Resumos
Trata-se de estudo com o objetivo compreender como o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem contribuído na efetivação do direito à saúde, ao atuar como mediador formal no sentido de responder às necessidades de saúde demandadas por pessoas e famílias no contexto do Sistema Único de Saúde. Constitui estudo qualitativo, descritivo-exploratório, desenvolvido como análise documental. A base documental encontra-se arquivada em "banco de dados de domínio público", constituindo-se em arquivos acessíveis e disponibilizados no Portal Institucional do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. As decisões judiciais compuseram nosso corpus de dados. Nossos resultados apontam que o judiciário tem buscado resolver contendas no âmbito do próprio poder público, limitando sua função mediadora na garantia do direito à saúde, sendo este direito tomado de forma reduzida ao fornecimento de alguns insumos e procedimentos.
Direito a saúde; Enfermagem; Família; Aspectos judiciais
Este estudio tiene como objetivo entender cómo el Tribunal de Justicia del estado de Mato Grosso ha contribuido en la efectuación del derecho a la salud, cuando actua como mediador formal en el sentido de atender las necesidades de salud exigidas por las personas y familias en el contexto del Sistema Único de Salud. Estudio cualitativo, descriptivo-exploratório desarrollado com análisis de documentos. La base de los documentos se presente em "base de datos de dominio público", que constituyen en archivos accesibles y disponibles en el Portal Institucional del Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Las decisiones de los tribunales conforman nuestro corpus de datos. Nuestros resultados señalan que el poder judicial ha tratado de resolver las disputas dentro de la propia administración pública, limitando su papel de mediador para garantizar el derecho a la salud, y este derecho puesto de forma reducida en el suministro de ciertos insumos y procedimientos.
Derecho a la salud; Enfermería; Familia; Aspectos legales
This study is aimed to understand how the Court of the state of Mato Grosso has contributed in the effectuation of the right to health, while acting as a mediator formal towards to respond to health needs required by people and families in the context of the public health system in Mato Grosso. Study is qualitative, descriptive and exploratory analysis of documents developed as. The document base is stored in "database of public domain", thus becoming accessible files and made available on the Institutional Portal of the Court of the state of Mato Grosso. Judicial decisions comprised our sample data. The results indicate that the judiciary has sought to resolve disputes within the public administration itself, limiting its mediating function to guarantee the right to health, being this right taken in a reduced form of to provide certain inputs and procedures.
Right to health; Nursing; Family; Legal aspects
ARTIGO ORIGINAL
Mediação do direito à saúde pelo tribunal de justiça: análise da demanda1 Correspondência: Roseney Bellato Avenida Anita Garibaldi, Rua B, 85 78075-190 - Jardim Universitário, Cuiabá, MT, Brasil Email: roseney@terra.com.br
Mediation of the right to health by the court of justice: analysis of the demand
Mediación del derecho a la salud por tribunal de justicia: análisis de la demanda
Roseney BellatoI; Laura Filomena Santos de AraújoII; Marly Akemi Shiroma NepomucenoIII; Leandro Felipe MufatoIV; Geovana Hagata de Lima Souza Thaines CorrêaV
IDoutora em Enfermagem. Professora da FAEN/UFMT. Mato Grosso, Brasil. E-mail: roseney@terra.com.br
IIDoutora em Enfermagem. Professora da FAEN/UFMT. Mato Grosso, Brasil. E-mail: laurafil1@yahoo.com.br
IIIMestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FAEN/UFMT. Mato Grosso, Brasil. E-mail: marlynepo@hotmail.com
IVMestrando em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FAEN/UFMT. Bolsista pelo CNPq. Mato Grosso, Brasil. E-mail: leandro.mufato@yahoo.com
VMestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FAEN/UFMT. Bolsista pelo CNPq. Mato Grosso, Brasil. E-mail: geohagata@yahoo.com
Correspondência Correspondência: Roseney Bellato Avenida Anita Garibaldi, Rua B, 85 78075-190 - Jardim Universitário, Cuiabá, MT, Brasil Email: roseney@terra.com.br
RESUMO
Trata-se de estudo com o objetivo compreender como o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem contribuído na efetivação do direito à saúde, ao atuar como mediador formal no sentido de responder às necessidades de saúde demandadas por pessoas e famílias no contexto do Sistema Único de Saúde. Constitui estudo qualitativo, descritivo-exploratório, desenvolvido como análise documental. A base documental encontra-se arquivada em "banco de dados de domínio público", constituindo-se em arquivos acessíveis e disponibilizados no Portal Institucional do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. As decisões judiciais compuseram nosso corpus de dados. Nossos resultados apontam que o judiciário tem buscado resolver contendas no âmbito do próprio poder público, limitando sua função mediadora na garantia do direito à saúde, sendo este direito tomado de forma reduzida ao fornecimento de alguns insumos e procedimentos.
