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Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014

Normative evaluation of Dental Specialties Centers, Brazil, 2014

RESUMO

Objetivou-se avaliar os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) do Brasil credenciados até o ano de 2014. Trata-se de avaliação do tipo normativa, quantitativa, baseada em indicadores e parâmetros orientados pela construção de um modelo avaliativo. Os CEO do Brasil foram julgados como bom, regular ou ruim. A maioria dos CEO do Brasil (68,1%) foi classificada como regular. Na dimensão estrutural, 78,1% dos CEO foram classificados como bom; na organizacional, 64,6% como regular; e na de produtividade, 48,2% como ruim. Houve associação significativa entre o julgamento final dos CEO e a localização geográfica e o porte populacional dos municípios. A avaliação evidenciou o não cumprimento de diversos indicadores normativos, demonstrando que não estão atendendo plenamente às normas preconizadas.

PALAVRAS-CHAVE
Avaliação em saúde; Saúde bucal; Especialidades odontológicas

ABSTRACT

It is the objective of this study to perform a normative evaluation of the Dental Specialties Centers (CEO) in Brazil accredited until the year 2014. It is a normative evaluation, with a quantitative approach, based on indicators and parameters guided by the construction of an evaluation model. CEO in Brazil were rated as bad, average or good. The majority of CEO in Brazil (68.1%) were classified as average. In the structural dimension, 78.1% of CEOs were classified as good; in the organizational dimension, 64.6% as average; and in productivity, 48.2% as bad. There was a significant association between the CEO’s final judgment and the geographical location and population size of the municipalities. The evaluation evidenced non-compliance with several normative indicators, showing that they are not fully complying with the recommended norms.

KEYWORDS
Health evaluation; Oral health; Specialities, dental

Introdução

Em 2004, o Ministério da Saúde (MS) lançou a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que culminou na expansão da atenção primária e no aumento da oferta de serviços odontológicos especializados, por meio da implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO)11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. [internet]. Brasília, DF: Mistério da Saúde; 2004 [acesso em 2018 jan 4]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.htm.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Antes do lançamento da PNSB, a assistência odontológica era precária; e as atividades, esparsas22 Narvai PC, Frazão P. Políticas de Saúde Bucal no Brasil. In: Moysés SJ, organizador. Saúde Bucal das Famílias: trabalhando com evidências. São Paulo: Artes Médicas; 2008. p. 308.. Os procedimentos odontológicos especializados eram escassos33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003: Condições de Saúde Bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004..

O MS iniciou, também, na década de 2000, uma discussão acerca do tema vigilância em saúde bucal, que foi sucedida pela criação de um subcomitê responsável pelo projeto denominado Saúde Bucal Brasil: condições de saúde bucal da população brasileira – SB Brasil44 Moysés SJ. Políticas de Atenção à Saúde Bucal: um cenário internacional e o Brasil. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, et al., organizadores. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Cebes; 2014. p. 609-634.. Cidadãos de algumas faixas etárias, moradores da zona urbana e rural de municípios das cinco macrorregiões do Brasil, foram examinados por profissionais envolvidos na efetuação da pesquisa.

Os resultados do SB Brasil 2003 demonstraram precariedade das condições bucais da população, assim como dificuldades e desigualdades de acesso aos serviços odontológicos básicos e especializados33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003: Condições de Saúde Bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004.. Em 2010, porém, dando sequência à estratégia de vigilância à saúde bucal, foi realizado um novo levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população brasileira – SB Brasil 2010. O resultado desse levantamento sinalizou avanços no perfil epidemiológico da população55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde Bucal. SB Brasil 2010: pesquisa nacional de saúde bucal: resultados principais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012..

