Acessibilidade / Reportar erro

Real Feitoria do Linho Cânhamo: da diversificação econômica aos desafios produtivos (1783-1824)* * Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n. 442641/2023-0 / n. 201016/2024-9.

Royal Factory of Hemp Linen: from economic diversification to manufacturing challengesThe Real

Resumo

A Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC) foi resultado de uma política do Estado português que visava a produção de uma matéria-prima essencial para os impérios ultramarinos da época. Neste trabalho, a trajetória administrativa deste estabelecimento é compreendida dentro da organização administrativa do Estado português, sem deixar de dialogar com os poderes locais. Para isso, foram consultados documentos da RFLC, do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, dos governadores locais, do Conselho Ultramarino e dos Secretários de Estado da Marinha e Ultramar. A análise destes documentos revela que a administração da RFLC esteve subordinada a um conjunto de instituições públicas e privadas. Ao final, conclui-se que essas instituições limitaram o poder dos inspetores, relegando-os mais a um papel de adjuvantes do que de administradores capazes de fomentar o projeto em torno da RFLC.

Palavras-chave
Brasil; Portugal; Cânhamo; Real Feitoria do Linho Cânhamo; História econômica.

Abstract

Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC) was the result of a Portuguese State policy in order to produce an essential raw material for the overseas empires of the period. In this paper, the administrative trajectory of this establishment is primarily addressed considering the administrative organization of the Portuguese State, but also considering the local authorities. For this purpose, the present work is based on documents produced by the RFLC administration, by the Viceroy Luís de Vasconcelos e Sousa, by the Governors of the Captaincy, by the Overseas Council and by the Secretaries of State for the Navy and Overseas. The analysis of these documents reveals that the administration of the RFLC was subordinated to both public and private institutions, limiting the power of the inspectors and relegating them to a role of adjuvants other than of administrators capable to develop into a project for the RFLC.

Keywords
Brazil; Portugal; Hemp; Real Feitoria do Linho Cânhamo; History of economics.

Introdução

O êxito da globalização durante a era moderna esteve atrelado à utilização de uma vasta gama de recursos em escala planetária. Nesse contexto, o cânhamo desempenhou um papel significativo na lenta e progressiva integração dos mercados mundiais, por ser uma matéria-prima essencial na tecnologia militar e na produção de cordoarias e velas de navios (Contreras, 1974CONTRERAS, Ramóm Maria Serrera. Cultivo y manufactura de lino cánãmo en Nueva Espanã. Sevilla: Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, 1974.; Díaz-ordóñez, 2016DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. La comisión del cáñamo en Granada. Sustituir la dependencia báltica como estrategia defensiva del Imperio español en el siglo XVIII. Vegueta, n. 16, p. 93-123, 2016.; Hashim, 2017HASHIM, Nadra O. Hemp and the global economy. The rise of labor innovation and trade. Lanham: Lexington Books, 2017.; Hoffman, 2017HOFFMAN, Philip T. Why did Europe conquer the world? Princeton: Princeton University Press, 2017.; Vries, 2015VRIES, Peer. State, economy and the great divergence: Great Britain and China, 1680s-1850s. New York, London: Bloomsbury Academic, 2015.), a tal ponto que algumas estimativas indicam que as embarcações marítimas europeias utilizavam mais de 300 mil toneladas só para a primeira armação, sem contar as reposições conforme o desgaste do tempo (Díaz-Ordóñez, 2009DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Amarrados al negocio: reformismo borbónico y su ministro de Jarcia para la Armada Real (1675-1751). Madrid: Ministerio de Defesa. Secretária General Tecnica, 2009.).

Ao se tornar um recurso decisivo para os impérios europeus em ascensão, os governos da Inglaterra Espanha e de Portugal buscaram reduzir sua dependência do principal produtor da época, o império Russo, e aumentar sua autossuficiência, fomentando sua produção em solos metropolitanos e coloniais (Díaz-Ordóñez, Hernández, 2021DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Cannabis Yarn in the Spanish and English Empires. Different Policies, but the Same Results? War & Society, 2021.; Díaz-Ordóñez, 2018DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Radiografía de un fracaso angloespañol: el cáñamo, un producto que debería de haber llegado de América durante los siglos XVI-XIX. Obradoiro de Historia Moderna, v. 27, p. 263-289, 2018.; Crespo Solana, 2007CRESPO SOLANA, A. El comercio holandês y la integrácion de espacios económicos entre Cadiz y el Báltico em tiempo de guerra (1699-1723). Investigaciones de Historia Económica, v. 3 n. 8, p. 45-76, 2007., Goodman, 2001).

Em particular, a Coroa portuguesa tentou por diversas vezes estabelecer a agricultura de cânhamo em sua colônia do Brasil, com experiências que iniciaram em 1716 e perduraram por mais de um século1 (1) Para citar exemplos, em 1716 a coroa incentivou a produção de cânhamo na Colônia de Sacramento; em 1747, na Ilha de Santa Catarina; em 1750, na Capitânia do Maranhão e Pará; em 1780, na Capitania do Maranhão e Piauí, na Capitania da Bahia e no Estado do Pará e Rio Negro; em 1782 no Rio Grande de São Pedro, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro; e em 1785 na Capitania de Pernambuco. Em 1790, a Fazenda de Santa Cruz voltou parte de sua produção para a agricultura de linho cânhamo (Rosa, 2020). . Em uma dessas tentativas, a própria Coroa fundou, em 1783, no Rincão de Canguçu, um estabelecimento voltado exclusivamente à produção deste produto estratégico, a Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC), inserida dentro da política do estado português (Miranda, 2010) e da política mercantilista. De maneira geral, esse estabelecimento produzia em um regime de plantation (Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.) e buscava a extração de uma matéria-prima importante para a manutenção dos impérios coloniais.

A despeito da importância que cânhamo representava para o império português no momento da criação da RFLC, o artigo constata que, por um lado, a tentativa de produzir cânhamo em solo colonial foi uma política consistente, mesmo quando a coroa proibiu a produção de manufaturas em solo colonial e manteve os incentivos para a produção de cânhamo na RFLC. Por outro lado, o artigo investiga a trajetória administrativa da RFLC analisando como essas políticas de fomento foram aplicadas na RFLC. Nesta perspectiva, o artigo avança sobre a dimensão administrativa com foco nos agentes metropolitanos e coloniais envolvidos neste projeto, ou seja, nos interesses e nas relações entre a Metrópole, os Vice-reis, os governadores locais e os agentes internos da feitoria. Logo, o trabalho considera a estrutura e o funcionamento da RFLC dentro da governança portuguesa e analisa as relações de força desses agentes circunscritos neste empreendimento.

Em face desses apontamentos, o artigo analisa, por um lado, a produção de cânhamo da RFLC a partir de uma perspectiva de um sistema amplo, mais próximo de uma história global. Por outro lado, se concentra em perspectiva regional, ou seja, a trajetória administrativa da RFLC. Isso porque a produção de cânhamo tanto se caracteriza como um recurso estratégico para os impérios coloniais, como pode ser compreendida a partir de uma realidade específica de sua produção, fornecendo elementos para compreender uma dada dimensão local. Assim, esta pesquisa tanto reflete sobre a governança portuguesa na colônia a partir de Souza (1990SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1990.; 2006SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2006.) como a análise é deslocada do micro para o global e vice-versa, tal como já articulado por Wallerstein (1974WALLERSTEIN, Immanuel. The modern World-System: capitalist agriculture and the origins of the Euporean World-Economy in the Sixteenth Century. New York & London: Academic Press, 1974., 1996WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema mundial moderno: o mercantilismo e a consolidação da economia mundo europeia (1600-1750). Porto: Edições Afrontamento, 1996. v. II.) e mais recentemente por Jan de Vries (2019VRIES Jan de. Playing with Scales: the global and the micro, the macro and the nano. Past & Present, v. 242, Issue Supplement 14, p. 23-36, Nov. 2019.), considerando que esses espaços não são rivais necessariamente, mas que podem fazer parte do mesmo empreendimento.

Tais questões são abordadas a partir da análise de documentos produzidos pela administração da RFLC, custodiados pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS), e reunidos em um maço único. Ainda no tocante às fontes primárias, o texto também se baseia em documentos da RFLC disponíveis no Projeto Resgate, mais especificamente no Fundo do Conselho Ultramarino2 (2) Disponível gratuitamente em: https://resgate.bn.br. . O relatório de sucessão ([1789], 1860SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.), produzido pelo vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa (1779-1790), que informa seu sucessor sobre a criação e o estado da RFLC até aquele momento, também fornece um aporte ao trabalho. Durante a análise, os recortes temporais e espaciais foram delimitados a partir da própria trajetória da RFLC, ou seja, desde sua criação e subsequente instalação no Rincão de Canguçu, em 1783, posterior transferência para o Faxinal do Courita, em 1798 e, por fim, sua extinção em 1824, quando foi transformada em colônia agrícola destinada a imigração alemã.

De modo geral, a análise desses documentos permite a um só tempo contribuir com o estudo sobre a administração da RFLC e o debate sobre a administração do Império português. Nesse sentido, o artigo revela a complexa gama de conflitos e negociações que enredou os agentes envolvidos, tanto em relação às orientações dos membros superiores da coroa, quanto à atuação dos agentes locais, aqueles que ficavam na ponta responsáveis pela produção e pelo andamento da RFLC.