Descritores: Direito a saúde. Enfermagem. Família. Aspectos judiciais.
ABSTRACT
This study is aimed to understand how the Court of the state of Mato Grosso has contributed in the effectuation of the right to health, while acting as a mediator formal towards to respond to health needs required by people and families in the context of the public health system in Mato Grosso. Study is qualitative, descriptive and exploratory analysis of documents developed as. The document base is stored in "database of public domain", thus becoming accessible files and made available on the Institutional Portal of the Court of the state of Mato Grosso. Judicial decisions comprised our sample data. The results indicate that the judiciary has sought to resolve disputes within the public administration itself, limiting its mediating function to guarantee the right to health, being this right taken in a reduced form of to provide certain inputs and procedures.
Descriptors: Right to health. Nursing. Family. Legal aspects.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo entender cómo el Tribunal de Justicia del estado de Mato Grosso ha contribuido en la efectuación del derecho a la salud, cuando actua como mediador formal en el sentido de atender las necesidades de salud exigidas por las personas y familias en el contexto del Sistema Único de Salud. Estudio cualitativo, descriptivo-exploratório desarrollado com análisis de documentos. La base de los documentos se presente em "base de datos de dominio público", que constituyen en archivos accesibles y disponibles en el Portal Institucional del Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Las decisiones de los tribunales conforman nuestro corpus de datos. Nuestros resultados señalan que el poder judicial ha tratado de resolver las disputas dentro de la propia administración pública, limitando su papel de mediador para garantizar el derecho a la salud, y este derecho puesto de forma reducida en el suministro de ciertos insumos y procedimientos.
Descriptores: Derecho a la salud. Enfermería. Familia. Aspectos legales.
INTRODUÇÃO
Em estudos em torno da experiência de adoecimento e busca de cuidados de pessoas e famílias, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), no Estado de Mato Grosso,1-2 tem sido possível compreender como as instâncias jurídicas têm contribuído na efetivação do direito à saúde, ao atuar como mediadores, modificando Itinerários Terapêuticos (ITs) de pessoas e famílias. O IT tem sido considerado uma Tecnologia Avaliativa em Saúde, pois permite mostrar a "peregrinação" de pessoas e famílias, com agravos de saúde das mais diversas naturezas, pelos diferentes níveis da atenção, pelos profissionais de saúde que os atenderam, e o modo como isto se deu, mapeando-os em diferentes cidades. Permite, ainda, avaliar a resolutividade alcançada em cada um desses lugares, os múltiplos custos desta experiência de adoecimento, as redes para o cuidado em saúde que são construídas por estas pessoas, mostrando-nos de que forma o direito à saúde tem sido consubstanciado no SUS.2
Nessas redes, evidenciamos algumas instâncias da esfera jurídica, que têm sido acionadas pelas pessoas e famílias, no sentido de mediar a consecução do direito à saúde; constituindo-se, então, como mediadores formais, qualificados como tal, dada sua finalidade institucional, pois são instâncias que têm como atributo primordial, a mediação de conflitos, tal como o Ministério Público, as Defensorias Públicas e o Tribunal de Justiça.3 Como pressuposto inicial, consideramos que estas instâncias têm atuado como mediadoras formais, modificando, em certa medida, os ITs das pessoas, seja na obtenção do acesso às tecnologias e insumos, como medicamentos e exames, seja dando visibilidade às necessidades de saúde ainda não reconhecidas pelos serviços e profissionais de saúde.
O direito à saúde é um dos principais direitos reconhecidos no Brasil, tendo importante destaque na Constituição Federal,4 que define a saúde como um direito social fundamental, de caráter universal, a ser assegurado pelo Estado, e efetivado por intermédio de políticas sociais e econômicas. Este direito fundamental à saúde é reafirmado na Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990, onde se dispõe "sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências".5:1
Apesar deste reconhecimento constitucional, no Estado de Mato Grosso, instituições jurídicas têm sido acionadas com objetivo de assegurar a efetivação dos direitos dos cidadãos à saúde, sendo que, especificamente com este trabalho, interessa-nos esta demanda no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), cuja missão é garantir a realização da Justiça através da atividade jurisdicional, visando à paz social.6
O objetivo geral deste estudo foi compreender como o TJMT tem contribuído na efetivação do direito à saúde, ao atuar como mediador formal, no sentido de responder às necessidades de saúde demandadas por pessoas e famílias no contexto do SUS/MT, e os objetivos específicos foram: tipo de demanda do direito à saúde, relacionando-a ao agravo em saúde; discurso jurídico em relação à demanda - pelo autor e pelo réu ou seu representante, bem como, argumento da concessão ou negativa do direito pelo magistrado; e a função mediação desta instância e sua efetividade.