Em decorrência da implementação da PNSB e da criação dos CEO, observaram-se experiências exitosas no cenário da saúde bucal da população brasileira. Desde a implantação dos CEO, houve um avanço significativo na prestação de cuidado odontológico especializado, com aumento de 400% nos procedimentos especializados66 Magalhães BG, Oliveira RS, Góes PSA, et al. Avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos Centros de Especialidades Odontológicas: visão dos usuários. Cad Saúde Col. 2015; 23(1):76-85.. É provável, todavia, que estudos futuros de saúde bucal apresentem uma dimensão ainda maior do impacto desses serviços na condição de saúde bucal dos brasileiros77 Azevedo J, Azevedo MS, Oliveira LJC, et al. Uso e necessidade de prótese dentária em idosos brasileiros segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SBBrasil 2010): prevalências e fatores associados. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(8):1-11. Contudo, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde, em 2013, a maioria dos atendimentos odontológicos no País ainda era realizado no setor privado (74,3%), seguido das unidades básicas de saúde (19,6%). Somente 6,1% eram realizados em outros tipos de estabelecimentos, entre eles os CEO88 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências. Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

Diante do desafio de garantir a operacionalização da atenção especializada em saúde bucal no Brasil, é necessário que práticas de monitoramento e de avaliação dos CEO sejam realizadas continuamente, visando subsidiar o planejamento em saúde e a tomada de decisão sobre as prioridades e investimentos nos serviços99 Felisberto E, Samico I, Bezerra LCA, et al. Institucionalizando a avaliação nas organizações e agências de pesquisas: um estudo de caso exemplar. Saúde debate. 2017; 41(esp):387-399.,1010 Ferreira J, Celuppi IC, Baseggio L, et al. Planejamento regional dos serviços de saúde: o que dizem os gestores? Saúde soc. 2018; 27(1):69-79..

Estudos de avaliação sobre a produção odontológica ambulatorial bem como sobre a organização dos CEO têm apontado resultados contraditórios ao esperado pelas normativas exigidas pelo MS. De modo geral, os CEO do Brasil têm apresentado desempenho aquém do esperado1111 Lino PA, Werneck MAF, Lucas SD, et al. Análise da atenção secundária em saúde bucal no estado de Minas Gerais, Brasil. Ciên. Saúde Colet. 2014; 19(9):3879-88.,1212 Pires ALC, Figueiredo GS, Gruendemann JLA, et al. Atenção secundária em saúde bucal no Rio Grande do Sul: análise descritiva da produção especializada em municípios com Centros de Especialidades Odontológicas com base no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde. RFO. 2016; 20(3):325-33., além de falhas na organização, especialmente relacionadas com o encaminhamento dos usuários da atenção básica1313 Souza GA, Lopes MLDS, Roncalli AG, et al. Referência e contra referência em saúde bucal: regulação do acesso aos centros de especialidades odontológicas. Rev. salud pública. 2015; 17(3):416-428..

Considerando ser o propósito da avaliação em saúde a emissão de um julgamento de valor para a tomada de decisão1414 Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, et al. A Avaliação na Área da Saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZMR, organizadora. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 29-47., objetivou-se realizar uma avaliação normativa dos CEO do Brasil credenciados até o ano de 2014, buscando julgar se estes estão funcionando em conformidade com as normas preconizadas pelos documentos legais. O presente trabalho busca contribuir para o planejamento das ações em saúde bucal do Brasil.

Material e métodos

Trata-se de um estudo avaliativo, do tipo normativo, empregando abordagem quantitativa. A amostra selecionada neste estudo foram todos os CEO do Brasil que participaram da avaliação externa do primeiro ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade dos CEO (PMAQ-CEO), ocorrido no primeiro semestre de 2014. Ressalta-se que três CEO foram excluídos por não terem participado de um dos módulos da avaliação. A amostra deste estudo totalizou 929 CEO, distribuídos pelos municípios brasileiros.

A Portaria nº 599/2006 classificou os CEO em três tipos – tipo I; tipo II; tipo III, conforme a quantidade de consultórios odontológicos, os quais devem funcionar 40 horas semanais, dispondo de cirurgiões-dentistas, auxiliares de consultório dentário, entre outros profissionais1515 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 599, de 23 de março de 2006. Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEO) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelecer critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Diário Oficial da União. 23 Mar 2006.. As portarias que regulamentam a estrutura e o funcionamento dos CEO têm como pressuposto a garantia de que estes proporcionem o impacto desejado no perfil epidemiológico de saúde bucal da população brasileira, e se efetivem como estratégia de ampliação do acesso a tratamentos especializados no Sistema Único de Saúde (SUS).