A Real Feitoria na trama da administração colonial

A criação da RFLC está atrelada a um contexto mais amplo: tanto a expansão dos impérios ultramarinos quanto a própria reorganização administrativa e produtiva do império português. Nesse sentido, no último quartel do século XVIII, Portugal enfrentava uma série de problemas econômicos que colocava em risco a sobrevivência do próprio Império. Nesse contexto, a política econômica de Martinho de Mello e Castro e D. Rodrigo de Souza Coutinho buscava a modernização via esforço manufatureiro da Metrópole e via diversificação da produção agrícola na colônia do Brasil, visando a constituição de um império luso-brasileiro próspero a fim de garantir seu espaço dentro do circuito internacional de comércio (Pesavento, 2009PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade dos Setecentos. Tese (Tese em História)-Programa de Pós-Graduação em História da Universidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.; Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005., Wehling, 2009WEHLING, Arno. Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Instituto Histórico do Rio Grande do Sul, 2009.; Azevedo, 2018AZEVEDO, Dannylo de. O fazendeiro do Brasil: manuais agrícolas no Brasil colonial em finais do século XVIII. Dissertação (Dissertação em História)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

A partir de uma perspectiva interna, Lobo (1978)LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1978. v. 1. e Pesavento (2009)PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade dos Setecentos. Tese (Tese em História)-Programa de Pós-Graduação em História da Universidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. sugerem que o investimento em culturas como o cânhamo estava atrelado ao fato de que essa matéria-prima era utilizada internamente na produção de cordoarias. Segundo os autores, nos estaleiros cariocas, um espaço que acomodava um conjunto de portos privados e oficiais, o cânhamo era um produto cada vez mais necessário, sobretudo em um momento que crescia a participação de comerciantes baianos e cariocas na produção de embarcações marítimas utilizadas no tráfico negreiro.

De certa forma, essa conjuntura interna também deu impulso à cultura do cânhamo em solo colonial3 (3) A produção de cânhamo era um projeto antigo da Coroa portuguesa em solo colonial: desde 1716, ano em que a Corte enviou as primeiras sementes de linho cânhamo para serem produzidas por colonos particulares residentes na colônia, sem, contudo, alcançar os resultados esperados (Rosa, 2020). , sendo incentivada, sobretudo, nos governos de Marquês de Lavradio (1769-79), de Luís de Vasconcelos (1779-90) e de Conde de Resende (1790-1801), que realizaram empenhos para o desenvolvimento dessa produção (Pesavento, 2009PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade dos Setecentos. Tese (Tese em História)-Programa de Pós-Graduação em História da Universidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.; Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.; Mota, 2008MOTA, Antonia da Silva. Estrangeiros fazem fortuna no Maranhão Pombalino. Mneme - Revista de Humanidades, v. 9, n. 24, set./out. 2008., Rosa, 2020ROSA, Lilian. Considerações sobre a organização produtiva da Real Feitoria do Linho Cânhamo (1783-1824). In: CONGRESSO DE HISTÓRIA ECONÔMICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA DA USP, 11, 2020, São Paulo. Anais Digitais... p. 439-454.). O relatório de sucessão do Vice-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB) em 1960, permite aprofundar a compreensão em torno desses esforços.

Em seu relatório, Luiz de Vasconcelos e Sousa detalhou seu empenho para adquirir uma quantidade de sementes de boa qualidade (seis alqueires e uma quarta de sementes) dos domínios espanhóis (enviadas do Chile por intermédio de um Comissário português em Buenos Aires). Em posse de tais sementes, e em nome de vossa majestade, o vice-rei então sancionou a Carta Régia de outubro de 1783 para fundar a Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC), no rincão de Canguçu, distrito de Rio Grande, na estremadura da América portuguesa. De acordo com o documento, o estabelecimento visava garantir maior controle sobre essa produção e solucionar uma demanda constante do reino (Sousa, [1789], 1860SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.).

Esses argumentos que sustentavam a criação da RFLC estavam presentes em outros documentos oficiais. Em um ofício de 1784, por exemplo, o vice-rei relatou ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar suas medidas para promover o cultivo e o comércio de linho cânhamo. De acordo com o ofício, a criação da RFLC visava atender às repetidas solicitações de Sua Majestade acerca da necessidade de produção de cânhamo em solo colonial (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983, 1784Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 2 jan. 1784.), indicando que o vice-rei legitimava suas ações por meio de uma narrativa de defesa desses interesses. Aparentemente, a criação da RFLC foi, mesmo, uma ação individual do Vice-rei, mas dentro da conjuntura do fomentismo português.

Em relação à administração colonial, Laura de Mello e Souza (1990SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1990.; 2006SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2006.) entende que o mando e a administração portuguesa na colônia do Brasil foram constituídos ao sabor da conjuntura e das atuações individuais dos sujeitos envolvidos que, embora obedecessem às normas e às determinações emanadas do centro de poder, muitas vezes as recriavam na prática cotidiana. Nesta perspectiva, a RFCL, inserida na complexa estrutura administrativa e governativa da própria coroa portuguesa, enquadra-se nessa lógica defendida por Carvalho, em que os administradores locais remodelavam muitas dessas práticas de governança a seu modo e viés. Logo, os argumentos e ações do vice-rei podem ser interpretados a partir desses meandros da administração colonial.

Em relação à RFLC, o vice-rei tentou realizar uma política centralista. Nos primeiros anos de sua existência, era ele quem nomeava os inspetores e demais trabalhadores livres. Suas escolhas não dependiam de consulta ou aprovação de qualquer órgão superior, tal como acontecia com os cargos de prestígio - as nomeações de governadores, por exemplo. Ou seja, inicialmente, o vice-rei tinha uma influência direta sobre a feitoria. Por outro lado, reportava à coroa, por meio de documentos oficiais, todos os pormenores: desde a produção até o cotidiano dos funcionários. Após 1808, as indicações para o cargo foram realizadas por funcionários da Repartição da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e o inspetor era nomeado diretamente pelo Príncipe Regente.

Como dito anteriormente, enquanto empreendimento colonial, a RFLC se insere dentro do quadro geral da política econômica portuguesa que, neste período, visava a produção de produtos estratégicos, a centralização de poder, o controle da produção e o controle político da colônia (Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005., Wehling, 2009WEHLING, Arno. Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Instituto Histórico do Rio Grande do Sul, 2009.). Dentro dessa lógica, a RFLC estava sujeita a um conjunto de normativas impostas pela coroa. Contudo, como tratado adiante, nem todas as decisões tomadas pela coroa acerca da produção colonial afetaram a RFLC.

Este é o caso do alvará assinado por D. Maria I, em 5 de janeiro de 1785, que proibia o estabelecimento de fábricas, manufaturas ou teares que visavam a produção de tecidos finos produzidos a partir de matéria-prima como o Algodão, a Lã, a Seda ou o Linho, sob pena de confisco dos instrumentos e das fazendas nas quais fossem encontrados (Arquivo Nacional, 1785ARQUIVO NACIONAL. Alvará de d. Maria I que proíbe o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Coleção Junta da Fazenda da província de São Paulo 5 de janeiro de 1785, Lisboa.). Entre as matérias-primas proibidas, destaca-se o Linho (Linum usitatissimum L.), cuja utilização têxtil era voltada à produção de tecidos finos, embora também pudesse ser utilizado na produção de estopas (Oliveira et al., 1978OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim Enes. Tecnologia tradicional portuguesa: o linho. Lisbon, Portugal: Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos de Etnologia, 1978. v. 1.). Deste modo, a proibição não se aplicava ao linho cânhamo, do gênero Cannabis, utilizado na produção de tecidos mais rústicos como sacarias, cordas e velas de navios. Portanto, do ponto de vista legal, o Alvará de 5 de janeiro de 1785 não se estende à produção da RFLC. Ademais, essa produção ocorria em caráter experimental e precisava de fomento do próprio Estado português.

Por outro lado, embora o alvará não mencionasse o linho cânhamo entre os recursos proibidos, o vice-rei Luiz de Vasconcelos e Sousa se atentou para a questão das manufaturas têxteis no momento em que criou a RFLC. Dois anos antes do referido Alvará, em 1783, por meio de uma carta de instruções ao inspetor, o vice-rei comunicava que o estabelecimento concentraria esforços no plantio e na produção de cânhamo in natura. Instruía que, enquanto vossa majestade não determinasse o contrário, de nenhum modo se poderia formar fábricas de cordoaria ou de tecidos, apenas poderia fazer algumas experiências com o intuito de conhecer a qualidade da fibra, e a que grau de perfeição poderia ser levada. Sob esta rigorosa proibição, nas palavras do Vice-rei, o cânhamo devia ser colhido e, em seguida, transportado, a cargo do governador da Capitania, para a capital Rio de Janeiro, em ramas bem acondicionadas para evitar danos (AHRS, Maço RFLC. Cópia de ofício do vice-rei. 1783Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS). Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC). Maço único.).

Embora o objetivo da RFLC não fosse o de constituir uma fábrica de cordoarias e de tecidos, um ofício do vice-rei Luiz de Vasconcelos e Sousa indica que, ainda sob o seu governo, o estabelecimento de fato realizou experiências de maceração: 35 dias após a sanção do Alvará de 15 de fevereiro de 1785, o Brasil remeteu para a Real Cordoaria em Portugal 3 volumes de cânhamo macerado4 (4) Etapa que inicia o processo de separação de talos, galhos, folhas e o caule da fibra. , para que sua qualidade fosse testada. Esse mesmo ofício ainda informa que a RFLC recebeu um pequeno engenho, enviado do Rio de Janeiro, para agilizar a produção e preparar o restante do linho colhido antes de encaminhá-lo à Corte (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024, 1785Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.). Além disso, nos anos seguintes, a colônia continuou enviando cânhamo macerado e até mesmo estopa para que a Real Cordoaria testasse a qualidade e emitisse um parecer acerca do cânhamo da RFLC (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 3, D. 282, 1793Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 3, D. 282. 10 out. 1793.).

