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O louco de rua visto através da literatura

Straggler of the streets and literature

Resumos

O artigo procura formular uma teoria acerca do papel do chamado "louco de rua" no imaginário popular, através da apreensão do lugar por ele ocupado em sua comunidade. A compreensão de "loucura" aqui levada em conta baseou-se no pensamento de Foucault, que a vê como fenômeno determinado historicamente e divide as formas de sua concepção no decorrer da história entre as modalidades trágica e crítica, a primeira antecedendo o advento da psiquiatria. O material foi obtido na narrativa literária (em poesia e prosa) de uma série de escritores brasileiros e, através de sua análise, buscou-se apreender as características das relações que se travam entre o louco de rua e a comunidade no espaço do teatro do mundo e detectar-se a maneira como o convívio com o louco toca o imaginário popular e produz efeitos.

Louco de rua; Literatura; Imaginário popular; Foucault, Michael


This work aims to formulate a theory on the role the madman - straggler of the streets - plays in popular imagery and the place he holds in his community. Madness, as here depicted, follows Foucault’s interpretation: a historically determined phenomena, divided, in the course of history, into two modalities - one tragic, the other critical - the first, an interpretation prior to the advent of psychiatry. The material was collected in the literary narratives - poetry and prose - taken from the works of Brazilian authors and through the analysis of these narratives we sought to apprehend characteristics inherent in the relationships existing between the street-wandering madman and the community in which he roams - players upon a world stage - and thus to evaluate the connection between madman and town.

Straggler of the streets; Literature; Popular imageny; Facault, Michel


O LOUCO DE RUA VISTO ATRAVÉS DA LITERATURA1 1 Este artigo contém extratos da tese de doutorado Andarilhos da imaginação: um estudo sobre os loucos de rua, defendida no IPUSP em março de 1999.

Flávio Carvalho Ferraz2 2 Psicólogo e Doutor em Psicologia pelo IPUSP; Psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Professor dos Cursos de Psicanálise e de Psicossomática deste Instituto. Endereço para correspondência: Rua João Moura, 647 – conj. 121 – CEP 05412-911 – São Paulo – SP. Tel: (0-xx-11) 280-9606; fax: (0-xx-11) 212-9716. E-mail: ferrazfc@uol.com.br

Instituto Sedes Sapientiae

O artigo procura formular uma teoria acerca do papel do chamado "louco de rua" no imaginário popular, através da apreensão do lugar por ele ocupado em sua comunidade. A compreensão de "loucura" aqui levada em conta baseou-se no pensamento de Foucault, que a vê como fenômeno determinado historicamente e divide as formas de sua concepção no decorrer da história entre as modalidades trágica e crítica, a primeira antecedendo o advento da psiquiatria. O material foi obtido na narrativa literária (em poesia e prosa) de uma série de escritores brasileiros e, através de sua análise, buscou-se apreender as características das relações que se travam entre o louco de rua e a comunidade no espaço do teatro do mundo e detectar-se a maneira como o convívio com o louco toca o imaginário popular e produz efeitos.

Descritores: Louco de rua. Literatura. Imaginário popular. Foucault, Michael.

O presente artigo, é bom dizer, inspira-se em impressões que me acompanham desde menino. Trata-se do fascínio exercido pelo contato com os loucos de rua de minha cidade, com suas características tão humanas e, simultânea e paradoxalmente, tão fantásticas.

Durante minha infância, passada em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, sempre me chamaram a atenção a vida e a história daquelas personagens que perambulavam de rua em rua, ou mesmo de cidade em cidade, guardando em torno de si uma certa atmosfera de mistério que em todos despertava os mais diversos sentimentos: de interesse, de medo, de curiosidade, de pena e outros mais. Eram os "loucos de rua," esses protagonistas do theatrum mundi, esses "andarilhos da imaginação," como os designei em minha tese de doutorado a eles dedicada.

Foucault (1961/1989), ao tratar da presença da loucura na arte renascentista - através das figuras terríveis e animalescas retratadas pelos pintores - afirmou que o homem se descobria a si próprio naquelas figuras fantásticas, tomando contato com a natureza de seu desejo. Tratava-se, assim, do fascínio exercido pela loucura:

a loucura fascina porque é um saber. É um saber, de início, porque todas essas figuras absurdas são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico. (...) Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detém em sua parvície inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe desse saber algumas figuras fragmentárias - e por isso mesmo mais inquietantes -, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível. (pp. 20-21)

Ainda sobre este poder de atração e fascínio exercido pela loucura, continua Foucault (1961/1989):

num único e mesmo movimento, o louco se oferece como objeto de conhecimento dado em suas determinações mais exteriores e como tema de reconhecimento, em troca investindo aquele que o apreende com todas as familiaridades insidiosas de sua verdade comum. (p. 512)

Este estranho sentimento de familiaridade que o louco provoca em seu interlocutor - ou simplesmente observador - parece de natureza semelhante à do "estranho familiar," de que Freud (1919/1981) falou. Ele resulta de um impacto estético causado no contato com aquilo que, à primeira vista, parece ser estranho, mas que é, simultânea e paradoxalmente, familiar.

É assim que, no relacionamento do homem comum com o louco, este, estranho por excelência, adquire o papel de espelho: reflete o encoberto, a loucura pessoal desconhecida; reflete o obscuro, o inconsciente:

o louco desvenda a verdade elementar do homem: esta o reduz a seus desejos primitivos, a seus mecanismos simples, às determinações mais prementes de seu corpo. A loucura é uma espécie de infância cronológica e social, psicológica e orgânica, do homem. (Foucault, 1961/1989, p. 512)

Por tudo isso, a loucura fascina. Quem não tem uma história sobre algum louco de rua para contar, uma experiência qualquer de apreensão, medo, curiosidade ou brincadeira? Quem nunca sentiu este interesse, este fascínio? Qual a cidade que não tem os seus loucos célebres? O escritor memorialista Joaquim de Salles, nascido na cidade mineira do Serro em 1879, destinou algumas páginas de seu livro Se não me Falha a Memória aos doidos de sua cidade no tempo de sua infância. Curioso é o fato de que, apesar do grande espaço de tempo transcorrido, "seus" doidos muita semelhança guardavam em relação aos loucos de rua de minha memória.

Morley (1942/1998), no livro de memórias Minha Vida de Menina, conta detalhes do cotidiano da cidade de Diamantina - vizinha do Serro de Joaquim de Salles - entre 1893 e 1895, não deixando de incluir aí uma referência aos loucos de rua e à importância que eles tinham para ela:

As outras cidades terão tanto doido como Diamantina? Eu e Glorinha estivemos contando os doidos soltos, fora os que estão no Hospício. Que porção!

Mas também uma cidade sem doidos deve ser muito sem graça. Eu pelo menos não queria deixar de ter aqui Duraque, Teresa Doida, Chichi Bombom, Maria do Zé Lotério, João Santeiro, Antônio Doido, Domingos do Acenzo. Cada um é mais engraçado com a sua mania. Mas a melhor de todas é a de Domingos, que é cabeleireiro e tem a mania de ficar rico.

Meu pai costuma chamá-lo em casa para lhe cortar o cabelo e eu fico sempre perto, morrendo de rir. Ele fica contanto a meu pai, com aquela cara séria, os seus planos de enriquecer e eu, para não estourar na frente dele, corro para rir no meu quarto. (pp. 272-273)

Neste trabalho, de certo modo, deixei-me ceder ao fascínio do louco, procurando conhecê-lo através de uma fonte preciosa que é a literatura brasileira. Objeto de pouca ou quase nenhuma abordagem na esfera das ciências humanas, o louco de rua pode ser melhor definido e compreendido, em sua relação com as outras pessoas, através da narrativa literária.

Definição e caracterização do louco de rua com a ajuda da literatura

O que é um "louco de rua"? Não tentarei defini-lo a priori. Minha opção aqui foi a de tentar traçar seu perfil a partir da narrativa literária, deixando de lado as concepções psiquiátricas de doença mental. Para efeito desta abordagem, louco, doido ou maluco é aquele assim designado no seio de sua comunidade. Não se trata de um objeto de estudo facilmente encontrável na esfera das ciências, seja da psiquiatria, seja das ciências humanas. A literatura é, certamente, a melhor fonte que me vem em auxílio. O poema Loucos, de José Paulo Paes ilustra com precisão o tipo que tento definir:

Ninguém com um grão de juízo ignora estarem os loucos muito mais perto do mundo das crianças que do mundo dos adultos. Eu pelo menos não esqueci os loucos da minha infância.

Havia o Elétrico, um homenzinho atarracado de cabeça pontuda que dormia à noite no vão das portas mas de dia rondava sem descanso as ruas da cidade.