METODOLOGIA
Estudo qualitativo, descritivo-exploratório,7 desenvolvido como análise documental, tendo como documento o texto impresso das decisões judiciais em segunda instância, no TJMT, de demandas do direito à saúde.
O documento é, aqui, considerado memória, e constitui uma fonte preciosa por meio da qual se pode reconstituir testemunho de uma atividade particular;8 no caso, do sistema judicial em nosso Estado. Útil, também, pois não se trata de um fragmento qualquer de documento, mas do inteiro teor de um julgamento de uma demanda do direito à saúde e, se o pesquisador trabalha com documento, ele deve localizar textos pertinentes e avaliar sua credibilidade e representatividade, embora nossa dificuldade inicial para interpretarmos o discurso repleto de termos e conceitos que nos são estranhos, pois são constituídos no campo do Direito.
Nossa fonte de documento foi primária, contendo os relatos e alegações de Desembargadores, nos autos da demanda do direito à saúde; desta forma, nestes autos consideramos que existam depoimentos qualificados da magistratura em nosso Estado em relação à temática direito à saúde. A base documental encontra-se arquivada em "banco de dados de domínio público", constituindo-se em arquivos acessíveis e disponibilizados no Portal Institucional do TJMT, no link Jurisprudências em "serviços disponíveis", em formato eletrônico PDF. Desta forma, constituem-se em documentos públicos em arquivos governamentais de natureza jurídica8, nomeados "decisões judiciais".
Este arquivo está organizado segundo alguns critérios de classificação8 do próprio TJMT, dentre eles as Câmaras Julgadoras, nas quais fizemos uma busca preliminar com fins de localizar o "lugar", neste arquivo, onde pudéssemos constituir um corpus satisfatório de documentos interessantes para nosso objeto de estudo, sendo este lugar definido como as Câmaras Cíveis e as Turmas de Câmaras Cíveis Reunidas de Direito Privado, em número, respectivamente, de seis e duas.
A partir desta delimitação de lugar, utilizamos alguns critérios de inclusão, para a realização da busca nestas câmaras: 1) por "inteiro teor" dos processos; 2) pelo "filtro da pesquisa", descritor "direito à saúde"; 3) processos julgados por todos os magistrados (incluindo os aposentados); 4) demandas julgadas no período de 01 de abril de 2008 a 31 de março de 2009, independente da data de início do processo; 5) classe do processo - de mandado de segurança e mandado de segurança coletivo.
Na busca realizada, todas as câmaras continham matéria de direito à saúde de nosso interesse, sendo capturados os arquivos em PDF, num total de 346 processos, os quais, a partir do critério de exclusão, arquivos repetidos, totalizaram 338 que constituíram nosso banco de dados. O período de busca foi de abril a junho de 2010, envolvendo um grupo de pesquisadores, mestrandos e alunos de iniciação científica.
Cada processo foi lido de modo a conhecermos seu inteiro teor e elegermos seus componentes estruturais básicos, uma vez que, desta primeira leitura, depreendemos que estes processos, em sua natureza jurídica, têm uma linguagem própria e segue certa ritualística processual.
Estes componentes subsidiaram a construção de uma tabela descritivo-analítica, construída no programa Excel (Windows 2007), na qual o texto de cada processo foi decomposto, esgotando as informações nele contida. Esta tabela foi composta, assim, por pré-categorias, que nos deram as informações de cada um dos 338 processos em relação a: 1) número do protocolo; 2) câmara julgadora; 3) comarca; 4) tipo de recurso; 5) autor; 6) réu; 7) data da propositura na instância de 2º grau; 8) data do julgamento; 9) ementa; e 10) objeto de demanda. Desta forma, esta tabela orientou a captura das informações em cada processo, permitindo, ainda, um mapeamento geral do nosso banco de dados. Os dados assim dispostos foram submetidos à procedimento analítico, quantitativo em sua distribuição absoluta e relativa, e qualitativo, em sua análise discursiva, especificamente ao discurso contido na ementa dos processos.