Em relação a essas experiências, um documento produzido em 1798 pelo Inspetor da RFLC, Antônio Sarmento, visando “instruir os cultivadores” sobre os procedimentos relacionados ao cultivo, à colheita e ao beneficiamento das ramas, revela como o procedimento de maceração de cânhamo era feito: após a colheita, as ramas secas eram amarradas em feixes e, na sequência, ficavam de molho em água corrente por cerca de 4 a 8 dias - a depender da temperatura da água - até que estivessem em condições ideais para separar a casca das substâncias (fios ou goma) (AHRS, Maço RFLC. Instrução aos cultivadores. 1783Real Feitoria do Linho Cânhamo. Cópias de ofício do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa. Maço único. 27 jul. 1783.). Além disso, outro documento, este datado de 15 de novembro de 1797Real Feitoria do Linho Cânhamo. Produção da RFLC entre 1785 e 1795 remetida ao Armazém Real. Maço único. 15 nov. 1797., e produzido pelo mesmo Inspetor, reforça a hipótese de que havia certa regularidade na produção de cânhamo em rama e até mesmo em estopa. Como exemplo, a Tabela 1, abaixo, revela as quantidades de cânhamo em diferentes estágios remetidas da RFLC para os Armazéns Reais, entre 1785 e 1795. Assim, esses dados, por revelar um aspecto de praxes e não de experimento, sugere que os objetivos da RFLC iam além das justificativas oficiais do Vice-rei, as quais, como mencionado há pouco, resumia o estabelecimento a um centro produtor de cânhamo in natura (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 1784Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 2 out. 1784.; Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.; Oliveira, 2014OLIVEIRA, Julio Cesar. Fibra de linho num palmo de terra: a ocupação das terras da feitoria do linho cânhamo. História Unicap, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014.).


Produção da RFLC entre 1785 e 1795 remetida ao Armazém Real (em arrobas)

Nesta mesma época, em 1790, a coroa ainda financiou o envio de dois lavradores experientes, Manoel Rodrigues e Francisco Pires, para trabalharem na RFLC e auxiliarem na produção. Ambos ficaram sob as ordens de Rafael Pinto Bandeira, governador interino da Capitania5 (5) Dada a ausência do governador titular Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara. , uma vez que este esteve em Lisboa e, naquele mesmo ano, visitou a Real Cordoaria. Durante a visita, o governador teve a oportunidade de ouvir e presenciar saberes sobre a produção de cânhamo, e foi incumbido de coordenar os referidos lavradores (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 136\Doc. 10739. 1790)

Além disso, curiosamente, os manuais de produção de cânhamo enviados à colônia (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 1785Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.) reforçam que os incentivos para produzir linho cânhamo, no fundo, traziam consigo informações completas e detalhadas sobre o processo de manufatura. Esses manuais eram cópias produzidas em outros impérios - sobretudo França, Itália e Inglaterra -, traduzidas para o português e, posteriormente, encaminhados para a Colônia a fim de promover o estímulo da cultura a partir de técnicas já aplicadas em outros lugares. Esses manuais continham instruções simples, claras e objetivas sobre o preparo do solo, o plantio, a colheita e o processo de manufatura, ensinamentos para que os agricultores aprimorassem suas técnicas de cultivo e produção6 (6) O processo de produção do cânhamo, dividido entre o plantio e a manufatura, era mais difícil do que a maioria das fibras utilizadas para a produção de tecidos. Além disso, era extremamente trabalhoso e exigia quantidade significativa de trabalhadores (Pomeranz, 2000). , de forma a executá-las com os aportes científicos ligados aos princípios da filosofia natural das luzes (Azevedo, 2018AZEVEDO, Dannylo de. O fazendeiro do Brasil: manuais agrícolas no Brasil colonial em finais do século XVIII. Dissertação (Dissertação em História)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Ou seja, embora a coroa proibisse o beneficiamento de têxteis, é fato que os manuais continham as diversas etapas de manufatura, incluindo a transformação da fibra em tecido, e eram enviados sob a justificativa de que produtores aprendessem todas as etapas do processo produtivo (Marcandier, 1799MARCANDIER. Tratado sobre o cânhamo. Lisboa: Na Of. de Simão Thaddeo Ferreira, 1799.; Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 173\Doc. 12813. 1799Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 173\Doc. 12813. 28 ago. 1799.).

De certa forma, a análise documental aponta até aqui uma dubiedade em torno dos incentivos à RFLC. Se por um lado a coroa reforçava o caráter de produção colonial para o fornecimento de matéria-prima à metrópole, nos ditames do pacto colonial, por outro lado a mesma coroa afrouxava essas regras ao incentivar o avanço do desenvolvimento manufatureiro do linho cânhamo, sobretudo com envio de técnicos especializados e manuais de produção.

Trajetória e organização administrativa

Como visto acima, a Carta Régia de outubro de 1783 sancionou a criação da RFLC, no Rincão de Canguçu. Na ocasião, para dar início ao empreendimento, o vice-rei disponibilizou ferramentas de trabalho, um conto de réis em dinheiro e um cofre com 3 chaves. Embora a produção de cânhamo fosse a atividade principal, o vice-rei estabeleceu que a feitoria deveria também produzir a subsistência de seus residentes através do plantio de milho, mandioca e feijão, assim como, promover a criação de bovinos para a alimentação e a produção de couros e de equinos para ajudar nos trabalhos (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento 1798Real Feitoria do Linho Cânhamo. Relatório produzido pelo Inspetor Antonio José Machado Moraes Sarmento. 20 fev. 1798.). Além disso, o vice-rei determinou que as despesas não relacionadas ao pagamento de mão de obra ficassem sob a responsabilidade do comerciante José Dias da Cruz, com a justificativa de que a burocracia da Provedoria do Rio Grande e da Fazenda Real inviabilizasse o rápido repasse de recursos financeiros. Nessas circunstâncias, o vice-rei acordou o fornecimento de suprimentos e a venda de couros com o referido comerciante, esta última para suavizar uma parte das despesas (Sousa, [1789] 860). Assim, a RFLC nasceu atrelada à conduta de agentes e instituições do Estado, mas também aos interesses privados, aparentemente. Sistema vigente até o final do século XVIII, quando os frequentes atrasos dos repasses do dinheiro por meio do Real Erário levaram a abolição do contrato e a integração da RFLC à estrutura fazendária da Capitania (Wehling, 1976WEHLING, Arno. Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande de São Pedro. In: SIMPÓSIO COMEMORATIVO DO BICENTENÁRIO DA RESTAURAÇÃO DO RIO GRANDE (1776-1796). Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1976. Anais..., Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.).

Nomeado como primeiro inspetor, o padre Francisco Xavier Prates partiu do Rio de Janeiro para o rincão de Canguçu acompanhado do especialista na produção de cânhamo Antônio Gonçalves de Pereira Faria, do Sargento almoxarife escriturário José Joaquim Rodrigues, de 20 casais de escravizados oriundos da Real Fazenda de Santa Cruz, e de quatro soldados do Regimento de Bragança, com alguma experiência no cultivo de cânhamo, que foram designados como feitores (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento,1798).

De maneira geral, o funcionamento da RFLC exigia um variado contingente de trabalhadores. Dentre esses, os escravizados eram direcionados a cumprir tarefas especializadas em um modelo de plantation (Menz, 2015). Além da mão de obra cativa, havia ainda dois tipos de trabalhadores livres. O primeiro tipo se caracterizava pelo vínculo temporário7 (7) Em geral, indígenas ou lavradores da região que eram contratados quando a mão de obra escravizada não era suficiente para realizar as tarefas em determinados períodos. para executar atividades pontuais na lavoura de cânhamo (Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.; Rosa, 2021), ou para conter conflitos emergentes dentro da escravaria da RFLC. Para este último caso, se tratavam de integrantes do Destacamento policial.

O segundo tipo de mão de obra livre se caracterizava pelo vínculo empregatício com a coroa. Entre os principais estavam o capelão, responsável pelos ofícios religiosos, o cirurgião, pelos escravos doentes, e o almoxarife escriturário, pelo controle das matérias-primas e do armazenamento dos produtos. Em geral, esse grupo ocupava funções que exigiam habilidades como o domínio da escrita, da leitura e da matemática. Ainda entre os trabalhadores livres figuravam o capataz, os feitores e os sota-feitores, que não precisavam dominar a escrita. O capataz era responsável pelos rebanhos e campos enquanto os feitores por todas as questões relacionadas à escravaria - inclusive dar ordens aos seus sota-feitores subordinados, que garantiam a organização e a vigia dos escravos (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento,1798).

Neste quadro de trabalhadores permanentes, o inspetor ocupava o cargo de maior prestígio, por ser uma espécie de administrador da RFLC. Contudo, ele prestava contas ao vice-rei e ao governador da Capitania, que realizava o papel de supervisor ou executor das ordens Reais (Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.). O inspetor coordenava seus subordinados e era o responsável superior pela produção de cânhamo, bem como pela manutenção da vida de todos os residentes no estabelecimento.

A origem social dos inspetores da RFLC pode ser considerada modesta. Em geral, pertenciam a uma zona social intermediária entre o estrato popular propriamente dito e as camadas mais baixas da terra, que normalmente ocupavam os cargos de maior prestígio no serviço público. O indivíduo que chegava ao cargo de inspetor já desempenhava alguma atividade no serviço público e era então indicado para o cargo de inspetor.

O primeiro inspetor da RFLC foi o padre Francisco Xavier Prates que, antes de assumir a vaga, era professor de Filosofia no Mosteiro de São Bento e no Convento de Santo Antônio, ambos no Rio de Janeiro (Sousa, [1789] 1860SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.; Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 1784Projeto resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 2 out. 1784.). Ele foi escolhido pelo vice-rei por ter nascido no extremo Sul da América portuguesa e por seus conhecimentos em várias áreas. A expectativa do vice-rei em torno de Prates era de que este conhecia a dinâmica regional e, por conta disso, solucionaria mais facilmente os possíveis problemas locais onde a feitoria foi instalada (Projeto resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 1784Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983. 2 out. 1784.).