O modelo lógico (figura 1) e a matriz avaliativa de análise e de julgamento elaborados e utilizados neste estudo foram orientados pela literatura científica e por documentos legais. O modelo apresenta três dimensões avaliativas – estrutural, organizacional e de produtividade, subdivididas em 6 subdimensões e 24 indicadores (quadro 1).

Quadro 1
Elementos da matriz avaliativa dos Centros Especialidades Odontológicas (CEO) do Brasil

Figura 1
Modelo Lógico da Avaliação dos Centros de Especialidades Odontológicas

Foram adotados parâmetros normativos (quadro 1), estabelecidos nos documentos legais e na literatura científica, para a emissão de juízos de valor. Os critérios utilizados e suas respectivas referências estão contidos no quadro 1. Ressalta-se, no entanto, que o terceiro indicador da presente matriz, formação dos cirurgiões-dentistas, nas áreas de atuação no CEO não é uma exigência, contudo entendemos que esse aspecto influencia a prática do profissional. Portanto, foi considerada a qualificação do cirurgião-dentista na área que este atua nas cinco especialidades mínimas.

Foram atribuídos escores aos indicadores, subdimensões, dimensões e do CEO (quadro 2). Definiu-se valor 0 (zero), julgado como ruim, para os indicadores que não atenderam aos parâmetros; 1, julgado como regular, para os que atenderam parcialmente; e 2, julgado como bom, para os que atenderam completamente. A soma dos escores dos indicadores gerou o juízo de valor da subdimensão. Esse juízo de valor da subdimensão também foi convertido em escore (ruim=0; regular=5; bom=7). A soma dos escores da subdimensão gerou o juízo de valor da dimensão, que, da mesma forma, foi convertido em escore. A soma dos escores das dimensões gerou o juízo de valor final do CEO. Para o julgamento das subdimensões, dimensões e do CEO, a soma dos escores foi dividida por três, gerando grupos de julgamento, classificados como bom, quando alcançou os maiores valores; ruim, quando alcançou os menores valores; e regular, nas demais situações (quadro 2). Todos os indicadores, subdimensões e dimensões foram considerados de igual importância, e, portanto, tiveram o mesmo peso nos cálculos.

Quadro 2
Forma de agregação do juízo de valor

As fontes de dados para o cálculo dos indicadores foram: o banco de dados do 2º ciclo do PMAQ-CEO de 2014, o Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS), disponíveis no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os municípios com CEO foram classificados em quatro estratos, conforme seu porte demográfico, a saber: porte 1: de 0 a 10.000 habitantes; porte 2: de 10.001 a 25.000 habitantes; porte 3: de 25.001 a 50.000 habitantes; porte 4: acima de 50.000 habitantes. A classificação foi feita com base na população estimada para o ano de 2014 dos municípios, obtida no site do IBGE.

Como o SIA-SUS não permite a tabulação dos dados de produção ambulatorial por CEO, apenas por município, utilizou-se o software TabWin (versão 4.1.3) para tabulação desses dados. Foram obtidos os bancos de dados de todos os meses de 2014 para cada Unidade da Federação (UF); filtrados os procedimentos listados na Portaria nº 1.464/GM2121 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1464, de 24 de junho de 2011. Altera o Anexo da Portaria nº 600/GM/MS. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. das cinco especialidades mínimas, por CEO; e calculada a média anual.

Todos os dados foram exportados, organizados e analisados em planilhas no software Microsoft Office Excel® (versão 2013). Promoveu-se análise descritiva; e foram calculadas as frequências absolutas, relativas e percentuais. Os resultados foram apresentados em formato de tabela. Os indicadores, subdimensões, dimensões e CEO foram classificados conforme o alcance dos parâmetros normativos, julgados como bom, regular ou ruim.

Para avaliar possíveis associações entre o julgamento final dos CEO e variáveis do estudo (localização geográfica e porte populacional), utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson, com o auxílio do software estatístico R (https://www.R-project.org/). Diferenças foram consideradas significantes em p<0,05.

