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Testes psicológicos e o Direito: uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade

Psychological tests and Law: an approach in light of human dignity and personality rights

Resumos

Testes psicológicos são freqüentemente usados na seleção de funcionários para empresas. Este artigo busca comparar tais instrumentos considerando os direitos fundamentais do trabalhador. Sempre que um candidato para um trabalho é sujeitado a um teste, seja isso para medir a aptidão dele ou dela ou para verificar determinados traços da personalidade, acima daquele instrumento está sujeitado o conhecimento de uma ciência que legitima o poder do empregador para testar o candidato. A crise de trabalho gerada pela globalização e a hegemonia do sistema capitalista neoliberal levam vantagem do sujeição crescente do trabalhador. Não há nenhuma lei no Brasil que protege um(a) candidato(a) do "vazamento" de informação sobre sua personalidade. E, em alguns casos, estes fatores que podem causar a pessoa não ser contratada, poderiam ser considerados discriminatórios. Tais técnicas e testes de seleção de pessoal abusivas que não são muito fidedignos, aumentam a possibilidade de revelação desnecessária e, por conseguinte, uma violação de privacidade, vida privada e o desrespeito do princípio constitucional da dignidade humana.

testes; seleção; dignidade humana; vida privada; privacidade


Psychological tests are quite frequently used in selecting personnel for companies. This article seeks to compare such instruments with the worker's fundamental rights in mind. Whenever a candidate for a job is subjected to a test, be that to measure his or her aptitude or to verify certain personality traits, over that instrument is incurred the knowledge of a science that legitimizes the employer's power to test the candidate. The job crisis generated from globalization and the hegemony of the neo-liberal capitalistic system, takes advantage of the ever-growing subjection of the worker. There are no laws in Brazil that protect a candidate from the "leak" of information about his or her personality. And, in some cases, these factors, which can cause one to not be hired, could be considered discriminatory. Such abusive personnel selection techniques and tests, which are not very trustworthy, increase the possibility of unnecessary disclosure and, consequently, a violation of privacy, private life and the disrespect of the constitutional principle of human dignity.

tests; selection; human dignity; private life; privacy


Testes psicológicos e o Direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade

Psychological tests and Law: an approach in light of human dignity and personality rights

Luciano Augusto de Toledo Coelho

Universidade Tuiuti-Paraná

RESUMO

Testes psicológicos são freqüentemente usados na seleção de funcionários para empresas. Este artigo busca comparar tais instrumentos considerando os direitos fundamentais do trabalhador. Sempre que um candidato para um trabalho é sujeitado a um teste, seja isso para medir a aptidão dele ou dela ou para verificar determinados traços da personalidade, acima daquele instrumento está sujeitado o conhecimento de uma ciência que legitima o poder do empregador para testar o candidato. A crise de trabalho gerada pela globalização e a hegemonia do sistema capitalista neoliberal levam vantagem do sujeição crescente do trabalhador. Não há nenhuma lei no Brasil que protege um(a) candidato(a) do "vazamento" de informação sobre sua personalidade. E, em alguns casos, estes fatores que podem causar a pessoa não ser contratada, poderiam ser considerados discriminatórios. Tais técnicas e testes de seleção de pessoal abusivas que não são muito fidedignos, aumentam a possibilidade de revelação desnecessária e, por conseguinte, uma violação de privacidade, vida privada e o desrespeito do princípio constitucional da dignidade humana.

Palavras-chave: testes, seleção, dignidade humana, vida privada, privacidade.

ABSTRACT

Psychological tests are quite frequently used in selecting personnel for companies. This article seeks to compare such instruments with the worker's fundamental rights in mind. Whenever a candidate for a job is subjected to a test, be that to measure his or her aptitude or to verify certain personality traits, over that instrument is incurred the knowledge of a science that legitimizes the employer's power to test the candidate. The job crisis generated from globalization and the hegemony of the neo-liberal capitalistic system, takes advantage of the ever-growing subjection of the worker. There are no laws in Brazil that protect a candidate from the "leak" of information about his or her personality. And, in some cases, these factors, which can cause one to not be hired, could be considered discriminatory. Such abusive personnel selection techniques and tests, which are not very trustworthy, increase the possibility of unnecessary disclosure and, consequently, a violation of privacy, private life and the disrespect of the constitutional principle of human dignity.

Keywords: tests, selection, human dignity, private life, privacy.

O presente artigo partiu de uma idéia surgida durante o grupo de Estudos sobre Direito do Trabalho da Academia Brasileira de Direito Constitucional, em Curitiba, Pr, e foi sugestão da Professora Aldacy Rachid Coutinho, Doutora em Direito e Professora Titular de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná. Em virtude de minha formação em psicologia, sugeriu-me um trabalho sobre os testes e o direito, abordando a confiabilidade dos instrumentos, a validade da padronização e um confronte entre os testes e o ordenamento jurídico brasileiro, o qual, desde a Constituição da República de 1988, e com o Novo Código Civil de 2002, passa por uma revolução de paradigma. Aceito o desafio do tema, pus-me a pesquisar, sob o ponto de vista dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana. Concuído o trabalho, entendi que havia pertinência na publicação dos caminhos trilhados e das conclusões. Esclareço que o texto problematiza o uso do teste nas relações de trabalho e em recrutamento e seleção para emprego, isso porque existem muitas outras situações em que tais instrumentos são utilizados, mas que não são objeto da abordagem.

OS TESTES, O DESEMPREGADO E O PRÉ-CONTRATO DE EMPREGO

Não se pode falar em testes e em processo de contratação sem falar do trabalho na sociedade atual e do trabalhador que geralmente é submetido ao teste: aquele que não tem emprego. Fernando de Vicente Pachés (1998) em obra sobre a proteção da intimidade do trabalhador, menciona:

Si ya el contrato de trabajo se constata uma relación de supremacía del empresario respecto del trabajador, en el momento de la selección de personal, la situación de inferioridade en que queda el aspirante es absoluta. El elevado número de aspirantes a un puesto de trabajo, su frágil situación económica, las difíciles y escasa posibilidades de empleo, le obligan a tolerar graves abusos en cuanto a injerencias en su personalidad se refiere (p. 89).

Na visão de Carmem Lucia Antunes Rocha (1999), em texto sensível sobre o tema da exclusão social e a dignidade da pessoa humana, o desemprego é uma negativa de trabalho, nega-se o direito ao trabalho àqueles que, dispondo de vontade e condições de trabalho, a ele não têm acesso por dependerem de uma estrutura na qual lhe seja possibilitado prestá-lo... mais adiante, prossegue a autora: O desempregado é, hoje, vítima de preconceitos. Vivendo cada vez mais nas sombras de muros e viadutos encostados nos quais se recolhem e se escondem, tornam-se invisíveis aos próprios cidadãos.

