Resumos
Dor é uma experiência pessoal e subjetiva influenciada por fatores culturais, situacionais, atentivos e outras variáveis psicológicas. Abordagens para a mensuração de dor incluem variados instrumentos, tais como, escalas verbais, numéricas, observacionais, questionários, autorregistros e respostas fisiológicas. Nesta revisão, descrevemos e analisamos como as sofisticadas técnicas psicofísicas podem ser designadas para mensurar separadamente as dimensões sensoriais e afetivas da percepção de dor. Destacamos que estas técnicas produzem mensurações válidas e fidedignas da percepção de dor, com propriedades de escalonamento de razão e, também, podem ser usadas, facilmente, em ambientes clínicos.
Percepção de dor; Dor; Avaliação da dor
Pain is a personal, subjective experience influenced by cultural, situational, attentive factors, and other psychological variables. Approaches to the measurement of pain include verbal and numeric self-rating scales, behavioral observational scales, and physiological indicators. In this review, we described and analyzed as sophisticated psychophysical techniques can be designed to measure separately the sensory and cognitive dimensions of pain. These procedures have been shown to be valid and reliable measurements of pain with ratio-scaling properties and have recently been used in clinical settings.
Pain perception; Pain; Pain assessment
La douleur est une expérience personnelle et subjective influencée par la culture, de la situation, les facteurs attentive, et d'autres variables psychologiques. Approches à la mesure de la douleur sont verbales et numériques des échelles d'auto-évaluation, échelles d'observation du comportement, et les indicateurs physiologiques. Dans cette revue, nous avons décrit et analysé comme des techniques sophistiquées de psychophysique peut être conçu pour mesurer séparément les dimensions sensorielles et cognitives de la douleur. Ces procédures se sont révélées être des mesures valides et fiables de la douleur avec des propriétés d'échelle ratio et ont récemment été utilisés en milieu clinique.
Perception de la douleur; Douleur; Évaluation de la douleur
El dolor es una experiencia personal y subjetiva, modulada por factores culturales, situacionales y atencionales, además de otras variables psicológicas. Algunos enfoques para la medida del dolor incluyen el uso de instrumentos tales como escalas verbales, numéricas, observacionales, cuestionarios, autoregistros y respuestas fisiológicas. En esta revisión describimos y analizamos cómo sofisticadas técnicas psicofísicas pueden ser utilizadas para medir por separado las dimensiones sensorial y afectiva de la percepción del dolor. Destacamos que estas técnicas producen medidas válidas y confiables, con propiedades escalares de razón, y que pueden ser usadas fácilmente en ambientes clínicos.
Percepción del dolor; Dolor; Evaluación del dolor
Avaliação psicofísica da percepção de dor
Psychophysical assessment of pain perception
Évaluation psychophysiques de perception de la douleur
Evaluación psicofísica de la percepción del dolor
José Aparecido da SilvaI; Nilton Pinto Ribeiro-FilhoII
I Universidade de São Paulo - USP
II Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
Dor é uma experiência pessoal e subjetiva influenciada por fatores culturais, situacionais, atentivos e outras variáveis psicológicas. Abordagens para a mensuração de dor incluem variados instrumentos, tais como, escalas verbais, numéricas, observacionais, questionários, autorregistros e respostas fisiológicas. Nesta revisão, descrevemos e analisamos como as sofisticadas técnicas psicofísicas podem ser designadas para mensurar separadamente as dimensões sensoriais e afetivas da percepção de dor. Destacamos que estas técnicas produzem mensurações válidas e fidedignas da percepção de dor, com propriedades de escalonamento de razão e, também, podem ser usadas, facilmente, em ambientes clínicos.
Palavras-chave: Percepção de dor. Dor. Avaliação da dor.
ABSTRACT
Pain is a personal, subjective experience influenced by cultural, situational, attentive factors, and other psychological variables. Approaches to the measurement of pain include verbal and numeric self-rating scales, behavioral observational scales, and physiological indicators. In this review, we described and analyzed as sophisticated psychophysical techniques can be designed to measure separately the sensory and cognitive dimensions of pain. These procedures have been shown to be valid and reliable measurements of pain with ratio-scaling properties and have recently been used in clinical settings.
Keywords: Pain perception. Pain. Pain assessment.
RÉSUMÉ
La douleur est une expérience personnelle et subjective influencée par la culture, de la situation, les facteurs attentive, et d'autres variables psychologiques. Approches à la mesure de la douleur sont verbales et numériques des échelles d'auto-évaluation, échelles d'observation du comportement, et les indicateurs physiologiques. Dans cette revue, nous avons décrit et analysé comme des techniques sophistiquées de psychophysique peut être conçu pour mesurer séparément les dimensions sensorielles et cognitives de la douleur. Ces procédures se sont révélées être des mesures valides et fiables de la douleur avec des propriétés d'échelle ratio et ont récemment été utilisés en milieu clinique.
Mots-clés: Perception de la douleur. Douleur. Évaluation de la douleur.
RESUMEN
El dolor es una experiencia personal y subjetiva, modulada por factores culturales, situacionales y atencionales, además de otras variables psicológicas. Algunos enfoques para la medida del dolor incluyen el uso de instrumentos tales como escalas verbales, numéricas, observacionales, cuestionarios, autoregistros y respuestas fisiológicas. En esta revisión describimos y analizamos cómo sofisticadas técnicas psicofísicas pueden ser utilizadas para medir por separado las dimensiones sensorial y afectiva de la percepción del dolor. Destacamos que estas técnicas producen medidas válidas y confiables, con propiedades escalares de razón, y que pueden ser usadas fácilmente en ambientes clínicos.
Palabras-clave: Percepción del dolor. Dolor. Evaluación del dolor.
Que significado tem a função de potência? Uma vez que seu princípio são razões iguais entre os estímulos produzindo razões subjetivas iguais, podemos propor uma situação. Vejamos: suponha que o expoente (n) de uma função de potência seja 0,50 (e K = 1). Se um estímulo vale 100, a sensação correspondente será igual a 10, e se o estímulo vale 110, a sensação valerá 10,5; por conseguinte, se o estímulo aumenta em 10%, a sensação aumentará em 5%. Com a mesma função de potência, se o estímulo vale 200, a sensação valerá 14,14, e se o estímulo aumenta a 220, a sensação também aumentará a 14,83; também neste caso, se o estímulo aumenta em 10%, a sensação segue aumentando em 5%. Neste exemplo, a função de potência indica que se o estímulo aumenta em 10% a sensação aumentará sempre em 5%, independente do valor absoluto do estímulo aumentado. Este é o significado matemático da função de potência, mas qual é o seu significado teórico? Várias interpretações têm sido propostas, focalizando tanto o sistema sensorial quanto as propriedades dos estímulos. Vejamos estas hipóteses ou interpretações.
A hipótese da transdução sensorial
Stevens (1970, 1971, 1974, 1975/2000) propôs a interpretação de que a função refletiria a operação de mecanismos sensoriais quando estes traduzem energia estimuladora em atividade neural. O valor do expoente fornece informações sobre as propriedades básicas do processo de entrada-saída de uma dada dimensão sensorial. Isto caracteriza a taxa em que um sistema de saída, indexado pela sensação, cresce em função da entrada do estímulo.
A função de potência reza que o princípio de invariância entre as razões do estímulo e da sensação, que parece aplicar-se a todos os sistemas sensoriais, é de fundamental importância biológica para a sobrevivência do organismo. Nas modalidades sensoriais em que a variação de energia estimuladora do ambiente é muito pequena, usualmente encontra-se um expoente maior do 1,0. Neste caso, o transdutor sensorial funcionaria como um expansor da energia estimuladora, como, por exemplo, o expoente de 3,5, encontrado para choque elétrico. Do contrário, quando a energia estimuladora ambiental é muito grande, o transdutor sensorial comportar-se-ia como um compressor, de forma a evitar uma possível sobrecarga do sistema sensorial. Neste caso, o expoente encontrado é usualmente menor que 1,0. Por exemplo, o expoente de 0,33, comumente encontrado para brilho (ou som), provavelmente, refletiria uma atividade de compressão do transdutor sensorial específico para tal modalidade sensorial, que o possibilita manipular a enorme variação de energia luminosa (ou sonora) de estimulação a que está sujeito (Stevens, 1961, 1975/2000).