Todos os dados utilizados no presente estudo são secundários e de domínio público, em que não constam dados de identificação. Assim, em conformidade com os princípios éticos explicitados na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510, de 7 de abril de 2016, este estudo não necessitou de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

No Brasil, em 2014, havia 931 CEO implantados. Dos CEO analisados neste estudo (n=929), a maior parte (68,1%) foi classificada como regular, 198 CEO (21,3%) foram classificados como bom; e 98 (10,6%), como ruim (tabela 1).

Tabela 1
Número absoluto e percentual dos indicadores, subdimensões e dimensões dos CEO, conforme a sua classificação (bom, regular e ruim). Brasil, 2014

Na análise das dimensões, observa-se que a estrutural obteve mais da metade dos CEO (78,1%) classificados como bom, sendo a que obteve o melhor resultado. O detalhamento dessa dimensão possibilita observar que os indicadores com melhores resultados (mais de 97% dos CEO com conceito bom) foram: adequação do número cadeiras odontológicas completas ao tipo de CEO; sala de espera para pacientes e acompanhantes, ambos pertencentes à subdimensão recursos estruturais; e adequação da quantidade de horas semanais utilizadas para fazer procedimentos clínicos, da subdimensão recursos humanos. Nota-se ainda que a adequação do número cadeiras odontológicas completas ao tipo de CEO foi o melhor resultado entre todos os indicadores utilizados (97,6% bom). A compatibilidade da carga horária de auxiliares/técnicos de consultório dentário e cirurgiões-dentistas apresentou o pior resultado da dimensão (26,0%).

Na análise da dimensão organizacional, mais da metade dos CEO (64,6%) foi classificada como regular; e poucos (2,0%), como ruim. Nesse item, os três indicadores considerados obtiveram mais da metade dos CEO com conceito bom. O pior resultado foi observado no acesso por meio de demanda referenciada, com 42,8% dos CEO sem atendimento exclusivo por meio de demanda referenciada.

Na dimensão produção, foram observados os piores resultados de toda a matriz avaliativa, com quase metade dos CEO (48,2%) classificados como ruim. Dos indicadores considerados, o melhor resultado foi o cumprimento da meta mínima para procedimentos básicos, com 73,5% dos CEO com conceito bom. Os piores resultados foram para o cumprimento das metas mínimas de procedimentos de endodontia e cirurgia, com menos de 25% dos CEO com conceito bom. Relacionando os resultados da dimensão produção com o porte populacional dos municípios, notou-se que 11,7% dos CEO implantados em municípios de porte 4 foram classificados como bom. Nos municípios menores, o maior percentual de CEO com conceito bom foi observado nos municípios de porte 3 (6,6%), seguido dos municípios de porte 1 (6,2%) e porte 2 (1,3%).

A análise detalhada das classificações das dimensões dos CEO por macrorregião e por porte populacional dos municípios permite verificar que, na dimensão estrutural, 86,2% dos CEO da macrorregião Sul obtiveram conceito bom, enquanto na macrorregião Norte, 69,5%. Na dimensão organizacional, 43,5% dos CEO da macrorregião Centro-Oeste obtiveram conceito bom, porém, na macrorregião Nordeste, apenas 29,3%. Na produção, 22,5% dos CEO da macrorregião Centro-Oeste foram classificados como bom; e apenas 3,9% dos CEO da macrorregião Nordeste.

Observou-se que, na dimensão estrutural, 80,7% dos CEO implantados em municípios de porte 4 foram classificados como bom; e 62,5% dos CEO dos municípios de porte 1 obtiveram conceito bom. Na dimensão organizacional, 39,5% dos CEO implantados em municípios de porte 3 obtiveram conceito bom; enquanto 31,5% dos CEO implantados em municípios de porte 4 apresentaram conceito bom. Na dimensão produção, 11,7% dos CEO implantados em municípios de porte 4 foram classificados como bom; somente 1,2% dos CEO de municípios de porte 2 obtiveram conceito bom.