Basta, assim, uma mera consulta a revistas de administração ou livros de auto-ajuda que preenchem as prateleiras de bancas e livrarias para se encontrar conselhos ao desempregado: "recicle-se", "seja eficaz", "concentre-se", "seja dinâmico"...são alguns dos chavões de sempre, que geralmente só funcionam para enriquecer gurus, consultores e outras figuras que surfam nas ondas do mercado perverso, e que de vez em quando são engolidos por elas, sem conseguir utilizar para si mesmos os próprios conselhos.

Na realidade, nada disso resolve, é tudo falácia. O desemprego vai desde o que nada estudou e nada faz até aquele que sempre procura seguir os ditames da modernização. Pouco importa o que se faça. O mercado é um animal irracional, sem lógica e sem emoção.

Pois bem. Esse "que não tem emprego", na posição de trabalhador candidato a contratação, estaria fora do alcance, hoje, até mesmo da proteção da lei trabalhista (CLT), toda voltada ao contrato, existindo inclusive séria controvérsia sobre a possibilidade de a justiça do trabalho para julgar questões oriundas do pré-contrato de emprego (DALAZEN, 1994).

Interessa notar que obras que abordam a fase de seleção de pessoal falam em fase pré-contratual, fase de contratação... sem enfrentar a questão de a partir de que momento pode se considerar que há um pré-contrato.

É na obra de Fichtner Pereira (2001) que encontramos algumas bases doutrinárias para fixar o momento a partir do qual pode ser considerado pré - contrato o processo de seleção. Menciona que a responsabilidade civil pré-contratual tem quatro hipóteses típicas, nas quais se pode configurar. Uma delas é quando, durante o desenrolar das negociações, um dos contraentes vier a causar danos à pessoa ou aos bens do outro contraente.

Fernando Noronha (1994), após traçar a transformação pela qual passou o princípio da autonomia da vontade no contrato com as mudanças axiológicas que o vincularam a autonomia privada à boa fé e à justiça contratual, esclarece que a boa fé objetiva impõe deveres colaterais que devem ser respeitados na fase pré-contratual, sendo esses deveres não apenas o de não interrupção injustificada das negociações, mas também informação e clareza de linguagem, não indução à erro, sigilo quanto às informações prestadas.

Tais deveres que, a nosso ver, aplicam-se como uma luva à situação da seleção de empregados pelas empresas. A fase pré-contratual também é enfatizada pelo Juiz do Trabalho, Eduardo Baracat (2003), em obra sobre a boa fé no contrato de trabalho, destacando que a responsabilidade pré-contratual pode-se verificar em diversas frentes, fixando-as nas áreas de proteção, informação e lealdade.

Assim, o processo de seleção, mesmo em suas fases iniciais, é, para mim, uma fase prévia ao contrato em que deverão ser respeitados os deveres de informação, cuidado e lealdade, corolários da boa fé objetiva prevista no artigo 422 do Código Civil de 2002. Violado um direito do candidato, não refugiria tal questão da competência para julgamento pela Justiça do Trabalho. Existe precedente importante: o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul contestou a aplicação de testes psicológicos na seleção de candidatos para o preenchimento de vagas na Companhia Carris Porto-Alegrense, com fulcro no princípio constitucional da igualdade, direito ao trabalho e cumprimento de requisitos de ingresso no serviço públi co. O julgamento pelo TST fixou a competência da Justiça do Trabalho para julgar o caso, mas ainda não há decisão de mérito (RR 702000/2000)1 1 No prazo entre a confecção do artigo e a publicação, foi concluído o julgamento do processo, colaciono os principais termos do voto: PROC. N° TST-RR-702.000/2000.6 A C Ó R D Ã O 5ª Turma RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELOMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA COLETIVA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.EMPRESA ESTATAL. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA OUTESTE PSICOTÉCNICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Diferentemente do entendimento adotado pelas instâncias ordinárias, émanifesta a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar ação civil pública, de índole coletiva, proposta pelo Ministério Público do Trabalho em defesa da ordem jurídica trabalhista, visando à t u tela dos direitos metaindividuais, isto é, dos interesses difusos dos cidadãos interessados no acesso ao emprego público oferecido pela Ré. Com efeito, é atribuída constitucionalmente à Justiça do Trabalho a competência para julgar, na forma da lei, outras controvérsias decorre ntes da relação de trabalho, a teor do art. 114, 2ª parte, da Constituição da República, de 1988.Por sua vez, o art. 129 da Carta Magna estabelece, como função institucional do Ministério Público, promover ação civil pública para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. E, a seu turno, a Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993, atribuiu ao Ministério Público do Trabalho, expressamente, a legitimação ordinária para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 83, caput , e inc. III)...Vale registrar, em última análise, que a Justiça do Trabalho também não é avessa ao deslinde daquelas lides em que a causa de pedir e o pedido tenham relação com prejuízos morais e materiais que possam advir das tratativas preliminares ao pacto de emprego, ou seja, na chamada fase pré-contratual, em que as partes reuniam as condições inerentes às figuras de empregado e empregador, mas a contratação não chegou a ser concretizada. ...Aliás, legem habemus, vez que a Lei n° 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, impondo penas pecuniária e de prisão ao empregador ou seu representante legal. Irrecusável, portanto, a competência material da Justiça do Trabalho para julgar a presente Ação Civil Pública. .

Além disso, o artigo 114 da Constituição Federal fala em trabalhadores e empregadores, e não empregados e empregadores, donde entendemos que é possível sim advogar a competência da justiça do trabalho mesmo antes da formação de um contrato de trabalho.

Em que pesem todos esses fundamentos, a não ser em julgados isolados, a justiça do trabalho ainda é a justiça apenas de quem tem contrato de trabalho, (aliás, na prática, tinha, porque ação contra o empregador no curso do contrato é verdadeira utopia), ou de quem postula declaração de um vínculo de emprego, em que pese haja uma vontade dos juízes do trabalho no sentido da ampliação da competência.2 2 Esta vontade já ficou expressa nas discussões do projeto de reforma do judiciário, que infelizmente, em nosso entender, não ampliou a competência da justiça do trabalho como deveria. Argumenta-se, inclusive, que fora dos limites de um contrato de trabalho já em andamento, o trabalhador estaria fora do poder do empregador e, portanto, menos sujeitado.3 3 Nesse sentido, o enunciado 342 entende que não se pode presumir coação ao empregado quando da adesão a descontos salariais por ocasião da contratação. Ora, em sã consciência, qual o empregado que já vai iniciar o almejado emprego indispondo-se com a empresa, recusando-se a assinar autorizações para descontos de seguros de vida, associação, e outros? Não pensamos assim. Se o medo do desemprego já aumenta o grau de sujeição do trabalhador que está empregado, o trabalhador mais sujeitado, aquele sobre o qual mais incide o poder da empresa, é o que não ainda não tem contrato.

Frisa-se que o contrato não mais poderá legitimar violação de direitos em nome de uma pseudo autonomia da vontade que é apenas legal, mas não fática. Conforme Ruiz Miguel (1995), citando decisão do Tribunal Constitucional da Espanha (STC 88/1985): "El punto de partida es que el contrato de trabajo no puede considerar-se como un título legitimador de recortes en el ejercicio de los derechos fundamentales que incumbem al trabajador como ciudadano, que no pierde su condición de tal por insertarse en el âmbito de una organización privada" (p. 185).

