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ENSINO DE ENFERMAGEM NA ÉPOCA DO ESTADO NOVO: O CASO DA ESCOLA MEDALHA MILAGROSA

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar como ocorreu a criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em 1945. Trata-se de estudo sócio-histórico que utiliza estratégia de análise ancorada no pensamento de Pierre Bourdieu. Foram utilizadas fontes primárias e secundárias. Como resultado, discute-se a figura central do Estado Novo e sua interpenetração historicamente autoritária na esfera societal e econômica, bem como o processo no qual se configura o campo de forças e de lutas construído pela ação de agentes no movimento de criação dessa escola. No campo organizacional e burocrático são observadas disputas entre o Estado, a Igreja e o meio acadêmico. Há evidências relacionadas à inovação que essa escola significou no campo da saúde e educação, bem como à atuação dos agentes que a criaram nos moldes da enfermagem moderna.

DESCRITORES:
História da enfermagem; Instituições acadêmicas; Estado

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze how the creation of the Medalha Milagrosa Nursing School took place in 1945. This is a socio-historical study that uses an analytical strategy anchored in Pierre Bourdieu's thought. Primary and secondary sources were used. As a result, the central role of the New State (Estado Novo) and its historically authoritarian interpenetration in the societal and economic spheres are discussed, as well as the process through which the field of forces and struggles was constructed by the players during the movement to create this school. In the organizational and bureaucratic field, disputes between the State, the Church, and the academic environment are observed. There is evidence related to the innovation that this school meant in the fields of health and education, as well as to actions taken by the players who created it according to the patterns of modern nursing.

DESCRIPTORS:
History of nursing; Academic institution; State

RESUMEN

Este artículo objetiva analizar cómo se dio la creación de la Escuela de Enfermería Medalha Milagrosa, en 1945. Esto es un estudio socio-histórico que utiliza una estrategia de análisis anclada en el pensamiento de Pierre Bourdieu. Se utilizaron fuentes primarias y secundarias. Como resultado, se discute la figura central del Estado Novo y su interpenetración históricamente autoritaria en la esfera societal y económica, así como el proceso mediante el cual se establece el campo de fuerzas y de luchas construido por la acción de agentes en el movimiento para crear esta escuela. En el campo organizacional y burocrático, se observan disputas entre el Estado y la Iglesia y el ambiente académico. Hay evidencias relacionadas con la innovación que esta escuela significó en el campo de la salud y la educación, así como con la actuación de los agentes que la crearon según los moldes de la enfermería moderna.

DESCRIPTORES:
Historia de la enfermería; Instituciones académicas; Estado

INTRODUÇÃO

Tomando como ponto de partida as repercussões político-institucionais e organizacionais produzidas pela atuação do Estado Novo e seu poder despótico e infraestrutural, focaliza-se a criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em 1945, no final do primeiro Governo Vargas.

No referencial que confere sustentação ao estudo, elaborado à luz de um processo sócio-histórico, procurou-se combinar duas estratégias interdependentes de análise: uma que dá ênfase à visão estadocêntrica, que aponta a figura central do Estado como principal mentor e articulador do desenvolvimento socioeconômico, dando margem ao entendimento do significado da interpenetração historicamente autoritária do Estado na sociedade brasileira.11. Keinert TMM. Administração pública no Brasil: crises e mudanças de paradigmas. 2ª ed. São Paulo: Annablume; 2007.

O enfoque recai sobre os argumentos ligados a um Estado forte, que concentra poder e consegue se impor à sociedade na qual intervém.22. Bresser-Pereira LC. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: Bresser-Pereira LC, Wilheim J, Sola Lourdes S, organizadores. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo (SP): Ed. Unesp; 1999. p. 65-72. No Estado Novo, isso transparece, inclusive, no que tange ao enfoque dado à educação e na necessidade da reforma educacional, cuja realização sofre forte influência do regime autoritário liderado por Getúlio Vargas.33. Bomeny HMB. Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo. In: Pandolfi D, organizador. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro (RJ): Ed. FGV; 1999. p.137-66.

A segunda estratégia de análise recai sobre o processo no qual se configura o campo de forças e de lutas construído pela ação de agentes no movimento de criação e funcionamento da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa. As implicações em estudos de tal natureza consistem em buscar entender a dinâmica social promovida pelos agentes que ocupam determinado espaço, direcionada por ações e interações ambientais próprias de um campo organizacional em construção.

