal de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, a segunda mais populosa do estado. Eles foram convidados por meio da SMED via mensagem de e-mail e circular interna. Do total de 452 professores, 215 (47,6%) aceitaram participar do estudo.
Para que as escolas (N = 34) não ficassem sem diversos docentes ao mesmo tempo, foi realizada uma alocação aleatória, considerando a quantidade de turmas por ano escolar. Primeiro, formou-se o Grupo Experimental 1 (GE1), composto por 101 docentes, em seguida, o Grupo Experimental 2 (GE2), constituído por 56, e o Grupo de Comparação (GC), por 58 professores. No entanto, houve perda amostral de 74,88% e o número de participantes de cada grupo reduziu-se para 35 (1º ano: n = 15; 2º ano: n = 7; 3º ano: n = 13), 9 (1º ano: n = 3; 2º ano: n = 2; 3º ano: n = 4) e 10 (1º ano: n = 5; 2º ano: n = 3; 3º ano: n = 2) participantes, respectivamente.
Não foram encontradas diferenças entre os grupos no que se refere à distribuição dos professores por anos escolares (p = 0,81; teste Exato de Fisher). Eles também se mostraram homogêneos (teste Exato de Fisher) em relação às variáveis sociodemográficas, como estado civil (p = 0,15) e presença de filhos (p = 0,91), assim como às variáveis laborais, a exemplo da escolaridade (p = 0,39) e do número de escolas em que trabalhavam (p = 0,15). Foi identificada uma diferença significativa quanto ao tempo de formação dos professores (p= 0,01) entre o GE1 (59,4% tinham tempo de formação superior a 10 anos) e o GC (75% apresentavam tempo de formação de até 10 anos). Por fim, com vistas a diminuir o impacto de algumas variáveis intervenientes nos desfechos da intervenção, avaliou-se a presença de distúrbios psiquiátricos não psicóticos em nível de atenção primária por meio do Self-Reporting Questionnaire - 20 ([SRQ - 20], Harding et al., 1980Harding, T. W., De Arango, V., Baltazar, J., Climent, C. E., Ibrahim, H. H. A., Ladrido-Ignacio, L., & Wig, N. N. (1980). Mental disorders in primary health care: A study of their frequency and diagnosis in four developing countries.Psychological Medicine,10(2), 231-241. https://doi.org/10.1017/S0033291700043993
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; p = 0,99), assim como a vivência de algum estresse nos últimos 6 meses (p = 0,99, teste Exato de Fisher) e a leitura ou realização de outros cursos após a intervenção (p = 0,99), e não se observaram diferenças entre os grupos.
Instrumentos
Questionários de Dados Sociodemográficos e Laborais para Professores
Desenvolvidos para este estudo, visando a obtenção de informações sobre características sociais, demográficas e laborais dos professores, como configuração familiar, formação e tempo de trabalho.
Escala de Avaliação das Crenças de Eficácia do Professor - CEP (
Woolfolk & Hoy, 1990
Woolfolk, A. E. & Hoy, W. K. (1990). Prospective teachers’ sense of efficacy and beliefs about control.Journal of Educational Psychology, 82(1), 81-91. https://doi.org/10.1037/0022-0663.82.1.81
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)
Instrumento validado para amostra brasileira por Bzuneck e Guimarães (2003Bzuneck, J. A., & Guimarães, S. E. R. (2003). Crenças de eficácia de professores: Validação da escala de Woolfolk e Hoy.Psico-USF, 8(2), 137-143. https://doi.org/10.1590/S1413-82712003000200005
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), que conta com 20 itens a serem respondidos em uma escala do tipo Likert de 6 pontos (total discordância a inteira concordância), dos quais 12 consideram a eficácia pessoal (α = 0,73), que se refere ao grau em que o professor acredita poder responder às demandas relativas ao ensino e ao engajamento dos alunos, como as dificuldades emocionais e de comportamento (exemplos de itens: “Se um aluno em minha aula se torna bagunceiro e perturbador, com toda certeza eu conheço técnicas com as quais eu o controlo rapidamente”; “Se eu realmente me empenhar com afinco, posso dar conta até dos alunos mais difíceis ou desmotivados”). Os demais oito itens são concernentes à eficácia do ensino (α = 0,70), crença de que os professores estão aptos a atender eficazmente os desafios para aprendizagem dos seus alunos, compreendendo também a crença sobre a inteligência discente (exemplos de itens: “Se um aluno não se lembra do que eu ensinei numa aula passada, eu saberia como melhorar sua aprendizagem na lição seguinte”; “Quando um aluno se sai melhor do que de costume, normalmente é porque eu estou me esforçando mais no ensino”). Para fins de análise, considera-se a média obtida entre os itens correspondentes a cada fator, sendo três (3) o ponto de corte. No presente estudo, as escalas apresentaram bons índices de confiabilidade, sendo 0,89 para eficácia pessoal e 0,78 para eficácia de ensino.