Um exemplo ilustrativo da forma pela qual os organismos modulariam este sistema de entrada-saída de uma determinada estimulação é encontrado num experimento bastante original, realizado por Hartline e Grahan (1932). Estes autores registraram a atividade de um único axônio no nervo óptico do caranguejo- ferradura Limulus após uma estimulação luminosa no ommatidium do animal, observando, também, que o impulso nervoso percorria o axônio em taxas proporcionais ao logaritmo da intensidade luminosa incidente no ommatidium. A interpretação dada pelos autores foi de que a luz geraria uma despolarização da membrana do receptor, proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo. Stevens (1970), reanalisando os dados daqueles autores, observou que os mesmos se ajustavam perfeitamente a uma função de potência com um expoente de 0,29, similarmente àquele encontrado para a função de potência com estimativas de magnitude de brilho obtidas em humanos. Analogamente, os dados de Fuortes e Hodgkin (1964), com a amplitude da atividade elétrica do receptor, também pareciam seguir uma função de potência com um expoente de 0,32. Outras evidências eletrofisiológicas para a lei de Stevens também foram observadas nos estudos de Mountcastle et al. (1962, 1966; ver também, Atkinson, 1982). De fato, Mountcastle et al. (1966) mostraram que as respostas neurais à pressão mecânica na palma da mão de macacos podem ser descritas por uma função de potência com um expoente aproximadamente igual a 1,0; valor que é muito próximo daquele obtido de 1,1 por J. C. Stevens e Mack (1959) quando observadores humanos julgaram as intensidades de pressões aplicadas à palma da mão.
Figura 1. Valores médios das respostas neurais (círculos abertos) e das respostas subjetivas (cruzes) obtidas para dois pacientes, projetados em função da concentração, dadas em molaridade, das soluções de sabores aplicadas na língua. Os expoentes indicados pelas inclinações das linhas retas foram 0,77 para ácido cítrico e 1,2 para sucrose.
Entretanto, um dos grandes problemas ao correlacionar dados neurofisiológicos com dados psicofísicos reside no fato de que ambos são obtidos em espécies diferentes. Muitos dos trabalhos eletrofisiológicos têm sido feitos com animais e, portanto, comparações diretas com dados psicofísicos em humanos baseiam-se na suposição de que os receptores de ambos são fundamentalmente equivalentes. Não obstante, tem havido algumas tentativas isoladas de comparar diretamente estes dois tipos de dados em seres humanos. Uma dessas tentativas foi aquela empreendida por Borg, Diamant, Strom e Zotterman (1967), num estudo agora clássico, em que registros psicofísicos e neuroelétricos do nervo gustativo foram feitos enquanto o observador fazia estimativas de magnitude de substâncias gustativas de várias concentrações, dadas em molaridade, aplicadas na língua. O experimento só foi possível porque o observador era um paciente que se submeteu a uma cirurgia em que uma ramificação do nervo gustativo tornou-se acessível a registros neuroelétricos. Ambas as respostas do nervo gustativo e os julgamentos psicofísicos aumentaram como uma função de potência da concentração da substância, dada em molaridade, colocada na língua, tal como representado na Figura 1. A figura mostra que os expoentes foram similares para as respostas neurais e psicofísicas.
Outro enfoque tem sido tomar os potenciais evocados médios de observadores, fazendo estimativas de magnitude numéricas. Por exemplo, Franzen e Offenloch (1969) tomaram ambas as medidas em relação à estimulação tatual e obtiveram que a função eletrofisiológica mostrou um expoente de 0,5, enquanto o expoente psicofísico foi de 0,6. Além disso, Keidel e Spreng (1965), usando três tipos de estímulos (tom, corrente elétrica e vibração), registraram que os três expoentes derivados de potenciais corticais foram similares aos expoentes psicofísicos.
Assim, subjacente à função de potência estaria um processo de transdução sensorial que capacitaria os organismos a se ajustarem a seu ambiente de maneira apropriada. Este processo seria corroborado, em geral, pela estreita correspondência entre os expoentes das funções fisiológicas e as psicofísicas (Johnson, Hsiao & Yoshioka, 2002; Nieder & Miller, 2003). Todavia, há diferenças claras entre os valores absolutos dos expoentes em ambos os tipos de funções, as quais poderiam ser facilmente explicáveis pelas diferenças nas condições experimentais (diferentes espécies animais, métodos de registros etc.). Talvez, o mais importante seja que há uma correlação ordinal quase perfeita entre ambos os grupos de expoentes (os atributos sensoriais que têm funções psicofísicas, com expoentes altos, os quais têm, também, funções fisiológicas com expoentes altos).
A hipótese da amplitude dos estímulos
Poulton (1968) deu outra interpretação muito diferente para o expoente da função de potência. A hipótese de Poulton é que este expoente não reflete o funcionamento dos diferentes sistemas sensoriais, mas somente certas características do experimento. Em outras palavras, o expoente é uma função das condições experimentais sob as quais ele é obtido, e não das características específicas de operação dos sistemas sensoriais implicados. Entre as variáveis situacionais que afetam o expoente da função, Poulton destacou a amplitude dos estímulos, ou, mais exatamente, a razão entre os valores extremos. Segundo Poulton, existe uma relação inversa entre a magnitude do expoente e esta amplitude: quanto maior é a amplitude, menor é o expoente. A partir de uma análise de 21 estudos publicados por Stevens e colaboradores, Poulton estimou uma correlação entre estas variáveis de -0,60, aproximadamente.
Como se explica esta relação entre a amplitude dos estímulos e o tamanho do expoente? Para Poulton, a relação pode ser facilmente explicada se aceitarmos que os observadores empregam uma amplitude de respostas relativamente constante nos experimentos de estimação de magnitude, que é o procedimento com o qual se tem obtido a maioria das funções de potência. Se ocorrer que a amplitude dos estímulos não seja idêntica para todas as modalidades sensoriais, enquanto que a amplitude de respostas é aproximadamente constante, o expoente será diferente. Isto pode ser facilmente entendido com a ajuda da Figura 2, na qual se apresentam quatro funções de potência que cobrem a mesma amplitude de respostas (ou magnitude subjetiva), mas diferentes amplitudes de estímulos.
Figura 2. Quatro funções de potência com expoentes diferentes (n = 2,50; n = 0,80; n = 1,0; n = 0,50) em coordenadas logarítmicas. Todas as funções cobrem a mesma amplitude de magnitudes sensoriais, mas diferentes amplitudes de estímulos.
Num artigo clássico na área, publicado em 1971, Teghtsoonian revisou esta relação entre a amplitude dos estímulos e o valor do expoente empregando os mesmos estudos usados por Poulton (1979). Teghtsoonian confirmou a relação empírica entre as duas variáveis, porém forneceu uma interpretação diferente daquela de Poulton, mais consoante com a interpretação sensorial defendida por Stevens. Vejamos como Teghtsoonian derivou a relação matemática entre a amplitude dos estímulos e o expoente da função de potência. Aceitando, primeiramente, a função de potência que em sua forma tradicional é expressa pela Equação abaixo, temos:
R = K* En
A sensação produzida por um estímulo de maior intensidade dentre aqueles empregados é:
Rmax = K*(E max)n
Igualmente, a sensação correspondente ao estímulo de menor intensidade é:
Rmin = K*(E min)n
A razão entre os dois estímulos é:
Re = Emax / Emin
E a razão entre as sensações correspondentes a estes estímulos é:
Rs = Rmax / Rmin
Portanto, temos
log (Rs) = n log (Emax) n log (Emin)
log (Re) = log (Emax) log (Emin)
log (Rs) = n log (Re)
n = log (Rs) / log (Re)
Se aceitarmos que a amplitude das magnitudes sensoriais é constante, log (Rs) = W, então
n = W / log (Re) (1)
Alguns autores, por exemplo, Norwich (1993) denominam a esta equação de Lei de Poulton-Teghtsoonian.
Teghtsoonian (1971) ajustou esta equação aos dados dos experimentos de Stevens e colaboradores e encontrou uma correlação r = 0,935 entre os dados observados e preditos. Esta correlação indica que aproximadamente 87% da variância dos expoentes observados dos diferentes experimentos poderia, simplesmente, ser explicada pela amplitude dos estímulos empregados. A constante W foi igual a 1,53 unidades de log. Esta seria, de acordo com a hipótese da amplitude dos estímulos, a amplitude dinâmica dos julgamentos empregados pelos observadores nos experimentos de estimação de magnitude.