Quando topava com um poste de iluminação, punha-se a dar voltas em torno dele. Ao fim de certo número de voltas, rompia o círculo e seguia seu caminho em linha reta até o poste seguinte.

Nós, crianças, não tínhamos dúvida de que se devia aos círculos mágicos do Elétrico a circunstância de jamais faltar luz em Taquaritinga e de os seus postes, por altos que fossem, nunca terem desabado.

Havia também o João Bobo, um caboclo espigado, barbicha rala a lhe apontar do queixo, olhos lacrimejantes e riso sem causa na boca desdentada sempre a escorrer de baba.

Adorava crianças de colo. Quando lhe punham uma nos braços, seus olhos se acendiam, seu riso de idiota ganhava a mesma expressão de materna beatitude que eu me acostumara a ver, assustado com a semelhança, no rosto da Virgem do altar-mor da igreja.

E havia finalmente o Félix, um preto de meia idade sempre a resmungar consigo num incompreensível monólogo. A molecada o perseguia ao refrão de "Félix morreu na guerra! Félix morreu na guerra!."

Ele respondia com os palavrões mais cabeludos porque o refrão lhe lembrava que, numa das revoluções, a mãe o escondera no mato com medo do recrutamento, a ele que abominava todas as formas de violência.

Quando Félix rachava lenha cantando, no quintal de nossa casa, e, em briga de meninos, um mais taludo batia num menor, ele se punha a berrar desesperadamente: "Acuda! Acuda!" até um adulto aparecer para salvar a vítima.

Como se vê, os loucos de nossa infância eram loucos úteis. Deles aprendemos coisas que os professores do grupo e do ginásio não nos poderiam ensinar, mesmo porque, desconfio, nada sabiam delas. (Paes, 1992, pp. 31-32)

Para ser classificado como um "louco de rua" faz-se necessário, naturalmente, que um indivíduo preencha dois requisitos: ser "louco" e ser "de rua." É assim, então, que tais pessoas podem ser pensadas como "personagens do teatro do mundo," cuja loucura se encena no palco da cidade, em praça pública. Para que estas condições sejam preenchidas, este louco, evidentemente, será o louco "solto," não institucionalizado, aquele que escapou da psiquiatria, da medicalização e do hospício. De um modo geral, será o louco pobre e sem família, ou cuja família não possa dele cuidar. Sem a presença da família, não existe quem possa se envergonhar da publicidade de sua loucura. Na maioria das vezes, ainda que haja exceções, sua loucura se acrescenta à mendicância e à perambulação, circunscritas a limites que podem ser os da cidade ou uma parte dela, ou ainda, em certos casos, ampliarem-se para áreas rurais do município e mesmo abranger cidades vizinhas.

O louco de rua, dadas as características de seu modo peculiar de vida, encenado no palco da cidade, torna-se uma pessoa conhecida e - por que não? - célebre, transformando-se em um participante ativo da vida da comunidade exatamente pelo seu desvario. Encontramos um belo exemplar desta espécie imortalizado na literatura de Jorge Amado: Bafo de Bode, um misto de insano imprudente, mendigo e bêbado, era uma espécie de cronista social inconveniente de Santana do Agreste, dando sempre notícia, em público, dos acontecimentos indiscretos que envolviam a população da cidade: "... rebotalho da sociedade, apodrecido por dentro e por fora, (...) esse detrito mal-cheiroso desce as ruas aos trancos e barrancos, a enlamear a honra de distintas famílias, a proclamar maledicências, injúrias e infâmias desgraçadamente quase sempre comprovadas." (Amado, 1989, p. 45).

Esta loucura experimentada em estado livre é, de certa forma e em certa medida, socializada, tal como ocorria na Europa anterior ao século XVII (Foucault, 1954/1984, 1961/1989). Ela não só é socializada, como também sua experiência evoca a própria loucura do mundo. O "Teatro do Mundo," ao qual Foucault se refere, era uma espécie de teatro representado em Veneza, cujo palco era uma nave sem vela e sem leme à deriva pelos mares, miniatura e metáfora da loucura do mundo.

Com efeito, a caracterização do louco de rua presente neste trabalho parece encontrar paralelo na descrição feita por Foucault (1954/1984) da loucura na Europa do final do século XV. Mesmo constatando que, desde a medicina grega, uma boa parte do campo conceitual da loucura já estava influenciado pelas noções de patologia - estando, portanto, incluída no domínio da medicina como doença -, houve um período histórico (final do século XV) em que a loucura se renovou com os "poderes essenciais da linguagem." Sobre esse período, afirma Foucault:

As últimas manifestações da idade gótica foram, alternadamente e num movimento contínuo, dominadas pelo pavor da morte e da loucura. À dança Macabra representada no cemitério dos Inocentes, ao Triunfo da morte cantado nos muros do Campo Santo de Pisa, sucedem as inumeráveis danças e festas dos Loucos que a Europa celebrará de tão bom grado durante todo o Renascimento. Há as festas populares em torno dos espetáculos dados pela "associações de loucos," como o Navio Azul em Flandres; há toda uma iconografia que vai da Nave dos loucos de Bosch, a Breughel e a Margot a Louca; há também os textos sábios, as obras de filosofia ou crítica moral, como a Stultifera Navis de Brant ou o Elogio da loucura de Erasmo. Haverá, finalmente, toda a literatura da loucura: as cenas de demência no teatro elizabetiano e no teatro francês pré-clássico participam da arquitetura dramática, como os sonhos e, um pouco mais tarde, as cenas de confissão: elas conduzem o drama da ilusão à verdade, da falsa solução ao verdadeiro desfecho. São uma das molas essenciais deste teatro barroco, como certos romances que lhes são contemporâneos: as grandes aventuras das narrativas de cavalaria tornam-se voluntariamente as extravagâncias de espíritos que não mais dominam suas quimeras. Shakespeare e Cervantes no fim do Renascimento são testemunhas do grande prestígio desta loucura cujo reinado próximo tinha sido anunciado, cem anos antes, por Brant e Bosch. (p. 77)

Este período pode ser considerado como um enclave na história da loucura na Europa Ocidental. A ele sucedeu uma brusca mudança quando, em meados do século XVII, a loucura veio a conhecer o mundo da exclusão.

Mas por que comparar tal período de esplendor da arte européia com o mundo de nossos pobres loucos das paragens nacionais? Ocorre que, se as diferenças são por si só evidentes, a aproximação se dá por um detalhe da maior relevância, que é experiência da loucura em estado livre:

A loucura é no essencial experimentada em estado livre, ou seja, ela circula, faz parte do cenário e da linguagem comuns, é para cada um uma experiência cotidiana que se procura mais exaltar do que dominar. Há na França, no começo do século XVII, loucos célebres com os quais o público, e o público culto, gosta de se divertir; alguns como Bluet d’Arbère escrevem livros que são publicados e lidos como obras de loucura. Até cerca de 1650, a cultura ocidental foi estranhamente hospitaleira a estas formas de experiência. (Foucault, 1954/1984, p. 78)

O Sobrinho de Rameau (Diderot, 1761/1973) foi, segundo Foucault (1961/1989), a última personagem em que loucura e desatino se reuniram; foi, talvez, uma das derradeiras figuras deste ciclo de liberdade da loucura, que transitava seu desatino pelo palco da cidade, fazendo a loucura andar, circular. Seu desatino, ao qual foi dado direito de cidade, testemunhou esta etapa da história da loucura, mostrando a própria essência das modificações que renovaram a experiência do desatino na era clássica.

Este tipo, que é um andarilho livre, tal como o nosso louco de rua, fica em contato quase que permanente com as pessoas da cidade, sobre elas exercendo seu poder de fascínio peculiar ao louco. Assim, oferecendo-se como espelho, ele cumpre o interessante papel de colocar seu interlocutor em contato com sua própria verdade; ele é capaz de denunciar a prisão do homem razoável e convencional:

Nas raras vezes em que os encontro, sou retido pelo contraste de seu caráter com o dos outros, rompendo a uniformidade fastidiosa criada por nossa educação, por nossas convenções sociais, por nossas conveniências habituais. Se um deles aparece num grupo, é um grão de levedo que fermenta, restituindo a cada qual uma porção de sua individualidade natural. Sacode, agita, faz aprovar ou censurar, faz surgir a verdade, revela as pessoas de bem, desmascara os malandros. É nessa ocasião que o homem de bom senso escuta e decifra seu próprio mundo. (Diderot, 1761/1973, p. 42)

Entre o louco de rua e a sua comunidade estabelece-se um modo peculiar de comunicação e de relacionamento, ancorado nas mais variáveis formas de afeto que aquele suscita no seio do grupo social: compaixão, temor, repugnância, curiosidade, interesse, desprezo, anseio de censura etc. No relacionamento deste louco com o meio social do qual é integrante, há momentos em que o cidadão comum - "não louco" - parece adentrar o mundo de seu interlocutor ou por ele ser tocado de alguma forma. Podem-se enumerar algumas das formas privilegiadas de manifestação deste fenômeno, com apoio em passagens encontradas na literatura.