Questionário de Capacidades e Dificuldades - Versão para Professores (Strengths and Difficulties Questionnaire - SDQ (
Goodman, 1997
Goodman, R. (1997). The Strengths and Difficulties Questionnaire: A research note.Journal of Child Psychology and Psychiatry, 38(5), 581-586. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.1997.tb01545.x
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))
Instrumento validado para o Brasil por Fleitlich et al. (2000Fleitlich, B., Cortázar, P. G., & Goodman, R. (2000). Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ).Infanto Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência, 8(2), 44-50.), que rastreia saúde mental infantil em cinco áreas: problemas emocionais, hiperatividade e desatenção, problemas de conduta, dificuldades de relacionamento e comportamentos prossociais. Destaca-se que, segundo Goodman et al. (2010Goodman, A., Lamping, D.L. & Ploubidis, G.B. (2010). When to use broader internalising and externalising subscales instead of the hypothesised five subscales on the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ): Data from british parents, teachers and children.Journal of Abnormal Child Psychology,38, 1179-1191. https://doi.org/10.1007/s10802-010-9434-x
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), há suporte teórico e empírico para classificar as escalas aferidas em problemas de comportamento internalizantes (problemas emocionais, dificuldades de relacionamento) e externalizantes (hiperatividade e desatenção, problemas de conduta). Todas as escalas, menos a relativa a comportamentos prossociais, são somadas para obter o total de dificuldades (α = 0,80), que foi utilizado para fins de análise no presente estudo, em consonância com as propostas de Renshaw (2019Renshaw, T. L. (2019). Screening using the SDQ total difficulties scale: An analog test of three cutoff values.Journal of Psychoeducational Assessment,37(8), 1030-1036.https://doi.org/10.1177/0734282918809808
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) e Keller e Langmeyer (2019Keller, F., & Langmeyer, A. N. (2019). An item response theory analysis of the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ).European Journal of Psychological Assessment, 35(2), 266-279.https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000390
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). Os índices de confiabilidade variaram de 0,61 a 0,78, os quais são considerados satisfatórios (Streiner, 2003Streiner, D. L. (2003). Starting at the beginning: An introduction to coefficient alpha and internal consistency.Journal of Personality Assessment,80(1), 99-103. https://doi.org/10.1207/S15327752JPA8001_18
https://doi.org/10.1207/S15327752JPA8001...
).
Programa de intervenção - FAcilitando o conVívio com Alunos - FAVA
Consiste em uma proposta de intervenção fundamentada na aprendizagem socioemocional (CASEL, 2017Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning. (2017). Framework for systemic social and emotional learning. http://www.casel.org/what-is-sel
http://www.casel.org/what-is-sel...