Desta forma, Teghtsoonian confirmou a relação que Poulton (1979) havia encontrado entre a amplitude dos estímulos e o tamanho do expoente, mas, como assinalamos, sua interpretação da mesma foi diferente. Os contínuos sensoriais diferem na razão que existe entre as intensidades extremas, mínima e máxima, às quais reagem os sistemas sensoriais, ao que Teghtsoonian denomina de amplitude dinâmica. Esta amplitude determinaria os estímulos que podem empregar-se nos experimentos de estimação de magnitude e explicaria a variabilidade do expoente da função de potência entre os diferentes atributos sensoriais. Os sistemas sensoriais comprimiriam ou expandiriam a amplitude, que variaria para os diferentes atributos sensoriais, para ajustá-los a uma amplitude constante de magnitudes subjetivas (W).
A hipótese do índice de sensibilidade
A interpretação sensorial do expoente da função de potência prediz que a magnitude deste expoente deve correlacionar-se com aquelas de outros índices de sensibilidade, como a fração ou constante de Weber. A Tabela 1 mostra os expoentes da função de potência para oito modalidades sensoriais, ordenados do maior para o menor, e as correspondentes frações de Weber. Pode-se constatar que efetivamente ambos os parâmetros de sensibilidade estão inversamente relacionados: quanto maior é o expoente da função de potência menor é a fração de Weber. Assim, parece haver alguma conexão entre as medidas clássicas de sensibilidade, como a dap e o expoente da função de Stevens, A variabilidade em relação a esta conexão deve-se provavelmente à variedade das condições experimentais sob as quais os dados foram coletados.
Tabela 1. Deslocamento de Jef e da educadora.
Expoentes da função de potência e frações de Weber para oito deferentes modalidades sensoriais. A fração de Weber é inversamente proporcional ao expoente da função de potência.
A hipótese da teoria do correlato físico
Warren é outro pesquisador que tem questionado a validade da suposição de que a sensação pode ser quantificada diretamente (Warren, 1958, 1969; Warren & Warren, 1963). Ele tem arguido que em vez de fazer julgamentos de magnitude sensorial, os observadores fazem, na realidade, julgamentos de algum atributo físico associado com o estímulo. Argumentos similares têm sido feitos recentemente por Lockhead (1992, 2004), o qual supõe que os observadores são capazes de fazer julgamentos das características dos objetos, mas não dos atributos de suas próprias percepções. De acordo com a teoria do correlato físico, é através da experiência passada que os observadores aprendem a atender a algum atributo físico particular quando são requeridos num experimento psicofísico a fazer julgamentos da magnitude da sensação dos estímulos. Os diferentes expoentes da função de potência, obtidos para diferentes modalidades sensoriais, não refletem as características operatórias de diferentes transdutores biológicos, tal como advogou Stevens, mas, em vez disso, são determinados pelo fato do observador responder aos atributos físicos particulares de diferentes estímulos.
Assim, por exemplo, uma função psicofísica de potência, com um expoente de aproximadamente 1,0 para duração, pode, simplesmente, indicar que os observadores, através de anos de experiência, têm sido capazes de fazer julgamentos de duração que são linearmente relacionados à duração do estímulo. Um som que é duas vezes mais longo que outro será julgado como duas vezes mais longo em duração aparente. De acordo com a teoria do correlato físico, o observador não estima um estímulo duas vezes mais longo que outro porque esta resposta indica quão aparentes suas durações são percebidas. Ao contrário, ele faz este julgamento porque através da experiência ele tem aprendido os indícios físicos que correspondem a dobrar uma duração. Em outras palavras, ao longo dos anos os observadores têm aprendido, através de uma história de reforçamento e extinção seletivos, a fazer uma resposta correta a um estímulo de uma duração particular. Consequentemente, os julgamentos do observador numa tarefa psicofísica são determinados pelos atributos físicos do estímulo mais do que pela duração da sensação. Contrário à teoria do transdutor sensorial, a duração aparente, se ela existe, certamente não é mensurada pelos julgamentos do observador do estímulo. O que é mensurado, de acordo com a teoria do correlato físico, é a habilidade do observador para discriminar entre estímulos de várias durações.
Todavia, considerando que o objetivo principal da pesquisa psicofísica tem sido determinar as características operatórias dos sistemas sensoriais, os trabalhos de Warren e colaboradores têm sido considerados, por muitos psicofísicos, como interessantes, porém irrelevantes. Por exemplo, Gescheider (1981) apontou que, enquanto o trabalho de Warren é um ataque à hipótese tradicional do processamento sensorial no escalonamento psicofísico, ele não constitui um teste adequado da hipótese. A hipótese do processamento sensorial, de que as escalas psicofísicas da intensidade do estímulo refletem a operação de mecanismos sensoriais quando estes traduzem e codificam a energia do estímulo em atividade neural, pode ser testada apenas dentro do contexto de nosso conhecimento dos processos sensoriais. Escalas psicofísicas geradas pelos métodos de escalonamento de razão são frequentemente previsíveis a partir do nosso entendimento da somação temporal, somação espacial, adaptação, inibição e outros processos sensoriais. Assim, somente dentro deste enfoque sensorial será possível verificar as predições levantadas pela hipótese do processo sensorial e determinar suas implicações.
Expoentes da função de potência para a magnitude da sensação de dor
Os métodos psicofísicos de escalonamento de razão têm sido aplicados para mensurar a magnitude da sensação de dor experimental, resultando em expoentes da função de potência de 1,0 para calor radiante, 2,1 2,2 para calor gerado por contato e 1,8 para estimulação elétrica na pele (Gracely, 1977; Hardy, Wolf, & Goodell, 1952, Price, 1988, Tursky, 1974). Também, o método de estimação de magnitude tem sido usado para avaliar os efeitos analgésicos da hipnose. Por exemplo, Hilgard (1969) encontrou que as estimativas de magnitude foram confiavelmente relacionadas à intensidade do estímulo, e sob algumas circunstâncias, estimativas de magnitude foram menores sob hipnose. Como mencionamos e exemplificamos, atualmente, os procedimentos de escalonamento de razão são frequentemente usados para mensurar a dor clínica, bem como a dor experimentalmente induzida (ver Rollman, 1992). Estes procedimentos são muito úteis em avaliar tanto a dor clínica aguda quanto a crônica. Os resultados são frequentemente importantes em tomadas de decisão médica, variando desde qual tipo e o quanto de uma droga analgésica deve ser usada para alívio da dor, até se uma cirurgia deve ser realizada. Estas aplicações têm levantado dois aspectos. Primeiro, quais fatores influenciam especificamente os expoentes para a magnitude da sensação de dor e, segundo, qual o propósito de determinar expoentes na pesquisa de dor?
Efeitos da unidade de medida
Uma interpretação adequada do significado dos expoentes da função psicofísica deve sempre considerar as várias (e arbitrárias) medidas físicas da intensidade do estímulo, porque diferentes medidas da mesma modalidade podem ser não linearmente relacionadas. Por exemplo, a diferença nos expoentes para calor radiante e de contato na pele pode refletir as diferenças na unidade; o expoente de 1,0 para calor radiante é baseado numa unidade de potência (watts), enquanto o expoente de aproximadamente 2,2 para calor de contato é baseado numa unidade de temperatura. Similarmente, os expoentes próximos a 2,0 obtidos para estimulação elétrica na pele são baseados na quantificação da magnitude do estímulo em termos de corrente elétrica (mA). Se, em vez disso, a potência elétrica tivesse sido arbitrariamente usada, os expoentes obtidos seriam aproximadamente iguais a 1,0, isto porque potência elétrica é igual à corrente ao quadrado, multiplicada pela resistência elétrica.
Efeitos da constante de correção
Para evitar distorções na escala próximo ao valor do limiar, Stevens (1975, 2000) incorporou na função de potência uma correção do limiar, a qual subtraía o limiar da intensidade do estímulo. Neste caso, a função de potência, R = En, torna-se R = (E T)n, em que R é a resposta, E é a intensidade do estímulo, T é a correção do limiar e n é o expoente. O uso desta correção, com modalidades de estímulos com uma grande amplitude de estímulos abaixo do limiar de detecção (e muitas das modalidades de dor com uma grande amplitude de estímulos abaixo do limiar de dor), assegura que a função psicofísica começa próxima da origem, e que o aumento nas intensidades dos estímulos próximo ao limiar resulta num aumento correspondente na magnitude sensorial.