Aldacy Rachid Coutinho (2003) acresce que é viável ainda adotar-se a contratualidade como explicação jurídica para a relação de emprego, desde que superada a deturpada e ultrapassada concepção da contratualidade como da autonomia da vontade, reconhecendo-se no contrato de trabalho a atuação direta do Estado na preservação do interesse publico e a constituição da relação jurídica pelo comportamento concludente dos sujeitos ou, se assim optar, das situações jurídicas patrimoniais existentes.

Essa lei do "mercado" não passou despercebida pelos neoliberais, que ditam a lógica da economia globalizada e das empresas inseridas neste contexto. Milton Santos(2000) fala na competitividade em estado puro e na potência em estado puro, em um sistema de perversidade sem ética ou política em que o dinheiro e o consumo são os reguladores e a necessidade de competição é legitimada pela ideologia e assegurada pelo exercício do poder como força. Falando sobre a hipótese de fim da história, Santos (op.cit.) refere-se ao motor único excludente, consistente na mais-valia universal que se torna possível a partir da mundialização do dinheiro, do crédito, do consumo, da informação.4 4 Em que pese o autor não pregar o fim da história, ao contrário, entende justamente que uma outra globalização seria possível o que proporcionaria uma retomada e um projeto que utilize o sistema de técnicas atuais de outro modo a partir da crise do atual modelo, enfatizando-se não o progresso do homem tecnológico mas a mutação filosófica que conduza a um novo sentido da existência. Com efeito, para Coutinho (2003, p. 25): "A concentração do poder econômico, entretanto, permanece nas grandes organizações, mitificada num processo alienador que deifica o mercado como dissolvente do poder, como único espaço do poder na relação de emprego. Ao empregado só há campo aberto para obediência e submissão".

Paradoxal, aponta Antunes (2002)5 5 Dentro das concepções teóricas sobre trabalho, destaca-se Hannah Arendt em sua crítica à Marx, diferenciando trabalho de "labor" na medida em apenas este último visa manter a condição humana da sobrevivência biológica. Ainda, conforme posto na obra de Ricardo Antunes consultada (os sentidos do trabalho), a polêmica entre Lucáks e Habermas quanto à constituição do trabalho como categoria intermediária que possibilita a humanização do homem, uma vez que Habermas centra essa transição na linguagem. Cite-se, ainda, as obras de Domenico DE MASI: A economia do ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2001; ______. O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: José Olympio/UnB, 1999. O autor faz em síntese uma crítica à sociedade viciada em trabalho e prega a busca da felicidade através do trabalho mais criativo e mais livre. , que a categoria do trabalho seja desconstituída no plano gnoseológico enquanto, no mundo real, aparece como uma das mais explosivas questões da contemporaneidade.

O trabalho como categoria na sociedade atual deve ser articulado com o espaço de poder da empresa, espaço esse que se estende à fase de contratação, legitimado pelo jurídico (COUTINHO, op.cit.).

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição da República Portuguesa, de 1976, proclama em seu artigo 1° a dignidade humana como valor no qual se funda a República Portuguesa. Trata-se, segundo Mota Pinto (2000), de noção fundamental, que constitui um elemento de unidade de valor da Constituição, sendo certo que uma das condições desta dignidade é o respeito pela identidade e integridade da pessoa. Após o direito à vida e à integridade, consagra em seu artigo 26°6 6 "A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação". outros direitos pessoais que, em comum, protegem o círculo nuclear da pessoa, correspondendo, genericamente, a direitos da personalidade. A Constituição brasileira consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito no artigo 1°, inciso III.

Para SARLET, a dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida dignidade. Para esse autor, a dignidade não está apenas onde é reconhecida pelo Direito, constituindo-se dado pré vio a ele, sendo que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não sendo, portanto, completamente sem razão que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma definição jurídica da dignidade da pessoa humana. Lembra, ainda, que se trata de princípio constitucional de maior hierarquia axiológica e que engloba necessariamente o respeito e proteção da integridade física e psíquica que assume particular relevância em tempos de globalização, privatização, e incremento dos níveis de exclusão. Alerta, contudo, que o princípio não pode ser visto no sentido de que tudo o que consta do texto constitucional ser reconduzido ao valor da dignidade, sob pena da sua banalização (SARLET, 2002).

No dizer de Rizzatto NUNES (2002) , com o atual Diploma Constitucional, o principal direito fundamental constitucionalmente garantido é o da dignidade da pessoa humana, e está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Coloca-o esse autor como verdadeiro supra princípio constitucional que ilumina a todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas (p. 50).

Antonio Junqueira de Azevedo (2002) informa que o princípio jurídico da dignidade, como fundamento da república, exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. Sem vida, não há pessoa, não há dignidade. E acrescenta como conseqüência do princípio o direito à intimidade. Cleber Francisco Alves (2001), referindo ao princípio com relação aos direitos sociais, lamenta a ineficácia do direito ao salário mínimo para proporcionar uma vida digna ao trabalhador, mas lembra que a norma constitucional serve para revelar extrema sensibilidade para resguardar à pessoa os mais elementares requisitos para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.7 7 Sobre o direito ao salário mínimo e sua eficácia, ver artigo feito por grupo de estudos do qual participamos: COUTINHO, Aldacy, e outros: Direito constitucional ao salário mínimo. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 2. Este autor menciona ainda serem raras as decisões judiciais que se apóiam exclusivamente no princípio, mas exemplifica com uma questão ligada a testes: HC 71.373-4 em que o STF julgou pela impossibilidade de se determinar que uma pessoa seja obrigada a realizar exame de DNA.

Finalmente, Carmem Lucia Antunes ROCHA, no artigo já citado no capítulo inicial:

Pode-se afirmar que, mesmo se um dado sistema normativo não concebesse, em sua expressão, a dignidade humana como fundamento da ordem jurídica, ela continuaria a prevalecer e a informar o direito positivo na atual quadratura histórica. Mais ainda: pode-se mesmo acentuar que a dignidade da pessoa humana contém explícita em todo o sistema constitucional no qual os direitos fundamentais sejam reconhecidos e garantidos, mesmo que não ganhem nele expressão afirmativa e direta tal como agora concebidos, aceitos e interpretados, aqueles partem do homem e para ele convergem e a pessoa humana e a sua dignidade não são concebidos como categorias jurídicas distintas. Logo, onde aquela é considerada direito fundamental, tida como centro de direitos, igualmente essa é aceita como base de todo o ordenamento jurídico e incluído como pólo central emanador de conseqüências jurídicas(ROCHA, op.cit.).