; Delahooke, 2019Delahooke, M. (2019).Beyond behaviors: Using brain science and compassion to understand and solve children's behavioral challenges. Pesi Publishing e Media.) e na ACC, incluindo os princípios de modificação de comportamento por meio de práticas positivas de interação (Barkley, 2013Barkley, R. A. (2013). Defiant children: A clinician’s manual for assessment and parent training. Guilford Press. ; Sugai, 2000Sugai, G., Horner, R. H., Dunlap, G., Hieneman, M., Lewis, T. J., ... & Ruef, M. (2000). Applying positive behavior support and functional behavioral assessment in schools.Journal of positive behavior interventions, 2(3), 131-143. https://doi.org/10.1177/109830070000200302
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). A Tabela 1 apresenta a descrição dos conteúdos compreendidos na intervenção em cada módulo, assim como seus objetivos. Destaca-se que a intervenção foi conduzida sempre pela mesma coordenadora, que é a desenvolvedora do programa e psicóloga especialista em psicoterapia cognitivo-comportamental com experiência clínica e no âmbito escolar, fazendo uso da exploração de exemplos práticos para ilustrar a teoria, incluindo a discussão de situações apresentadas pelos professores. Para maior detalhamento, consultar o manual de aplicação do programa FAVA (Fava, n.d.).
Para avaliação dos resultados, o programa FAVA foi desenvolvido a partir de três grupos distintos: GE1, que recebeu a intervenção completa, com quatro encontros de três horas e meia de duração, contemplando os conteúdos referentes aos módulos 1 ao 4; GE2, que recebeu a intervenção parcial, com dois encontros de três horas e meia e os conteúdos referentes aos módulos 2, 3 e 4; e GC, que recebeu a intervenção completa apenas após a finalização do processo de avaliação dos grupos experimentais. Em termos de distribuição do conteúdo, o módulo 1 compreendia 2 encontros, e os módulos 2, 3 e 4 eram trabalhados em 1 encontro.
Procedimentos de Coleta de Dados
O programa FAVA contou com o apoio da SMED do município onde foi implementado, que conta com o maior número de escolas municipais no estado do Rio Grande do Sul. A SMED havia recebido diversos pedidos de docentes para capacitação sobre como lidar com as dificuldades emocionais e comportamentais dos alunos em sala de aula e o programa atendeu a essa solicitação.
Os professores receberam os instrumentos antes da realização da intervenção para responderem e levarem preenchidos no primeiro dia de intervenção, que ocorreu na primeira quinzena de março de 2019 para o GE1 e para o GE2. Quatro meses após a finalização da intervenção (julho de 2019), as professoras responderam novamente aos instrumentos que foram enviados às escolas por intermédio da SMED, onde também eram recolhidos pelos pesquisadores. O GC se manteve em condição de lista de espera e recebeu a intervenção com todo conteúdo em novembro de 2019.
O programa FAVA foi realizado presencialmente durante o turno de trabalho dos professores. Os encontros tinham total de 3 horas e 30 minutos, além de um intervalo de 10 minutos para descanso, no qual era ofertado café. A SMED concedeu um auditório para sua execução, local que as professoras já tinham costume de frequentar. As participantes recebiam um atestado de presença ao final de cada encontro para apresentar ao local de trabalho, a fim de elidir prejuízo salarial pela falta, a qual também era justificada.
Procedimentos Éticos
Este estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior que foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, estando em consonância com a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos (CAAE: 09173319.2.0000.5344). Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e receberam o contato das pesquisadoras para dirimir quaisquer dúvidas ou indicar desconforto. Todos os professores estavam cientes de que sua falta ao trabalho era justificada, sem prejuízos salariais, e que seus alunos seriam assistidos por outros colegas substitutos.
Procedimentos de Análise de Dados
A análise dos dados foi realizada por meio de estatística descritiva (frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas; medidas de tendência central e variabilidade, para variáveis quantitativas) com estudo de simetria pelo teste de Shapiro Wilk. A comparação entre G1 e G2 foi realizada pelo teste Exato de Fisher (simulação de Monte Carlo). Quando a comparação ocorreu entre os três grupos (GE1, GE2 e GC) foram aplicados os testes de Análise de Variância (One Way) ou o teste de Kruskal Wallys.