Entretanto, logo que chegou em Canguçu, o Inspetor adoeceu e veio a falecer em julho de 1784. No ínterim de sua moléstia, e posteriormente à sua morte, também por ordem do vice-rei, a RFLC ficou sob os cuidados do governador da Capitania, o coronel Rafael Pinto Bandeira, que permaneceu na administração até 16 de outubro de 1784, quando o vice-rei nomeou um novo inspetor, Francisco Xavier da Cunha Pegato, então ajudante do Primeiro Terço Auxiliar do Rio de Janeiro (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento.1798). Nesse sentido, não era, portanto, um desconhecido do Vice-rei. Tais acontecimentos foram descritos de forma minuciosa em relatório do vice-rei encaminhado para o Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, em 15 de fevereiro de 1785 (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 1785Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.), cerca de quatro meses após suas decisões.

Pegato tomou posse em 26 outubro de 1784 e, de modo geral, durante a sua administração, escreveu relatórios que reclamavam das condições do solo em Canguçu e que sugeriam mudá-la para outro local. Ele permaneceu no cargo até o ano de 1787, quando se ausentou para cuidar de problemas de saúde. Com o seu afastamento, em 7 de setembro daquele ano, foi nomeado um terceiro inspetor, o Pe. Antonio José Machado Moraes Sarmento, que tomou posse em janeiro de 1788. Sarmento exerceu o cargo de inspetor da feitoria concomitante ao de Comandante da Aldeia dos Anjos, acumulando assim duas funções representativas dentre os empreendimentos considerados importantes para o Estado Português (Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.). Uma de suas primeiras ações foi justamente dar sequência às reivindicações de Pegato, transferindo a feitoria de Canguçu para o Faxinal do Courita, local próximo ao rio dos Sinos e à Porto Alegre (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento.1798). Nesta nova localidade, a RFLC também recebeu o aporte de mais 41 escravos confiscados de contrabandistas (Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.). No ano de 1801, embora a motivação não fique explícita nos documentos, Sarmento foi substituído pelo Pe. Antonio Gonçalves Cruz (AHRS, Maço RFLC. Minuta de nomeação Pe. Cruz, 1801Real Feitoria do Linha Cânhamo. Minuta de nomeação do Inspetor - Antonio Gonçalves Cruz. Porto Alegre, 16 abr. 1801.), o então capelão da feitoria. Porém, Pe. Cruz morreu no ano de 1814. A causa de sua morte é creditada a um assassinato cometido pelos escravizados (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13, D. 795. 1815Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 795. 3 jun. 1815.; Cardoso, 1977CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.; Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.). Desta administração, também se destaca o fato de que não existem documentos entre 1805 e 1814.

Entre 1814 e 1816, após a morte do Pe. Cruz, Joaquim Maria da Costa Ferreira assumiu o cargo, mas foi substituído, em 1816, pelo Tenente José Manoel Antunes da Frota. Indicado pelo Repartição da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e nomeado pelo Príncipe Regente, D. João, pela sua experiência e explorações com plantas lenhosas em diferentes Capitanias do Brasil. Na perspectiva de D. João, Frota tinha experiência neste tipo de trabalho o que poderia ser muito útil para os trabalhos desempenhados na RFLC (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 795 1815Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 795. 3 jun. 1815.). Frota permaneceu como inspetor até o ano de 1820, quando faleceu. Enfim, neste mesmo ano, José Thomas de Lima foi indicado pela Repartição da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e nomeado pelo Príncipe Regente, D. João, como novo inspetor (projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 808. 1820Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 808. 13 maio 1820.), último a assumir este cargo dado que, a RFLC encerrou suas atividades em 1824.

Conflitos externos à Feitoria

Como visto anteriormente, o pleno desenvolvimento das atividades da feitoria em solo colonial passava por decisões que dependiam do Vice-rei, do governador da Capitania e do inspetor. Ao longo dos 40 anos de existência da RFLC, esses atores protagonizaram uma série de divergências. Nesse sentido, abordar os conflitos presentes nas relações de poder e os embates entre essas diferentes instâncias permite compreender como esses interesses refletiram na trajetória e no desenvolvimento do estabelecimento. Desde de a sua inauguração.

Após a morte do primeiro inspetor, padre Francisco Xavier Prates, em julho de 1784, a RFLC ficou sob a administração do governador da Capitania, coronel Rafael Pinto Bandeira8 (8) Rafael Pinto Bandeira foi governador interino em dois períodos distintos, isto é, de janeiro de 1784 a outubro de 1786 e de 1790 a 1793. (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 1785Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.), cuja atuação causou certo descontentamento no vice-rei. Por meio de ofício, o vice-rei comunicou o Secretário do Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, que, sob o comando do referido governador, foram semeados 100 alqueires de sementes de cânhamo nas terras da feitoria e que, desta colheita, foram enviados 3 fardos para o Reino. No entanto, na concepção do vice-Rei, Pinto Bandeira não possuía as qualidades necessárias para desempenhar as atividades com o cânhamo: não conhecia a cultura agrícola, cometia uma série de erros ao tentar praticar o cultivo e não dispunha de tempo para dedicação exclusiva a essa atividade. Por isso, nomeou outro inspetor mais competente para continuar o empreendimento (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 1785Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.).

Além da desconfiança com as aptidões agrícolas de Pinto Bandeira, o vice-rei também desconfiava de sua índole já que, em sua perspectiva, o governador se apossara ilegalmente de muitas terras da Capitania, vendendo-as e fazendo riquezas em benefício próprio. Inclusive, segundo o vice-rei, a escolha do terreno em Canguçu estava atrelada ao resgate de uma propriedade que foi concedida por Pinto Bandeira a terceiros de forma completamente irregular. Assim, a um só tempo, o vice-rei retomava o terreno para a coroa e criava a feitoria em um espaço de fácil acesso à importação e a exportação de gêneros, à criação de animais e à produção de cânhamo - todas atividades possíveis graças às vastas extensões da propriedade em questão (Sousa, [1789] 1860SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.).

Aparentemente, as intrigas e disputas entre o vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa e o Pinto Bandeira quase atravessaram todo o período em que este último esteve sob o comando da Capitania, entre 1784 e 17929 (9) Luís de Vasconcelos e Sousa, por sua vez, assumiu o posto de vice-rei do Brasil entre 1779 e 1790. . Após assumir o posto de governador, Pinto Bandeira escreveu uma carta ao vice-rei defendendo que, em Canguçu, a RFLC estava exposta à beligerância dos estados vizinhos devido a sua proximidade com a fronteira. Na sequência, defendia que o estabelecimento deveria ser transferido para o centro da Capitania, às margens do Rio dos Sinos, onde estaria mais protegido e ainda desfrutaria de solos mais férteis (Bandeira [1784] op. cit. Silva 1999SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: de bandoleiro a governador - relações entre os poderes públicos e provado em Rio Grande de São Pedro. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Porto Algre, 1999.). Contudo, essa solicitação não foi atendida. Entretanto, em 1788, de acordo com o inspetor Pe. Antonio José Machado Moraes Sarmento, tal transferência foi novamente cogitada pelo seu antecessor, Francisco Xavier da Cunha Pegato, ao defender que os solos canguçuenses eram inadequados à cultura do linho cânhamo e ao reivindicar a transferência do estabelecimento para um local com melhores condições de produção. O Vice-Rei, nesse caso, atendeu a reivindicação e, por intermédio do governador da Capitania, Rafael Pinto Bandeira, autorizou a transferência para o Faxinal do Courita, às margens do rio dos Sinos, como queria o governador outrora (AHRGS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento.1798).

A tese da improdutividade do solo canguçuense foi, posteriormente, reforçada pelo próprio Vice-rei, Luís de Vasconcelos, ao apontar que, se por um lado, o cânhamo de Canguçu tinha uma excelente fibra - segundo o resultado das experiências feitas nas amostras que Ele enviou à Corte -, por outro lado, a pequena altura da planta sugeria que as terras não eram adequadas para esse cultivar e a produção neste espaço exigiria a constante derrubada de matas virgens em busca de melhores solos. Diante disso, o vice-rei concordou que tais solos não eram propícios e só manteve o estabelecimento em Canguçu até realocar a feitoria para um espaço mais adequado (Sousa, [1789] 1860SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.).

No mês de maio de 1788, o governador apresentou ao Pe. Sarmento o terreno do Faxinal do Courita em conjunto com os campos do falecido José Leite de Oliveira - terras que então se tornaram a nova sede do estabelecimento. O governador e o inspetor concluíram que essas terras eram mais vantajosas e superiores que as de Canguçu, o que poderia tornar a RFLC mais abastada em pouco tempo. Decidiram ainda que o Faxinal do Courita seria destinado à cultura do linho cânhamo e os campos do falecido José Leite de Oliveira à criação de rebanhos bovinos, necessários à manutenção daqueles que ali trabalhariam e viveriam. Porém, como as referidas terras já estavam ocupadas, a coroa promoveu a desocupação das mesmas e ordenou que esses moradores fossem indenizados (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento.1798).

Em relação à transferência da RFLC, para além da justificativa oficial acerca da improdutividade dos solos, toda documentação presente no maço único custodiado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul por si só não sugere a influência de Pinto Bandeira sobre a tomada de decisão dos inspetores Francisco Xavier da Cunha Pegato e Pe. Antonio José Machado Moraes Sarmento. Contudo, parte da historiografia vê uma possível influência política do governador neste processo de transferência. Silva (1999)SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: de bandoleiro a governador - relações entre os poderes públicos e provado em Rio Grande de São Pedro. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Porto Algre, 1999., por exemplo, defende a tese de que o governador teve influência uma vez que, no Faxinal do Courita, a RFLC ficou bem próxima a uma propriedade de Pinto Bandeira, o que poderia resultar em uma valorização de sua propriedade e um controle maior sobre o estabelecimento. Oliveira (2014)OLIVEIRA, Julio Cesar. Fibra de linho num palmo de terra: a ocupação das terras da feitoria do linho cânhamo. História Unicap, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014., por outro lado, defende que o Governador seria potencialmente beneficiado uma vez que essa transferência diminuiria a vigilância na região Sul da Capitania, onde ele possuía muitas propriedades, atuava em atividades ilegais como o contrabando e utilizava a estrutura do Estado português em benefício próprio. Neste aspecto, em particular, vale rememorar que uma das justificativas do vice-rei para instalar a RFLC em Canguçu era justamente a necessidade de desapropriar terras concedidas ilegalmente por Pinto Bandeira. Ainda assim, a influência do governador sobre a decisão de transferência é controversa.