Nesse sentido, considera-se a posição que certos agentes ocupam em determinado espaço social, embora ela seja relativa. O espaço social, por sua vez, possui várias dimensões formalmente construídas e baseadas em princípios de diferenciação ou de distribuição, por fazer parte do conjunto das propriedades que atuam no universo social, o que propicia aos agentes ou grupos de agentes ser detentores de força ou poder nesse universo.44. Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 1989.

O estudo do caso da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa mostra os vínculos entre o plano político-institucional e, também, o organizacional. Por um lado, aborda-se o contexto do Estado Novo; por outro, busca-se identificar novos insights de agentes atuantes na configuração institucional de seus ambientes e do poder, principalmente da capacidade de que são detentores, não apenas no âmbito organizacional. Isso porque, no que se refere ao campo organizacional, é necessário transcender e chegar ao contexto social.55. Scott WR. Institutions and organizations. Thousand Oaks, CA (US): Sage; 1995.-66. Dimaggio P, Powell W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. In: Powell W, Dimaggio P. The new institutionalism in organizational analysis. Chicago, IL (US): University of Chicago Press; 1991. p. 63-82.

A reflexão temática reconhece que se remete a um Estado forte e autônomo,77. Evans P. Predatory, developmental, and other apparatuses: a comparative political economic perspective on the Third World State. Sociological Forum. 1989; 3(4):561-87.-88. Migdal JS. Strong States, weak States: power and accommodation. In: Weiner M, Huntington SP, organizadores. Understanding political development. Boston, MA (US): Little Brow; 1987. p. 391-434. cuja abordagem quase sempre surge nos estudos realizados em países marcados pelo autoritarismo, como é o caso do Brasil. Nos países capitalistas avançados, as linhas de pesquisa empírica tendem a se concentrar no Estado como ator e no Estado como estrutura institucional.99. Skocpol T. Bringing the State back. In: Evans M, Skocpol T, organizadores. Strategies of analysis in current research. Cambridge (UK): Cambridge University Press; 1985. p. 3-35.

Um Estado forte, como se pode caracterizar o Estado Novo, é aquele que sabe fazer valer as regras do jogo político junto à sociedade que busca governar, sem, necessariamente, utilizar os meios coercitivos colocados à sua disposição, lançando mão dos "incentivos" e dos recursos alternativos para realçar suas próprias posições e obter aceitação no contexto socioambiental.1010. Mann M. The autonomous power of the State: its origins, mechanisms and results. European J Sociol. 1984; 25(2):185-213.

A análise, aqui realizada, justifica-se em função do contexto estudado, no qual se identifica a crescente autonomia estatal necessária para lidar com sociedades cada vez mais complexas e, ao mesmo tempo, para investigar os mecanismos que propiciam a criação de instituições que darão suporte a essa estrutura em processo de desenvolvimento.1111. Souza, MCC. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo (SP): Alfa-Omega; 1990.

Pode-se ilustrar esse ponto distinguindo dois tipos de poder estatal: o poder despótico e o poder infraestrutural.1010. Mann M. The autonomous power of the State: its origins, mechanisms and results. European J Sociol. 1984; 25(2):185-213. Inter-relacionados, esses poderes demonstram o modo logístico e político de interpenetração do Estado na base material da sociedade, mediante a imposição de estratégias restritivas ao jogo democrático, como é o caso do Estado Novo. Quanto maior o poder despótico imposto infraestruturalmente pelo Estado, em face dos atores sociais, maior a dimensão de seu autoritarismo.1010. Mann M. The autonomous power of the State: its origins, mechanisms and results. European J Sociol. 1984; 25(2):185-213. Tal gradação e variação gera diferentes repercussões político-institucionais, que ajudam a entender como foram criadas determinadas instituições, mesmo diante da repressão, e como se obteve cooperação das forças objetivas em ação. Tais questões são examinadas com atenção, pois consubstanciam o estudo aqui apresentado.

O Estado Novo, que vigorou no período de 1937 a 1945, sob o comando de Getúlio Vargas, tipifica os argumentos aos quais já se fez referência, principalmente pelo caráter autoritário e ditatorial,1111. Souza, MCC. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo (SP): Alfa-Omega; 1990. exemplificado por uma Constituição outorgada, que suprimiu os partidos políticos e dissolveu o Congresso Nacional,1212. D'Araújo MC. O Estado Novo. Rio de Janeiro(RJ): Jorge Zahar; 2000. as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais.