Não se perde de vista que a proteção da personalidade, como já mencionado, é fundada na dignidade da pessoa humana. Com efeito, a dignidade alcança um amplo leque de direitos, dentre os quais decorre o respeito à integridade física e psíquica, a qual, friso, pode ser ameaçada na composição entre desenvolvimento tecnológico e poder econômico. Para Bodin de Moraes (2003): as maiores perplexidades em torno do tema dizem respeito ao extraordinário desenvolvimento da biotecnologia e suas conseqüências sobre a esfera psicofísica do ser humano. Lembra a autora que o projeto Genoma Humano, que já começa a criar possibilidades decorrentes do mapeamento genético permite antecipar, por testes genéticos, algumas predisposições a certas doenças, e, daí, a questão: poderia o empregador exigir um teste desses para o ingresso no emprego? (p. 125-127). De antemão, a resposta é negativa.

Em artigo sobre o tema, Peres Gediel (2003) menciona que a observância dos direitos fundamentais nos contratos de trabalho se torna dificultada pela condição fática de desvantagem econômica do trabalhador, subjacente à relação jurídica e, diante disso, o mero consentimento do empregado destinado a renúncia ao exercício temporário de direitos fundamentais não pode ser, normalmente, aceito como renúncia, e aduz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da limitação às condições que representem obstáculos ao livre desenvolvimento da personalidade, para ele, nessa hipótese se inscrevem, quase sempre, os exames pré-admissionais, sem a devida autorização e informação da finalidade, e sem o compromisso do empregador de que dará ciência dos resultados ao trabalhador e deles guardará sigilo (p. 160-165).

VIDA PRIVADA E INTIMIDADE

Na visão de Didier Anzieu (appud FREITAS, 1993) um teste projetivo é como um raio X. Atravessando o interior da personalidade, fixa a imagem do seu núcleo secreto sobre um revelador (aplicação do teste), permitindo depois sua leitura fácil, por meio da ampliação ou projeção ampliadora de uma tela (interpretação ou protocolo). O que está escondido fica, assim, iluminado; o latente se torna manifesto; o interior é trazido à superfície; o que há em nós de estável e também de emaranhado se desvenda.

São inúmeros os autores que estudaram os direitos da personalidade, cada qual classificando-os de uma forma, muitas das quais reconhecem os direitos psíquicos, como sendo os relativos a elementos intrínsecos da personalidade.8 8 Conforme Sandra Lia SIMON (2000, p. 69), destacando Carlos Alberto Bittar, que usa especificamente a expressão "direitos psíquicos". Todavia, em que pese o reconhecimento de uma esfera psíquica do indivíduo que pode ser violada, como o direito atua frente a utilização desses avanços tecnológicos pelos empregadores? Como já mencionado no início, a questão da vida privada e intimidade do trabalhador já foi abordada em inúmeras obras.

Para Mota Pinto (2000), que escreve vigoroso estudo sobre o tema, a definição positiva da noção de vida privada é difícil. Como conseqüência destas dificuldades, esta noção é mesmo por vezes caracterizada como sendo vaga, obscura e sem um verdadeiro conteúdo preciso. A Carta Constitucional Portuguesa, no artigo 26 já mencionado,9 9 A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação. fala em "reserva à intimidade da vida privada", o que, segundo o autor, não restringe a proteção da vida privada e não deve ser excessivamente valorizada.

Assim, a Constituição Portuguesa parece não diferir intimidade de vida privada, resguardando neste último conceito as duas proteções: "o respeito pela reserva da vida privada torna, na verdade, proibidas seja a revelação ou divulgação de informação, seja a tomada de conhecimento, correspondentes à protecção, respectivamente, do interesse na não difusão e do interesse na reserva stricto sensu" (MOTA PINTO, op.cit., p.169). Ao especificar a formas de violação do direito à reserva da vida privada, traz a menção de que questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador devem ser limitados aos casos em que seja necessária a proteção de segurança de terceiros ou do próprio trabalhador, ou de outro interesse publico relevante.

Levando em conta essa ultima observação, estabelece-se um permissivo para a aplicação dos testes, cria, ao mesmo tempo, um limite ao empregador, assim, em tese, poderia haver justificativa para a aplicação de um teste específico de personalidade em candidatos para determinadas funções que pudessem oferecer perigo, como, por exemplo, motoristas (um motorista agressivo demais, por exemplo, poderia ser recusado...). Já no caso da contratação de uma secretária, de um auxiliar administrativo, de um advogado....a questão da personalidade não tem relevância a ponto de justificar a invasão na esfera psíquica, além dos aspectos profissiográficos específicos do cargo ou de uma eventual situação específica da contratante.10 10 Essa situação específica nos foi exemplificada pelos psicólogos com os quais conversamos: por exemplo, sabe-se que determinada pessoa está sendo contratada para ser secretária de um chefe tirano, grosso, mal educado e exigente....faz parte do trabalho do profissional que contrata "selecionar" uma pessoa com determinada personalidade que se adapte à situação que vai encontrar. Aí, segundo a psicologia, justificar-se-ia um teste de personalidade, em que pese entendermos, pessoalmente, que a entrevista seria suficiente, até porque naturalmente essa pessoa e passará pelo período de experiência previsto em lei com o chefe em questão, que visa justamente às partes avaliarem as condições do contrato.

Xavier Lobo (2003, p. 261-275), em artigo sobre a defesa da proteção da personalidade do trabalhador, já demonstra a preocupação com a questão do teste genético, e é enfático ao rejeitar esse tipo de teste para qualquer seleção de trabalhadores, por tratar-se de injustificável e gravíssima invasão.11 11 Menciona que, apenas em casos raríssimos, como a contratação de um astronauta (!!) por exemplo, o exame seria justificável. Interessante que esse autor, ao mencionar as condições para a realização de testes genéticos, nos dá uma pista a seguir para o aperfeiçoamento das condições para aplicação de testes de personalidade em geral: condições de processo - fiabilidade, reserva, consentimento esclarecido e livre - e de fundo - congruência relativa ao objeto, na medida em que deve haver uma justificativa poderosa para aplicação.

Ressalte-se que, doutrinariamente, vida privada está ligada à relação com a coletividade, protegendo o indivíduo do conhecimento alheio. Intimidade diz respeito a uma esfera mais fechada, que permite inclusive o desenvolvimento reservado da própria personalidade. Em um complemento sistêmico às cláusulas gerais de proteção constitucional (dignidade da pessoa humana, igualdade...), o Novo Código Civil inseriu um capítulo específico sobre os direitos da personalidade até então inexistente,12 12 O novo Código Civil, apresentando inovação ao texto anterior, regulamenta, sem querer ser exaustivo, os direitos da personalidade em seu Capítulo II, intitulado Dos direitos da personalidade. Não custa lembrar que se trata de direitos irrenunciáveis. Logo, o indivíduo não pode renunciar a seu direito à privacidade e isto abrange a questão dos direitos psíquicos. Essa garantia já vinha reconhecida pela doutrina, tendo, a partir de agora, positivação no novo Código Civil. "Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.". O direito à privacidade é tutelado no art. 21 do mesmo texto: "Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrária a esta norma." e, segundo Tepedino (2003), a partir daí, deverá o intérprete romper com a ótica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de admitir uma ampliação de hipóteses de ressarcimento mas, de maneira muito mais ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol dos direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado.