Considerando que GE1 recebeu um total de 14 horas de conteúdo e GE2, metade desse tempo, controlou-se o efeito do tempo de duração da intervenção para cada grupo em relação às variáveis desfecho: eficácia pessoal, eficácia de ensino e total de dificuldades percebido nos alunos. Para avaliação do impacto observado nas medidas contínuas ao final do estudo (pós-intervenção), calculou-se o tamanho do efeito (effect size) com adoção do seguinte critério de classificação: <0,19 = efeito insignificante; 0,20 - 0,49 efeito pequeno; 0,50 - 0,79 = efeito médio; 0,80 - 1,29 = efeito grande e >1,30 = efeito muito grande (Cohen, 1988).
Para examinar a diferença efetiva entre os grupos em relação aos desfechos, foi empregada a ANOVA para Medidas Repetidas (Two Way), com estudo dos pressupostos de esfericidade através dos testes MBox e Mauchly. Quando o pressuposto de esfericidade não foi atendido, a correção ocorreu pelo Epsilon de Greenhouse-Geisser. Nas situações em que a ANOVA detectou efeitos estatisticamente significativos, procedeu-se a comparação múltipla das médias para os efeitos principais por meio da correção de Bonferroni.
A ausência de informações observadas em algumas variáveis foi tratada como descarte, tanto nas análises descritivas como nas inferenciais. Não foi possível a realização de imputação de dados porque, em determinadas situações, o número de informações faltantes era muito expressivo, o que poderia distorcer a análise estatística (Barroso, 1995Barroso, L. P. (1995). Imputação de dados em painéis para populações finitas [Tese de Doutorado em Estatística, Universidade de São Paulo]. Repositório institucional USP. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/45/45133/tde-20210728-194559/publico/BarrosoLuciaPereira.pdf
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).
Resultados
Verificou-se que, quanto à eficácia pessoal, houve um aumento significativo da média ao final da intervenção em GE2, enquanto, nos GE1 e GC as diferenças entre os escores médios, pré e pós-intervenção, não se mostraram representativas, F (2,7) = 4,69, p = 0,03, Poder = 0,76. Quanto às estimativas de tamanho de efeito, no GE1 (d = 0,03) a magnitude foi inexpressiva, no GE2 (d = 0,72) alcançou magnitude média, enquanto no GC (d = 0,26) identificou-se que o impacto da intervenção teve magnitude de efeito baixo.
Já em relação ao total de dificuldades dos alunos percebidos pelos professores, foram identificadas variações nas médias entre as avaliações pré e pós-intervenção entre os três grupos (F(2,7) =4,86, p = 0,02), apresentando um valor de poder igual a 0,72, que é relevante, apesar de as amostras serem pequenas (Espírito-Santo & Daniel, 2015Espírito-Santo, H., & Daniel, F. (2015). Calcular e apresentar tamanhos do efeito em trabalhos científicos: As limitações do p < 0,05 na análise de diferenças de médias de dois grupos. Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social, 1(1) 3-16. https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2015.1.1.14
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). No GE1, houve uma redução significativa da média relativa à percepção do total de dificuldades na avaliação pós-intervenção (Pré: 19,8±5,6 vs. Pós: 17,4±7,5, p = 0,02), com tamanho de efeito de magnitude menor (d = 0,37). Já no GE2, as variações dessa medida foram inexpressivas (Pré: 16,2±6,1 vs. Pós: 16,7±6,0, p = 0,74) e o efeito, insignificante (d = 0,08). Por fim, no GC, foi identificado um aumento de tal média (Pré: 8,3±3,2 vs. Pós: 14,7±1,5, p = 0,05), com um efeito de magnitude muito grande (d = 2,72). Os dados podem ser observados na Tabela 2.