A ditadura do Estado Novo foi instaurada por meio de um golpe de Estado, que implantou um governo autoritário, cujas principais características se pautavam em culto à nação, crítica à democracia, hostilidade ao marxismo, admiração pelas virtudes, demonstração ritualística de emblemas e figuras exemplares, obediência a um líder e controle dos meios de comunicação.1313. Naiff DGM, Sá CP, Naiff LAM. A memória social do Estado Novo em duas gerações. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2008 [cited 2015 May 13]; 28(1):110-21. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v28n1/v28n1a09.pdf
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-1414. Santos TCF, Barreira IA, Almeida Filho AJ, Oliveira AB. The Franco and Vargas dictatorships: implications of the consecration of maternity for nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2010 [cited 2015 Oct 23]; 19(2):317-24. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072010000200013
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Desse modo, a nova ordem social, em consonância com a ideologia fascista, demandou uma série de estratégias políticas e simbólicas, com vistas a sustentar o novo regime, ao mesmo tempo que reforçou a ideia de que a democracia liberal estava totalmente aniquilada.

O poder pessoal de Getúlio Vargas também se consolidou mediante estratégias que visavam à personificação do mito, com a ajuda do Estado. Para tanto, em 1939 foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda, que estimulava o culto do Estado e da figura de Getúlio Vargas,1414. Santos TCF, Barreira IA, Almeida Filho AJ, Oliveira AB. The Franco and Vargas dictatorships: implications of the consecration of maternity for nursing. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2010 [cited 2015 Oct 23]; 19(2):317-24. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072010000200013
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estendido até sua saída do poder. Eram organizados desfiles, manifestações e programas de rádio, que se encarregavam de comemorar, em 19 de abril, o aniversário do ditador, com vistas a enaltecer suas qualidades pessoais44. Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 1989. e garantir a disseminação social por meio de dispositivos simbólicos de manipulação e coação,1515. Camargo A. Carisma e personalidade: da conciliação ao maquiavelismo. In: D'Araújo MC, organizador. As instituições brasileiras da Era Vargas. Rio de Janeiro (RJ): Ed. FGV; 1999. p. 13-33. mediados pelo reconhecimento tácito da autoridade, quando a pessoa apreende quem sobre ela exerce autoridade e pode exercê-la de direito, contribuindo para que o destinatário reconheça a pessoa consagrada como porta-voz autorizada a falar em nome do grupo que comanda.

A educação, durante a intervenção do Estado Novo, considerava fundamentais valores como o culto à nacionalidade, à disciplina, à moral e ao trabalho, entre outros. Os postulados pedagógicos, na época, eram considerados completos e tinham no trabalho um ideal educativo de aprender fazendo.1616. Pandolphi D, organizador. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro (RJ): Ed. FGV; 1999.

No campo da saúde, as transformações1717. Hochaman G. Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930-1945). Educar [Internet]. 2005 [cited 2015 Oct 23]; 25:127-41. Available from: http://www.scielo.br/pdf/er/n25/n25a09.pdf
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das políticas públicas que ocorreram no primeiro Governo Vargas (1930-1945) foram notórias quanto aos aspectos dos avanços, como ter uma base infraestrutural com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), em novembro de 1930, em resposta aos anseios do movimento sanitarista da Primeira República.1818. Santos LAC. O pensamento sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção da nacionalidade. Rev Ciênc Sociais. 1985; 28(2):193-210.

Essa época marcou, sem sombra de dúvida, o período da saúde pública no Brasil. Estando no governo à frente do MESP (1934-1945), Gustavo Capanema centralizou e profissionalizou a saúde pública e associou-a a um ideário nacionalista de Estado forte e autoritário,1717. Hochaman G. Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930-1945). Educar [Internet]. 2005 [cited 2015 Oct 23]; 25:127-41. Available from: http://www.scielo.br/pdf/er/n25/n25a09.pdf
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no âmbito de um processo de reforma por ele realizado. A partir de 1937 instaurou-se o regime ditatorial.