Para além destas questões, as disputas também ocorriam nas instituições em que a RFLC estava subordinada. Atrelada às autoridades superiores da Colônia e ao Governador da Capitania desde a sua criação, a RFLC assim se manteve em grande parte de sua existência. Contudo, em dados momentos a relação com o Rio de Janeiro sofreu alterações. No governo de Vasconcelos, a feitoria estava diretamente subordinada ao Vice-rei. Por outro lado, em certos períodos, a RFLC também esteve subordinada a órgãos fazendários locais. Em outubro de 1799Real Feitoria do Linho Cânhamo. Minuta sem assinatura e destinatário. Maço único. 6 out. 1799., de acordo com ordens régias, expedidas por Provisão da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro, a RFLC foi subordinada à Junta e a Provedoria da Fazenda Real do Continente do Rio Grande, com a qual e até então não tinha qualquer relação (AHRS, Maço RFLC. Minuta sem assinatura e destinatário. 1799). Anos mais tarde, já na administração do vice-rei Conde de Resende, possivelmente devido à extinção da referida Junta, a RFLC foi então subordinada à Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande. Mas em 1802, foi de novo subordinada à uma Junta recém-criada. Por fim, em 1816, uma Carta Régia de 2 de janeiro determinou que a Real Feitoria fosse diretamente e privativamente subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha (Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.). A despeito de todas essas subordinações, era comum a comunicação direta entre os inspetores da feitoria com os Vice-reis e vice-versa, sem o intermédio das administrações locais.

Ademais, os documentos também apontam um conjunto de disputas entre os inspetores da RFLC com o governador da Capitania, sobretudo, na administração de Rafael Pinto Bandeira. Em 1790, por exemplo, o inspetor, em audiência com o Vice-rei, apresentou inúmeras queixas sobre as interferências realizadas pelo então governador local. Diante das queixas, o vice-rei ordenou que, daquela data em diante, nas decisões que não dependessem do governo da Capitania, o inspetor deveria observar somente as ordens do vice-rei (Miranda, 2000MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.).

Em 1798, José Sarmento produziu um relatório informando sobre as condições da RFLC. Na ocasião, realizou um conjunto de novas críticas ao agora ex-governador Pinto Bandeira. Ele o acusou de interferência direta na administração da RFLC quando proibiu que os escravizados fossem castigados nas dependências da RFLC e somente fossem castigados em Porto Alegre. Segundo Sarmento, tal proibição era novidade e não condizia com a realidade das fazendas de vossa majestade onde a desobediência e a falta de respeito dos escravos era comum e, justamente por isso, o castigo se fazia necessário (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento.1798). Menz (2005)MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005. reforça que o ato do então governador retirou a violência privada das mãos dos inspetores e aumentou a autonomia dos escravos, o que contribuiu diretamente para a decadência da produção do linho cânhamo e consequentemente nos propósitos do estabelecimento. De certa forma, os conflitos envolvendo Vice-rei, inspetores e potentados locais foram recorrentes na RFLC, sobretudo nos dois governos de Pinto Bandeira.

A partir de 1817Real Feitoria do Linha Cânhamo. Inspetor Correspondência ativa. José Manoel Antunes da Frota. 1817., as terras ocupadas pela RFLC no Faxinal do Courita também se tornaram motivo de disputa. Essa questão aparece durante a administração do Tenente José Manoel Antunes da Frota, quando as fronteiras da RFLC passaram a ser questionadas por diversas pessoas que se diziam as verdadeiras proprietárias de parte das terras (AHRS, Maço RFLC. Ofício de José Manoel Antunes da Frota, 1816Real Feitoria do Linho Cânhamo. Documento produzido por José Manoel Antunes da Frota. 1816.; Correspondência ativa, 1817Real Feitoria do Linha Cânhamo. Inspetor Correspondência ativa. José Manoel Antunes da Frota. 1817.). Por meio de um ofício de 23 de agosto de 1819, por exemplo, o então inspetor José Manoel Antunes da Frota respondeu um ofício da coroa que o questionava sobre os limites geográficos da feitoria, uma vez que algumas pessoas reclamavam para a Majestade que uma parte do terreno ocupado lhes pertencia. O inspetor, por sua vez, defendeu que as terras requisitadas sempre pertenceram à coroa e nunca estiveram devolutas. Ademais, o inspetor ressaltou que as terras requeridas eram as melhores da Real Feitoria e serviam para conservar os rebanhos bovinos, tanto no inverno como no verão.

Durante a administração de José Thomas de Lima, os questionamentos sobre as fronteiras da feitoria ganharam novas proporções. A Corte Imperial passou a questioná-lo sobre os limites do território da feitoria e as divergências entre moradores que se diziam os verdadeiros proprietários. José Thomas de Lima, por sua vez, similarmente ao inspetor anterior, respondeu que os espaços ocupados pela feitoria pertenciam à Corte e que era necessário lutar contra as pessoas inescrupulosas que queriam se apoderar de terras da coroa.

Esses conflitos se estenderam até 1824, quando a propriedade da RFLC foi medida e demarcada por João José Ferreira e João Antonio da Costa, os quais estabeleceram os limites de 38:957:540 braças quadradas de superfície, contendo 21:310:600 braças quadradas de campo e 17:646:940 de matos (AHRS, Maço RFLC. Mapa. 1847Real Feitoria do Linha Cânhamo. Mapa copiado em julho de 1847, na cidade de Porto Alegre, pelo 1º Tenente do Imperial Corpo de Engenheiros José Maria Pereira de Campos, empregado na Estatística dessa Província. 1847.). No entanto, é possível que essa demarcação oficial do Estado Imperial só tenha ocorrido por conta dos novos projetos estabelecidos para as terras da Real Feitoria, que foi fechada nesse mesmo ano para dar início a um projeto de colonização. Ou seja, é bem provável que esse novo contexto de imigração tenha estimulado a delimitação das terras.

Conflitos internos à Feitoria

Durante os 41 anos de existência da feitoria, os inspetores tentaram fiscalizar bem de perto sua população residente, embora a convivência entre estes e essa população nem sempre fosse pacífica. Ao contrário, ao analisar a estrutura do mando interno, é possível apreender uma série de conflitos, disputas e irregularidades.

Após a instalação no Faxinal do Courita, no relatório de 1798, o inspetor José Sarmento afirmou que, após a ordem de Pinto Bandeira de que os escravizados só podiam ser castigados em Porto Alegre e não mais nas dependências da feitoria, estes se sentiram legitimados para desobedecer (AHRS, Maço RFLC. Relatório Antonio J. M. M. Sarmento. 1798). Ou seja, de certa forma, tal decisão possibilitou que a escravaria se fortalecesse perante à administração interna. Esse enfrentamento também foi tema da Minuta de Transferência Administrativa de 1799 (AHRS, Maço RFLC. Minuta. 1799) e da Minuta de Nomeação do novo inspetor, o Pe. Antonio Gonçalves Cruz, de 1801 (AHRS, Maço RFLC. Minuta nomeação do inspetor Pe. Antonio G. Cruz. 1801). Nos documentos supracitados, o novo inspetor responsabilizou o antigo inspetor pelo o avanço diminuto na produção de cânhamo e pela má administração dos trabalhos dos escravizados, que se dedicavam a maior parte do tempo na produção de extraordinárias roças, e outros serviços lucrativos para interesse particular em detrimento da cultura do linho cânhamo, “chegando ao ponto de realizarem comércio lucrativo e a conseguir permissão para comprar e possuir cavalos próprios” (AHRS, Maço RFLC. Minuta nomeação do inspetor Pe. Cruz. 1801, p 1).

A partir dos relatos acima, supõe-se que os escravizados souberam tirar proveito das brechas administrativas e aproveitaram a oportunidade para cultivar suas próprias roças produzindo um excedente que era comercializado no mercado local, já que a feitoria se localizava próxima a centros comerciais como Porto Alegre. Esse comércio dos excedentes, por sua vez, possibilitava o acesso a um mercado que, embora diminuto, proporcionava certa autonomia aos escravizados, bem como certa contraposição ao mando. Para Menz (2005)MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005., os escravos da RFLC, ao aproveitar as oportunidades de desorganização administrativa e falta de mando dos inspetores, foram “impondo sua própria administração” à feitoria.

Para resolver tais problemas, o inspetor Antonio Gonçalves Cruz propôs uma reorganização do estabelecimento, de modo que os escravizados voltassem a dedicar tempo à produção de cânhamo ao invés das roças pessoais ou qualquer outra atividade (AHRGS, RFLC, Minuta nomeação do inspetor Pe. Cruz, 1801), ou seja, uma tentativa de ressubmeter à escravaria ao regime de plantation (MENZ, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.). Um ofício de 1802 retrata um aparente retorno aos moldes escravagistas e o subjugo dos escravizados aos mandos do inspetor. Nas palavras de Cruz, as forças da escravaria foram redirecionadas para avançar na produção de cânhamo de forma disciplinada (AHRS, Maço RFLC. Correspondência Antonio G. Cruz. 1802Real Feitoria do Linha Cânhamo. Correspondência do Inspetor Antonio G. Gruz ao Brigadeiro General Francisco J. Rocio. 26 abr. 1802.).