TESTES E VIOLAÇÃO A DIREITOS

Todos os dias, milhares de candidatos são submetidos a testes psicológicos, entrevistas, dinâmicas de grupo, e outras técnicas variadas, visando o preenchimento de uma vaga para emprego.13 13 Entende-se pertinente descrever alguns dos "sintomas", em casos concretos, das situações observadas em seleção de pessoal: "O aumento na procura por empregos e a saturação do mercado de trabalho fizeram com que as grandes empresas brasileiras exigissem um perfil especial de profissionais. Os critérios de seleção foram mudando, e hoje não basta ter um ótimo currículo, experiência, diploma, curso de informática e conhecer uma língua estrangeira. Como boa parte dos candidatos já atende a esses requisitos, os funcionários de recrutamento avaliam outras qualidades. Contam pontos a capacidade de comunicação, iniciativa e até mesmo a auto-estima do candidato, atributos que estão sendo bastante valorizados no mercado profissional. Alguns critérios subjetivos podem definir a contratação. Na avaliação da equipe de seleção de algumas grandes empresas, o espírito de iniciativa revela a capacidade de adaptação e de trabalho em grupo. Valoriza-se também a segurança com que o candidato se expressa nas dinâmicas de grupo. A psicóloga Bianca Massucci, que trabalha como analista de recursos humanos da empresa Ford New Holland, afirma que o profissional mais procurado é aquele que é ' pró ativo': É muito grande a procura por pessoas que busquem o seu próprio desenvolvimento profissional e sua maturidade dentro da empresa. Além disso, devem ter dinamismo, vontade de crescer e de desenvolver novos projetos'. O diretor de produção da Copel Geração, Ricardo Goldani, diz que a pessoa tem que ter um bom relacionamento interpessoal, pensamento crítico, ousadia e auto-estima...".( Jornal do Estado, Curitiba,16 abr. 2002) Um método diferenciado de avaliação de recursos humanos aumenta em 85% a chance de uma empresa selecionar o profissional adequado para a função disponível. O novo serviço está disponível em Londrina e região desde o mês passado. Através de análises, consultoria, treinamento e estudos específicos é possível auxiliar a empresa na contratação adequada de pessoal. A parceria firmada entre a Labor Trabalho Temporário, empresa especializada em recrutamento e seleção de mão-de-obra, e a Caliper Estratégias Humanas do Brasil - consultoria norte-americana de recursos humanos com atuação em 38 países - está possibilitando o acesso das empresas do norte do Paraná a uma nova forma de avaliação e seleção de pessoal com base em um sistema de mensuração do potencial humano. O Perfil Caliper - um dos instrumentos de trabalho da empresa - tem 150 questões que avaliam competências fundamentais para o sucesso profissional como liderança, persuasão, habilidades em relacionamentos, resolução de problemas, tomadas de decisão, organização pessoal e administração do tempo. Toda a compilação dos dados é feita na sede da Coelho, L.A.T. "Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade" empresa, em Priston, nos Estados Unidos. Os resultados dos testes são ágeis e repassados verbalmente para a empresa no prazo máximo de 24 horas. O relatório completo é entregue em 48 horas.Segundo a diretora de atendimento da Caliper Estratégias Humanas do Brasil, Daniela de Oliveira Carvalho Leludak, o índice de contratações mal sucedidas ainda é grande, mas o mercado está encaminhando as empresas para a necessidade de terem uma política de recrutamento e seleção adequada. Extraído do site: www.caliper.com.br. Francisco de Souza ( o nome é fictício) 27 anos, é executivo de uma empresa multinacional. Ele não quis revelar sua identidade por medo de sofrer represálias, mas nos contou a experiência de ser submetido a uma das chamadas "avaliações 360 graus". "Tive que responder a 5 mil perguntas, durante o período de quatro dias, para ser avaliado", disse. Eis algumas das questões que ele teve de responder: Sua mulher já se masturbou? Se a resposta for 'sim', quantas vezes por semana? O que você acha disso? Você já brincou de enterro? ( Revista Carta Capital, São Paulo, 15 de maio de 2002 p. 17). "Os testes online da Catho foram criados para facilitar e otimizar e o processo de pré-seleção de seus candidatos. Desenvolvidos por Doutores em Psicologia, os 35 diferentes Testes Online da Catho avaliam: Inteligência Geral, Personalidade e Adequação Executiva, Conhecimentos de Informática e Conhecimentos Específicos (Idiomas, Marketing e Matemática Financeira).Você poderá selecionar os testes a serem ministrados ou utilizar as recomendações que estão em nosso site. As recomendações são de acordo com o nível hierárquico e a área de atuação do candidato. Os testes poderão ser aplicados nas dependências da empresa ou enviados para o e-mail do candidato, proporcionando comodidade para a realização. Os relatórios e laudos ficam disponíveis imediatamente após sua realização e são divulgados de três formas distintas:- Tabela comparativa de candidatos.-Tabela/laudo resumo dos testes de cada candidato.- Laudo individual de cada testes aplicado.Sua empresa poderá ainda, contar com a assessoria de psicólogos da própria Catho sem custo adicional." extraído do site www.catho.com.br/testesonline. "Metodologias consideradas menos ortodoxas na contratação de pessoal e mesmo na condução de departamentos de Recursos Humanos começam a vencer resistências. Astrologia, Numerologia, I-Ching, Grafologia, Cabala de nomes, entre outras, são algumas das técnicas utilizadas...".( Revista Ser Humano, Revista mensal da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Curitiba dezembro de 1995.) "Ao seguir as instruções do Wartegg, o indivíduo projeta na tarefa sua maneira pessoal de perceber, sentir, associar e agir e, assim, revela a dinâmica de sua estrutura psíquica" (FREITAS, op. cit., p. 10). "Você, em geral, recebe de boa vontade a censura de seus amigos? Você acha que um grande amor seria a melhor compensação para os sofrimentos da vida? Você, às vezes, tem a impressão de que suas fantasias, esperanças e sonhos acabarão por realizar-se? Você já pensou que, às vezes, é impulsionado em seus atos e atitudes por um mal disfarçado desejo de mandar? (Perguntas que constam do teste de personalidade Dadahie, da editora CEPA centro de psicologia aplicada). Ainda, o autor desse artigo, em discussão sobre o tema com um ex-diretor de multinacional e hoje empresário, ouviu a seguinte afirmação: - nas empresas o que manda é o lucro e, portanto, contrata-se pela lei de Darwin, seleção natural, só os melhores, os mais fracos estão fora. Alguns desses instrumentos, como os testes, são operados por psicólogos, os quais deverão possuir a qualificação necessária. Outras técnicas são aplicadas por profissionais dos mais diversos ramos, inclusive psicólogos, pedagogos e administradores. No tocante especificamente aos testes, estes precisam ser revalidados pelo Conselho de Psicologia, e esta revalidação é feita a cada 10 anos, o que significa que um teste aplicado em um candidato hoje pode ser considerado não válido posteriormente. Na última avaliação feita, muitos dos testes avaliados foi reprovada14 14 Informação de 07/11/2003 do Jornal Folha de São Paulo dá conta de que 52,4% dos 103 testes verificados foi reprovada, ou seja, mais da metade, o que, segundo o mesmo jornal, provocou uma investigação pelo Ministério Público Federal. .