O uso dessa correção pode influenciar significativamente o valor do expoente obtido. Assim, uma comparação crítica dos expoentes deve assegurar se tal correção tem sido utilizada. Além disso, a escolha do fator de correção pode também influenciar o expoente registrado. O limiar de correção pode ser baseado num limiar empiricamente determinado, e tem sido determinado através de técnicas interativas que maximizam o ajustamento a uma função de potência (isto é, maximizam a correlação de Pearson em coordenadas log-log). Por exemplo, nos experimentos realizados por Price, McGrath, Rafii e Buckingham (1983), descritos anteriormente para ilustrar o procedimento de estimação de magnitude, foi usado um fator de correção de 34ºC, que é substancialmente diferente do limiar de dor observado de aproximadamente 45ºC. Eles usaram esta correção para comparar os resultados psicofísicos com funções de potência geradas das respostas neurais, em que o valor de 34ºC é uma boa estimativa do limiar em que os aferentes primários começam a disparar a um estímulo térmico. Embora necessária para estes tipos de comparações, esta correção poderia certamente influenciar o expoente da função de potência em comparação com outros estudos psicofísicos de dor que usaram o limiar de dor de aproximadamente de 45ºC como o fator de correção lógico.
Efeitos da amplitude dos estímulos e das respostas
Em adição à escolha do limiar de correção, os expoentes obtidos podem ser influenciados pela amplitude dos estímulos e das respostas (Poulton, 1979). Como mencionamos, o uso de uma pequena amplitude de estímulos, o que é comum quando se usam estímulos dolorosos, aumentará o valor do expoente. Similarmente, a restrição da escala de resposta (tal quando usando a escala analógica visual VAS ou uma escala de categorias) usualmente diminuirá o expoente para aproximadamente metade daquele obtido com uma escala de magnitudes. Estes expoentes menores têm sido rotulados de expoentes virtuais, porque eles refletem tanto o expoente subjacente ao contínuo ilimitado quanto o efeito compressivo de limitar ao topo da escala (Stevens, 1975/2000). Os expoentes obtidos por Price et al. (1983), através da escala analógica visual, podem ser considerados como excelentes exemplos de como o expoente da função de potência pode ser manipulado pelas instruções dadas aos observadores; neste caso, ele é aumentado pelas instruções e demonstrações dirigidas para evitar o efeito de confinamento do topo da escala. Isto se torna um importante aspecto quando expoentes são comparados entre estudos que podem ter usado diferentes instruções e contêm observadores com níveis variados de compreensão destas instruções. Os mesmos cuidados devem ser tomados em relação às variáveis que aumentam a amplitude da magnitude das sensações provocadas pelos estímulos. As teorias propostas por Poulton (1979) e Teghtsoonian (1971), envolvendo os efeitos da amplitude dos estímulos na derivação das funções psicofísicas, podem ser apropriadamente aplicadas no caso da mensuração da dor.
A utilidade dos expoentes da função de potência na mensuração de dor
Do ponto de vista da psicofísica tradicional concebida por Stevens, o tamanho do expoente da função de potência é determinado pelas propriedades tanto do estímulo quanto da resposta e, além disso, pode ser influenciado por fatores tais como a amplitude dos estímulos (Poulton, 1979; Teghtsoonian, 1971). Na verdade, os diferentes métodos escalares popularizados por Stevens e colaboradores têm considerado primariamente os efeitos relativos de diferentes intensidades de estímulos. Por exemplo, os escalonamentos de razão têm focalizado essencialmente a inclinação, o expoente da função psicofísica, a qual descreve a taxa em que a intensidade percebida aumenta com um dado aumento na intensidade do estímulo. Como vimos, uma grande parte da literatura focalizou a variação da inclinação para diferentes modalidades de estímulos ou em função dos métodos de obtenção das respostas. Os resultados obtidos com os métodos de escalonamento de razão são também comparados com os resultados obtidos com outros procedimentos, tais como as escalas de categorias, num esforço para encontrar a verdadeira função relacionando a energia do estímulo à magnitude da sensação evocada.
Mas, segundo Gracely e Naliboff (1996), há uma diferença fundamental entre as necessidades aplicadas de um instrumento de mensuração de dor e os objetivos da maioria dos estudos psicofísicos. A mensuração da dor é envolvida primariamente com o nível absoluto da sensação, a partir da qual, então, decorrem os seguintes aspectos: Este grupo experiencia maior dor do que aquele outro grupo?, ou Esta intervenção significativamente reduz a magnitude da dor em comparação com o placebo?.
Infelizmente, a maioria dos estudos psicofísicos tem focalizado a forma, e não a altura geral, da função psicofísica. Realmente, em muitos paradigmas, esta altura é intencionalmente sem significado. Por exemplo, na condição em que o módulo é livre, na qual os observadores usam a sua própria unidade de mensuração, a altura desta função reflete a designação arbitrária do tamanho da unidade da escala. Em condições em que o estímulo inicial, que pode ser um padrão fixo, é descrito por um módulo fixo, tal como 100, este procedimento estabiliza as unidades entre os indivíduos, mas não acrescenta qualquer significado à magnitude total. Esta ênfase na forma da função prevaleceu em muito da literatura psicofísica, incluindo comparações das diferentes funções geradas pelas escalas de categorias com amplitude limitada e procedimentos de escalonamento de razão com amplitude ilimitada. Por causa dessa ênfase sobre a inclinação, mais do que na altura, muito desta literatura pode ter pouca utilidade aplicada para a avaliação da dor.
Não obstante, tem havido algumas aplicações dos expoentes da função de potência para investigações de dor. Por exemplo, Mountcastle (1967) comparou funções psicofísicas derivadas das estimativas subjetivas de sensações evocadas por estímulos com as funções construídas a partir das respostas neurais aos mesmos estímulos. Ele interpretou os expoentes similares como evidência de que as sensações subjetivas resultaram da transdução sensorial periférica e do processamento invariante do receptor aferente primário para a consciência. Esta conclusão foi controvertida, porque ela diminuiu a função do conhecido processamento espinhal e talâmico de entrada sensorial (Kruger & Kenton, 1973; Warren & Warren, 1963). Recentemente, vários estudos de estimulação dolorosa têm renovado o interesse na relação entre os dados neurais e os registros conscientes, verbais. Estes estudos têm examinado não apenas as respostas aferentes primárias para breves ( 3 seg.) estímulos nociceptivos evocativos de calor por contato, mas também respostas neurais no corno dorsal da medula, neurônios de projeção espinhal, colículo superior e córtex cerebral. Em cada caso, o expoente da função de potência situou-se entre 2,1 e 2,5, o que é também consistente com os expoentes de 2,1-2,2 observados nos julgamentos psicofísicos feitos aos mesmos estímulos (ver Price, 1988, para uma revisão). Assim, pelo menos no caso limitado de estímulos térmicos, a função de potência derivada dos julgamentos psicofísicos descreve uma relação de resposta neural que parece ser mantida inteiramente através do sistema nervoso aferente.
Validade das escalas de dor
O paradigma do emparelhamento intermodal desenvolvido por Stevens tem sido aplicado aos descritores verbais de estímulos numa tentativa de validar as escalas de dor. Numa adaptação proposta por Dawson e Brinker (1971) e implementada por Lodge (1982), o procedimento requer que duas ou mais modalidades, ou contínuos de respostas, sejam usados para obter estimativas subjetivas de um simples, mas comum, arranjo de estímulos, por exemplo, descritores verbais de dor. Este procedimento pode ser esquematizado como na Figura 3, onde os estímulos (E), em lugar de intensidades físicas, são representados por uma série de descritores, afirmações ou adjetivos verbais (Dv), cujas magnitudes podem ser mensuradas através de duas modalidades de respostas quantitativas diferentes (R1 e R2).
Figura 3. Representação esquemática do paradigma do emparelhamento intermodal aplicado para escalonar descritores verbais de dor.