O poeta Jorge de Lima (1950), quando contava ainda nove anos de idade, escreveu um pequeno poema no qual expressava seu sentimento de pena em relação a um louco de seu convívio. Dando mostras de sua sensibilidade e de seu talento - que exerceria mais tarde como médico e como poeta - ele equiparava o louco, em sua doença e em sua infelicidade, aos aleijados e velhos e, em sua solidão, à lua no céu:

Tenho pena dos pobres, dos aleijados, dos velhos

Tenho pena do louco Neco Vicente

E da Lua sozinha no céu.

(Lima, 1950/1980b, p. 41)

O mesmo poeta, já na maturidade, viria a falar, nos Novos Poemas (Lima, 1929/1980a), de uma certa Joaquina Maluca, também manifestando compaixão pelo seu destino e, ao mesmo tempo, indagando-se sobre o motivo pelo qual ficara louca:

Joaquina Maluca, você ficou lesa

não sei por que foi!

Você tem um resto de graça menina,

na boca, nos peitos,

não sei onde é ...

Joaquina Maluca, você ficou lesa,

não é?

Talvez pra não ver

o que o mundo lhe faz.

Você ficou lesa, não foi?

Talvez pra não ver o que o mundo lhe fez.

Joaquina Maluca, você foi bonita, não foi?

Você tem um resto de graça menina

não sei onde é...

Tão suja de vício,

não sabe o que o foi.

Tão lesa, tão pura, tão limpa de culpa,

nem sabe o que é! (p. 129)

Ele parecia supor que a loucura de Joaquina era uma forma de defesa, uma tentativa de esquecer o (mal) que o mundo lhe fazia. É interessante observar um detalhe precioso do poema: o autor usa os tempos verbais no presente e no passado - faz e fez -, indicando com isso que o mal que a ela fora feito estava, em primeiro lugar, na etiologia de sua loucura; e que, em segundo lugar, o próprio fato de ela encontrar-se submersa na loucura fazia com que o mundo a maltratasse. O poeta atribuiu-lhe características tais como inocência, pureza e graça (que a absolviam da culpabilidade), concebendo o mal como uma espécie de invasor a induzi-la ou mesmo a obrigá-la ao vício.

Observando o material que a literatura nos fornece, constatamos que uma das maneiras mais comuns do público entrar em contato com o louco é provocá-lo, através de palavras, apelidos desairosos, gestos ou rituais francamente sádicos, que se cristalizam como parte do patrimônio de costumes da cidade. A provocação através de apelidos pejorativos, que desencadeia a fúria imediata do agredido, é exemplificada em um conto do escritor cearense Moreira Campos intitulado "O preso," incluído no livro Portas fechadas. Neste conto, o autor, conhecedor que era da vida nas pequenas cidades sertanejas de seu Estado, narra o caso de um pobre lavrador, habitante do meio rural, que ia à cidade nos dias de feira para vender a banana que trazia em seus caçuás. Em função de um "lobinho" que possuía próximo ao olho esquerdo, deram-lhe o apelido de Caroço:

- Mas me chamo Inácio! Que eu não posso atender por um nome desse ... (...) Um vexame, doutor. Frecham em riba de mim todo o tempo. Empurrão, atiram casca de banana, toda porqueira que dão de garra (com licença de vosmecê). Vem isto de anos. Já quis até me mudar de canto, se pudesse. Apelo para vossa senhoria. (Campos, 1957, p. 160)

Mal ele aparecia, a criançada punha-se a insultá-lo. E ele, que era normalmente muito pacato, nestes momentos perdia-se em sua ira, "endoidando de jogar pedra" (em uma expressão de Carlos Drummond de Andrade). Até que um dia, atingindo superficialmente com seu porrete o filho do juiz de Direito que o insultava, foi preso e suicidou-se no cárcere por não conseguir suportar tal humilhação.

Este prazer em despertar a fúria das pessoas - no caso, através da humilhação - encontra-se também naqueles que conviviam com o Sobrinho de Rameau:

Há muito eu conhecia esse que me abordou. Freqüentava uma casa cujas portas se abriram ante seu talento. Nela morava uma filha única. Ele jurava ao pai e à mãe que se casaria com a moça. Os pais davam de ombro, riam-lhe na cara, diziam que era louco. E eu vi o momento em que a coisa aconteceu. Pedia-me emprestado algumas moedas que eu lhe dava. Havia conseguido introduzir-se, não sei como, em algumas casas honestas, onde tinha o seu talher, sob a condição de não falar sem antes ter obtido permissão para tanto. Calava-se e ruminava sua raiva. Era ótimo vê-lo tão constrangido. Se lhe vinha a vontade de romper o acordo, e abria a boca, todos os convivas gritavam: ‘Ó Rameau!’ Então, o furor faiscava em seus olhos e voltava a comer com mais raiva. (Diderot, 1761/1973, p. 42)

No Serro de Salles (1960/1993), não poderia faltar um doido que fosse alvo da provocação dos moleques: "A Maria Bernarda era uma preta maltrapilha (...); andava solta pelas ruas, geralmente a gritar e praguejar contra os moleques que a apoquentavam, chamando-a de Maria Maluca" (p. 224).

Mas nem toda demanda é de fúria. Pode-se também solicitar ao louco, de um modo mais amigável, que ele encene a sua loucura na rua, gesto que o faz sentir-se elevado à posição de artista. Pede-se a ele que cante, dance, declame, imite alguém, etc. Solicita-se-lhe um verdadeiro espetáculo, ao que ele, normalmente, atende de bom grado, oferecendo-se ao público ávido por divertimento:

E novamente começou a passear, esgoelando-se numa ária de A Ilha dos Loucos, e depois numa de O Pintor Amoroso por seu Modelo, e noutra de O Marechal Ferrant. De vez em quando grita levantando as mãos e os olhos para o céu: "Macacos me mordam! Então isso é bonito? Como alguém pode carregar um par de orelhas na cabeça e ainda perguntar se é bonito?" Entra em transe e começa a cantar em voz baixa. Eleva o tom à medida que se apaixona. Gesticula, careteia, contorce o corpo. Digo para mim mesmo: "Perde a cabeça outra vez. Uma nova cena está a caminho." Com efeito, lá vai ele num novo lance dramático: "Sou um pobre miserável ... Monsenhor, monsenhor, deixai-me partir ... Ó terra! ... Lá vem o amiguinho, lá vem o amiguinho ... Aspettare e non venire ... A Zerbina penserete... Sempre in contrasti con te si sta ..."Junta e embaralha trinta árias italianas, francesas, trágicas, cômicas, de todo tipo. Ora a voz de baixo descendo até os infernos, ora esganiçando como um falsete, rasga o alto das árias, imitando as diferentes personagens cantoras pelo andar, porte e gesto - sucessivamente furioso, abrandado, imperioso, gozador. Agora uma moça que chora - imita todos os dengos. Depois vira padre, rei, tirano. Ameaça, comanda, transporta-se. Agora é escravo e obedece. Apazigua-se, desola-se, queixa-se, ri. Nunca desafina. Não perde o tom, o compasso, o sentido das palavras e o caráter da ária. Todos os empurradores de pauzinhos deixam os tabuleiros e o rodeiam. As janelas do café ficam lotadas com os passantes que param por causa do barulho. Estouram de rir. O teto parece vir abaixo. Mas ele não percebe coisa alguma. Continua presa de uma alienação profunda, de um entusiasmo tão próximo da loucura, que não é certo que volte a si e que talvez seja preciso jogá-lo numa carruagem e levá-lo direto para o hospício. Cantando um fragmento das Lamentações de Ioumelli, repete os mais belos trechos com precisão, verdade e calor incríveis. Rega com uma torrente de lágrimas o belo recitativo onde o profeta pinta a desolação de Jerusalém. A emoção ganha a sala; todos choram. Há tudo na voz e na fisionomia de Rameau: a delicadeza do canto, a força da expressão e a dor. Insiste nos trechos em que o músico se revela mestre. Deixa a parte de canto pela dos instrumentos e volta subitamente à primeira, entrelaçando-as para conservar a ligação e a unidade do todo. Apossa-se de nossas almas, deixando-as suspensas na situação mais estranha que já vivi ... Admiro-o? Sim, eu o admiro! Estou cheio de piedade? Sim, estou cheio de piedade. E, no entanto, um certo ridículo mescla-se nesses sentimentos desnaturando-os. (Diderot, 1761/1973, p. 72)

Algo semelhante a este espetáculo público, produzido pelo louco para a cidade, observa-se no conto "Darandina," de Guimarães Rosa. Um louco, bem apessoado e trajado, passa pela rua cometendo pequenos furtos e, fugindo do perigo de ser capturado quando começam a surgir os gritos de "Pega!," sobe em uma palmeira muito alta, de sapato e tudo, entrincheirando-se em seu topo. Animado pela multidão que se acumula embaixo para observá-lo, acaba por despir-se, em meio a um discurso amalucado e risos, contagiando, com sua loucura, o povo que o assistia.