A pesquisa matricial à qual este estudo se vincula foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Julio Muller, por meio do protocolo no 671/CEP-HUJM/09, embora neste momento o corpus analisado seja de domínio público.
RESULTADOS
Resultados preliminares desta pesquisa9 evidenciaram que, dos 338 processos analisados, a comarca da capital de Mato Grosso - Cuiabá foi aquela onde mais se originou demandas, ou seja 56,80% (192). A segunda maior demanda é originada no município de Várzea Grande, correspondente a 8% (27), seguido pelos municípios de Sinop (18), Rondonópolis (15), Tangará da Serra (14) e Alta Floresta (11), representando, juntas, 17,15%; as demais demandas, 18,04% (61), se distribuem por 25 diferentes municípios.
A distribuição de demanda parece acompanhar a distribuição populacional no Estado, mas não somente, uma vez que Sinop (110.513 hab.) e Sorriso (57.799 hab.) têm distribuição bastante desigual de demandas, respectivamente, 18 e dois. Elas são cidades vizinhas, situadas na região centro-norte do estado, sendo que Sorriso é sede de uma Regional de Saúde, o que talvez contribua para uma menor demanda jurídica; entretanto, a influência da estruturação de serviços de saúde e de serviços judiciais na geração de demandas do direito à saúde, necessita de estudos mais aprofundados.
As demandas seguintes (cinco a 10) estão distribuídas por três diferentes cidades; enquanto que menores demandas (uma a quatro) se distribuem por 21 diferentes cidades, sendo que, destas, nove cidades apresentam apenas uma demanda. Estas, em seu conjunto, representam 22,05% da demanda.
Os resultados preliminares9 apontam ainda que 95,27% (322) dos processos, são denominados como "recurso", pois consistem em ações que tramitam em segunda instância no sistema jurídico, ou seja, no TJMT. Recurso é o modo pelo qual a parte que se considera prejudicada por uma decisão judicial se dirige à autoridade que a deferiu, ou à autoridade superior, para obter mudança ou anulação da decisão já tomada.10
Desses 322 recursos, predominou o "recurso de agravo" (245), representando 77,78% do total. Já o "agravo de instrumento" constitui-se em maioria (218) dos "recursos de agravo", com 88,98% dos processos.9 Na linguagem jurídica, o termo "agravo" é utilizado para designar um recurso contra uma decisão interlocutória, ou seja, aquela que é deferida antes do término do processo como um todo. No caso do "agravo de instrumento", este é interposto quando as decisões podem causar lesão grave e de dificil reparação a uma das partes.9 Desta forma, do conjunto dos recursos no TJMT, as demandas do direito têm sido majoritariamente interpeladas como "agravo", dando-se celeridade ao processo na instância jurídica, subentendendo-se o provável risco à vida relacionado ao direito violado, o que será analisado mais detidamente mais à frente, com base no discurso jurídico contido na ementa dos processos.
O autor do processo, ou seu demandante, é diferentemente nomeado, podendo ser: agravante, apelante, embargante, impetrante ou interessado. Todos têm em comum o fato de ter parte na causa e, inconformados com a decisão judicial, recorrem da decisão ou despacho dado pelo magistrado, interpondo um recurso; também aquele que pede ou requer que seja a bem de seu direito, tendo legítimo interesse por uma coisa que deva merecer proteção legal. Isto é importante, pois, dos 338 processos, o grande demandante no TJMT é o próprio poder público (290), seja o Estado de Mato Grosso (278), ou um de seus municípios (12), o que representa 85,80%. O usuário como demandante (27), corresponde à 7,99% dos processos. Dos processos restantes (6,21%), ressaltamos a demanda realizada por convênios, públicos - Mato Grosso Saúde (2), ou privados - Unimed Cuiabá (3), e, ainda, o Ministério Público (3) e Defensoria Pública (1), como autores.
O poder público, como autor destes processos, ocorre por tratar-se de ações que estão em 2ª instância, ou seja, o usuário, não obtendo resposta a uma necessidade específica11 em um serviço público de saúde, entra com uma ação judicial para consegui-la. Em seguida, o poder público, representado na maioria dos processos pelo Estado de Mato Grosso, interpõe "de ofício", com ação recursal em 2ª instância no TJMT, nos processos em que é réu em 1ª instância.