O artigo 168 da CLT torna obrigatório o exame médico na admissão, demissão e periodicamente, e em seu § 2°, a Lei menciona a possibilidade de outros exames complementares para apurar a capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deva exercer.15 15 Conseqüentemente, a lei não autoriza intromissões em dados que não sejam parte do perfil profissiográfico do cargo. A legislação portuguesa tem disposição semelhante, todavia, parece haver lá um cuidado maior do legislador com relação à proteção dos dados levantados, eis que são inúmeros os dispositivos legais relacionados a proteção de dados dos trabalhadores portugueses.16 16 Em Portugal existe a comissão nacional de proteção de dados, CNPD, além da Lei 67/98 (lei de proteção de dados), que regula tratamento de dados pessoais e proteção de privacidade. Desde 1991 Portugal dispunha de uma norma específica sobre a matéria, a Lei 10/91, revogada pela Lei 67/98. As informações foram obtidas em: SARMENTO e CASTRO (2002). No Brasil, inexiste legislação específica sobre proteção de dados dos trabalhadores.

A questão do dano e sua reparação jurídica na fase anterior ao contrato já foi abordada por Sandra Lia Simón (2000) , atual Procuradora Chefe do Ministério Público do Trabalho no Brasil: refere-se à fase de contratação como a fase em que a situação do candidato a emprego é extremamente delicada, e questiona a exigência de submissão a exames médicos e os abusos que daí poderão decorrer.

Também a obra da Juíza Alice Monteiro de Barros (1997) se destaca porque ingressa especificamente na questão da testagem, para esta autora, o ordenamento jurídico brasileiro não possui norma dispondo sobre a licitude dos métodos utilizados na seleção de pessoal, mencionando ainda que os exames psicotécnicos geram oportunidade para que se atente contra a intimidade do trabalhador.

No exterior, Fernando Pachés(op.cit), em obra já citada, adentra também especificamente na questão dos testes: "Com carácter general se considera que lãs pruebas psicológicas deberain cumplir uma serie de condiciones y realizarse sobre um determinado marco de referencia" (p. 116). José Adercio Leite Samapaio (1997), Procurador da República, escreve interessante artigo sobre o tema, no qual menciona a França como um dos países com o sistema jurídico de proteção mais avançado do mundo, citando uma recomendação da Comission Nationale de l;informatique et des Libertes - CNIL "impondo uma série de exigências para que as informações pessoais, respeitantes aos candidatos, sejam recolhidas e tratadas" (p. 313). Destaca o artigo que as exigências legais fundam-se no princípio da proporcionalidade, na não discriminação, na pertinência e boa - fé .

Cristiani Marques (2002), em tese sobre a discriminação estética, entende que na avaliação dos aspectos psíquicos observa-se possibilidade de discriminação, uma vez que aspectos subjetivos não ligados à função poderão ser utilizados pelo empregador. Mencione-se ainda a dissertação de Maximiliano Nagl Garcez (2001), sobre a vida privada e a relação de emprego, que dedica um item à questão da testagem, argumentando com a necessidade de limitação de abusos. Esse mesmo autor, em artigo sobre a exigência de teste de polígrafo para o candidato a emprego, menciona: "Podemos afirmar que o direito do empresário à administração adequada da empresa, bem como o direito constitucional à livre iniciativa, estão em patamar inferior ao direito do obreiro à intimidade, devendo prevalecer este, em caso de conflito" e traz ainda projeto do deputado Paulo Paim apresentado em 2001 o Projeto de Lei n° 5.566, de 2001, que "dispõe sobre a proibição do uso de métodos de recrutamento de pessoal que possam causar dano à honra e à dignidade do trabalhador." Tal Projeto recebeu em 14 de maio de 2002 parecer favorável da Relatora na Comissão de Trabalho e Administração Pública, Deputada Vanessa Grazziotin, do PcdoB/AM."17 17 Ibidem. A dignidade da pessoa humana e o aviltante uso a dignidade da pessoa humana e o aviltante uso do polígrafo ("detector de mentiras") pelos empregadores - análise de Projeto de Lei de iniciativa do deputado federal Paulo Paim (PT-RS). Disponível em: < www.pt.org.br/assessor>. Acesso em: 05.07.03.

O Juiz Gabriel de Oliveira Zéfiro (2003), debate o problema dos testes psicotécnicos em concurso público e cita uma série de jurisprudências sobre o tema, diz ele: "além da legalidade e pertinência do exame, o certo é que o Judiciário não pode avaliar o mérito da decisão que eventualmente exclua o candidato por inaptidão psicológica. Somente profissionais diretamente ligados à missão de garantir a segurança pública podem validamente apreçar o resultado da investigação psíquica". Thereza Cristina Gosdal (2003), Procuradora do Trabalho, também aborda a discriminação e a questão do sigilo das informações na admissão do empregado, frisando que na fase de formação do contrato as partes devem observar o princípio da boa fé.

CONCLUSÕES

As conclusões, em face dos fundamentos levantados, giram mais em torno de questões a serem ampliadas e no sentido de fomentar o debate. Parece-nos fora de dúvida que testes de personali dade ou projetivos invadem a esfera psíquica do indivíduo e que, se existe um direito psíquico, derivado da personalidade, que é irrenunciável, não se justifica, juridicamente, hoje, em todas as situações, a aplicação de testes aos candidatos a emprego, mesmo que por profissional qualificado.

Assim, hoje, diante da funcionalização do contrato, e da solidariedade do novo Código Civil, em oposição à patrimonialização anterior, inexiste o direito absoluto de não contratar com base em um resultado de teste.

Questiona-se, ainda, em face da autonomia administrativa que é dada aos Conselhos Profissionais, qual a responsabilidade desse conselho, e quais os direitos de um trabalhador que não tem acesso ao emprego devido à reprovação em um teste que posteriormente tem seu padrão não validado pelo Conselho de Psicologia ? Na mesma linha, o candidato que se recuse a fazer um teste e por isso não tenha acesso a um emprego, possui algum direito em face da empresa ?

Pondera-se, ainda, que um teste levanta muito mais do que fatores correlacionados com a função, assim, se o chamado "perfil profissiográfico" da função deve levar em conta aspectos subjetivos e situações circunstanciais, é possível identificar os limites da invasão na esfera privada em um caso específico, e, portanto, aí, há um direito violado.

No Brasil, não há legislação que proteja o candidato contra o "vazamento" de informações sobre a personalidade, e, em alguns casos, tais fatores, gerando uma não contratação, podem ser considerados discriminatórios, o que nos leva a pensar se existe uma "discriminação por personalidade", como no caso da empresa que só contrate pessoas expansivas, outra que só contrate pessoas com "espírito de liderança" elevado, outra que afasta candidatos com estima em baixa. Aliás, curiosamente, o mercado quer empregados com estima elevada, mas, como é notório, o desemprego geralmente acarreta uma baixa justamente nesse aspecto.