Estas respostas podem ser dadas por meio de emparelhamentos da magnitude física de dois ou mais contínuos de estímulos sensoriais. Assim, se os valores das respostas das estimativas de magnitudes subjetivas são dados pelas expressões (Lodge et al., 1976) (ignorando as constantes), temos:
R1 = (E1)n e R2 = (E2)m
E, para comparar os estímulos, estas modalidades de respostas podem ser emparelhadas; isto é possível porque cada modalidade de resposta psicofísica produz uma acurada estimativa da intensidade do estímulo (Hamblin, 1971, Stevens, 1966). Portanto, se R1 = R2, então a relação de E1 e E2 torna-se (E1)n = (E2)m, que, expressa em coordenadas logarítmicas pode ser escrita como:
log E1 = (m/n) log E2(2) .
Quando esta função de sensações iguais é projetada em coordenadas log-log, a função é uma linha reta com a inclinação igual a (m/n). Se há um alto grau de validade convergente, a inclinação é igual à razão entre os expoentes característicos que governam estas duas modalidades de respostas (R1 e R2). Devido à validade deste procedimento, as propriedades de mensuração de razão, especialmente a transitividade, são aceitas e, portanto, a função de potência é confirmada e validada (Dawson & Brinker, 1971; Gracely & Naliboff, 1996; Hamblin, 1971; Stevens, 1966).
Usando este procedimento, Gracely (1977) projetou as respostas de forças dinamométricas dadas a diferentes descritores verbais em função das respostas de duração temporal, e encontrou um expoente para a função de emparelhamento entre estas duas respostas igual a 0,66, o qual concordou com o expoente de 0,63 obtido comparando estas respostas dadas a comprimentos de linhas fisicamente mensuráveis. Esta função de emparelhamento entre magnitude física da força dinamométrica à duração temporal está apresentada na Figura 4. Como os descritores verbais não têm uma métrica física própria, esta relação consistente de emparelhamento fornece uma linha de evidência indicando que cada descritor da intensidade de dor implica uma magnitude confiável da intensidade de dor.
Figura 4. Função psicofísica para as intensidades sensoriais de descritores verbais, derivadas do emparelhamento de força dinamométrica (ordenada) à duração temporal (abscissa). A média das duas estimativas de magnitudes para cada descritor está mostrada no eixo vertical à direita.
Apesar do sucesso deste procedimento no processo de validação das escalas psicofísicas com estímulos métricos e não métricos, tem havido, ainda, na literatura psicofísica, grandes debates se os métodos de escalonamento de razão fornecem mensuração em nível de razão, tanto para o escalonamento da sensação de dor, em particular (Gracely & Dubner, 1981; Hall, 1981), quanto para o escalonamento de sensações, em geral (Anderson, 1974; Da Silva & Macedo, 1983; Ekman, 1964; Sheppard, 1981; Warren & Warren, 1963; Zinner, 1969). Para aplicações na mensuração da dor, os julgamentos em nível de razão permitem afirmações significativas sobre mudanças na sensação de dor que são independentes da unidade psicológica de mensuração. Pelo menos é razoável tentar determinar escalas que contêm o máximo de informação possível (Gracely & Dubner, 1981). Além disso, há linhas convergentes consistentes com o nível de mensuração de razão (Gracely & Dubner, 1981), incluindo um estudo realizado por Price et al. (1983), o qual solicitou aos observadores que determinassem intensidades de estímulos que evocassem sensações que fossem uma razão específica de uma sensação-padrão produzida por um dado estímulo-padrão. Eles encontraram que estes estímulos foram bem próximos daqueles que seriam preditos por uma função psicofísica derivada da escala analógica visual (VAS); por exemplo, um estímulo de 46,5 ºC produziu uma sensação julgada como duas vezes mais intensa que aquela produzida por um estímulo de 43 ºC., enquanto uma função psicofísica determinada, independentemente, previa uma temperatura de 46,4 ºC (valor de resposta considerado o dobro da resposta a 43 ºC).
Inferindo a magnitude da sensação de dor das escalas de razão
Como tradicionalmente a psicofísica tem focalizado o valor do expoente (inclinação) e não a altura da função psicofísica, isto tem acarretado limitações na utilidade dos procedimentos de escalonamento de razão. Para serem úteis na mensuração de dor, as escalas de estimação de magnitude e de emparelhamento intermodal devem ser ancoradas a um padrão subjetivo (Clark & Yang, 1983), embora o conceito de padrão subjetivo seja um ideal que pode ser abordado, mas nunca obtido categoricamente. Ele é uma importante, e mesmo essencial, propriedade da mensuração de dor que nunca pode ser complemente isolada.
Como ocorre com as escalas que têm uma amplitude limitada, a ancoragem subjetiva das escalas de razão podem ser efetuadas de várias maneiras. Na escala VAS, a linha finita presumidamente representa a amplitude possível da magnitude da dor, com a consequência de que uma marca de 4 cm numa escala de 10 cm representa uma quantidade moderada de dor e uma marca de 6 cm indica uma magnitude de dor muito próxima dos níveis intensos. As escalas de categorias numéricas também representam a amplitude possível de magnitude de dor num espaço psicológico. Similarmente, as categorias verbais representam uma amplitude de respostas, com a adição de rótulos linguísticos que podem, além disso, especificar um padrão subjetivo. Um problema com as escalas de categorias verbais é a contribuição relativa destas duas fontes de padrões subjetivos. Os observadores podem usar o significado das palavras independente do número ou espaçamento das categorias, ou alternativamente considerar a escala como uma escala numérica sem atender ao significado das palavras, ou alguma combinação de ambos.
Não obstante, padrões subjetivos têm sido aplicados aos métodos de escalonamentos de razão através de dois modos fundamentais. No primeiro, um padrão subjetivo é associado com um módulo da mesma maneira que um estímulo-padrão é usado. Por exemplo, Hilgard (1969), num estudo de modificação hipnótica de dor provocada por pressão fria, instruiu os observadores a usarem o módulo 10 para descrever um nível crítico de dor, aquele que eles muito desejariam terminar. O outro modo permite aos observadores fazer julgamentos livres de um módulo, tanto de estímulos dolorosos quanto de estímulos verbais interpostos, que impliquem magnitude de dor (por exemplo: moderada, intensa), experiências de dor, dor de trabalho de parto, dor de cabeça, ou uma consequência comportamental, dor suficiente severa para tomar uma medicação leve ou forte. Este segundo paradigma pode simultaneamente escalonar os estímulos, o padrão subjetivo e entrelaçar as respostas para estes dos conjuntos de estímulos, efetivamente ancorando as respostas de dor. Gracely e Wolskee (1983) usaram este método para escalonar dor produzida por estimulação elétrica na polpa dentária e avaliar a ação e a interação de agentes analgésicos.
Esta segunda classe é relacionada ao uso de descritores verbais aleatórios, quantificados por escalas de razão ou outras técnicas. Neste método, as âncoras subjetivas são também apresentadas como estímulos e quantificadas, ainda que numa sessão separada do escalonamento das sensações de dor. Uma vez quantificados, os descritores são formatados numa escala de respostas e usados para direta e efetivamente mensurar as sensações de dor. Estas duas medidas são funcionalmente equivalentes, mas cada uma tem suas vantagens específicas. O escalonamento através do método de descritores é eficiente e requer menos estímulos, porque cada resposta ancora as sensações evocadas pelo estímulo. Uma sessão separada de quantificação do descritor pode não ser necessária porque a consistência tem sido observada entre indivíduos e pode ser facilmente checada por procedimentos simples, tal como a ordenação (Gracely, McGrath, & Dubner, 1978a). De outro lado, as escolhas dos descritores forçam cada resposta numa categoria discreta, e os observadores podem exibir pobres comportamentos de respostas, tais como perseverança ou uso de um número limitado de descritores. Embora demoradas, as respostas de escalas de razão, tanto para estímulos dolorosos quanto para estímulos semânticos, podem fornecer uma maior resolução e eliminar problemas associados com a escolha dos descritores.
Exemplo funcional
Na realidade, os procedimentos acima descritos têm feito uso de estratégias similares àquelas usadas para investigar outros sistemas sensoriais hedônicos, tais como olfação, sabor e temperatura. Estes procedimentos usam os métodos psicofísicos escalares tradicionais, principalmente estimação de magnitude, para, separadamente, gerar escalas da intensidade sensorial e do prazer/desprazer da dor. Esta abordagem faz uso da linguagem descritiva da intensidade da dor, da qualidade e do desprazer para facilitar a discriminação destas diferentes dimensões. Os descritores verbais de intensidade, qualidade e desprazer também podem ser vantajosos porque eles ancoram cada julgamento psicofísico a um padrão subjetivo, aumentando o significado das comparações entre grupos, dentro dos grupos e avaliação da eficácia de manipulações analgésicas.