Já o Ministério Público é réu na maioria dos processos (152) em 2ª instância, num total de 44,97% dos processos, pois representou o usuário na ação em 1ª instância. Desta forma, temos duas grandes instituições que se debatem na maioria dos processos: de um lado, o Ministério Público, representando o usuário; e o Estado de Mato Grosso, tornando-se demandante em grau recursal.
O TJMT, face à autoria em segunda instância, recebeu e deu provimento parcial ao Estado de Mato Grosso a apenas 3,41% dos recursos (11); sendo os demais rejeitados e improvidos. Ou seja, buscou manter a decisão inicial de 1ª instância, acolhendo a demanda do usuário, na garantia do direito à saúde.
As análises a seguir são baseadas nas ementas dos processos, que contém seu resumo e a decisão do magistrado, estruturada em duas partes: a primeira contém as palavras-chave, ou expressões que indicam o que foi discutido; e a segunda, é o resultado do julgamento, o "acórdão".8
Nessa análise emergem com frequência a citação do "direito à saúde", embasado na Constituição Federal, as "obrigações do Estado em prover este direito", a negação do magistrado às justificativas do autor, para o não fornecimento das demandas solicitadas, sendo que a maior demanda foi de medicamentos.
Em relação ao objeto da demanda, predominou o pedido por medicamentos (162), representando 47,93% dos 338 processos. Considerado como elemento significativo do cuidado à saúde, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Medicamentos para garantir a segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, seu uso racional e o acesso da população àqueles medicamentos considerados essenciais.12
A partir desta Política, foram criadas listagens de medicamentos a serem fornecidos pelo SUS, desde os essenciais aos fármacos de alto custo. Contudo, mesmo com estas garantia, a maioria dos processos, em nosso estudo, foi de demanda por medicamentos, o que evidencia dificuldades em sua disponibilidade no sistema público de saúde em Mato Grosso, em consonância com realidades encontradas em todo o país13, onde medicamentos constituem a demanda primeira ao judiciário.
Estudos evidenciam que, mesmo com o aumento de demanda judicial por medicamentos, não ocorre igual incorporação de novos fármacos nas portarias e protocolos clínicos.14 O mesmo vale para procedimentos e insumos solicitados que, mesmo sendo demandados com frequência, como é o caso dos suplementos alimentares, não são incorporados pelas portarias. Contudo, estudos mais detalhados do nosso corpus de análise devem, ainda, apontar se ela ocorre por fármacos novos ou por medicamentos que já compõem a Política Nacional de Medicamentos, mas que não estão disponíveis no SUS.
As alegações do Estado do Mato Grosso para o não fornecimento dos medicamentos requeridos dizem respeito, primeiramente, à sua gestão orçamentária, o que não permitiria o seu fornecimento "gratuito"; também é alegado que os medicamentos demandados não constam em portarias e protocolos clínicos neste Estado. Estudo9 revelou que, em geral, tais alegações são contestadas pelos magistrados, com o argumento de que as questões financeiras e o cumprimento de protocolos clínicos não estão acima do direito à vida. Outros estudos afirmam que os orçamento para a saúde é limitado frente à demanda.15-17 Outros ainda, afirmam que o fato de ser limitado, não significa que ele é inflexível,15 devido possuir diversas fontes, como prevê a Constituição Federal, além do país possuir grande potencial de negociação para que possam ser adquiridos novos fármacos.14
As alegações do Estado são negadas, na maioria das ementas por nós analisadas, conforme apontado anteriormente, devido à saúde ser um direito e, segundo o discurso jurídico, a vida constitui um bem maior e inviolável. Assim, o direito à saúde é mencionado em todas as ementas das decisões judiciais, descrito de modo recorrente das seguintes formas: "direito à saúde assegurado pela constituição"; "direito à vida e saúde", "saúde - direito de todos indiscriminadamente" e "a Constituição Federal garante a todos a inviolabilidade do direito à vida" (art. 5°, caput).
O direito à saúde é a principal alegação para deferir a sentença em favor dos usuários, o que nos permite refletir que este direito é a garantia máxima prevista pela constituição, estando acima de todas as portarias e protocolos clínicos estabelecidos pelo estado, como nesta frase, que aparece constantemente nas decisões dos magistrados: "[...] o direito à saúde não pode ser relativizado em detrimento de políticas administrativas - preceito constitucional [...]" (decisão judicial 41).