Assim, entende-se que técnicas abusivas, como a chamada "avaliação 360 graus", sistemas de "testes on line", dinâmicas de grupo aleatórias, testes pouco confiáveis, ampliam sobremaneira a possibilidade de divulgação indevida e violação de intimidade. Tais questões precisam ser pensadas e repensadas pelo direito e pela sociedade, para que não se repita a frase de Ripert, de que quando o Direito ignora a realidade, esta se vinga, e ignora o Direito.

NOTAS

Recebido: 1/04/2004

1ª revisão: 28/5/2004

Aceite final: 21/6/2004

Luciano Augusto de Toledo Coelho Bacharel em Psicologia. Bacharel em Direito. Juiz Federal do Trabalho do Paraná. Mestrando em Direito Econômico e Social pela PUC do Paraná. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Universidade Tuiuti do Paraná. O endereço eletrônico do autor é: lluciano1@uol.com.br

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  • 1
    No prazo entre a confecção do artigo e a publicação, foi concluído o julgamento do processo, colaciono os principais termos do voto: PROC. N° TST-RR-702.000/2000.6 A C Ó R D Ã O 5ª Turma RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELOMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA COLETIVA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.EMPRESA ESTATAL. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA OUTESTE PSICOTÉCNICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Diferentemente do entendimento adotado pelas instâncias ordinárias, émanifesta a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar ação civil pública, de índole coletiva, proposta pelo Ministério Público do Trabalho em defesa da ordem jurídica trabalhista, visando à t u tela dos direitos metaindividuais, isto é, dos interesses difusos dos cidadãos interessados no acesso ao emprego público oferecido pela Ré. Com efeito, é atribuída constitucionalmente à Justiça do Trabalho a competência para julgar, na forma da lei, outras controvérsias decorre ntes da relação de trabalho, a teor do art. 114, 2ª parte, da Constituição da República, de 1988.Por sua vez, o art. 129 da Carta Magna estabelece, como função institucional do Ministério Público, promover ação civil pública para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. E, a seu turno, a Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993, atribuiu ao Ministério Público do Trabalho, expressamente, a legitimação ordinária para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 83, caput , e inc. III)...Vale registrar, em última análise, que a Justiça do Trabalho também não é avessa ao deslinde daquelas lides em que a causa de pedir e o pedido tenham relação com prejuízos morais e materiais que possam advir das tratativas preliminares ao pacto de emprego, ou seja, na chamada fase pré-contratual, em que as partes reuniam as condições inerentes às figuras de empregado e empregador, mas a contratação não chegou a ser concretizada. ...Aliás,
    legem habemus, vez que a Lei n° 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, impondo penas pecuniária e de prisão ao empregador ou seu representante legal. Irrecusável, portanto, a competência material da Justiça do Trabalho para julgar a presente Ação Civil Pública.
  • 2
    Esta vontade já ficou expressa nas discussões do projeto de reforma do judiciário, que infelizmente, em nosso entender, não ampliou a competência da justiça do trabalho como deveria.
  • 3
    Nesse sentido, o enunciado 342 entende que não se pode presumir coação ao empregado quando da adesão a descontos salariais por ocasião da contratação. Ora, em sã consciência, qual o empregado que já vai iniciar o almejado emprego indispondo-se com a empresa, recusando-se a assinar autorizações para descontos de seguros de vida, associação, e outros?
  • 4
    Em que pese o autor não pregar o fim da história, ao contrário, entende justamente que uma outra globalização seria possível o que proporcionaria uma retomada e um projeto que utilize o sistema de técnicas atuais de outro modo a partir da crise do atual modelo, enfatizando-se não o progresso do homem tecnológico mas a mutação filosófica que conduza a um novo sentido da existência.
  • 5
    Dentro das concepções teóricas sobre trabalho, destaca-se Hannah Arendt em sua crítica à Marx, diferenciando trabalho de "labor" na medida em apenas este último visa manter a condição humana da sobrevivência biológica. Ainda, conforme posto na obra de Ricardo Antunes consultada (os sentidos do trabalho), a polêmica entre Lucáks e Habermas quanto à constituição do trabalho como categoria intermediária que possibilita a humanização do homem, uma vez que Habermas centra essa transição na linguagem. Cite-se, ainda, as obras de Domenico DE MASI:
    A economia do ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2001; ______.
    O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: José Olympio/UnB, 1999. O autor faz em síntese uma crítica à sociedade viciada em trabalho e prega a busca da felicidade através do trabalho mais criativo e mais livre.
  • 6
    "A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação".
  • 7
    Sobre o direito ao salário mínimo e sua eficácia, ver artigo feito por grupo de estudos do qual participamos: COUTINHO, Aldacy, e outros: Direito constitucional ao salário mínimo.
    Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 2.
  • 8
    Conforme Sandra Lia SIMON (2000, p. 69), destacando Carlos Alberto Bittar, que usa especificamente a expressão "direitos psíquicos".
  • 9
    A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
  • 10
    Essa situação específica nos foi exemplificada pelos psicólogos com os quais conversamos: por exemplo, sabe-se que determinada pessoa está sendo contratada para ser secretária de um chefe tirano, grosso, mal educado e exigente....faz parte do trabalho do profissional que contrata "selecionar" uma pessoa com determinada personalidade que se adapte à situação que vai encontrar. Aí, segundo a psicologia, justificar-se-ia um teste de personalidade, em que pese entendermos, pessoalmente, que a entrevista seria suficiente, até porque naturalmente essa pessoa e passará pelo período de experiência previsto em lei com o chefe em questão, que visa justamente às partes avaliarem as condições do contrato.
  • 11
    Menciona que, apenas em casos raríssimos, como a contratação de um astronauta (!!) por exemplo, o exame seria justificável.
  • 12
    O novo Código Civil, apresentando inovação ao texto anterior, regulamenta, sem querer ser exaustivo, os direitos da personalidade em seu Capítulo II, intitulado Dos direitos da personalidade. Não custa lembrar que se trata de direitos irrenunciáveis. Logo, o indivíduo não pode renunciar a seu direito à privacidade e isto abrange a questão dos direitos psíquicos. Essa garantia já vinha reconhecida pela doutrina, tendo, a partir de agora, positivação no novo Código Civil. "Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.". O direito à privacidade é tutelado no art. 21 do mesmo texto: "Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrária a esta norma."
  • 13