Só em 1947, no entanto, foram retomadas as discussões no campo da saúde pública, com o Congresso Brasileiro de Higiene, suspenso desde 1930. O último Congresso Brasileiro de Higiene havia ocorrido em 1929, em Recife-PE, em sua quinta edição. Já havia um movimento para a criação de uma escola para enfermeiras, anexa ao Hospital do Centenário, que não ocorreu. Em 1938, esse hospital sofreu intervenção.

Então, em 1945, foi criada a primeira escola para "enfermeiras de alto padrão", segundo a Ata de criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, ligada ao Hospital Pedro II.1919. Abrão FMS, Almeida MCP. Primórdios da enfermagem em Pernambuco: raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Recife (PE): Ed. UPE; 2007.

Vale investigar o que significou para o campo da saúde criar uma escola em Recife-PE, em fins do Estado Novo, comparada à Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). Esta foi criada em 1923, na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Em 1945, já havia formado sua 20ª turma e vivenciava a mesma realidade de um regime ditatorial. A pergunta, então, é: quais foram as repercussões do Estado Novo no ensino de enfermagem em Pernambuco, especialmente no caso da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa?

A Reforma Capanema estruturou o ensino industrial, reformou o ensino comercial e criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a partir de Leis Orgânicas do Ensino,2020. Fundação Getulio Vargas. Relatório de atividades do MEC (1930-1935) por Gustavo Capanema. Rio de Janeiro (RJ): Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil; 1946. e repercutiu na enfermagem. Com a Constituição de 1937, a EEAN se integra ao sistema universitário imposto à época, sendo incorporada à Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua caracterização, como instituição de educação complementar, surge com a Lei n. 452/1937, sob a direção da enfermeira norte-americana Bertha Lucille Pullen.2121. Baptista SS, Barreira IA. Anna Nava, baluarte da Escola Anna Nery (anos 1940/1970). Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2009 [cited 2015 Oct 23]; 13(3):543-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a13
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Mais tarde, em 1945, a EEAN passou a ser considerada unidade de ensino, por meio do Decreto-Lei n. 8.393/1945, sob a direção de Laís Netto dos Reys, que foi a primeira diretora formada pela EEAN.

Em face da contextualização do tema, e de acordo com a problemática do estudo, objetivou-se, diante das repercussões político-institucionais e organizacionais produzidas pela atuação do Estado Novo e seu poder despótico e infraestrutural, analisar como ocorreu a criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em 1945.

MÉTODO

Trata-se de estudo sócio-histórico, que encontra no pensamento de Pierre Bourdieu o referencial teórico para a análise e interpretação, com sua noção de campo e poder simbólico. A estrutura do campo e as posições-chave são definidas pelo tipo de capital e as regras do jogo,44. Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 1989. enquanto o campo de poder se dá em um espaço de relações de forças entre os diferentes tipos de capital. A história comparada é uma estratégia de investigação deste estudo; vale ressaltar que essa abordagem tem suas origens em Marc Bloch, que, em 1930, apresentou sua concepção de comparativismo.2222. Barros JDA. História comparada. Petrópolis (RJ): Vozes; 2014.-2323. Barros JDA. História comparada: da contribuição de Marc Bloch à constituição de um moderno campo historiográfico. História Social [Internet]. 2007 [cited 2015 Oct 23]; 13(1):7-21. Available from: www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/download/207/199
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Aplicar o método comparativo no quadro das ciências humanas consiste em buscar, para explicá-las, as semelhanças e as diferenças que apresentam duas séries, de natureza análoga, tomadas de meios sociais distintos. A comparação desempenha importantes funções, como pesquisar e esclarecer os aspectos específicos e gerais de cada fenômeno e auxiliar a compreender as "causas" e "origens" dos fenômenos.2424. Theml N, Bustamante RMC. História comparada: olhares plurais. Rev História Comparada [Internet]. 2007 [cited 2015 Oct 23]; 1(1):1-23. Available from: http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume001_Num001_artigo003.pdf
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Os dados deste estudo foram coletados no período de agosto de 2011 a julho de 2012. Foram utilizadas fontes primárias, como documentos escritos, a Constituição, leis, decretos, relatórios e jornais pertencentes aos arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas, da EEAN da UFRJ, da Fundação Joaquim Nabuco, da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco; já as fontes secundárias são referentes à historiografia brasileira da Era Vargas e ao ensino da enfermagem.