A maior parte dos CEO (60,5%) está implantada em municípios mais populosos – acima de 50.001 habitantes (tabela 2). Observou-se que as regiões Norte e Nordeste apresentaram os piores percentuais, com 17,0% e 14,4% dos CEO com conceito ruim. A macrorregião Centro-Oeste obteve o maior percentual de CEO com conceito bom (40,3%). Quando analisados os resultados por UF, Roraima-RR destaca-se negativamente, pois o único CEO do estado foi classificado como ruim. Por outro lado, Amapá (AP) e Mato Grosso do Sul (MS) obtiveram mais de 50% dos CEO com conceito bom. O restante das UF obteve a maior parte dos CEO com conceito regular. Os municípios com porte populacional de 10.001 a 25.000 habitantes foram os que tiveram pior desempenho na avaliação, com maior percentual de CEO ruins e menor percentual de CEO bons.

Tabela 2
Avaliação dos CEO, por localização geográfica e porte populacional dos municípios. Brasil, 2014

No Brasil, o julgamento final dos CEO nesta avaliação esteve associado com a localização geográfica e o porte populacional dos municípios (tabela 2). Notou-se que o Centro-Oeste apresentou proporcionalmente os melhores resultados. As macrorregiões Norte e Nordeste tiveram os resultados mais negativos. Os munícipios de maior porte populacional apresentaram proporcionalmente os melhores resultados. Chama a atenção o fato de que os municípios menores, de até 10.000 habitantes, também foram mais bem avaliados.

Discussão

Este estudo evidenciou que, em 2014, a maior parte dos CEO não estava atendendo plenamente às normas preconizadas, especialmente quanto às metas de produção ambulatorial. Além disso, a classificação dos CEO esteve fortemente associada à localização geográfica e ao porte populacional dos municípios.

A dimensão produtividade, especialmente os indicadores de cumprimento das metas mínimas de endodontia, cirurgia e periodontia, apresentou a maior parte dos CEO com conceito ruim. A literatura cientifica tem evidenciado resultados similares. Muitos autores que avaliaram o desempenho dos CEO nas diferentes regiões do Brasil, sob a perspectiva do cumprimento das metas, têm observado que a maior parte dos CEO não tem atingido as metas de produtividade, especialmente nas especialidades de periodontia, endodontia e cirurgia oral2222 Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad. Saúde Pública 2012; 28(supl):81-89

23 Herkrath FJ, Herkrath APCQ, Silva LNB, et al. Desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas frente ao quadro sociodemográfico dos municípios do Amazonas, Brasil, 2009. Saúde debate. 2013; 37(96):148-158.

24 Cortellazzi KL, Balbino EC, Guerra LM et al. Variables associated with the performance of Centers for Dental Specialties in Brazil. Rev. bras. Epidemiol. 2015; 17(4):978-988.
-2525 Freitas CHSM, Lemos GA, Pessoa TRRF, et al. Atenção em saúde bucal: avaliação dos centros de especialidades odontológicas da Paraíba. Saúde debate. 2016; 40(108):132-143.
.

Sabe-se, no entanto, que, historicamente, no Brasil, há uma grande demanda reprimida por tratamentos odontológicos especializados. Uma hipótese para esse paradoxo seriam possíveis incoerências relacionadas com a forma como foram estabelecidas, tanto no quesito quantitativo quanto no tipo de procedimento. Para Goes e colaboradores2222 Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad. Saúde Pública 2012; 28(supl):81-89, é necessário considerar o perfil epidemiológico da população local e regional do País e repensar sobre as metas estipuladas pelo MS, bem como sobre as especialidades oferecidas.

Alguns autores também têm sugerido que a baixa produtividade dos CEO pode estar relacionada com o número inadequado de profissionais por especialidade2626 Kimatura ES, Bastos RR, Palma PV, et al. Avaliação da satisfação dos usuários dos Centros de Especialidades Odontológicas da macrorregião Sudeste de Minas Gerais, 2013. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016; 25 (1):137-148., com a inexistência de um sistema de lista de espera que reponha os pacientes faltosos, com a não padronização das tecnologias utilizadas por cada profissional, com o não cumprimento da carga horária de trabalho ou, ainda, com a realização de procedimentos básicos que deveriam ser realizados na atenção básica2727 Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, et al. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad. Saúde Colet. 2011; 27(1):43-54., ou, ainda, com as longas filas para o atendimento nos CEO que culminam em altas taxas de abstinência2828 Thomaz EBAF, Sousa GMC, Queiroz RCS, et al. Avaliação do cumprimento das metas de produtividade em Centros de Especialidades Odontológicas no Maranhão, 2011. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016; 25(4):807-818..