Discussão
O objetivo geral deste estudo foi avaliar os resultados do programa FAVA destinado a professores do ensino fundamental I, que visava a promoção da eficácia docente e a redução de problemas emocionais e de comportamento infantil. Há evidências que programas fundamentados na aprendizagem socioemocional (CASEL, 2017) e na ACC (Reinke et al., 2018) oportunizam a melhora da interação professor-aluno e o manejo de comportamentos em sala de aula. A partir dos resultados obtidos, observou-se que a integração entre ambas abordagens parece potencializar a eficácia de tais intervenções.
Constatou-se que o conteúdo relativo à aprendizagem socioemocional (GE2) repercutiu em mudanças na eficácia pessoal dos professores, mas não na sua percepção acerca dos problemas emocionais e de comportamento dos alunos quando comparado ao grupo de professores que também recebeu o conteúdo do modelo cognitivo (GE1). Considerando que a aprendizagem socioemocional facilita o reconhecimento e o gerenciamento das emoções, a definição e o alcance de objetivos positivos, a demonstração de empatia e o estabelecimento e manutenção de relacionamentos positivos, além da tomada de decisões responsáveis (CASEL, 2017Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning. (2017). Framework for systemic social and emotional learning. http://www.casel.org/what-is-sel
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; Marin et al., 2017Marin, A. H., Silva, C. T. D., Andrade, E. I. D., Bernardes, J., & Fava, D. C. (2017). Competência socioemocional: Conceitos e instrumentos associados.Revista Brasileira de Terapias Cognitivas,13(2), 92-103. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20170014
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), ficou evidenciada a associação do reconhecimento dessas competências com a crença dos professores de que seriam capazes de melhor lidar com desafios do dia a dia em sala de aula (Guo et al., 2011Guo, Y., Justice, L. M., Sawyer, B., & Tompkins, V. (2011). Exploring factors related to preschool teachers' self-efficacy. Teaching and Teacher Education, 27, 961-968. https://doi.org/10.1016/j.tate.2011.03.008
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; Reinke et al., 2013Reinke, W. M., Herman, K. C., Stormont, M. (2013). Classroom-level positive behavior supports in schools implementing SW-PBIS: Identifying areas for enhancement. Journal of Positive Behavior Interventions, 15, 39-50. https://doi.org/10.1177%2F1098300712459079
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; Zee & Koomen, 2016Zee, M., & Koomen, H. M. (2016). Teacher self-efficacy and its effects on classroom processes, student academic adjustment, and teacher well-being: A synthesis of 40 years of research. Review of Educational Research, 86(4), 981-1015. https://doi.org/10.3102/0034654315626801
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; Zee et al., 2017Zee, M., de Jong, P. F., & Koomen, H. M. (2017). From externalizing student behavior to student-specific teacher self-efficacy: The role of teacher-perceived conflict and closeness in the student-teacher relationship.Contemporary Educational Psychology , 51, 37-50. https://doi.org/10.1016/j.cedpsych.2017.06.009
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).