Os dados foram analisados após levantamento e organização das fontes primárias, que se deu por semelhanças e diferenças dos fenômenos sociais investigados. Para a interpretação, foi utilizada a Teoria do Mundo Social, de Pierre Bourdieu, que pode ser considerada aquilo que os agentes fazem a cada momento,44. Bourdieu P. O poder simbólico. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 1989. constituindo um movimento semelhante à ordem das coisas no campo.

Para entender melhor o campo e sua análise, ressalta-se a estratégia de uma visão estadocêntrica e aquela que configura o campo de forças e de lutas referente ao fenômeno estudado.

Os resultados possibilitam visualizar os agentes - termo utilizado por Bourdieu - no campo, suas lutas simbólicas, as estratégias que adotaram no campo e como se organizaram, favorecendo as bases infraestruturais na saúde e educação que influenciaram o ensino da enfermagem.

Quanto aos aspectos éticos, embora se trate de estudo que não envolve seres humanos, ele foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Saúde Amaury de Medeiros, em 2005, pois está vinculado ao projeto sobre os Primórdios da Enfermagem Profissional, realizado no período de 1922 a 1945.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Situando o caso da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa no contexto do Estado Novo, é de suma importância descrever como ela foi instalada e qual era sua posição no campo da saúde e educação, em meio ao processo de seu movimento de criação. Por outro lado, o papel do Estado e da Igreja, diante desse processo, também fez com que suas funções sociais fossem conhecidas e, posteriormente, legitimadas.

Nesse contexto, a EEAN situa-se como "escola oficial padrão", sendo a ela equiparadas as demais escolas do país*. Já a Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa teve reconhecimento federal em 1949, após quatro anos de sua criação.

A Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa: breve histórico

O ensino de enfermagem em Pernambuco tem sua origem no Hospital Pedro II, onde foi ministrada a aula inaugural de parto, em 1880, para enfermeiros e enfermeiras. Foi no Hospital Pedro II que formas isoladas de organização escolar surgiram, embora não se constitua, ainda, um campo de enfermagem, consolidado nas décadas seguintes.

Esse espírito inovador encontrou lugar em 1º de agosto de 1945, quando foram iniciadas as aulas da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, com a presença dos membros da Santa Casa de Misericórdia e das autoridades civis, acadêmicas, eclesiásticas e clínico-cirúrgicas.

A Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa passou a ter sede no Hospital Pedro II, sob a orientação da Associação Mantenedora de São Vicente de Paulo, sendo superiora a irmã Chabas e instrutora a diplomada irmã Ana Maria Sarmento.2525. Universidade de Pernambuco. Histórico FENSG (etapa 1945-1947). Recife (PE): Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças; 1947. O exame de admissão da primeira turma ocorreu em 10 de julho de 1945, ocasião em que se reuniu a banca examinadora, constituída pela irmã Rodrigues, presidente; irmã Marques, primeira examinadora; irmã Josefa Madureira, segunda examinadora; e irmã Chabas, diretora.

No exame de admissão foram aprovadas 11 alunas, após as provas escritas e orais, no mesmo dia da referida aula inaugural,2525. Universidade de Pernambuco. Histórico FENSG (etapa 1945-1947). Recife (PE): Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças; 1947. que marcou o início das atividades da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em cuja Ata de criação esteve presente o médico Fernando Simões Barbosa. Anteriormente, vale ressaltar, este participara do movimento de criação de uma escola para enfermeiras, ligada a um hospital modelo, junto com o beneditino Pedro Roeser, sem ter obtido êxito.

No caso da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, tudo leva a crer que Fernando Simões Barbosa não só se envolveu em sua criação como também passou a integrar a congregação dos professores. Inclusive, como agente no campo da saúde e educação, sabe-se que ele fora idealizador de uma escola de enfermagem, razão pela qual se entende que esse processo foi enriquecido com seu capital simbólico, por meio de seu prestígio e status social.

Já a Igreja tem importância como agente institucional devido à sua posição no campo da saúde e educação, visível na figura do Arcebispo de Olinda e Recife, dom Miguel de Lima Valverde, que presidiu a sessão inaugural da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa e apôs a primeira assinatura em sua Ata de criação, em 1º de agosto de 1945. Nesse dia, também se reuniu a comissão organizadora da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, com a presença do dr. Barros Lima, então Diretor do Departamento de Assistência Hospitalar, representantes da Junta Administrativa da Santa Casa de Misericórdia do Recife, professores da Faculdade de Medicina e membros da classe médica do Recife. A classe médica esteve representada pelo prof. Homero Marques, que fez a abertura dos trabalhos e destacou a importância médico-social da criação dessa escola.2525. Universidade de Pernambuco. Histórico FENSG (etapa 1945-1947). Recife (PE): Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças; 1947.