Estes procedimentos de descritores verbais envolvem: (1) a determinação do valor escalar do descritor através de procedimentos em que as palavras são apresentadas como estímulos; e (2) o uso dessas palavras quantificadas para avaliar a dor experimental ou clínica. As respostas verbais a estes estímulos dolorosos são, então, convertidas em valores numéricos, baseando-se nos valores escalares verbais do indivíduo ou do grupo.
Gracely et al. (1978a) e Gracely e Dubner (1987) usaram estes procedimentos para determinar os expoentes da função de potência para diferentes descritores de intensidade e de desprazer da magnitude da dor experimental. No Experimento 1, numa primeira tarefa, os observadores fizeram estimativas de magnitude verbal de 30 pares de descritores (15 sensoriais e 15 afetivos) e de 7 comprimentos de linhas variando de 1,3 a 33 cm em passos logaritmicamente iguais. Numa segunda tarefa, os observadores emparelharam a magnitude de cada estímulo com a força dinamométrica. Assim, a tarefa dos observadores consistia em avaliar os comprimentos de linhas e as magnitudes dos descritores sensoriais e afetivos, por meio das estimativas de magnitude numérica e por meio do emparelhamento intermodal usando força dinamométrica. Os observadores fizeram uma estimativa numérica e um emparelhamento de força dinamométrica ao primeiro estímulo, e então responderam aos estímulos subsequentes com números ou forças dinamométricas em proporção à sua primeira resposta. No Experimento 2, os observadores escalonaram 30 descritores de dor (15 sensoriais e 15 afetivos) e 7 comprimentos de linhas. Os comprimentos de linhas foram idênticos àqueles do Experimento 1, mas os descritores de dor foram alterados para eliminar aqueles com os mesmos valores. Os observadores escalonaram as três séries de estímulos (descritores afetivos, descritores sensoriais e comprimentos de linhas) usando os emparelhamentos intermodais de duração temporal e força dinamométrica, além das estimativas de magnitude numéricas. A Tabela 2 mostra as estimativas de magnitude relativa para os descritores verbais da magnitude sensorial e afetiva da sensação de dor para ambos os experimentos. As magnitudes relativas foram obtidas relacionando algebricamente os valores dos descritores determinados por uma dada resposta (por exemplo, estimativa numérica) aos valores dos comprimentos de linhas determinados pela mesma medida de resposta (para detalhes, ver Gracely et al., 1978a, 1978b).
Tabela 2. Estimativas de magnitude relativa para os descritores sensoriais e afetivos dos Experimentos 1 e 2.
Para o Experimento 1, os logaritmos das estimativas de magnitude e os emparelhamentos de forças dinamométricas para os comprimentos de linhas e para ambos os tipos de descritores foram determinados para todos os observadores. Para o Experimento 2, os logaritmos da duração temporal e das respostas de força dinamométrica dados para os diferentes comprimentos de linhas e para os dois diferentes tipos de descritores (sensoriais e afetivos) foram determinados para todos os observadores. Para ambos os experimentos, diferentes combinações de funções de potência foram ajustadas e os expoentes foram determinados. Os emparelhamentos intermodais dados a estímulos fisicamente mensuráveis (métricos) são validados comparando-se os expoentes das funções de potências determinados para diferentes respostas e estímulos. Os expoentes da função de potência não podem ser computados para estímulos verbais (os descritores), porque palavras não são fisicamente mensuráveis (não métricos). Todavia, estes expoentes podem ser computados entre duas diferentes respostas intermodais mensurando os mesmos estímulos verbais. Estes expoentes podem, por sua vez, ser comparados aos expoentes similares computados entre as mesmas respostas intermodais feitas aos mesmos estímulos métricos (ver Figura 3). Uma similaridade nos expoentes, obtidos entre as respostas intermodais dadas para estímulos métricos e não métricos, mostra que os estímulos verbais (descritores), ainda que não objetivamente mensuráveis, são escalonados, imediata e confiavelmente, tanto quanto os estímulos fisicamente mensuráveis. Os expoentes entrerrespostas encontrados comparando-se as respostas de forças dinamométricas às respostas de estimativas numéricas no Experimento 1, ou às respostas de duração temporal no Experimento 2, para os mesmos estímulos verbais não métricos, foram 0,64 e 0,66, respectivamente. Estes expoentes foram similares e não significativamente diferentes dos expoentes obtidos com aqueles para respostas de comprimentos de linhas nestes dois experimentos (0,57 e 0,62, respectivamente), bem como para os expoentes registrados em outros experimentos (0,58; 0,59).
A partir destes resultados pode-se afirmar que os valores dos descritores produzidos por este método possuem propriedades de uma escala de razão. Isto significa que um descritor doloroso com uma magnitude relativa de 10 implica duas vezes mais dor que a magnitude de um descritor igual a 5. O grau em que estes valores são verdadeiramente valores numa escala de razão continua aberto a debate. Todavia, há uma concordância geral que estas escalas fornecem informação sobre o ponto zero de uma escala, requerido por uma escala em nível de razão, o qual não é encontrado nas escalas em níveis de mensuração de intervalo e ordinal (Gracely & Dubner, 1987).
A inclinação da função psicofísica como um critério para distinguir diferentes componentes da dor experimental
Mencionamos repetidamente que, embora a dor seja uma experiência sensorial e perceptual que varia ao longo de diferentes dimensões, a experiência de dor tem sido frequentemente expressa em termos de dois principais componentes. O primeiro é o componente sensório-discriminativo que descreve dor em termos de qualidade, intensidade, duração e lócus. O segundo é um componente motivacional, hedônico ou afetivo que expressa o grau de desconforto ou desprazer associado com as sensações de dor. A validade das escalas afetivas e sensoriais da dor é, usualmente, suportada por diferentes funções psicofísicas. Porém, embora estas diferentes funções psicofísicas suportem a validade, a demonstração mais convincente é um efeito diferencial após uma manipulação designada a modificar a intensidade sensorial ou a magnitude afetiva. Vejamos, então, sumariar alguns estudos que tentaram separar estes dois componentes, sensorial e afetivo, da experiência de dor, sem e com a administração de intervenções analgésicas.
Sem intervenção analgésica
A validade das escalas hedônicas de olfação e de temperatura tem sido baseada em dois padrões de resultados: (a) que as escalas de intensidade sensorial e de prazer ou desprazer resultam em diferentes funções psicofísicas; e (b) que estas escalas são diferencialmente alteradas por manipulações do estado interno. Gracely et al. (1978b) estenderam estes achados para a avaliação hedônica da sensação de dor. As Figuras 5 e 6 mostram os principais resultados obtidos por Gracely et al. (1978b), em que seus observadores escolheram descritores verbais (previamente quantificados por meio do método de estimação de magnitude numérica) a partir de uma lista aleatória, e fizeram emparelhamentos intermodais de força dinamométrica e de duração temporal para avaliar a magnitude da intensidade sensorial e a magnitude do desprazer das sensações de dor produzidas por estimulação elétrica da pele. Apenas as escalas de descritores mostraram diferentes funções psicofísicas para intensidade sensorial e desprazer. Além disso, ambas as escalas de emparelhamento intermodal de intensidade sensorial e de desprazer foram similares à função derivada dos descritores verbais de intensidade, sugerindo que os observadores usaram o método de emparelhamento intermodal para estimar a dimensão saliente da intensidade sensorial, independente das instruções para estimar a intensidade ou o desprazer. Estes resultados fornecem evidência de que o uso da linguagem, reforçado pelas escolhas forçadas baseadas no significado das palavras numa lista aleatória, pode facilitar a discriminação de desprazer da intensidade da dor.
Figura 5. Funções de emparelhamento intermodal e descritores verbais quantificados para as respostas de intensidade sensorial. Os logaritmos da magnitude relativa estão projetados em função dos logaritmos da intensidade do estímulo em miliampères (mA). As funções psicofísicas foram derivadas a partir da escolha de descritores sensoriais de uma lista aleatória e do emparelhamento de duração temporal e de força dinamométrica à intensidade das sensações de dor provocadas por estímulos eletrocutâneos.