No entanto, um ano depois, em 1803, os conflitos se acirraram novamente. Aparentemente, as tentativas para retomar o controle causaram novas revoltas entre os escravizados que, na perspectiva do inspetor, organizavam-se de diversas formas: articulando apoio de pessoas influentes, aproveitando as brechas jurídicas que poderiam intervir em benefício próprio, deixando as dependências da feitoria sem autorização, realizando bailes em dias de semana e confabulando contra o inspetor (AHRS, Maço RFLC. Pe Cruz. Ofício. 1803aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para ao Manjor José Inacio da Silva. P. Cruz. 8 maio 1803.). Visando retomar a ordem, o inspetor recorreu ao recém-empossado governador José Paulo da Silva Gama (1803-1809), ao solicitar apoio na captura de fugitivos e permissão para castigar os rebeldes. Diante do quadro relatado pelo inspetor, suas queixas sobre o péssimo comportamento da escravaria foram ouvidas e sua demanda de punição atendida. Três dias depois, o inspetor escreveu o apoio do governador na captura e prisão do escravo Manoel José e outros membros do plantel que, em sua perspectiva, apenas por meio de punição subjugariam o orgulho, a ousadia e a falta de subordinação (AHRS, Maço RFLC. Pe Cruz. Ofício. 1803aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para ao Manjor José Inacio da Silva. P. Cruz. 8 maio 1803.).

Ainda em 1803, os açoites e castigos foram novamente permitidos dentro da Feitora, aumentando a tensão entre o Inspetor e os escravizados. Um exemplo desse aumento ocorreu quando o inspetor quis punir com 50 açoites um escravizado que desobedeceu às ordens do capataz da estância da feitoria. Na ocasião, o inspetor ordenou que tais açoites fossem executados por outro escravo, o qual, por sua vez, resistiu ao mando e por isso também foi sentenciado a punição. O quadro causou enorme revolta entre os escravizados, causando um estado de “rebeldia sem igual”, nas palavras do inspetor. Para garantir o cumprimento de sua ordem, Pe. Cruz relatou que foi preciso executar o castigo em outro escravizado e, só depois deste ato, conseguiu fazer com que sua sentença fosse executada (AHRS, Maço RFLC. Ofício. 1803cReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para o governador Paulo José da Silva Gama. P. Cruz. 29 jul. 1803c.). Ao analisar este caso, (Menz, 2005MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.) aponta que Pe. Cruz tentou implementar o uso dos próprios escravizados na punição de seus companheiros, uma prática muito comum no Brasil colonial, o que pode ter contribuído para aumentar ainda mais os conflitos internos da feitoria.

Sobre isso, Cardoso (1977)CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. e Menz (2005)MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005. apontam que as tensões entre escravizados e o Pe. Cruz se acirraram entre 1804 e 1814, chegando a um desfecho neste último ano com a morte do inspetor, relatada por Joaquim Maria da Costa Ferreira ao governador Marquês de Alegrete, em 14 de dezembro de 1814. Segundo os referidos autores, o padre teria sido assassinado pelos escravizados. Contudo, na correspondência de Joaquim Maria da Costa Ferreira não consta que os cativos cometeram o homicídio: Cardoso (1977)CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. infere isso baseado em Leopoldo Petry (1947)PETRY, Leopoldo, O Município de São Leopoldo. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA DE SÃO LEOPOLDO, 1, Livraria do Globo, 1947. Anais..., e Menz (2005)MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005. infere baseado em Cardoso (1977)CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. e em escritos do próprio príncipe regente, D. João, que interpretou a morte do Pe. Cruz como o auge da desordem e da decadência daquele importante estabelecimento. Vale destacar que a opinião do príncipe regente, D. João acerca desta morte foi registrada no Decreto de nomeação do Tenente José Manoel Antunes da Frota como novo inspetor e estava consubstanciada em um relatório produzido pela Repartição da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha que indicava o nome de José Manoel Antunes da Frota para inspetor e no qual também afirmava que Pe. Cruz foi assassinado por um escravizado. Neste contexto, D. João não ressaltou detalhar do possível assassinato, mas reforçou sua expectativa em torno deste novo inspetor para revigorar a RFLC que se encontrava em estado decadente (Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13, D. 795, 1815Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 795. 3 jun. 1815.). Diante deste imbróglio, reafirma-se a sugestão de Menz (2005)MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005. de consultar a documentação disponível no Arquivo Público do Rio Grande do Sul, mais especificamente o Auto de Corpo de Delito e a Devassa sobre o sucedido, para certificar o ocorrido. Até porque na documentação oficial da RFLC não consta informações sobre os possíveis responsáveis pelo assassinato do Pe. Cruz e nem as punições a esses possíveis culpados.

Após a morte de Pe. Cruz, Joaquim Maria da Costa Ferreira ficou responsável pela administração da feitoria. Um de seus primeiros atos foi reunir todos os escravizados que estavam dispersos em suas atividades. Na ocasião, Ferreira constatou que 49 deles não desempenhavam suas funções na RFLC e estavam empregados em outras localidades: no Hospital de Porto Alegre, no serviço da Marinha em Porto Alegre, na fazenda de carvão em Santa Catarina, em serviços de salareiro em Porto Alegre, na lavanderia do Palácio em Porto Alegre, no Hospital de Rio Pardo, na Casa da Junta, e até mesmo em propriedades particulares (AHRS, Maço RFLC. Relação dos escravos de V. A. Real que me consta estarem fora desta Real Feitoria. 1814Real Feitoria do Linha Cânhamo. Joaquim M. C. Ferreira. Relação dos escravos de V. A. Real que me consta estarem for a desta Real Feitoria. 15 ago. 1814.).

Anos mais tarde, em 1822, o então inspetor Thomas de Lima denunciou conflitos decorrentes de roubos de produtos das roças e de rebanhos bovinos. Em sua perspectiva, os “pretos” eram “mais do que nunca bem fornecidos de sustento” e vendiam prontamente os roubos que faziam. Visando interromper com a prática, o inspetor determinou que alguns soldados do Destacamento de Polícia prendessem “os cabeças de tal organização”. Contudo, os escravizados acusados não se entregaram à prisão. Ao contrário, entraram em suas senzalas e saíram armados atacando os soldados e o inspetor que bateram em retirada temendo risco de morte (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima. 1822aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. José Thomas de Lima. 2 ago. 1822.). Na ocasião, o inspetor foi ferido em um dos braços e a maior parte dos amotinados aproveitaram a oportunidade e fugiram. Como era necessário capturá-los, e não sendo suficiente o Destacamento que se encontrava nas dependências da feitoria, o inspetor solicitou reforços de soldados de linha, porque os soldados do Destacamento estavam amedrontados. No relato do inspetor, chama a atenção o fato de que os cativos possuíam armas, ou seja, os escravizados estavam organizados e possuíam um esquema de defesa próprio que lhes permitia contestar os mandos em momentos de tensão (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima. 1822aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. Inspetor José Thomas de Lima. 2 ago. 1822a.).

As denúncias do inspetor às autoridades administrativas da Capitania surtiram efeito. Poucos dias depois, o inspetor comunicou que o estado físico dos castigados pelo crime de levante era deplorável: cada envolvido recebeu duzentos açoites e não estavam em condições de receber o restante, 400 açoites ao todo, conforme estabelecido por vossa excelência (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima. 1822bReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. Inspetor. José Thomas de Lima. 12 ago. 1822b.), ainda que não deixasse claro a qual autoridade a correspondência era endereçada. Nesse sentido, em momentos de conflitos extremos entre o inspetor e os escravizados, as autoridades superiores reforçavam o poder do inspetor.

A despeito disso, os escravizados não pareciam intimidados diante do mando oficial e agiam de modo a contestar a ordem escravocrata existente, seja na RFLC ou em outras propriedades. Henry Koster ([1817] 1978KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. 2. ed. Recife: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, [1817] 1978.), por exemplo, registou entre 1809 e 1815 suas impressões sobre os movimentos do plantel de escravizados de sua fazenda açucareira em Pernambuco: à noite ele ouvia murmúrios das vozes nas senzalas e observava a espreita a rotina desses homens que muitas vezes saiam a caminhar furtivamente, para visitar um conhecido ou para algum divertimento. Para Koster, era nessas reuniões em que os planos para enganar o amo eram concebidos. Em meio a esse quadro, Koster refletia sobre tais manobras em perspectiva com os regulamentos e orientações impostos pelos proprietários, que poderiam se tornar inúteis diante da organização e sagacidade dos escravizados (Koster, [1817] 1978KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. 2. ed. Recife: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, [1817] 1978.). Nesse sentido, a historiografia recente tem destacado cada vez mais as disputas entre senhores e escravizados e revelado o papel ativo destes últimos em meio a conflitos, negociações e resistências: desde rebeliões em alto mar, mercados e armazéns, ou por meio de fugas e formação de quilombos, e até em formas mais sutis consubstanciadas na preservação da cultura (Chalhoub, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1990.; Schwarcz e Gomes, 2018SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2018.).

No caso dos conflitos da RFLC, alguns inspetores reforçaram a violência aos escravizados por meio de um aparato policial externo para a feitoria, ou seja, uma força de violência para além dos feitores. O primeiro relato desse tipo foi encontrado na administração do Pe. Cruz, ocasião em que um Destacamento policial foi deslocado para a feitoria para conter as sublevações do plantel e garantir a segurança, como visto anteriormente. Entretanto, esses inspetores também protagonizaram uma série de conflitos com os integrantes desses Destacamentos. As denúncias desses conflitos partiam dos próprios inspetores, que relataram e solicitaram às instâncias superiores medidas urgentes para conter as desordens e as insubordinações de integrantes desse corpo policial.

Um ofício de 5 de maio de 1803, em que Pe. Cruz relatou ao então governador da Capitania, José Paulo da Silva Gama, a fuga do cativo Manoel José, também informou que o soldado Mauricio Soares desertou do Destacamento e que, segundo soube, tal soldado recebeu guarida de um senhor influente na região. O inspetor ainda descreveu sobre o seu desgosto com esse soldado, já que não era a primeira vez que o mesmo fugia da feitoria e abandonava as obrigações. O inspetor, por fim, pediu encarecidamente para que o soldado fosse substituído por outro que tivesse gênio para dirigir escravos e inclinações de roças, e solicitou a contratação de um soldado chamado José, integrante da Segunda Companhia de Infantaria, por quem tinha apreço e acreditava ser a melhor pessoa para lidar com os escravizados (AHRS, Maço RFLC. Ofício. Pe. Cruz. 1803a). Três dias depois, em nova correspondência, ao saber que o desertor Mauricio Soares estava preso, o inspetor curiosamente declarou que tal soldado merecia compaixão devido aos seus baixos estímulos e que rezava pela liberdade do desertor. Contudo, reafirmava o pedido de outro soldado para substituí-lo, já que era de grande necessidade para a feitoria (AHRS, Maço RFLC. Ofício. Pe. Curz. 1803bReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para J. Paulo J. S. Gama. P. Cruz. 29 jul. 1803.).