Entretanto, o mesmo não ocorreu no GE1. Uma das explicações plausíveis é que a ênfase no modelo cognitivo tenha propiciado maior criticidade e metacognição, fomentadas pela psicoeducação, o que refletiu na diminuição da eficácia pessoal docente. Um dos pressupostos básicos da ACC é proporcionar poder ao indivíduo de questionar suas interpretações. Nesse sentido, o questionamento que os professores do GE1 foram capazes de fazer depois de participar da psicoeducação sobre a própria atividade cognitiva pode ter gerado um padrão mais autocrítico. Esse fenômeno favorece o efeito Dunning-Kruger, que supõe que as pessoas com desempenho superior, nesse caso os professores que utilizavam práticas mais assertivas, promovendo melhora do comportamento dos alunos, fariam autoavaliações mais precisas e menos superestimadas do que aqueles que não apresentam o mesmo desempenho (McIntosh et al., 2019McIntosh, R. D., Fowler, E. A., Lyu, T., & Della Sala, S. (2019). Wise up: Clarifying the role of metacognition in the Dunning-Kruger effect.Journal of Experimental Psychology: General, 148(11), 1882-1897. https://doi.org/10.1037/xge0000579
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). Semelhante fenômeno ocorreu em outro estudo em que os professores que participaram de uma versão mais longa da intervenção tiveram menor senso de autoeficácia logo após sua finalização (Von Suchodoletz et al., 2018Von Suchodoletz, A., Jamil, F. M., Larsen, R. A., & Hamre, B. K. (2018). Personal and contextual factors associated with growth in preschool teachers' self-efficacy beliefs during a longitudinal professional development study.Teaching and Teacher Education,75, 278-289. https://doi.org/10.1016/j.tate.2018.07.009
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). Não houve outro fator pessoal do professor que pudesse explicar as alterações nos níveis de autoeficácia, a não ser a percepção do comportamento do aluno em sala de aula. Em contrapartida, os autores sinalizaram que ambos os grupos tiveram aumento na média de autoeficácia ao longo do tempo e ressaltaram a importância da formação continuada para a classe profissional.
No tocante às mudanças observadas em relação à percepção dos problemas emocionais e de comportamento infantil no GE1, sabe-se que a capacidade de auxiliar crianças a gerenciar emoções e resolver problemas depende da habilidade do adulto em regular suas próprias emoções, uma vez que essas influenciam os seus comportamentos (Hajal & Paley, 2020Hajal, N. J., & Paley, B. (2020). Parental emotion and emotion regulation: A critical target of study for research and intervention to promote child emotion socialization.Developmental Psychology, 56(3), 403-417. https://doi.org/10.1037/dev0000864
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; Wenzel, 2018Wenzel, A. (2018).Inovações em terapia cognitivo-comportamental: Intervenções estratégicas para uma prática criativa. Artmed.). Transpondo o conceito da clínica cognitivo-comportamental para a escola, o automonitoramento do professor é fundamental para a adequada interpretação dos comportamentos dos alunos e a consequente validação emocional.
A validação emocional implica na comunicação de que os comportamentos, as emoções ou os pensamentos do indivíduo devem ser compreensíveis no contexto atual (Papa & Epstein, 2018Papa, A., & Epstein, E.M. (2018). Emotion and emotional regulation. In S. Hayes & S. Hofmann (Eds.), Process Based CBT (pp. 137-152). Context Press. ). É importante destacar que validar não significa estar de acordo. Por exemplo, um aluno pode ser agressivo com outro colega na sala de aula devido a um desentendimento entre pares. Esse comportamento tem sentido e é compreendido no contexto atual, em que ser agressivo é a única estratégia que ele conhece para lidar com a emoção de raiva. A essência da validação emocional é que o professor deve aceitar e comunicar a aceitação ao aluno, reconhecendo e refletindo a validade inerente daquela resposta a determinados eventos (Haslip et al., 2020Haslip, M. J., Allen-Handy, A., & Donaldson, L. (2020). How urban early childhood educators used positive guidance principles and improved teacher-child relationships: A social-emotional learning intervention study.Early Child Development and Care,190(7), 971-990. https://doi.org/10.1080/03004430.2018.1507027
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). Entretanto, não significa que o professor esteja aprovando o comportamento agressivo. Foi nesse sentido que se trabalhou o modelo cognitivo do professor no GE1. A proposta era psicoeducar o professor sobre seus pensamentos e a relação desses com suas práticas para com os alunos, o que parece ter proporcionado uma leitura menos distorcida das dificuldades emocionais e de comportamento infantil, favorecendo o uso da validação emocional. Há evidências na literatura que estratégias como validar emocionalmente, oferecer escolhas e demonstrar amor são capazes de redirecionar dificuldades das crianças para comportamentos mais funcionais, melhorar a solução de conflitos entre pares e as relações professor-aluno (Jager & Macedo, 2018Jager, M. E., & Macedo, J. C. (2018). Relação afetiva professor-aluno e esquemas iniciais desadaptativos em crianças pré-escolares.Revista Brasileira de Terapias Cognitivas , 14(1), 11-20. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20180003
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; Haslip et al., 2020Haslip, M. J., Allen-Handy, A., & Donaldson, L. (2020). How urban early childhood educators used positive guidance principles and improved teacher-child relationships: A social-emotional learning intervention study.Early Child Development and Care,190(7), 971-990. https://doi.org/10.1080/03004430.2018.1507027
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).