Embora os resultados revelando duas diferentes funções psicofísicas constituam-se numa forte linha de evidência, indicando que as duas escalas medem diferentes dimensões, dois aspectos devem ser considerados. Primeiro, a falta de diferentes funções não é uma forte evidência negativa, porque escalas separadas destas diferentes dimensões podem teoricamente resultar na mesma função (Gracely, 1992). Segundo, os resultados de diferentes funções com tipos distintos de métodos escalares para intensidade sensorial e desprazer podem refletir uma diferença apenas na variância do método e não a avaliação separada de dimensões distintas (Gracely et al., 1978b). Considerando estes aspectos, os resultados de que diferentes funções com as escalas de descritores verbais, estruturalmente similares, exceto para as palavras específicas usadas, suportam tanto o conceito de duas dimensões da dor quanto a validade discriminante do método dos descritores verbais.
Figura 6. Funções de emparelhamento intermodal e descritores verbais quantificados para as respostas afetivas de desprazer. Os logaritmos da magnitude relativa estão projetados em função dos logaritmos da intensidade do estímulo em miliampères (mA). As funções psicofísicas foram derivadas a partir da escolha de descritores de desprazer de listas aleatórias e do emparelhamento de duração temporal e de força dinamométrica às sensações de desprazer de dor provocadas por estímulos eletrocutâneos.
Com intervenções analgésicas
Os dados anteriores foram obtidos usando uma simples mensuração em condições consideradas estáticas (Gracely & Naliboff, 1996), ou seja, sem qualquer intervenção analgésica que pudesse alterar a forma da função psicofísica para uma ou outra dimensão. Todavia, há dados mostrando que estas diferentes funções psicofísicas também podem ser usadas para avaliar as respostas dinâmicas dadas a estas escalas quando intervenções analgésicas são administradas, supostamente, para alterar de forma preferencial uma ou outra dimensão.
Figura 7. Influência do diazepan sobre o emparelhamento intermodal de força dinamométrica às sensações de intensidade de dor provocadas por estimulação eletrocutânea. A administração de 5 mg do diazepan não teve qualquer efeito sobre os emparelhamentos intermodais.
Por exemplo, Gracely et al. (1978b) e Gracely e Naliboff (1996) relataram resultados de um estudo em que diferentes grupos de observadores experimentais estimaram a intensidade e o desprazer das sensações produzidas por estímulos eletrocutâneos antes e depois da administração intravenosa de 5 mg de diazepan (Valium®). Estes dados, sumariados nas Figuras 7, 8, 9 e 10, mostram, claramente, que as respostas dos descritores de desprazer foram reduzidas seguindo o diazepan, enquanto as respostas dos descritores verbais da intensidade sensorial e dos emparelhamentos intermodais, tanto para intensidade sensorial quanto para o desprazer da dor, não foram alteradas pela droga.
Figura 8. Influência do diazepan sobre o emparelhamento intermodal de força dinamométrica às sensações de desprazer de dor provocadas por estimulação eletrocutânea. A administração de 5 mg do diazepan não teve qualquer efeito sobre os emparelhamentos intermodais.
A Figura 11 mostra os efeitos de um narcótico, potente e de ação rápida, o fentanil, sobre as respostas de descritores verbais da intensidade e do desprazer das sensações evocadas por estimulação elétrica da pola dentária. As respostas de intensidade sensorial foram significativamente reduzidas após o fentanil em comparação com o placebo; a magnitude deste efeito foi uma redução de aproximadamente 51%, de tal modo que uma sensação provocada por um estímulo originalmente estimada como quase forte foi estimada como branda após a administração do fentanil, enquanto a sensação provocada por um estímulo estimada como branda foi agora estimada como fraca (Gracely et al., 1979). Isto por si só foi um resultado muito significativo porque a opinião prevalecente na época em que o estudo foi realizado era que os narcóticos produziam analgesia primariamente reduzindo o desprazer e não por reduzir a intensidade sensorial.
Figura 9. Influência do diazepan sobre as respostas dos descritores verbais para a magnitude da intensidade da sensação de dor evocada por estimulação eletrocutânea. A administração de 5 mg do diazepan não teve qualquer efeito sobre as respostas feitas a partir da escolha de descritores sensoriais de uma lista aleatória.
Atualmente, vários estudos indicam que os narcóticos poderosamente atenuam o componente sensório-discriminativo da sensação de dor. A Figura 11 também mostra que, diferente da intensidade sensorial, as respostas dos descritores de desprazer da dor tendem a aumentar após a administração do fentanil. Assim, este conjunto de resultados valida as escalas separadas de intensidade e desprazer, demonstrando a necessidade de medir estas duas dimensões (Gracely et al., 1979; Gracely & Naliboff, 1996).
Estes dados revelando efeitos diferenciais sobre dimensões separadas de intensidade e de desprazer da dor têm sido observados em outros estudos. Estas escalas têm sido dissociadas após a administração de uma combinação de fentanil e diazepan (Gracely, Dubner & McGrath, 1982), após a administração de naloxone (Hargreaves et al., 1986) e após intervenções não farmacológicas para controle da dor, tais como meditação (Gaughan, Gracely, & Friedman, 1990), hipnose (Malone, Kurts, & Strube, 1989) e acupuntura (Price, Rafii, Watkins, & Buckingham, 1984).
Figura 10. Influência do diazepan sobre as respostas dos descritores verbais para a magnitude do desprazer da sensação de dor evocada por estimulação eletrocutânea. A administração de 5 mg do diazepan reduziu significativamente as respostas feitas a partir da escolha de descritores afetivos de desprazer de uma lista aleatória.
Estas dimensões também têm sido dissociadas usando variações da VAS e comparando-as com a escala de descritores verbais. Por exemplo, no estudo realizado por Duncan, Bushnell e Lavigne (1989), estes métodos foram usados para escalonar ambas as dimensões e eles concluíram que os dois métodos distinguem estas duas dimensões, embora a escala de descritores verbais tenha lhes parecido mais sensível. Assim, é possível que a VAS e um treino suficiente, ou instruções apropriadas, possam fornecer uma mensuração adequada destas dimensões.
Em resumo, estes estudos revelam claramente que há óbvias associações hedônicas nos julgamentos da experiência de dor. Tomados juntos, os resultados indicam que tanto as escalas não verbais, estimativas numéricas, emparelhamentos intermodais, quanto as verbais, especialmente as escalas de descritores verbais, quantificam com sucesso a intensidade sensorial e os aspectos afetivos da dor, mas os descritores verbais podem fornecer um instrumento mais sensitivo para separar a intensidade do desprazer da sensação de dor.
Figura 11. Respostas de descritores verbais para a magnitude da intensidade e para a magnitude do desprazer da sensação de dor produzidas por estimulação elétrica na polpa dentária apresentada em sete estímulos dados em unidades logarítmicas iguais entre o limiar absoluto e o limiar de tolerância, individualmente determinados. Os painéis, à esquerda, mostram que as respostas para a intensidade sensorial foram significativamente reduzidas após a administração do fentanil em comparação ao placebo. Os painéis, à direita, mostram uma tendência em que as respostas afetivas de desprazer foram reduzidas após placebo e se mantiveram essencialmente inalteradas seguindo a administração do fentanil.
De fato, ambas as escalas produzem funções monotônicas estímulo-resposta, tanto para a dimensão intensidade quanto para o desprazer da dor. Ademais, os dados resultantes das duas técnicas foram praticamente indistinguíveis quando mensurando a dimensão intensidade sensorial da dor. Contrastando com as similaridades observadas para a dimensão intensidade, as escalas de descritores verbais parecem ser mais sensíveis do que as escalas de estimativas numéricas, ou mesmo das escalas de emparelhamento intermodal, em revelar diferenças entre a intensidade e o desprazer da dor experimental. Na maioria das vezes, enquanto as escalas de estimativas numéricas ou de emparelhamento mostram apenas uma tendência na direção de distinguir diferenças nas estimativas de intensidade e de desprazer, as escalas de descritores verbais revelam um efeito altamente significativo. Ao lado disso, as escalas de descritores verbais demonstram que a diferença entre as duas dimensões da dor é muito maior nos níveis mais altos de estimulação do que nos níveis mais baixos. Portanto, esta diferença entre as duas dimensões da dor é mais bem capturada quando esta é mensurada através das escalas de descritores verbais. Em outras palavras, os descritores verbais, sensoriais e afetivos de dor podem ser usados como um instrumento válido e sensitivo para a avaliação e métodos de controle da dor.