Outro aspecto importante refere-se ao papel que os CEO exercem na rede de atenção em saúde bucal no SUS. A regulamentação em vigor determina que a atenção secundária deve proporcionar a continuidade do cuidado em saúde bucal realizado pela Equipe de Saúde Bucal (ESB) na atenção básica2020 Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal. Caderno de Atenção Básica nº 17 de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde. Brasília [internet]. Brasília, DF: Mistério da Saúde; 2008. [acesso em 2018 jan 4]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_bucal.pdf.
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, sendo imprescindível a organização dos fluxos de gerenciamento dos usuários, por meio do mecanismo de referência e contrarreferência. Entretanto, observa-se no presente estudo que menos da metade dos CEO trabalhava com acesso dos usuários exclusivo por demanda referenciada; e parte não possuía um termo de referência/contrarreferência. Esses resultados sugerem que os CEO, de modo geral, estão funcionando como porta de entrada para os usuários ao sistema de saúde, promovendo uma descontinuidade do cuidado. Outros estudos publicados fizeram constatações similares2626 Kimatura ES, Bastos RR, Palma PV, et al. Avaliação da satisfação dos usuários dos Centros de Especialidades Odontológicas da macrorregião Sudeste de Minas Gerais, 2013. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016; 25 (1):137-148.,2828 Thomaz EBAF, Sousa GMC, Queiroz RCS, et al. Avaliação do cumprimento das metas de produtividade em Centros de Especialidades Odontológicas no Maranhão, 2011. Epidemiol. Serv. Saúde. 2016; 25(4):807-818..

Embora a dimensão estrutural tenha apresentado resultados satisfatórios, um dado mostrou-se discrepante do que se esperaria nesse cenário. Como respostas às normativas do sistema, esperavam-se cirurgiões-dentistas atuando em conjunto com auxiliares/técnicos. Sabe-se que uma ESB completa é capaz de realizar seu trabalho com maior eficiência e otimização do processo de trabalho; promovendo aumento da qualidade técnica e da produtividade, a minimização do custo operacional, além da redução do desgaste físico, do estresse e da fadiga do cirurgião-dentista1717 Costa AO, da Silva LP, Saliba O, et al. A participação do auxiliar em saúde bucal na equipe de saúde e o ambiente odontológico. Rev.odontol UNESP. 2010; 41(6):371-376.. A falta de auxiliares e técnicos, portanto, pode estar impactando não apenas na produtividade dos CEO, mas também na qualidade dos serviços oferecidos à população.

Os resultados mostraram que a maior parte dos profissionais que estavam atuando nos CEO possuía, ao menos, especialização na área de atuação. Contudo, notou-se que nem todos os profissionais dos CEO estão incluídos em ações de educação permanente, o que denota uma certa desvalorização desses profissionais por parte da gestão desses municípios. O fato de já terem especialização na área de atuação no CEO não diminui a importância dessas ações na qualificação do serviço e dos profissionais, uma vez que essas ações não visam apenas melhorar a capacidade técnica de execução de procedimentos, mas, principalmente, investir na capacidade crítica e reflexiva dos profissionais, para que atuem em uma visão ampliada e contextualizada das necessidades de saúde dos usuários atendidos2929 Peduzzi M, Guerra DAD, Braga CP, et al. Educational activities for primary healthcare workers: permanent education and inservice healthcare education concepts in the daily life of primary healthcare units in São Paulo. Interface - Comunic. Saude Educ. 2009; 13(30):121-134..

A Portaria GM/MS nº 599/2006 prevê a disponibilidade de instrumentais e insumos compatíveis com os serviços nos CEO1515 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 599, de 23 de março de 2006. Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEO) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelecer critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Diário Oficial da União. 23 Mar 2006.. Embora nesta pesquisa não tenha sido avaliada a presença ou ausência específica de cada instrumental ou insumo necessários ao atendimento, o fato de o profissional relatar paralisação no atendimento por falta de instrumentais ou insumos em 30,5% dos CEO avaliados revela a dificuldade de gerenciamento desses recursos, o que, fatalmente, compromete o atendimento aos usuários e a resolubilidade dos CEO.