O GC, por sua vez, apresentou uma tendência à diminuição da eficácia pessoal após a intervenção, assim como teve uma percepção de aumento das dificuldades emocionais e comportamentais dos alunos. Ressalta-se que, em relação ao GE1, os professores do GC tinham menor tempo de formação, o que leva a crer que poderiam estar enfrentando maiores dificuldades em manejar o comportamento das crianças. Isso porque há dados que sinalizam a menor eficácia pessoal entre professores com menos experiência (MA & Kavanagh, 2018MA, K., & Cavanagh, M. S. (2018). Classroom ready? Pre-service teachers’ self-efficacy for their first professional experience placement.Australian Journal of Teacher Education, 43(7). http://dx.doi.org/10.14221/ajte.2018v43n7.8
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).
Há um esforço da divisão 16 da American Psychological Association em promover diretrizes que auxiliem pesquisadores e psicólogos escolares a desenvolverem práticas baseadas em evidências em contextos educacionais (Kratochwill & Stoiber, 2002Kratochwill, T. R., & Stoiber, K. C. (2002). Evidence-based interventions in school psychology: Conceptual foundations of the procedural and coding manual of division 16 and the society for the study of school psychology task force. School Psychology Quarterly, 17(4), 341-389. https://doi.org/10.1521/scpq.17.4.341.20872
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). Isso inclui buscar práticas já consolidadas em settings como o clínico, aplicando-as e avaliando-as em estudos que contemplem outros contextos, como a escola (Atkins et al., 2015 Atkins, M. S., Shernoff, E. S., Frazier, S. L., Schoenwald, S. K., Cappella, E., Marinez-Lora, A., Mehta, T. G., Lakind, D., Cua, G., Bhaumik, R., & Bhaumik, D. (2015). Redesigning community mental health services for urban children: Supporting schooling to promote mental health.Journal of Consulting and Clinical Psychology, 83(5), 839-852.https://doi.org/10.1037/a0039661
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; Shernoff et al., 2017Shernoff, E. S., Bearman, S. K., & Kratochwill, T. R. (2017). Training the next generation of school psychologists to deliver evidence-based mental health practices: Current challenges and future directions. School Psychology Review, 46(2), 219-232. https://doi.org/10.17105/SPR-2015-0118.V46-2
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). O presente estudo se alinha a essa indicação e o programa FAVA demonstrou bons resultados no sentido de promover a eficácia pessoal docente, bem como reduzir a percepção de dificuldades relativas ao comportamento infantil em sala de aula.
Contudo, faz-se necessário ponderar que a participação em intervenções pode afetar o relato dos respondentes, estimulando a mudança de resposta como um fator de viés no resultado das pesquisas (Lievens et al., 2007Lievens, F., Reeve, C. L., & Heggestad, E. D. (2007). An examination of psychometric bias due to retesting on cognitive ability tests in selection settings. Journal of Applied Psychology, 92(6), 1672-1682. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/0021-9010.92.6.1672
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). Por exemplo, o fato de os professores terem participado do programa FAVA pode ter estimulado a tomada de consciência das dificuldades de seus alunos, o que refletiu na maior percepção dos seus problemas emocionais e de comportamento, mesmo após terem participado da intervenção que tinha como objetivo reduzi-los (Murray et al., 2019Murray, A.L., Booth, T., Eisner, M., Ribeaud, D., McKenzie, K., & Murray, G. (2019). An analysis of response shifts in teacher reports associated with the use of a universal school-based intervention to reduce externalizing behavior. Prevention Science, 20(8), 1265-1273. https://doi.org/10.1007/s11121-019-00999-2
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). Considerando essa questão, acredita-se que o tamanho de efeito e o valor da significância obtidos poderiam ter sido maiores nos grupos experimentais.