Do ponto de vista de seu funcionamento, as aulas da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa passaram a ocorrer com regularidade nas funções técnica, teórica e prática, com a maior eficiência, recebendo as alunas o aprendizado indispensável sobre técnica de enfermagem e sobre esterilização, material cirúrgico, ambiente operatório, manejo de pacientes em geral.

Comparando-se à EEAN, a Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa adotou rituais semelhantes, tais como: a cerimônia da touca e a utilização da lamparina nas formaturas, que ocorreram a posteriori. Ao longo do tempo, o ensino foi sendo construído em correspondência com uma identidade profissional já existente, o que contribuiu com a formação de um campo emergente na época, possibilitando vislumbrar o compartilhamento de crenças e valores. As bases cognitivas e normativas estiveram presentes nesse processo de formação de profissionais de enfermagem.

A análise evidencia que a Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, desde o início, manteve-se coerente com os valores e as normas no campo da educação, identificados com os agentes que se destacaram na pré-formação do campo organizacional55. Scott WR. Institutions and organizations. Thousand Oaks, CA (US): Sage; 1995.,1919. Abrão FMS, Almeida MCP. Primórdios da enfermagem em Pernambuco: raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Recife (PE): Ed. UPE; 2007. para a enfermagem, tema que será discutido na próxima seção, considerando que a própria configuração da forma de organização escolar esteve ligada tanto à Faculdade de Medicina, que sinaliza a presença do meio acadêmico, como ao modelo hospitalar vigente.

Embora a Igreja tenha exercido forte influência como agente mantenedor da escola, vale dizer que o Hospital Pedro II, onde ela foi instalada, era mantido pela Santa Casa de Misericórdia e recebia subvenções do Estado,1919. Abrão FMS, Almeida MCP. Primórdios da enfermagem em Pernambuco: raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Recife (PE): Ed. UPE; 2007. já no início do século XX. Isso requer, então, mencionar seu papel no contexto estudado, em bases infraestruturais antecedentes à criação da escola, que nasce no âmbito de alianças políticas e educativas que merecem atenção.

Campo organizacional da saúde e educação: o papel do Estado e da Igreja

A Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, pode ser considerada a primeira escola profissional de enfermagem em Pernambuco, o que enseja focalizar os antecedentes de sua institucionalização.2626. Tolbert PS, Zucker LG. A institucionalização da teoria institucional. In: Cleg S, Hardy C, Walter R, organizadores. Handbook de estudos organizacionais. São Paulo (SP): Ed. 34; 1998. p. 196-219.-2727. Abrão FMS, Almeida MCP. Raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Rev Bras Enferm. 2007; 60(1):26-31.

A Igreja, teve papel fundamental nesse processo ao trazer uma enfermeira francesa, em 1943, para dirigir o Hospital Pedro II; ela observou as condições das práticas de enfermagem ministradas aos pacientes e constatou a necessidade de criar uma escola para enfermeiras. A enfermeira, irmã Germaine Chabas, era da Ordem de São Vicente de Paulo, cujas irmãs de caridade já se encontravam ligadas ao Hospital Pedro II.

Em Pernambuco, bem antes, em 1922, surgiu a Associação Mantenedora do Hospital do Centenário, que reunia ação de filantropia e mobilização para um hospital modelo, onde haveria ambiente institucional favorável à luta para a criação de uma escola de enfermeiras.

Entretanto, o Hospital do Centenário foi inaugurado em 1925, com subvenções do Estado e sob influência da classe de médicos, voltado a atender à população e ao ensino médico. De natureza inovadora em suas práticas, o Hospital do Centenário procurava manter, em sua administração, tanto enfermeiras alemãs como inglesas.1919. Abrão FMS, Almeida MCP. Primórdios da enfermagem em Pernambuco: raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Recife (PE): Ed. UPE; 2007.

20. Fundação Getulio Vargas. Relatório de atividades do MEC (1930-1935) por Gustavo Capanema. Rio de Janeiro (RJ): Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil; 1946.