Denúncia semelhante também foi feita pelo inspetor José Manoel Antunes da Frota, em 1816 ao então governador da Capitania, o Marquês de Alegrete. Ele relatou uma série de conflitos com o corpo de soldados alocados na feitoria com a função de reprimir as tentativas de levante dos escravizados (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima para o governador, 1816aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Inspetor Frota para o governador Marques de Alegrete. 17 out. 1816a.). Em 23 de maio daquele ano, oito soldados fugiram do Destacamento da feitoria. Sobre isso, a correspondência do inspetor ao Brigadeiro de Justiça da Capitania revela um emaranhado de intrigas: segundo o inspetor, o Comandante do destacamento anunciou que ele e seus homens não estavam sob ordens do inspetor e que suas funções na feitoria se resumiam a observar o comportamento dos escravizados e a relatar alguns insultos aos soldados, caso estes ocorressem. Por fim, o Comandante ainda afirmava que essa era uma ordem do Brigadeiro de Justiça da Capitania. Isso foi o que levou o inspetor a escrever para o Brigadeiro e a questionar sobre quem deveria exercer autoridade sobre o Destacamento. O inspetor relatou que ele e o Comandante já se conheciam, uma vez que este último já havia exercido o Cargo de Furriel e atuado na feitoria em momentos pretéritos. Contudo, na posição de Comandante tinha agora a pretensão de comandar o inspetor e demais subordinados da feitoria, ameaçando, inclusive, levar um dos feitores da RFLC ao tronco. Diante de tais ultrajes, era urgente a troca do então Comandante já que as atitudes deste trariam ainda mais desordem para a feitoria (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima para o governador. 1816aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Inspetor Frota para o governador Marques de Alegrete. 17 out. 1816a.).

Um mês mais tarde, o inspetor escreveu para o excelentíssimo Senhor Marquês do Alegrete com relatos de novas dificuldades com o Destacamento. Na correspondência, ele rememorou sua trajetória como funcionário da coroa, destacou que servia aos Serviços Reais por mais de 20 anos e que, ao longo desse ínterim, trabalhou em diversas comissões e ocasiões em que comandou inferiores e soldados, mas que nunca lhe aconteceu fatos tais como os ocorridos nas dependências da RFLC. Diante disso, ele rogou ao Marquês, pelo bom andamento do Real Serviço, que lhe fosse dado o controle sobre o Destacamento enquanto esse permanecesse instalado na feitoria, e que também fosse incorporado o soldado de nome Domingues Pires (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima para o governador. 1816b).

Aparentemente, os problemas de desordens e desmandos que ocorriam entre o inspetor e o Destacamento se agravaram ainda mais com o passar dos meses. Em 1816, o inspetor tornou a relatar ao Marquês de Alegrete mais um ponto de tensão com um soldado do Destacamento e o superior direto do corpo de polícia. Seu descontentamento foi motivado pela falta de autoridade do Cadete Comandante do Destacamento, que permitia a insubordinação do soldado Pulicarpio Joaquim da Silva, o qual, por sua vez, praticava várias afrontas e, inclusive, dormia fora da RFLC. Diante disso, o inspetor determinou que o referido soldado fosse preso no tronco, uma vez que a feitoria não tinha calabouço destinado a prisões e o quartel da feitoria era todo aberto, com portas para todos os lados e não adequado para um soldado de má conduta. Contudo, essas ordens foram ignoradas, o que acirrou os ânimos entre as partes. Ainda segundo o inspetor, o soldado passou a zombar da prisão, sair do quartel e proferir provocações a ele (AHRS, Maço RFLC. Ofício. José Thomas de Lima para o governador. 1816aReal Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Inspetor Frota para o governador Marques de Alegrete. 17 out. 1816a.).

Na conclusão de seu ofício, o inspetor afirmou “mediante Deus” que o Destacamento lhe dava mais trabalho e suscitava mais atenção do que os próprios escravizados. Ademais, o Destacamento, que tinha a função de conter rebeldias desta escravatura, jamais conseguiria realizar essa função com tais exemplos. Diante disso, o inspetor solicitou a remoção do soldado Pulicarpio e do Cadete Comandante do Destacamento e indicou para seu lugar o cabo de Esquadra. De certa forma, os artifícios e súplicas utilizados pelo inspetor se mostraram eficazes e suas demandas foram atendidas, uma vez que o soldado foi enviado para a prisão de Porto Alegre e o soldado solicitado foi nomeado.

Embora a documentação analisada não permita a contraposição de versões, ela aponta os limites do mando do inspetor no exercício de suas funções e, por outro lado, revela o quanto estes dependiam dos governadores locais para realizar intervenções e garantir a “segurança” dentro do estabelecimento, sobretudo, quando as tensões se exacerbavam. De certa forma, os governadores da Capitania mantinham um certo controle sobre a RFLC, mas atendiam aos pedidos do inspetor diante das tensões internas à feitoria.

Conclusão

O artigo centrou esforços na estrutura e na trajetória administrativa da Real Feitoria do Linho Cânhamo ao longo de seus 41 anos de existência. A análise centrou a Real Feitoria dentro da política governativa do Estado português. Nesse aspecto, a RFLC foi resultado de uma política de Estado que tinha como objetivo central a produção de cânhamo, uma matéria-prima essencial para os Impérios ultramarinos da época.

A análise documental aponta uma dubiedade em torno dos incentivos à RFLC. Se por um lado a coroa reforçava o caráter de produção colonial para o fornecimento de matéria-prima à metrópole, nos ditames do pacto colonial; por outro lado, a mesma coroa afrouxava essas regras ao incentivar o avanço do desenvolvimento manufatureiro do linho cânhamo, sobretudo com envio de técnicos especializados e manuais de produção, no mesmo período de vigência do alvará D. Maria I em de 5 de janeiro de 1785.

Ainda em relação aos aspectos administrativos, Luís de Vasconcelos e Sousa tentou aplicar uma política centralista na medida em que a RFLC estava diretamente subordinada às autoridades superiores da Colônia, em especial ao vice-rei - após 1808 esteve vinculada ao Príncipe Regente - e assim se manteve ao longo de sua existência. Contudo, neste interim, ela também esteve vinculada a um conjunto de órgãos fazendários e instituições como a Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro, a Provedoria da Fazenda Real do Continente do Rio Grande, a Secretária de Estado dos Negócios da Marinha, ao comerciante José Dias da Cruz, e aos sucessivos governadores da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul. A despeito de todas essas subordinações, entende-se que este conjunto de instituições a qual a RFLC estava subordinada reduziam o poder administrativo dos inspetores. Neste aspecto, há uma certa incoerência entre o projeto e a sua execução, isso porque, embora projeto proposto por Luís de Vasconcelos advogasse certa centralidade da coroa sobre a feitoria e uma autonomia dos inspetores, na prática os diversos vínculos - privado e público - reduziam o poder do inspetor. Neste aspecto em particular, os poderes locais, muitas vezes até limitavam o poder de mando do inspetor sobre seus subordinados, mais especificamente entre os escravizados e os integrantes do Destacamento de Política. Essa limitação pode ter contribuído para que esses dois grupos se organizassem e se levantassem contra os inspetores da RFLC por meio de desobediências de todos os tipos, ofensas, fugas e mesmo conflitos internos que se desdobraram em episódios de violência física e moral. Além desses conflitos internos, a RFLC também esteve envolvida em divergências externas, sobretudo, atrelada a disputas por terra.

Por fim, destaca-se que a análise da trajetória administrativa da RFLC ao longo de sua existência permite um outro olhar para o papel dos inspetores, ou seja, ao inseri-los dentro de toda gama administrativa do Império português e das distintas instituições em que a RFLC estava subordinada, permite compreendê-los mais como coadjuvantes na administração da RFLC do que administradores com poder para sustentar um projeto em torno deste estabelecimento. Ao contrário, a documentação analisada sugere que, na verdade, seus poderes eram significativamente reduzidos uma vez que os inspetores prestavam contas a várias instâncias superiores. Além disso, as sucessivas mudanças de inspetores, sete ao todo, podem ter contribuído para que o poder de mando fosse se diluindo aos poucos e favorecendo a emergência de conflitos internos.