Em suave e súbito, deu-se que deu que se mexera, a marombar, e por causas. Daí, deixando cair... um sapato! Perfeito, um pé de sapato - não mais - e tão condescendentemente. Mas o que era o teatral golpe, menos amedrontador que de efeito burlesco vasto. Claro que no vivo popular houve refluxos e fluxos, quando a mera peça demitiu-se de lá, vindo ao chão, e gravitacional se exibiu no ar. Aquele homem: - "É um gênio!" - positivou o dr. Bilôlo. Porque o povo sentia e aplaudia, danado de redobrado: - "Viva! Viva! ..." - vibraram, reviraram. - "Um gênio!" - notando-se, elegiam-no, ofertavam-lhe oceânicas palmas. Por São Simeão! E sem dúvida o era, personagente, em sua sicofância, conforme confere e confirmava: com extraordinária acuidade de percepção e alto senso de oportunidade. Porque houve também o outro pé, que não menos se desabou, após pausa. Só que, para variar, este, reto, presto, se riscou - não parabolava. Eram uns sapatos amarelados. O nosso homem, em festival-autor, alcandorado, alvo: desta e elétrica aclamação, adequada. (Rosa, 1962/1978b, p. 124)

As loucuras, tanto a do louco como a da multidão, vão num crescendo tal que ele acaba por despir-se - do paletó, da cueca, das calças, de tudo enfim -, observado pela turba, pela polícia, pelas autoridades e estudantes de medicina. Um deles, aliás, via no quadro "o síndrome exofrênico de Bleuler." Ao final, os bombeiros acabam por conseguir retirá-lo da palmeira:

Antes, ainda na escada, no descendimento, ele mirou, melhor, a multidão, deogenésica, diogenista. Vindo o quê, de qual cabeça, o caso que já não se esperava. Deu-nos outra cor. Pois, tornavam a endoidá-lo? Apenas proclamou: - "Viva a luta! Viva a Liberdade!" - nu, adão, nado, psiquiartista. Frenéticos, o ovacionaram, às dezenas de milhares se abalavam. Acenou, e chegou em baixo, incólume. Apanhou então a alma de entre os pés, botou-se outro. Aprumou-se o corpo, desnudo, definitivo.

Fez-se o monumental desfecho. Pegaram-no, a ombros, em esplêndido, levaram-no carregado. Sorria, e, decerto, alguma coisa ou nenhuma proferia. Ninguém poderia deter ninguém, naquela desordem do povo pelo povo. Tudo se desmanchou em andamento, espraiando-se para trivialidades. Vivera-se o dia. Só restava, imudada, irreal, a palmeira. (Rosa, 1962/1978b, p. 132)

Com um estilo bastante diferente, produzido por um talento mais enternecedor e melancólico que causava no público emoções diferentes das que vimos acima, o negro Zé Passarinho, do romance Fogo Morto, de José Lins do Rego (1943), cumpria também este papel: entoava canções que tocavam os ouvintes, contava histórias que despertavam vívido interesse e, além disso, era quem trazia as novas para o engenho, de tudo dando notícia. Apesar disso, era considerado um negro sem serventia, um bêbado. Às vezes, tornava-se alvo da fúria de seu dono, mas, por uma ironia do destino, acabou por fazer-lhe companhia nos momentos da ruína. Certa vez, uma de suas histórias, que dizia respeito a sua própria vida, surpreendeu e comoveu o mestre Amaro, que "nunca pensara que aquele negro imundo, de cara de cachaceiro, tivesse tanta coisa dentro de si, aquela história, aqueles amores" (Rego, 1943, p. 95).

A água do rio corria quase que num fio, os juncos cobriam o leito de um verde escuro. O vento zunia nos juncos que caíam para um canto como um partido de cana. Ouvia-se a cantoria de um homem mais para o lado do Santa Fé. Era José Passarinho, no serviço de uma vazante, no trabalho que para ele era um fim de mundo. A cantoria era triste, como de quarto de defunto. O negro largava a alma na beira do rio:

Quem matou meu passarinho

É judeu, não é cristão

Meu passarinho tão manso

Que comia em minha mão.

A voz do cachaceiro tocara os corações das mulheres. A velha sinhá batia com força na pedra branca. A moça deixava cair os seios do cabeção desabotoado. Não podiam falar, José Passarinho gemia na entoada:

Quando eu vim da minha terra

Muita gente me chorou

E a danada de uma velha

Muita praga me rogou.

- Tem sentimento a cantoria dele, disse a moça.

- Coitado de seu José, que vida ele tem, respondeu-lhe dona Sinhá.

E depois, como querendo corrigir-se:

- Pode ser até mais feliz que muita gente." (pp. 88-89)

Entre os doidos do Serro das memórias de Salles (1960), havia uma tal Mariquinha Doida, "sempre asseada, sempre bem calçada," que também dava seus espetáculos musicais:

A Mariquinha Doida era (...) muito mansa e nunca teve crises de agitação. Vivia passeando, ia à casa de todo mundo, onde almoçava ou jantava sempre muito bem acolhida. Apenas, em troca da hospitalidade, as pessoas, e sobretudo os meninos, pediam-lhe que cantasse modinhas. E a demente, que tinha seus quarenta anos, e que era bela e de olhos muito azuis, cabelos quase louros, não se fazia de rogada e cantava tantas vezes quantas fosse solicitada. Mostrava-se também muito acessível aos galanteios dos rapazinhos que lhe pediam beijos, e ela os dava com requebros de olhos e com requintes de coquetterie que raramente se observam em pessoas de juízo, quanto mais numa maluca...

- Dê uma mão aqui, Mariquinha ...

E Mariquinha estava sempre pronta, ou para a mudança de um móvel pesado, para fazer um remendo, para passar uma roupa a ferro ou até para socar o café no pilão. De maneira que as visitas inesperadas da doida sempre traziam algum proveito. O menos que se exigia dela é que cantasse, como seu maior prazer era pedirem-lhe beijos ... (pp. 223-224)

Em casos como este, o louco exerce uma dupla função: proporciona divertimento às pessoas, ao mesmo tempo em que as atrai e fascina, por deixá-las entrever, ainda que de modo nebuloso, uma verdade essencialmente humana, uma virtualidade possível de cada um:

Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a cada um sua verdade; na comédia em que todos enganam aos outros e iludem a si próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano. Ele pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se parece com a da razão, as palavras racionais que fazem a comédia desatar no cômico: ele diz o amor para os enamorados, a verdade da vida aos jovens, a medíocre realidade das coisas para os orgulhosos, os insolentes e os mentirosos. (Foucault, 1961/1989, p. 14)

Algumas vezes, as pessoas fazem troça do louco, usando sua loucura como meio de um divertimento que oscila entre a inocência e a maldade. Pregam uma peça no próprio louco ou então utilizam-no como instrumento para troçar de alguém. Em seu livro de memórias, Morley (1942/1998), falando sobre os loucos de Diamantina do fim do século XIX, conta um episódio que assistiu, envolvendo um tal de Domingos, que tinha planos mirabolantes para enriquecer.

Seu Chiquinho Lessa, de maldade, disse-lhe (a Domingos) que Nhanhá era a moça mais rica de Diamantina; que se ele a pegasse na rua e lhe desse um beijo, seria obrigado a casar com ela. Não foi preciso mais nada. Ontem cedo Domingos vestiu o fraque, preparou-se e foi postar-se em frente à sua tenda que é pegada à casa de meu tio. Quando passávamos por ali para a Escola, inteiramente despreocupadas, ele corre, agarra Nhanhá e dá-lhe aquele beijo. Eu não compreendi nada no princípio. Nhanhá deu um grito horrível e caiu no chão. Meu tio mandou carregá-la para dentro, assentou-a numa cadeira e lhe deu água.

Depois da cena Nhanhá ainda se zangou comigo por causa do frouxo riso que eu tive. Pois eu podia deixar de achar graça de ver o Domingos subir muito sério para a sala de meu tio e ficar à espera do padre para casá-los, depois que Nhanhá melhorasse? (pp. 273-274)

Mas nem tudo é sempre festa com relação ao louco de rua. A rejeição e o desprezo também se fazem freqüentemente presentes. E o destino do louco desprezado, que não encontra o abrigo da comunidade, é o de pária; resta-lhe a exclusão, a expulsão e o exílio. O louco que sempre foi louco, titular da sua loucura, não causa mais susto ou impacto sobre a comunidade. Já para aquele que se torna louco de um momento para outro, a situação é diversa.