21. Baptista SS, Barreira IA. Anna Nava, baluarte da Escola Anna Nery (anos 1940/1970). Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2009 [cited 2015 Oct 23]; 13(3):543-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a13
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22. Barros JDA. História comparada. Petrópolis (RJ): Vozes; 2014.

23. Barros JDA. História comparada: da contribuição de Marc Bloch à constituição de um moderno campo historiográfico. História Social [Internet]. 2007 [cited 2015 Oct 23]; 13(1):7-21. Available from: www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/download/207/199
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24. Theml N, Bustamante RMC. História comparada: olhares plurais. Rev História Comparada [Internet]. 2007 [cited 2015 Oct 23]; 1(1):1-23. Available from: http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volume001_Num001_artigo003.pdf
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25. Universidade de Pernambuco. Histórico FENSG (etapa 1945-1947). Recife (PE): Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças; 1947.

26. Tolbert PS, Zucker LG. A institucionalização da teoria institucional. In: Cleg S, Hardy C, Walter R, organizadores. Handbook de estudos organizacionais. São Paulo (SP): Ed. 34; 1998. p. 196-219.

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Passada mais de uma década, já na vigência do Estado Novo, a título de promover uma reforma no serviço hospitalar do Estado, ocorreu a desapropriação do Hospital do Centenário, sobre o qual se impôs o poder estatal,88. Migdal JS. Strong States, weak States: power and accommodation. In: Weiner M, Huntington SP, organizadores. Understanding political development. Boston, MA (US): Little Brow; 1987. p. 391-434. com a intenção de atender ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado e destiná-lo a seus associados. Esse ato contrariou o poder médico, que havia possibilitado a vinda de enfermeiras para administrar o Hospital do Centenário e conseguira, com suas ideias inovadoras, obter o apoio da sociedade.

Embora isso ocorra em pleno Estado Novo, há elementos que apontam as repercussões na enfermagem, que sofreu a influência dessa disputa, e somente pôde ser reavivada quando o jogo de forças a seu favor foi revertido pela Igreja. O contraponto dessa análise reside na atuação dos agentes que respondem pela criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa.

O funcionamento da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa teve início sem ajuda oficial direta do governo, cabendo à Igreja o capital simbólico predominante no jogo de forças. Por outro lado, o Estado, como agente institucional, desempenhou papel de controle, com suas normas e valores compartilhados pelos agentes, e isso se consolidou a partir da equiparação, sem poder coercitivo, mas por aderência e identificação aos moldes da escola padrão, observada com a manutenção de rituais (embora não mais oficiais, porém, as escolas da época se adequaram aos moldes da escola padrão, perdurando os rituais da touca e das insígnias, entre outros símbolos). Então, a Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa foi reconhecida pelo decreto n. 27.281 de 30 de setembro de 1949, já sob a denominação Escola de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, após o Governo Dutra promulgar a Lei n. 775, de 06 agosto de 1949, que dispunha sobre o ensino de enfermagem no País.

Nesse período, mesmo não estando Getúlio Vargas no poder, pode-se apontar as reduzidas repercussões político-institucionais e burocráticas instaladas no movimento de criação e na luta dos agentes no campo da saúde e educação.

A formação do campo organizacional da enfermagem profissional em Recife-PE passou pelas transformações inerentes à expansão, que se verificou com afluência de mais uma escola, dessa vez por parte do Governo Dutra com o Decreto n. 1.702, de 25 de junho de 1947, que criou a Escola de Enfermagem do Estado de Pernambuco, destinada ao ensino técnico-profissional de enfermagem, com o objetivo de preparar "enfermeiras de alto padrão" para os serviços de saúde pública e assistência hospitalar.1919. Abrão FMS, Almeida MCP. Primórdios da enfermagem em Pernambuco: raízes da pré-institucionalização da formação do campo organizacional (1922-1938). Recife (PE): Ed. UPE; 2007.

Com esse ato, o Estado encampou o ensino de enfermagem, sendo essa escola inaugurada no Hospital do Centenário somente em 1950, ligada à Faculdade de Medicina, na época diferentemente da Escola de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, cuja origem está associada à iniciativa da Igreja no campo da saúde e educação.