    Entende-se pertinente descrever alguns dos "sintomas", em casos concretos, das situações observadas em seleção de pessoal: "O aumento na procura por empregos e a saturação do mercado de trabalho fizeram com que as grandes empresas brasileiras exigissem um perfil especial de profissionais. Os critérios de seleção foram mudando, e hoje não basta ter um ótimo currículo, experiência, diploma, curso de informática e conhecer uma língua estrangeira. Como boa parte dos candidatos já atende a esses requisitos, os funcionários de recrutamento avaliam outras qualidades. Contam pontos a capacidade de comunicação, iniciativa e até mesmo a auto-estima do candidato, atributos que estão sendo bastante valorizados no mercado profissional. Alguns critérios subjetivos podem definir a contratação. Na avaliação da equipe de seleção de algumas grandes empresas, o espírito de iniciativa revela a capacidade de adaptação e de trabalho em grupo. Valoriza-se também a segurança com que o candidato se expressa nas dinâmicas de grupo. A psicóloga Bianca Massucci, que trabalha como analista de recursos humanos da empresa Ford New Holland, afirma que o profissional mais procurado é aquele que é ' pró ativo': É muito grande a procura por pessoas que busquem o seu próprio desenvolvimento profissional e sua maturidade dentro da empresa. Além disso, devem ter dinamismo, vontade de crescer e de desenvolver novos projetos'. O diretor de produção da Copel Geração, Ricardo Goldani, diz que a pessoa tem que ter um bom relacionamento interpessoal, pensamento crítico, ousadia e auto-estima...".(
    Jornal do Estado, Curitiba,16 abr. 2002) Um método diferenciado de avaliação de recursos humanos aumenta em 85% a chance de uma empresa selecionar o profissional adequado para a função disponível. O novo serviço está disponível em Londrina e região desde o mês passado. Através de análises, consultoria, treinamento e estudos específicos é possível auxiliar a empresa na contratação adequada de pessoal. A parceria firmada entre a Labor Trabalho Temporário, empresa especializada em recrutamento e seleção de mão-de-obra, e a Caliper Estratégias Humanas do Brasil - consultoria norte-americana de recursos humanos com atuação em 38 países - está possibilitando o acesso das empresas do norte do Paraná a uma nova forma de avaliação e seleção de pessoal com base em um sistema de mensuração do potencial humano. O Perfil Caliper - um dos instrumentos de trabalho da empresa - tem 150 questões que avaliam competências fundamentais para o sucesso profissional como liderança, persuasão, habilidades em relacionamentos, resolução de problemas, tomadas de decisão, organização pessoal e administração do tempo. Toda a compilação dos dados é feita na sede da Coelho, L.A.T. "Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade" empresa, em Priston, nos Estados Unidos. Os resultados dos testes são ágeis e repassados verbalmente para a empresa no prazo máximo de 24 horas. O relatório completo é entregue em 48 horas.Segundo a diretora de atendimento da Caliper Estratégias Humanas do Brasil, Daniela de Oliveira Carvalho Leludak, o índice de contratações mal sucedidas ainda é grande, mas o mercado está encaminhando as empresas para a necessidade de terem uma política de recrutamento e seleção adequada. Extraído do site:
    www.caliper.com.br. Francisco de Souza ( o nome é fictício) 27 anos, é executivo de uma empresa multinacional. Ele não quis revelar sua identidade por medo de sofrer represálias, mas nos contou a experiência de ser submetido a uma das chamadas "avaliações 360 graus". "Tive que responder a 5 mil perguntas, durante o período de quatro dias, para ser avaliado", disse. Eis algumas das questões que ele teve de responder: Sua mulher já se masturbou? Se a resposta for 'sim', quantas vezes por semana? O que você acha disso? Você já brincou de enterro? (
    Revista Carta Capital, São Paulo, 15 de maio de 2002 p. 17). "Os testes online da Catho foram criados para facilitar e otimizar e o processo de pré-seleção de seus candidatos. Desenvolvidos por Doutores em Psicologia, os 35 diferentes Testes Online da Catho avaliam: Inteligência Geral, Personalidade e Adequação Executiva, Conhecimentos de Informática e Conhecimentos Específicos (Idiomas, Marketing e Matemática Financeira).Você poderá selecionar os testes a serem ministrados ou utilizar as recomendações que estão em nosso site. As recomendações são de acordo com o nível hierárquico e a área de atuação do candidato. Os testes poderão ser aplicados nas dependências da empresa ou enviados para o e-mail do candidato, proporcionando comodidade para a realização. Os relatórios e laudos ficam disponíveis imediatamente após sua realização e são divulgados de três formas distintas:- Tabela comparativa de candidatos.-Tabela/laudo resumo dos testes de cada candidato.- Laudo individual de cada testes aplicado.Sua empresa poderá ainda, contar com a assessoria de psicólogos da própria Catho sem custo adicional." extraído do site
    www.catho.com.br/testesonline. "Metodologias consideradas menos ortodoxas na contratação de pessoal e mesmo na condução de departamentos de Recursos Humanos começam a vencer resistências. Astrologia, Numerologia, I-Ching, Grafologia, Cabala de nomes, entre outras, são algumas das técnicas utilizadas...".(
    Revista Ser Humano, Revista mensal da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Curitiba dezembro de 1995.) "Ao seguir as instruções do Wartegg, o indivíduo projeta na tarefa sua maneira pessoal de perceber, sentir, associar e agir e, assim, revela a dinâmica de sua estrutura psíquica" (FREITAS,
    op. cit., p. 10). "Você, em geral, recebe de boa vontade a censura de seus amigos? Você acha que um grande amor seria a melhor compensação para os sofrimentos da vida? Você, às vezes, tem a impressão de que suas fantasias, esperanças e sonhos acabarão por realizar-se? Você já pensou que, às vezes, é impulsionado em seus atos e atitudes por um mal disfarçado desejo de mandar? (Perguntas que constam do
    teste de personalidade Dadahie, da editora CEPA centro de psicologia aplicada). Ainda, o autor desse artigo, em discussão sobre o tema com um ex-diretor de multinacional e hoje empresário, ouviu a seguinte afirmação: - nas empresas o que manda é o lucro e, portanto, contrata-se pela lei de Darwin, seleção natural, só os melhores, os mais fracos estão fora.
  • 14
    Informação de 07/11/2003 do Jornal Folha de São Paulo dá conta de que 52,4% dos 103 testes verificados foi reprovada, ou seja, mais da metade, o que, segundo o mesmo jornal, provocou uma investigação pelo Ministério Público Federal.
  • 15
    Conseqüentemente, a lei não autoriza intromissões em dados que não sejam parte do perfil profissiográfico do cargo.
  • 16
    Em Portugal existe a comissão nacional de proteção de dados, CNPD, além da Lei 67/98 (lei de proteção de dados), que regula tratamento de dados pessoais e proteção de privacidade. Desde 1991 Portugal dispunha de uma norma específica sobre a matéria, a Lei 10/91, revogada pela Lei 67/98. As informações foram obtidas em: SARMENTO e CASTRO (2002).
  • 17
    Ibidem. A dignidade da pessoa humana e o aviltante uso a dignidade da pessoa humana e o aviltante uso do polígrafo ("detector de mentiras") pelos empregadores - análise de Projeto de Lei de iniciativa do deputado federal Paulo Paim (PT-RS). Disponível em: <
    www.pt.org.br/assessor>. Acesso em: 05.07.03.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      21 Jun 2004
    • Revisado
      28 Maio 2004
    • Recebido
      01 Abr 2004
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