  • JEL: N56, N00.
  • *
    Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n. 442641/2023-0 / n. 201016/2024-9.
  • (1)
    Para citar exemplos, em 1716 a coroa incentivou a produção de cânhamo na Colônia de Sacramento; em 1747, na Ilha de Santa Catarina; em 1750, na Capitânia do Maranhão e Pará; em 1780, na Capitania do Maranhão e Piauí, na Capitania da Bahia e no Estado do Pará e Rio Negro; em 1782 no Rio Grande de São Pedro, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro; e em 1785 na Capitania de Pernambuco. Em 1790, a Fazenda de Santa Cruz voltou parte de sua produção para a agricultura de linho cânhamo (Rosa, 2020ROSA, Lilian. Considerações sobre a organização produtiva da Real Feitoria do Linho Cânhamo (1783-1824). In: CONGRESSO DE HISTÓRIA ECONÔMICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA DA USP, 11, 2020, São Paulo. Anais Digitais... p. 439-454.).
  • (2)
    Disponível gratuitamente em: https://resgate.bn.br.
  • (3)
    A produção de cânhamo era um projeto antigo da Coroa portuguesa em solo colonial: desde 1716, ano em que a Corte enviou as primeiras sementes de linho cânhamo para serem produzidas por colonos particulares residentes na colônia, sem, contudo, alcançar os resultados esperados (Rosa, 2020ROSA, Lilian. Considerações sobre a organização produtiva da Real Feitoria do Linho Cânhamo (1783-1824). In: CONGRESSO DE HISTÓRIA ECONÔMICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA DA USP, 11, 2020, São Paulo. Anais Digitais... p. 439-454.).
  • (4)
    Etapa que inicia o processo de separação de talos, galhos, folhas e o caule da fibra.
  • (5)
    Dada a ausência do governador titular Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara.
  • (6)
    O processo de produção do cânhamo, dividido entre o plantio e a manufatura, era mais difícil do que a maioria das fibras utilizadas para a produção de tecidos. Além disso, era extremamente trabalhoso e exigia quantidade significativa de trabalhadores (Pomeranz, 2000POMERANZ, Kenneth. The great divergence: China, Europe, and the making of the modern world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000.).
  • (7)
    Em geral, indígenas ou lavradores da região que eram contratados quando a mão de obra escravizada não era suficiente para realizar as tarefas em determinados períodos.
  • (8)
    Rafael Pinto Bandeira foi governador interino em dois períodos distintos, isto é, de janeiro de 1784 a outubro de 1786 e de 1790 a 1793.
  • (9)
    Luís de Vasconcelos e Sousa, por sua vez, assumiu o posto de vice-rei do Brasil entre 1779 e 1790.

Referências bibliográficas

  • AZEVEDO, Dannylo de. O fazendeiro do Brasil: manuais agrícolas no Brasil colonial em finais do século XVIII. Dissertação (Dissertação em História)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
  • CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
  • CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1990.
  • CONTRERAS, Ramóm Maria Serrera. Cultivo y manufactura de lino cánãmo en Nueva Espanã. Sevilla: Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, 1974.
  • CRESPO SOLANA, A. El comercio holandês y la integrácion de espacios económicos entre Cadiz y el Báltico em tiempo de guerra (1699-1723). Investigaciones de Historia Económica, v. 3 n. 8, p. 45-76, 2007.
  • DEITCH, Robert. Hemp - American History Revisited: the plant with a divided history. New York: Algora Publishing, 1950.
  • DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Amarrados al negocio: reformismo borbónico y su ministro de Jarcia para la Armada Real (1675-1751). Madrid: Ministerio de Defesa. Secretária General Tecnica, 2009.
  • DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Radiografía de un fracaso angloespañol: el cáñamo, un producto que debería de haber llegado de América durante los siglos XVI-XIX. Obradoiro de Historia Moderna, v. 27, p. 263-289, 2018.
  • DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. Cannabis Yarn in the Spanish and English Empires. Different Policies, but the Same Results? War & Society, 2021.
  • DÍAZ-ORDÓÑEZ, M. La comisión del cáñamo en Granada. Sustituir la dependencia báltica como estrategia defensiva del Imperio español en el siglo XVIII. Vegueta, n. 16, p. 93-123, 2016.
  • DÍAZ-ORDÓÑEZ, Manuel; Rodríguez-Hernández, Antonio José. Cannabis sativa y Chile (1577 1700): un insumo al servicio del imperio. TEMPUS Revista en Historia General, 6, p. 1 21, 2017.
  • HASHIM, Nadra O. Hemp and the global economy. The rise of labor innovation and trade. Lanham: Lexington Books, 2017.
  • HOFFMAN, Philip T. Why did Europe conquer the world? Princeton: Princeton University Press, 2017.
  • HOPKINS, James F. A history of the Hemp Industry in Kentucky [S.l.]: University Press of Kentucky, 1998.
  • KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil 2. ed. Recife: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, [1817] 1978.
  • LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1978. v. 1.
  • MARCANDIER. Tratado sobre o cânhamo Lisboa: Na Of. de Simão Thaddeo Ferreira, 1799.
  • MENZ, Maximiliano Mac. Os escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Asia, Salvador, v. 32, 2005.
  • MIRANDA, Márcia Eckert. Continente de São Pedro: a administração pública no período colonial. Porto Alegre: Ministério Público do Estado do RS / Corag, 2000.
  • MOTA, Antonia da Silva. Estrangeiros fazem fortuna no Maranhão Pombalino. Mneme - Revista de Humanidades, v. 9, n. 24, set./out. 2008.
  • OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim Enes. Tecnologia tradicional portuguesa: o linho. Lisbon, Portugal: Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos de Etnologia, 1978. v. 1.
  • OLIVEIRA, Julio Cesar. Fibra de linho num palmo de terra: a ocupação das terras da feitoria do linho cânhamo. História Unicap, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014.
  • PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade dos Setecentos. Tese (Tese em História)-Programa de Pós-Graduação em História da Universidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.
  • PETRY, Leopoldo, O Município de São Leopoldo. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA DE SÃO LEOPOLDO, 1, Livraria do Globo, 1947. Anais...
  • POMERANZ, Kenneth. The great divergence: China, Europe, and the making of the modern world. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2000.
  • ROSA, Lilian. Considerações sobre a organização produtiva da Real Feitoria do Linho Cânhamo (1783-1824). In: CONGRESSO DE HISTÓRIA ECONÔMICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA DA USP, 11, 2020, São Paulo. Anais Digitais.. p. 439-454.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2018.
  • SILVA, Augusto da. Rafael Pinto Bandeira: de bandoleiro a governador - relações entre os poderes públicos e provado em Rio Grande de São Pedro. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Porto Algre, 1999.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1990.
  • SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2006.
  • VRIES, Peer. State, economy and the great divergence: Great Britain and China, 1680s-1850s. New York, London: Bloomsbury Academic, 2015.
  • VRIES Jan de. Playing with Scales: the global and the micro, the macro and the nano. Past & Present, v. 242, Issue Supplement 14, p. 23-36, Nov. 2019.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. O Sistema mundial moderno: o mercantilismo e a consolidação da economia mundo europeia (1600-1750). Porto: Edições Afrontamento, 1996. v. II.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. The modern World-System: capitalist agriculture and the origins of the Euporean World-Economy in the Sixteenth Century. New York & London: Academic Press, 1974.
  • WEHLING, Arno. Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Instituto Histórico do Rio Grande do Sul, 2009.
  • WEHLING, Arno. Conjuntura portuguesa e ação econômica no Rio Grande de São Pedro. In: SIMPÓSIO COMEMORATIVO DO BICENTENÁRIO DA RESTAURAÇÃO DO RIO GRANDE (1776-1796). Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1976. Anais...

Fontes primárias

  • SOUSA, Luís de Vasconcelos e. Relatório do vice-rei do Estado do Brasil: Luís de Vasconcelos ao entregar o governo ao seu sucessor o conde de Resende. RIHGB, t. 23, p. 143-239, [1789]1860.
  • ARQUIVO NACIONAL. Alvará de d. Maria I que proíbe o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil Coleção Junta da Fazenda da província de São Paulo 5 de janeiro de 1785, Lisboa.

Projeto Resgate

  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983 2 out. 1784.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024. 15 fev. 1785.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983 2 jan. 1784.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017doc 10737. 6 fev. 1790.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 125\Doc. 10024 15 fev. 1785.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 173\Doc. 12813 28 ago. 1799.
  • Projeto resgate, AHU_ACL_CU_017, Cx. 124\Doc. 9983 2 out. 1784.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 795 3 jun. 1815.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 13\Doc. 808 13 maio 1820.
  • Projeto Resgate, AHU_ACL_CU_019, Cx. 3, D. 282 10 out. 1793.
  • Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS). Real Feitoria do Linho Cânhamo (RFLC). Maço único.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Cópias de ofício do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa Maço único. 27 jul. 1783.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Instrução aos cultivadores 16 jun. 1783.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Inspetor, relação de produtos 15 nov. 1797.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Produção da RFLC entre 1785 e 1795 remetida ao Armazém Real Maço único. 15 nov. 1797.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Relatório produzido pelo Inspetor Antonio José Machado Moraes Sarmento. 20 fev. 1798.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Minuta sem assinatura e destinatário Maço único. 6 out. 1799.
  • Real Feitoria do Linho Cânhamo. Documento produzido por José Manoel Antunes da Frota 1816.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Inspetor Correspondência ativa. José Manoel Antunes da Frota 1817.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Mapa copiado em julho de 1847, na cidade de Porto Alegre, pelo 1º Tenente do Imperial Corpo de Engenheiros José Maria Pereira de Campos, empregado na Estatística dessa Província 1847.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Minuta de Transferência Administrativa 1799.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Minuta de nomeação do Inspetor - Antonio Gonçalves Cruz Porto Alegre, 16 abr. 1801.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Correspondência do Inspetor Antonio G. Gruz ao Brigadeiro General Francisco J. Rocio 26 abr. 1802.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para ao Manjor José Inacio da Silva. P. Cruz. 8 maio 1803.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. José Thomas de Lima 2 ago. 1822.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para J. Paulo J. S. Gama P. Cruz. 29 jul. 1803.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Joaquim M. C. Ferreira. Relação dos escravos de V. A. Real que me consta estarem for a desta Real Feitoria 15 ago. 1814.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. Inspetor José Thomas de Lima 2 ago. 1822a.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício. Inspetor. José Thomas de Lima 12 ago. 1822b.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para o governador Paulo José da Silva Gama. P. Cruz. 29 jul. 1803c.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para ao governador Paulo José da Silva Gama Cruz. 8 maio 1803d.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Pe Cruz para ao Manjor José Inacio da Silva. P. Cruz. 8 maio 1803b.
  • Real Feitoria do Linha Cânhamo. Ofício do Inspetor Frota para o governador Marques de Alegrete 17 out. 1816a.
EDITOR RESPONSÁVEL PELA AVALIAÇÃO Fábio Antonio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2022
  • Aceito
    10 Nov 2023
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br