Rita Música era um morenaço de metro e oitenta de altura, forte e formosa, natural de Diamantina, de onde veio com fama de cantora e musicista. Rita Música esnobava um pouco as cantoras das igrejas do Serro, pois cantora era a profissão que exercia em sua linda cidade natal. Talvez por isso ostentava indubitável ascendência nos meios musicais. Nunca se dignou cantar nas nossas festas religiosas e nunca ninguém lhe ouvira a voz, mesmo dentro de sua casa, à hora do banho. Nem por isso a sua fama de cantora esmaecia; bem pelo contrário: da sua misteriosa garganta só se diziam maravilhas, aliás sem prova real alguma.

Uma bela manhã, Rita Música abriu as janelas da casa pequena em que vivia só, em companhia de uma criada, e saiu pela porta afora, descalça, olhar incerto, desgrenhada, em passo lento e cadenciado. A triste nova logo fez adotar as providências que a população tomava nos casos inopinados de malucos novos: todas as portas se fecharam para evitar a visita da nova louca. Encontrava-me eu à porta do Antônio Generoso, pai de quatorze filhas, as quais, ao ver-me, gritavam das sacadas com todos os pulmões: "Entre e feche a porta!" Não entendi o que me queriam dizer, quando a cinco passos de distância surgiu diante de mim a Rita Música, já então com as vestes sujas e rotas. Compreendi a situação. Esgueirei-me pelas paredes da casa do pai de tantas meninas e a insana passou por mim roçando-me pelo rosto o seu vestido imundo. Eu estava siderado. A uns cinquenta metros de distância vi a doida entrar em casa de Dona Joaninha Guerra, viúva com quatro filhos. Entrou, arejou a sala de visitas, abrindo amplamente as cinco janelas que davam para a rua. Depois debruçou-se sobre uma delas, olhou à esquerda e à direita, e finalmente deu por finda a visita. E pôs-se novamente a caminhar com passo lento e medido, e perdeu-se na primeira curva da Rua de Baixo.

Durante três dias seguidos a desventurada perambulou pelo Serro. Depois desapareceu e nunca mais se soube que rumo tomou. (Salles, 1960/1993, pp. 224-225)

Pode aparecer também uma reprovação social de cunho moral, que se dá, por exemplo, pela intolerância ou pela crítica de algum aspecto do louco, tal como a ociosidade, a sujeira, o despudor, etc. Sobre o "pecado" do ócio no mundo burguês, afirma Foucault (1954/1984):

... a obrigação do trabalho tem também um papel de sanções de controle moral. É que, no mundo burguês em processo de constituição, um vício maior, o pecado por excelência no mundo do comércio, acaba de ser definido: não é mais o orgulho nem a avidez como na Idade Média; é a ociosidade. (p. 79)

Um outro modo de se relacionar com o louco encontra-se mediatizado pela compaixão, quando a ele se dá uma esmola, um prato de comida, uma xícara de café, um copo de água, uma roupa velha, ou mesmo pouso, como no poema de Carlos Drummond de Andrade:

Entra e come onde quer. Há níqueis

reservados para ele em toda casa.

(Andrade, 1974, p. 73)

Podem ocorrer situações até mesmo de empatia, quando se verifica uma espécie de imersão da comunidade ou de uma parcela sua no sistema delirante do louco, através, por exemplo, de brincadeiras ou conversas em que as idéias delirantes não são refutadas, mas simplesmente aceitas.

O relacionamento da cidade com o seu louco público é intenso e dotado de um caráter emocional especialmente forte. Muitas vezes, existe uma tolerância social em relação à loucura, baseada na compaixão e na afetividade. A cidade pode "adotar" o louco, deixar que ele fale seus "absurdos" sem contradizê-lo, alimentá-lo, agasalhá-lo e abrigá-lo. Mas há ocasiões em que o fio da tolerância se rompe. Quando a convivência com o louco implica em algum tipo de risco para o sistema social estabelecido, isto é, quando ele se torna violento ou quando uma cena do teatro do mundo implica em ameaça a valores - quando o louco se despe ou se põe a falar coisas indecentes - aí então cessa a tolerância. Este processo é retratado magistralmente, com a força sintética da poesia, no poema "Doido," que se encontra no livro Menino Antigo (Boitempo II), de tom franca e confessadamente memorialístico:

O doido passeia
pela cidade sua loucura mansa.
É reconhecido seu direito
à loucura. Sua profissão.
Entra e come onde quer. Há níqueis
reservados para ele em toda casa.
Torna-se o doido municipal,
respeitável como o Juiz, o coletor,
os negociantes, o vigário.
O doido é sagrado. Mas se endoida
de jogar pedra, vai preso no cubículo
mais tétrico e lodoso da cadeia.
(Andrade, 1974, p. 73)

Sobre este processo de exclusão abrupta do louco, vale a pena mencionar, ainda, uma passagem de Graciliano Ramos, em Infância, livro no qual ele narra suas memórias de criança no interior de Alagoas. Este episódio ocorreu no período em que seu pai exercia o cargo de juiz substituto, estando, assim, investido de poder de polícia. Venta-Romba, ainda que não fosse um louco no exato sentido do termo, era um desses andarilhos populares na cidade, que mendigava para continuar sobrevivendo. Vejamos o seu retrato, feito por Graciliano de forma absolutamente genial, tanto pelo estilo como pela precisão e pela acuidade:

Nunca vi mendigo tão brando. A fome, a seca, noites frias passadas ao relento, a vagabundagem, a solidão, todas as misérias acumuladas num horrível fim de existência tinham produzido aquela paz. Não era resignação. Nem parecia ter consciência dos padecimentos: as dores escorregavam nele sem deixar mossa. (...) Humildade serena, insignificância, as mãos trêmulas e engelhadas, os pés disformes arrastando as alpercatas, procurando orientar-se nas esquinas, estacionando junto dos balcões. Restos de felicidade esvaíam-se nas feições tranquilas. O aió sujo pesava-lhe no ombro; o chapéu de palha esburacado não lhe protegia a cabeça curva; o ceroulão de pano cru, a camisa aberta, de fralda exposta, eram andrajos e remendos. (Ramos, 1945/1981, pp. 228-229)

Pois bem. Venta-Romba aparecia uma vez por semana na cidade - às sextas-feiras, que era o dia da caridade - para pedir esmolas em forma de dinheiro e de alimentos. Certa feita, encontrando a porta da casa do menino Graciliano destrancada, ele adentrou a sala de jantar, surgindo de sopetão e causando susto. A mãe ordenou-lhe que se retirasse: "Vá-se embora vagabundo." Mas ele demorou-se em tentativas gaguejantes de explicações, não seguindo prontamente a ordem. Foi então que ela mandou chamar marido, que, prontamente, voltou trazendo consigo o destacamento todo, a fim de prender aquele pobre diabo.

Vinte e quatro horas de cadeia, uma noite na esteira de pipiri, remoques dos companheiros de prisão, gente desunida. Perdia-se a sexta-feira, esfumava-se a beneficência mesquinha. Como havia de ser? Como havia de ser o pagamento da carceragem? Venta-Romba sucumbiu, molhou de lágrimas a barba sórdida, extinguiu num murmúrio a pergunta lastimosa. O soldado ergueu-lhe a camisa, segurou o cós do ceroulão, empunhou aquela ruína que tropeçava, queria aluir, atravessou o corredor, ganhou a rua. Fui postar-me na calçada, sombrio, um aperto no coração. Venta-Romba descia a ladeira aos solavancos, trocando as pernas, desconchavando-se como um judas de sábado da Aleluia. Se não o agarrassem, cairia. O aió balançava; na cabeça desgovernada os vestígios de chapéu iam adiante e vinham atrás; as alpercatas escorregavam na grama. (p. 234)

Em Guimarães Rosa (1962/1978a), encontramos um exemplo da exclusão social do louco feita de forma verdadeiramente cruel, na qual o tratamento a ele dispensado chegava mesmo a parecer decorrente de um delírio coletivo. No conto "A Benfazeja," o escritor narra a história de Mula-Marmela, uma mulher que servia como guia para o cego Retrupé, que era acusada pelo povo de ter cometido o assassinato de seu antigo companheiro, o Mumbungo, que, por sua vez, era o pai do irascível cego. Mula-Marmela é uma espécie de louca a quem a comunidade nega qualquer migalha de condescendência, condenando-a ao papel de bode expiatório. O narrador, no decorrer do conto, vai inquirindo a comunidade e culpabilizando-a pelo julgamento que faz da louca, denunciando as projeções e desnudando os sentimentos inconfessados da comunidade em relação a ela:

E nem desconfiaram, hem, de que poderiam estar em tudo e por tudo enganados? Não diziam, também, que ela ocultava dinheiro, rapinicado às tantas esmolas que o cego costumava arrecadar? Rica, outromodo, sim, pelo que do destino, o terrível. Nem fosse reles feiosa, isto vocês poderiam notar, se capazes de descobrir-lhe as feições, de sob o sórdido desarrumo, do sarro e crasso; e desfixar-lhe os rugamentos, que não de idade, senão de crispa expressão. Lembrem-se bem, façam um esforço. Compemsem-lhe as palavras parcas, os gestos, uns atos, e tereis que ela se desvendava antes ladina, atilada em exacerbo. (Rosa, 1962/1978a, p. 109)

Dirigindo-se diretamente à comunidade, o narrador vai endurecendo sua inquirição e mostrando a injustiça e a covardia presentes no tratamento dispensado a Mula-Marmela:

Alguém seria capaz de querer ir pôr o açamo no cão em dana? E vocês ainda podem culpar esta mulher, a Marmela, julgá-la, achá-la vituperável? Deixem-na, se não a entendem, nem a ele. Cada qual com sua baixeza; cada um com sua altura. (p. 115)

Ao final do conto, descrevendo a morte solitária da louca - que, para morrer, retira-se da cidade arrastando consigo um cachorro morto, já meio podre -, o narrador completa sua peça condenatória:

E ela ia se indo, amargã, sem ter de se despedir de ninguém, tropeçante e cansada. Sem lhe oferecer ao menos qualquer espontânea esmola, vocês a viram partir: o que figurava a expedição do bode-seu expiar. Feia, furtiva, lupina, tão magra. Vocês, de seus decretantes corações a expulsavam. Agora, não vão sair a procurar-lhe o corpo morto, para, contritos, enterrá-lo, em festa e pranto, em preito? Não será custoso achá-lo, por aí, caído, nem légua adiante. Ela ia para qualquer longe, ia longamente, ardente, a só e só, tinha finas pernas de andar, andar. É caso, o que agora direi. E, nunca se esqueçam, tomem na lembrança, narrem aos seus filhos, havidos ou vindouros, o que vocês viram com esses seus olhos terrivorosos, e não souberam impedir, nem compreender, nem agraciar. (pp. 118-119)

Uma outra passagem da literatura fala da morte de uma louca condenada à exclusão, em condições semelhantes à da Mula-Marmela. Lima (1938/1980c) dedica-lhe um poema no livro A túnica inconsútil, no qual a mostra como abandonada pela humanidade e irmanada somente à natureza; sua salvação só poderia se dar mediante sua recomposição na "grande Unidade," isto é, em Deus.

Onde andarás, louca, dentro da tempestade?

És tu que ris, louca?

Ou será a ventania ou algum estranho pássaro desconhecido?

Boiarás em algum rio, nua coroada de flores?

Ou no mar a medusa e as estrelas palparão os teu seios e

tuas coxas?

Louca, tu que foste possuída pelos vagabundos sob as pontes dos rios,

estarás sendo esbofeteada pelas grandes forças naturais?

Algum cão lamberá os teus olhos que ninguém se lembrou de beijar?

Ou conversarás com a ventania como se conversasses com tua

irmã mais velha?

Ou te ris do mar como de um companheiro de presídio?

Onde andarás, louca, dentro da tempestade?

Estarão as gaivotas surpresas diante do estranho corpo adormecido

na morte?

Se estás morta, começaste a viver, louca!

Se estás mutilada começaste a ser recomposta na grande Unidade!

Onde andarás, louca, dentro da tempestade? (pp. 235-236)

A loucura de domínio privado

Voltando agora à questão da caracterização do louco de rua, parece-me interessante observar a diferença enorme que existe na constituição da identidade social deste louco e naquela do louco na família rica, de classe média ou mesmo pobre mas estruturada, na qual a loucura de um de seus membros é vivida de modo mais "privado," em oposição à loucura francamente de domínio público do nosso louco de rua. Este, mesmo sendo diferente daquilo que o meio social prescreve como norma e não estando inserido em um contexto familiar que o controle de perto, acaba, de algum modo, socializando-se, ainda que na condição de escória de uma sociedade. Os loucos pobres, ao vagar pelas ruas, acabam sendo assimilados pela vida da cidade. Mas quando a família é presente, existe um forte mecanismo de controle e vigilância que ultrapassa o fenômeno da marginalização que recai sobre o louco da rua. Souza (1996) lembra que em sua cidade natal, Bocaiúva, Minas Gerais, havia até mesmo palavras diferentes para designar o louco pobre e o louco rico ou remediado: apenas o primeiro era chamado de "louco," "doido" ou "maluco"; o outro não era "louco," mas "sistemático," título que visava a atenuar sua condição de doente ou de desviante.

O poder da família permite que ela decida a sorte daquele indivíduo que foge aos padrões estipulados. Este poder permite-lhe tomar medidas que oscilam entre o desejo de "recuperar" este indivíduo e a necessidade de negar ou esconder a problemática que ele representa. O mais comum, principalmente entre as famílias mais abastadas e tradicionais, é que a negação se dê através do isolamento de seu louco. No caso da internação, o isolamento é justificado enquanto exigência médica para tratamento. Já a "prisão domiciliar" funciona como um meio do qual a família lança mão para preservar-se de eventuais juízos e problemas. A família "de bem" não quer se ver exposta através de seu membro louco. Se isto ocorre, ela acaba por tornar-se parte do "teatro do mundo."

Muitas vezes entretanto, mesmo encerrado em casa, o louco ganha publicidade. Era o que acontecia com Dodona Guerra, personagem de um poema de Carlos Drummond de Andrade. Como impedir que os meninos de Itabira bulissem com aquela figura insana que pertencia, a julgar por seu sobrenome, a uma das famílias mais tradicionais da cidade?

"Dodona

Guerra.

Guerra

a Dodona.

Pedra

na telha

pedra

na cara

pedra

na alma.

Dodona

louca,

loucos

moleques

contra

Dodona.

Dodona

eterna

fera

enjaulada

uiva

às pedradas

amaldiçoa

cada moleque

cada família

pedradamente.

(Andrade, 1974, p. 162)

Este poema ilustra o hábito de bulir com o louco a fim de vê-lo exaltar-se, xingar, jogar pedras, o que é uma diversão "malvada" muito cara aos moleques. Mas não só a eles... Trata-se de uma das formas de relacionar-se com a loucura que arrolei acima, modalidade esta de cunho francamente sádico. Entre os doidos do Serro, de Joaquim de Salles, também se encontra um exemplo de algo semelhante ao que sucedia a Dodona Guerra:

O velho Virgílio Mamede endoideceu de repente, já quase aos sessenta anos. Seu filho, do mesmo nome, também músico e rábula de porta de xadrez, conseguiu interná-lo num cômodo dos porões da Casa de Caridade. Era no pequeno quarto com janelas de grades de ferro, que o Virgílio uivava dia e noite, como um animal bravio. Também pouco sobreviveu à sua desventura e morreu um ano depois de ter sido internado. (Salles, 1960/1993, p. 226)

Além do encerramento de seu louco em casa, a família pode, como se vê no exemplo acima, interná-lo. Normalmente, isso acontece quando ele dá muito trabalho aos familiares, em decorrência de sua agitação ou de qualquer outra forma de comportamento que perturbe a ordem familiar estabelecida. Muitas vezes, a família tem sérias dificuldades em dispensar-lhe o tratamento especial necessário. No caso de Virgílio Mamede, a internação/prisão se deu em uma instituição de caridade da própria cidade. Mas havia (e ainda há) os famigerados hospícios, depósitos de loucos que não encontravam mais abrigo na família, ou nem mesmo possuíam uma família para abrigá-los.

Para alguns loucos sem família, nem sempre a rua se convertia em sua morada; alguns não tinham a liberdade de tocar a vida como andarilhos, como atores do teatro do mundo. O Estado, com seu manicômios oficiais, dava conta de colhê-los pelo mundo:

No interior de Minas, o delegado costuma prender os doidos, fazendo-os acompanhar por dois praças de polícia, que depois os soltam na sede do município mais próximo. Rita Música devia ter sido despejada ou em Diamantina ou em Conceição do Serro. E a polícia de cada cidade reproduz a triste cena desse degredo até que o louco acabe deixando o território de Minas, vindo alguns até ao Rio, onde vão mofar no Hospício Nacional de Alienados. (Salles, 1960, p. 225)

No caso de Rita Música, tratava-se de alguém que ficou sem família ou algum substituto qualquer que a acolhesse. Nem mesmo as ruas da cidade o fizeram. Em alguns casos, era a própria família que solicitava ao Estado a internação. Caso dramático desta possibilidade encontra-se no conto Soroco, sua mãe, sua filha, de Rosa (1962/1978c). O conto fala do dia e do momento em que Soroco, viúvo, conduziu sua mãe e sua filha única - suas únicas familiares neste mundo - para o trem, no qual embarcariam para o hospício de Barbacena para nunca mais voltar. O vagão no qual as duas insanas viajaram era "repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os presos" (p. 13). "Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado o carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir" (p. 15).