O maior percentual de CEO com conceito bom foi na macrorregião Centro-Oeste, sendo que as análises estatísticas demonstraram associação significante entre as variáveis. Esses resultados podem indicar que houve maior incentivo na atenção secundária em saúde bucal nessa macrorregião em comparação com as demais. No entanto, não há dados na literatura que corroborem essa hipótese, havendo, portanto, a necessidade de outros estudos que analisem as políticas estaduais de incentivo e gestão da rede de atenção à saúde bucal.

O porte populacional dos municípios também obteve associação significante com o julgamento final dos CEO. Notou-se que o maior percentual de CEO com conceito bom foi nos municípios mais populosos. Uma justificativa para essa ocorrência é o fato de que, neste estudo, os percentuais de CEO classificados como bom na dimensão produtividade foram maiores em municípios de maior porte populacional.

Alguns estudos científicos identificaram associações entre o desempenho dos CEO e o porte populacional dos municípios. Esses estudos verificaram que os CEO localizados em municípios de maior porte populacional apresentaram melhores resultados de produtividade2222 Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad. Saúde Pública 2012; 28(supl):81-89,3030 Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2009; 25(2):259-267., devido a esses municípios possuírem maiores demandas por tratamentos especializados3030 Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2009; 25(2):259-267..

Por outro lado, o segundo melhor resultado observado foi nos municípios menos populosos. Uma possível explicação para esse fato seria o estabelecimento de parcerias entre esses municípios, por meio dos consórcios regionalizados. Ou seja, o CEO de um município torna-se também referência para a população residente de outros municípios próximos, aumentando, portanto, a demanda. De fato, municípios de pequeno porte populacional não possuem grande demanda por serviços odontológicos especializados, nem economia de escala para implantar um CEO. Por conseguinte, o estabelecimento dessas parcerias pode vir a ser uma estratégia importante para a maior produtividade dos CEO.

Este estudo avaliou os CEO normativamente. Os indicadores utilizados nessa avaliação retratam aspectos mínimos e obrigatórios que um CEO deveria dispor; e, portanto, a classificação de um CEO como bom não significa que este não necessite de aperfeiçoamentos e avanços. No entanto, sob outra perspectiva, o não cumprimento desses indicadores expressa a necessidade de mais atenção por parte da gestão na atenção especializada em saúde bucal. Para tanto, a metodologia normativa empregada na presente avaliação pode vir a ser considerada uma limitação do presente estudo. Outra limitação seria a fonte secundária de dados, que está sujeita ao sub-registro ou registro inadequado das informações, que, nesse caso, não são passíveis de identificação.

Conclusões

A avaliação evidenciou o descumprimento de diversos indicadores normativos, especialmente os relacionados com o cumprimento das metas ambulatoriais, demonstrando que os CEO não estão atendendo plenamente às normas preconizadas. Apesar das dimensões estrutural e organizacional dos CEO terem apresentado os melhores resultados, há necessidade de aprimoramento de alguns aspectos, especialmente o relacionado com a existência de auxiliares e técnicos de consultório dentário atuando juntamente com os cirurgiões-dentistas nos CEO, Além deste, os relacionados com a inclusão dos profissionais em ações de educação permanente e com o acesso aos CEO somente por meio de demanda referenciada.

Os resultados deste trabalho elucidam a importância de aperfeiçoamentos e avanços de muitos dos indicadores utilizados nesta avaliação. Sugere-se a revisão das metas ambulatoriais nas especialidades ofertadas pelos CEO, considerando as particularidades de cada região, a demanda existente, o perfil epidemiológico, as reais necessidades de tratamento da população em cada local, assim como questões relativas aos recursos estruturais dos CEO, a força de trabalho de cirurgiões-dentistas e de outros profissionais existente em cada região do País.

Reforça-se a necessidade de que mais estudos avaliativos sobre os CEO sejam realizados, empregando outras abordagens e metodologias, a fim de elucidar outras fragilidades e os avanços dos CEO do País.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2018
  • Aceito
    15 Jan 2019
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