Psicofísica da dor relembrada
Num experimento típico, aos observadores são apresentados estímulos aos quais eles devem aprender a associar nomes (ou cores ou qualquer ouro tipo de rótulo). Algum tempo depois, ao observador é apresentado o nome, o rótulo e lhe é solicitado julgar a magnitude do estímulo referente de memória. Estimativas de magnitude podem ser usadas para os julgamentos das magnitudes relembradas (Da Silva et al., 1988). Por exemplo, Algom e Lubel (1994) solicitaram a alguns grupos de mulheres para estimarem a dor das contrações durante o trabalho de parto e a outros grupos adicionais para estimarem a dor das contrações do trabalho de parto a partir da memória. Na condição perceptual, cada mulher julgou a intensidade da dor sentida em cada uma dentre 5 contrações selecionadas pelo experimentador (naturalmente, um diferente conjunto de contrações com cada mulher). As intensidades das contrações uterinas selecionadas e julgadas foram biometricamente mensuradas (pressão intrauterina em mmHg). As magnitudes das estimativas de dor das mulheres foram projetadas em função do pico de pressão de suas contrações uterinas. As escalas de dor individuais ajustaram-se perfeitamente a uma função de potência. O expoente médio foi igual a 1,39, indicando que para uma contração ser percebida como duas vezes mais dolorida que uma outra, sua intensidade necessitaria ser aproximadamente 1,64 vez maior. Claramente, a dor das contrações do trabalho de parto cresce numa taxa mais rápida do que a intensidade da pressão do estímulo que gera a dor.
Na condição mnemônica, cada mulher foi solicitada a associar cores, apresentadas em grandes cartões, com cada uma das cinco contrações uterinas durante o trabalho de parto. Após 8, 24 e 49 horas após o momento do parto, a mulher foi, novamente, apresentada com as cores e solicitada a fazer estimativas de magnitude da dor que ela relembrava estar associada com cada cor. As funções psicofísicas de memória também foram razoavelmente ajustadas por funções de potência com expoentes médios de 1,63, 2,0, e 1,75, respectivamente para a dor relembrada 8, 24 e 48 horas após o parto. Notável é a dependência da dor relembrada da intensidade do estímulo irritante. As dores relembradas conectam-se ao estímulo original através da mesma relação, transformação de potência, tal como ocorre com as dores percebidas. Notável, também, são os diferentes expoentes. Aqueles que governam a dor relembrada são maiores do que aqueles governando a dor percebida (1,39). As funções para a magnitude da sensação de dor percebida e relembrada estão representadas na Figura 12.
Figura 12. Funções psicofísicas das magnitudes de dor relembrada e de dor percebida de diferentes intensidades de contrações uterinas mensuradas em mmHg.
Por que a dor relembrada cresce numa taxa mais rápida do que a taxa para a dor percebida? A função psicofísica muito expansiva para dor relembrada pode incluir um sistema avançado de alerta em que a dor relembrada engatilha a retirada e outras ações com a intenção de evitar danos posteriores a uma parte do corpo que já teve lesão e dor.
Além disso, a psicofísica da dor pode também servir para resolver questões teóricas de interesse geral. Tem sido geralmente encontrado que os expoentes para estímulos relembrados são menores do que aqueles pra estímulos percebidos (Algom, 1992; Da Silva et al., 1988). Por exemplo, a área percebida relaciona-se à área física por uma função de potência com um expoente de 0,64, enquanto a área relembrada relaciona-se à área física por uma função de potência com um expoente de 0,46. Duas hipóteses têm sido propostas para explicar este achado. De acordo com a hipótese reperceptual, a intensidade do estímulo é primeiramente transformada numa magnitude de sensação de acordo com a função de potência de Stevens. Assim,
R = a*Eb
em que R é a magnitude da sensação (resposta) e E é a intensidade do estímulo. A constante a é a constante de mensuração e b é o expoente. Para memória, a mesma transformação é aplicada novamente, mas agora ela atua sobre os valores transformados de R em vez dos valores físicos dos estímulos E. Assim,
M = a`*Rb
em que M é a respectiva magnitude mnemônica, e a` tem o mesmo significado que a. Substituindo o termo igual a R da equação perceptual no R da equação mnemônica, temos
M = A*Eb2
em que A é um novo fator escalar. Portanto, a hipótese reperceptual prediz que o expoente para memória será igual ao quadrado do expoente perceptual. Realmente, para área, o expoente de memória (0,46) é próximo do quadrado do expoente perceptual (0,64).
De acordo com a hipótese alternativa, a hipótese de incerteza ou modelo da tendência central de julgamento, como às vezes ela é denominada na literatura, os observadores vivenciam uma maior incerteza ao fazerem julgamentos de memória do que nos julgamentos perceptuais. Eles comprimem a amplitude de suas estimativas numéricas ou ampliam a amplitude efetiva dos estímulos físicos, resultando ambas na redução do expoente. A Figura 13 representa esquematicamente as predições dos expoentes da função potência para julgamentos perceptuais e mnemônicos baseados na hipótese de incerteza ou modelo de tendência central de julgamento.
Figura 13. Predições das inclinações (expoentes) da função de potência baseadas no modelo de tendência central de julgamento (hipótese de incerteza). O Painel A representa uma compressão das estimativas de magnitude numéricas e o Painel A representa uma compressão da amplitude dos estímulos físicos.
Como decidir entre as duas hipóteses? Ambas as teorias predizem expoentes mnemônicos menores para as dimensões perceptuais que são governadas por expoentes menores que a unidade, os fenômenos geralmente observados. Todavia, diferentes predições existem apenas para dimensões que são caracterizadas por expoentes perceptuais maiores que a unidade. Para tais dimensões expansivas, as predições diferem. A hipótese reperceptual prediz um expoente de memória maior, enquanto a hipótese de incerteza prediz um menor independente do que acontece em percepção. Na Figura 14, estão representados valores esperados dos expoentes mnemônicos das funções psicofísicas para dimensões perceptuais caracterizadas por expoentes iguais, maiores e menores que a unidade (1,0).
A rigor, o estudo de Algom e Lubel (1994), que investigou funções psicofísicas para a magnitude da sensação de dor relembrada e percebida do trabalho de parto, incluiu um experimento crítico necessário para a resolução teórica. Consistente com a hipótese reperceptual e inconsistente com a hipótese de incerteza, os expoentes para as funções psicofísicas de memória foram encontrados como sendo maiores que aquele para a função psicofísica perceptual.
Figura 14. Valores dos expoentes esperados das funções psicofísicas de potência para estimativas numéricas de memória e perceptivas, para dimensões perceptuais caracterizadas com expoentes iguais, menores e maiores que a unidade. No Painel A estão as predições baseadas na hipótese reperceptual e no Painel B, as predições baseadas na hipótese de incerteza.
Assim, embora a psicofísica da dor focalize principalmente a percepção da dor concorrente, tal como atestado pela vasta maioria dos estudos publicados, o escopo da dor é muito mais amplo e certamente deve incluir a dor relembrada. Na clínica, frequentemente a memória da dor referente é a única coisa disponível. Mesmo quando a dor persiste, a memória da dor fornece uma informação médica valiosa. Por exemplo, quando você primeiro percebeu esta dor?. Você sentiu dor ontem?. Se sentiu, quão intensa ela era?. Em suma, a psicofísica da memória da dor é certamente um campo de investigação promissor para os estudiosos da dor.
Para entender as múltiplas facetas da dor, incluindo atributos mnemônicos, sensoriais, cognitivos, afetivos, emocionais e motivacionais da experiência de dor, devemos, portanto, fazer uso de escalonamentos multivariados (ver detalhes em Da Silva & Ribeiro-Filho, 2006).
Recebido em: 21/10/2010
Aceito em: 29/11/2010
José Aparecido da Silva, Departamento de Psicologia e Educação, Universidade de São Paulo, Campus Ribeirão Preto. Endereço para correspondência: Av. dos Bandeirantes, 3.900. CEP: 14040-901, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Endereço eletrônico: jadsilva@ffclrp.usp.br
Nilton Pinto Ribeiro-Filho, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência: Av. Pasteur, 250 CEP: 22290-902, Praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço eletrônico: niltonprf@uol.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Mar 2011 -
Data do Fascículo
2011
Histórico
-
Recebido
21 Out 2010 -
Aceito
29 Nov 2010