A cena do embarque é dramática:

A filha - a moça - tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das palavras - o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça e acima dos espalhados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas-virudangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam.

Soroco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de Soroco - para não parecer pouco caso. (p. 14)

E por que Soroco as mandava para o hospício, onde elas permaneceriam para todo o sempre?

O que os outros se diziam: que Soroco tinha tido muita paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio. Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes, Soroco aguentava de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava. Daí, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar providências, de mercê. (pp.14-15)

O surpreendente, no entanto, é o desfecho do conto. Depois de partido o trem, no caminho de volta para casa, Soroco vê-se transformado em um homem "arrebentado, desacontecido," como que possuído pela loucura das duas mulheres que haviam partido e deixado ali seu desatino, pairando no ar como espírito desencarnado. De repente, Soroco parou e, "num rompido - ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si - e era a cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando" (p. 16).

E o desatino repentino, que nele se instalou, acabou contaminando todas as pessoas que vinham atrás:

A gente se esfriou, se afundou - um instantâneo. A gente... E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Soroco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Soroco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação. (p. 16)

***

Procurei delinear aqui o perfil daquilo que chamei de instituição da "loucura de domínio público," da qual o "louco de rua" é o protagonista. Para tanto, tentei diferenciá-la de sua oposta "loucura de domínio privado." A distância da instituição psiquiátrica é uma das marcas mais importantes na caracterização do louco de rua, condição mesma de sua existência. Sua liberdade de andar pela cidade é o traço que me permitiu a ousadia de comparar sua experiência àquela da loucura em "estado livre" assistida pela Europa do final do século XV, da qual falou Foucault.

De quebra, pudemos observar como a literatura - e a literatura brasileira - é farta em menções aos loucos de rua; suficientemente farta para que definisse por mim o objeto deste trabalho e para que provasse sua relevância na nossa formação cultural. Tanto é que, mesmo me utilizando de um método de pesquisa que buscou dados sobre loucos de rua através da coleta de relatos orais - isto é, na narrativa popular como modo de veiculação do saber -, levei também em conta a narrativa encontrada na literatura como legítima representante do mesmo saber que procurava detectar. Aristóteles, na Poética, dizia que a diferença entre a história e a poesia estava no fato de que, enquanto a primeira tratava do particular, a segunda tratava do universal. Se a história nos conta aquilo que aconteceu, a poesia nos fala daquilo que poderia ter acontecido. Na poesia ou na ficção, podemos supor a presença da experiência do autor e da memória coletiva de seu meio, ainda que não revestidas por um caráter factual ou descritivo, mas como uma espécie de matriz inspiradora. Do mesmo modo, a memorialística não se priva da tintura imaginativa da ficção...

Algumas questões histórico-conceituais concernentes à loucura e ao louco de rua

O louco de rua, tal qual caracterizado acima, porta um certo "grau de expressividade" que resulta do conjunto de suas características que o torna atraente ao olhar comunitário e que se acentuam pela forma como ele reage à abordagem social que se lhe faz. Tomando o conjunto de trechos coletados entre os diversos escritores, verifica-se que há uma grande variedade de características destes loucos, uma verdadeira profusão de traços que os caracterizam e que os distinguem como personagens interessantes ao olhar da cidade. É a própria essência da loucura de cada um deles que varia, mostrando-nos a entidade loucura como algo que pode conter uma gama infindável de elementos que explodem nas mais diversas manifestações individuais, através de uma pluralidade de sintomas. Esta constatação, aliás, já fora feita por Platão, que mostrou como, na Grécia antiga, estavam presentes diversas modalidades da experiência do insensato (por exemplo, na loucura da profecia ritual e na loucura telestática ou ritual). O próprio termo genérico mania, usado para designar a loucura, continha diversos sentidos e formas de experiências (Pelbart, 1989). No entanto, mesmo diante desta profusão de sentidos, é possível postular uma base comum a todas as loucuras, que é a ruptura direta ou indireta, total ou parcial, com o universo da razão (Birman, 1989).

Tal "explosão de elementos" na loucura pode nos desnortear quanto ao rigor do próprio emprego linguístico do termo para designar experiências tão diferentes dentro de um mesmo universo temporal e, mais ainda, entre universos temporais tão longínquos como a antiguidade grega e a atualidade brasileira, passando, entre muitas outras estações, pela França iluminista do Sobrinho de Rameau e pelas Minas Gerais monarquistas e escravocratas do Serro de Joaquim de Salles... Diante deste quase impasse frente à identidade semântica do termo, ameaçada de diluir-se, só podemos ter o mínimo de rigor, ao falar em loucura, se nos apoiarmos na peculiar relação de nossos loucos com o universo da razão, ainda que estejamos plenamente cônscios de que a razão é histórica, como ensinou Hegel (1807/1974).

Talvez possamos acrescentar, nesta discussão, um elemento que amplia o espectro da compreensão daquela necessidade que as culturas têm de, dentro de seus paradigmas de razão dominantes, designar alguém como louco. Sendo a loucura essencialmente um desvio da norma, o ato de apontar o louco reafirma a normalidade de quem o faz. Neste sentido, cabe lembrar Wittgenstein (1953/1975), para quem a identidade dos termos encontra-se invariavelmente condicionada ao contexto do jogo de linguagem em que eles estão sendo empregados. Se a linguagem funciona com seus usos, os significados das palavras repousam, em última instância, em suas funções práticas. Deste modo, pode-se pensar que, quando chamamos alguém de louco, podemos, com isso, empurrá-lo para o plano da doença e/ou da exclusão, entre outros efeitos possíveis. O que parece estar em questão aí é a chamada dimensão perlocutória da linguagem (Austin, 1990), que busca alterar um estado, produzindo uma modificação na pessoa do outro. É bem verdade que, como mostra a pesquisa de Frayze-Pereira (1982), este não é o único uso que se faz do termo loucura, pois há uma outra concepção que busca alçá-la ao plano de um saber corajoso que desvela o real e recusa o mundo instituído. E é bem possível que, entre um uso e outro que se faz do termo, existam inúmeras outras possibilidades.

O uso do termo loucura, portanto, encontra-se condicionado à consciência que se tem do seu sentido numa cultura, numa mentalidade ou num determinado momento histórico. Foucault (1961/1989) enfatiza que, na cultura européia, a loucura nunca foi um fato maciço, tendo passado por diversas metamorfoses no interior da consciência ocidental, tal como uma constelação que se desloca e transforma seu projeto. Para ele, desta ausência de unidade na loucura - ou de sua presença sob uma forma dilacerada - resultam quatro formas de consciência que se tem sobre ela: a crítica, a prática, a enunciativa e a analítica, cada uma dessas formas suficiente em si mesma. No entanto, elas não deixam de ser solidárias, visto que se apóiam, sub-repticiamente, uma na outra. Vejamos como elas funcionam:

1. A consciência crítica da loucura delimita os reinos do sentido e do não-sentido, da verdade e do erro, da sabedoria e da embriaguez, do sonho e da realidade, e assim por diante. Ela é a segurança que tem a razão da posse de si mesma, isto é, a certeza de não se estar louco, como pensava Descartes (1641/1979).

2. A consciência prática da loucura, uma espécie de "herdeira dos grandes horrores ancestrais," representa-se pelos ritos que purificam e revigoram as consciências obscuras da comunidade, situando-se mais no campo das cerimônias do que da linguagem. No conto A Benfazeja, de Rosa (1962/1978a), pudemos ver este tipo de consciência em ação, quando a comunidade impõe uma forma violenta de exclusão, quase ritualizada, à personagem Mula-Marmela.

3. A consciência enunciativa da loucura não pertence à ordem do conhecimento, mas do reconhecimento. Foucault a identifica como espelho, no caso do Sobrinho de Rameau, ou como lembrança, em Nerval e Artaud. Ela é uma reflexão sobre si mesma a partir do movimento que faz ao designar o estranho, visto que aquilo que ela põe à distância, quando o percebe, era, no fundo, o seu próprio segredo. É a familiaridade do estranho - se quisermos nos valer de uma expressão freudiana - que ela rechaça. Esta forma de consciência reconhece, na loucura, a familiaridade de sua dor. Pode ser a responsável pelo fascínio e pela atração exercidos pela figura do louco, simultâneos e correlatos ao horror e às tentativas de distanciamento. Na passagem de Fogo Morto, de Rego (1943), em que a velha sinhá e a mocinha ouvem o canto do cachaceiro Zé Passarinho, fica evidente a identificação entre todos eles na dor melancólica expressa em sua canção. Esta identificação surge em movimentos sinuosos e oscilantes, inicialmente indecisos, que partem de um sentimento triste, ainda difuso. Em seguida, a consciência das mulheres procura afastá-lo para o outro, terminando por deixar transbordar um reconhecimento - ainda que negado e projetado - da dor e da infelicidade próprias.