Ressaltamos que o Brasil é um dos únicos países no mundo que garantem o direito à saúde, e não o direito a serviços de saúde;15 contudo, questionamos se este direito, tal como alegado pelo discurso jurídico, não tem se limitado a recortes de necessidades, pois estas são muito mais ampliadas,11 porém pouco visibilizadas. No procedimento judicial, esta necessidade se apresenta, desde o seu início, como requerimento por alguns insumos e procedimentos, tais como medicamentos, exames ou cirurgias. Desta forma, indagamos da possibilidade de resolutividade e efetividade do direito à saúde, por meio da função mediadora da instância TJMT.
Concordamos que o direito à saúde requer acesso universal aos cuidados de saúde, com recursos necessários para provê-los, oferecidos por serviços de qualidade,11 envolvendo esforços intersetoriais e sendo definido como um Direito Social,5 o que envolve ações mais amplas do que apenas o fornecimento pontual de insumos específicos.
Juntamente com a alegação do direito à saúde, o magistrado afirma ser dever do Estado proteger e prover tal direito à população: "O Estado, na proteção à saúde, é obrigado a fornecer, gratuitamente, medicamentos aos administrados hipossuficientes, não podendo, normas infralegais, de caráter exclusivamente regulamentares, limitar o alcance do referido direito social que, como sabido, é imperativo e de caráter imediato" (decisão judicial 63).
Baseando-se prioritariamente na Constituição Federal, o magistrado concede, na maioria das vezes, a demanda solicitada. Alguns estudos questionam a ação do judiciário em relação à concessão de demandas contra o Estado, pois trazem que as necessidades são infinitas, mas que os recursos financeiros não.17
O procedimento judicial, tal como visualizado nos 338 processos por nós analisados, não incorpora um acompanhamento daquilo que foi decidido favoravelmente ao usuário; e não há um controle do benefício concedido em relação à necessidade existente, ou não mais, ao longo do tempo. Desta forma, o jurídico não possui mecanismos para acompanhar se a decisão se efetivou; bem como, de seus efeitos na experiência de adoecimento do usuário.
Compreendemos que a demanda judicial tem início em uma necessidade não atendida no campo saúde, pois dependentes de práticas de gestão e atenção eficazes, que possam responder aos princípios de Integralidade e Resolutividade em Saúde, embora as alegações sejam, na demanda de medicamentos, geralmente justificadas por não atender consensos, via protocolos e portarias. Assim, o judiciário tem buscado resolver contendas no âmbito do próprio poder público, limitando sua função mediadora na garantia do direito à saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a promulgação da Constituição Federal, a atenção à saúde passa a ser responsabilidade do Estado, orientada pelos princípios fundamentais de Universalidade, Integralidade e Equidade, organizada de forma descentralizada e com a participação social. Porém, mesmo tendo sido organizada por meio de dispositivos legais e administrativos, estas garantias não se mostram ainda, efetivas para concretizar o direito à saúde. Embora haja a garantia constitucional do direito à saúde, pessoas em adoecimento têm acionado o TJMT ao não terem suas demandas acolhidas nos diferentes serviços de saúde em nosso estado. Assim, por meio de demandas judiciais buscam a efetivação de tal direito.
Esta demanda judicial do direito à saúde, em nosso Estado, foi qualificada neste estudo, de forma que elas são, em geral, pontuais, com elementos de necessidades individuais bastante recortadas; a maioria por medicamentos, que não permitem conferir visibilidade às necessidades ampliadas de usuário, tal como aquele que vivencia uma condição crônica, considerando-se que esta afeta sua vida ao longo do tempo e com necessidades variadas, e os benefícios concedidos, o são, pontualmente, não gerando ações de cunho coletivo que possam reorganizar os serviços de saúde e sua oferta de cuidado.
Faz-se necessário refletir sobre o modo de mediação realizada pelo poder judiciário, com vista à sinergia de esforços entre este e o campo da saúde, contribuindo para a reorganização da rede de atenção à saúde garantindo a Integralidade e Resolutividade. Espera-se que seus resultados contribuam para efetivação do direito à saúde no campo profissional, dentre ele, a enfermagem, na medida em que aponta limitações e possibilidades da instância mediadora na consecução de mecanismos efetivos de cidadania de pessoas, no âmbito da atenção em saúde.
1 Estudo vinculado à pesquisa matricial - As instituições de saúde e do poder judiciário como mediadores na efetivação do direito pátrio em saúde: análise de itinerários terapêuticos de pessoas/famílias no SUS/MT, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania da Faculdade de Enfermagem (FAEN) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Jul 2012 -
Data do Fascículo
Jun 2012