De todo modo, é fundamental o avanço em pesquisas que contemplem intervenções que visem atender a problemática da alta prevalência de problemas emocionais e de comportamento em escolares e da dificuldade dos professores em lidarem com eles. Nesse sentido, sugere-se que novos estudos considerem o desenvolvimento e a avaliação de intervenções que associem a aprendizagem socioemocional (CASEL, 2017Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning. (2017). Framework for systemic social and emotional learning. http://www.casel.org/what-is-sel
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; Delahooke, 2019Delahooke, M. (2019).Beyond behaviors: Using brain science and compassion to understand and solve children's behavioral challenges. Pesi Publishing e Media.) e a ACC, especialmente o modelo cognitivo, assim como o programa FAVA, tendo em vista seus resultados. Sugere-se, também, o uso de materiais que mensurem os pensamentos automáticos, porque se observou que a modificação funcional de pensamentos distorcidos dos professores por meio do automonitoramento pode ser um impulsionador para a adesão ao manejo de contingências.
Como limitações, ressaltam-se algumas questões relativas ao método. Inicialmente, pontua-se o uso de medidas de autorrelato, pois tornam os dados mais suscetíveis a vieses pessoais. Portanto, recomenda-se que novos estudos sobre a avaliação de intervenções ponderem incluir medidas de observação ou instrumentos paralelos aos de autorrelato para minimizar esse possível efeito. Além disso, é preciso considerar o período em que o programa FAVA foi realizado, o que pode ter influenciado no tamanho amostral de cada grupo. Apesar de o foco da intervenção ter sido solicitado pela SMED em função da verbalização de professores sobre dificuldades em manejar o comportamento dos seus alunos, muitos deixaram de participar porque estavam envolvidos em outras formações obrigatórias relacionadas às questões curriculares. É provável que o número de participantes e o desbalanceamento entre os grupos tenha influenciado as análises estatísticas, reduzindo o poder dos testes utilizados. Ainda se destaca a regionalidade da amostra, que reflete especificidades dos professores e dos alunos da rede municipal de ensino de uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul.
Ademais, mesmo que se tenha tido a participação efetiva de muitos professores, foram poucos os que responderam aos instrumentos de forma completa, provavelmente por cansaço e sobrecarga. A literatura já tem sinalizado diversas dificuldades com relação à manutenção da amostra em estudos que envolvam intervenções (Marin et al., 2019Marin, A. H., Alvarenga, P., Pozzobon, M., Lins, T. C. D. S., & Oliveira, J. M. D. (2019). Evasão em intervenções psicológicas com pais de crianças e adolescentes: Relato de experiência.Psicologia: Ciência e Profissão , 39, 1-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003187233
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). Nesse sentido, indica-se que novas pesquisas contemplem estratégias de engajamento pós-intervenção para fomentar a adesão até a sua finalização, o que poderá prover maior expressão estatística aos dados.
Quanto ao programa FAVA, destaca-se que ele buscou contemplar em quatro e dois encontros questões amplas que poderiam ser trabalhadas em maior tempo, com vistas a facilitar a participação e adesão à intervenção. Em outras versões, sugere-se abarcar encontros de revisão e de supervisão com os professores, para acompanhamento e fixação da aprendizagem relativa aos conteúdos ministrados. Espera-se que, a partir deste estudo, mais pesquisadores contemplem a estrutura cognitiva e emocional do professor como influenciadoras das práticas docentes e do comportamento dos alunos, incluindo as contribuições do modelo cognitivo como ferramentas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Out 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
28 Dez 2020 -
Aceito
16 Jun 2021