4. A consciência analítica da loucura predomina nos séculos XIX e XX. As outras formas de aproximação do fenômeno da loucura passam a ser consideradas primitivas, pouco evoluídas. Nesta forma de consciência não há ritual nem lirismo: "aquilo que evocava o horror convoca agora apenas as técnicas de supressão" (Foucault, 1961/1989, p.170). O único equilíbrio da consciência da loucura se dá pela forma do conhecimento, sendo que as formas da loucura, seus fenômenos e seus modos de aparecimento não são aí levados em consideração. Esta forma de consciência é aquela que impregna as chamadas "ciências da loucura," constituindo a própria essência epistemológica da psiquiatria. Seu triunfo repousa na tomada da loucura pela medicina, que a reduz a um objeto de conhecimento tal qual outro qualquer, isto é, que a objetiva. Tal forma de consciência encontra-se ilustrada em um relance do conto Darandina, de Roas (1962/1978c), quando, em meio à multidão que participa, contagiada, da cena de insanidade do louco que subira no topo da palmeira, o estudante de medicina que o observava diagnostica: "É o síndrome exofrênico de Bleuler."

***

O conjunto de narrativas literárias colhido na literatura brasileira mostra um louco de rua que vive sua loucura em praça pública - loucura que denominei como sendo de domínio público - de modo tal que nos permite aí visualizar tanto componentes da concepção trágica como da concepção crítica. Melhor dizendo, poderíamos afirmar que esta loucura, que tem como palco a rua, representa uma permanência, em nossos tempos, da experiência trágica, por ser vivida em estado livre e por ser, de certa forma, socializada, tal como ocorria na Europa anterior ao século XVII, época em que sua experiência também evocava a loucura do mundo (Foucault, 1954/1984).

A experiência da loucura do louco de rua seria, desta maneira, uma espécie de "ilha" trágica, cercada pela concepção crítica de todos os lados. Nosso louco de rua - pela forma como vive a experiência de sua loucura e pelas modalidades de relacionamento que estabelece com a cidade - guarda algo remanescente de outras eras, que se confronta com uma mentalidade popular já profundamente impregnada pelas concepções próprias da psiquiatria. Neste sentido, ele é um exemplar que escapou da institucionalização, foi salvo da apreensão médico-policial da psiquiatria. Vive em um mundo ambíguo que lhe dá o direito de experimentar seu desatino em estado de relativa liberdade, faz concessões à sua loucura por alguns instantes, mas tem olhos críticos e, quando julga necessário, apela para seu aprisionamento ou sua exclusão.

Portanto, a loucura em estado livre tem sua existência muito próxima do encarceramento e da institucionalização, ou seja, existe sempre uma perigosa vizinhança entre a rua e o hospício, entre o trágico e o crítico. O Estado, com seus manicômios oficiais, estava ali, próximo do louco, prestes a mudar radicalmente seu destino como nos casos de Rita Música, no Serro de Salles (1960, p. 224) e da mãe e da filha de Soroco, no conto de Rosa (1962/1978c). O Doido do poema de Andrade (1974) encarna perfeitamente esta ambigüidade entre a licença para ser louco e a cassação de seu "alvará": tem guarida em todas as casas, mas pode também ser preso "no cubículo mais tétrico e lodoso da cadeia" quando "endoida de jogar pedra."

Várias modalidades do relacionamento entre o louco de rua e a cidade vão se estabelecendo, sempre impregnadas de uma carga emocional com diversos vetores: encantamento, repugnância, curiosidade, pena, medo, condenação, diversão, enfim, uma enorme gama de afetos. Trata-se de um contato quase nunca neutro, do ponto de vista da mobilização dos afetos. É um contato significativo para a experiência das pessoas, posto que as mobiliza pelo fascínio e marca sua memória de modo especial.

O louco de rua tem importância na e para a cidade. É uma pessoa conhecida, observada e comentada, tal como os ilustres do lugar. É o que mostra Carlos Drummond de Andrade no poema Doido:

Torna-se o doido municipal,

respeitável como o Juiz, o coletor,

os negociantes, o vigário.

(Andrade, 1974, p. 73)

Paes (1992), no poema Loucos, atesta a importância do louco da Taquaritinga de sua infância por um prisma diferente, o moral. "Eu pelo menos não esqueci os loucos de minha infância," confessa. "Seu" louco estava mais próximo das crianças do que dos adultos. Havia um deles que

Adorava as crianças de colo. Quando lhe punham uma nos braços, seus olhos se acendiam, seu riso de idiota ganhava a mesma expressão de materna beatitude que eu me acostumara a ver, assustado com a semelhança, no rosto da Virgem do altar-mor da igreja. (p. 31)

Um outro louco, o Félix, não admitia que os meninos maiores batessem nos menores. Quando via uma cena em que isto acontecia, gritava para que um adulto viesse "salvar a vítima." Havia aí uma conduta nobre, fruto de uma sensibilidade da qual os adultos, com suas ocupações de pessoas "normais," não eram mais capazes, pois encontravam-se anestesiados para estas experiências. Havia, portanto, um ensinamento moral que vinha do louco, quando a razão comum descuidava de coisas tão importantes como a desigualdade de forças e a violência. Era este ensinamento que os "professores do grupo e do ginásio" - o status quo - negligenciavam.

O louco que gostava de crianças pequenas e pegava-as no colo, mostrava-se portador de uma "maternidade" que os homens normais já suprimiram há muito tempo, até mesmo para constituírem-se como "normais." Os adultos se afastam do mundo infantil. O louco não. Ou, pelo menos - o que já seria uma conclusão respeitável - esta é a experiência do poeta. Ora, esta constatação traz à tona o aspecto valorativo contido na divisão entre razão e loucura. Chama-nos a atenção para o critério ideológico presente na noção de desvio e na escolha dos valores e atitudes razoáveis. Tratando dos "golpes" desferidos contra o ideal de racionalidade ocidental no início do século XX, Chauí (1995) afirma que a teoria marxista desnudou o fenômeno da ideologia, ao mostrar que os sistemas filosóficos e científicos podem esconder a realidade social, econômica e política, a serviço da dominação e da exploração do homem por seu semelhante.

Montaigne (1580-1588/1980), a partir de um universo de preocupação filosófica diferente, alertava para o absurdo de confiarmos cegamente nas conclusões de nossa razão, desprezando tudo o mais que com ela não fosse compatível. Ele tratou, nos Ensaios, "da loucura de opinar acerca do verdadeiro e do falso unicamente de acordo com a razão." Os etnológos nos deram ensinamentos semelhantes, ao chamarem a atenção para a pluralidade cultural dos paradigmas de razão, derrubando por terra a razão absoluta. O convívio entre o louco de rua e a cidade, com a potência passional que encerra, talvez também possa nos servir de lição...

Ferraz, F. C. (2000). Straggler of the Streets and Literature. Psicologia USP, 11 (2), 117-152.

Abstract: This work aims to formulate a theory on the role the madman - straggler of the streets - plays in popular imagery and the place he holds in his community. Madness, as here depicted, follows Foucault’s interpretation: a historically determined phenomena, divided, in the course of history, into two modalities - one tragic, the other critical - the first, an interpretation prior to the advent of psychiatry. The material was collected in the literary narratives - poetry and prose - taken from the works of Brazilian authors and through the analysis of these narratives we sought to apprehend characteristics inherent in the relationships existing between the street-wandering madman and the community in which he roams - players upon a world stage - and thus to evaluate the connection between madman and town.

Index terms: Straggler of the streets. Literature. Popular imageny. Facault, Michel.

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  • 1
    Este artigo contém extratos da tese de doutorado
    Andarilhos da imaginação:
    um estudo sobre os loucos de rua, defendida no IPUSP em março de 1999.
  • 2
    Psicólogo e Doutor em Psicologia pelo IPUSP; Psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Professor dos Cursos de Psicanálise e de Psicossomática deste Instituto.
    Endereço para correspondência: Rua João Moura, 647 – conj. 121 – CEP 05412-911 – São Paulo – SP. Tel: (0-xx-11) 280-9606; fax: (0-xx-11) 212-9716. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2001
    • Data do Fascículo
      2000
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