Sob as condições precárias em que se encontrava a escola para atender às demandas da sociedade, coube à Igreja, por meio da Santa Casa de Misericórdia, doar um terreno na área livre do Hospital Pedro II para novas instalações. Isso ocorreu em face do interesse despertado por ela e da demanda por matrículas, tornando-se claro, no discurso do histórico, que era esperado que essa realização modelar aumentasse, tendo em vista a construção de um prédio. Os elogios à escola e à sua forma inovadora de atuação no campo da saúde são explícitos no discurso: "Por todos os motivos, a nova Escola é digna de ser exaltada e amparada por auxílios de iniciativa oficial e particular, dos quais estas organizações não podem prescindir".25:2

Há prenúncio da construção de um capital científico por parte da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, cujo surgimento merece comparação com o legado de Florence Nightingale, identificado com a enfermagem moderna de alto padrão modelar. Este, por sua vez, foi implantado por Ethel Parsons, durante a reforma sanitária de Carlos Chagas, que ensejou a ida de um grupo de enfermeiras norte-americanas, membros da Missão Parsons, à cidade do Rio de Janeiro, em 1921. A referida missão atuou simultaneamente na organização de um hospital escola, na organização de uma escola de enfermeiras e na instituição de um serviço de enfermeiras de saúde pública.2929. Barreira IA. Os primórdios da enfermagem moderna no Brasil. Esc Anna Nery Rev Enferm. 1997; 1(1):161-76.-3030. Barreira IA. A prática de enfermagem no Brasil: a enfermagem de saúde pública dos anos 20. Texto Contexto Enferm. 1998; 7(1):42-57.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo aborda o surgimento do ensino da enfermagem em Pernambuco, no contexto da criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em fins do primeiro Governo Vargas, conferindo ênfase ao campo da saúde e educação. Os resultados possibilitam dizer que sua criação foi, na época, um movimento inovador que evocou instituições antecedentes, como referências básicas, para que a atuação dos agentes envolvidos obtivesse êxito.

Há evidências relacionadas à inovação que essa escola representou, observada na formação de um campo para a enfermagem, ainda em construção, que possibilitam relacioná-la aos aspectos simbólicos das ações dos agentes no contexto em análise, começando pela constatação da força que tinham os moldes da enfermagem moderna, à época.

A análise situa questões de ordem político-institucional e organizacional resultantes da atuação do Estado Novo, contudo, respeita o fato de que a criação da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa ocorreu no apagar das luzes do governo ditatorial de Getúlio Vargas, em fins de 1945. O movimento observado requer que se conjuguem, inclusive, as repercussões decorrentes de atos e ações demandados pelo Governo Dutra, que sucede o Governo Vargas, denotando a transição que começara a ser desencadeada no país, mais democratizante.

Os dados são sugestivos do papel desempenhado por um Estado forte, mas que se faz representar do ponto de vista infraestrutural, com destaque para as subvenções recebidas não só pela Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, mas, também, por outras instituições que atuam no mesmo campo em formação. Esse fato não deve escapar à análise da dinâmica social na qual ocorrem as intervenções dos agentes, que ocupam os espaços e possibilitam manobras em direções diferentes, tangenciando disputas ou formando alianças para avançar rumo aos seus propósitos.

A estratégia de análise, que focaliza a configuração institucional dos ambientes e do poder necessários para criar a Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, demonstra a admiração pelas virtudes do legado da profissionalização das enfermeiras, calcado no que havia de melhor, naquilo que havia de modelar e de alto padrão no campo educacional, inclusive com a reprodução de rituais simbólicos de legitimação, não sendo surpreendente que a nova escola tenha angariado apoio social e tenha sido exaltada logo em seus primórdios, indicando evidências da geração de capital científico, nascido de bases cognitivas e normativas que se se explicitam materialmente nas realizações que brotam na análise: aulas, bancas, exames de admissão, matrículas e afluência de interessados em nela ingressar.

Nos eventos estudados são observadas representações de membros da Igreja, de médicos e professores que circulam em uma ambiência favorável à expansão do campo em Pernambuco, com o surgimento de outra entidade educativa, a Escola de Enfermagem do Estado de Pernambuco, que também devem ser consideradas.

À Igreja, por sua vez, foi reservado um destaque que supera a própria força do Estado, pois foi sob seus auspícios que o surgimento da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa teve lugar, não sendo exagero afirmar que o capital simbólico do qual foi constituída e que predomina no campo da educação e, por consequência, no da saúde, advém de seu poder para levar adiante idealizações de agentes que alimentavam sonhos acalentados ainda não realizados.

Será a Igreja que contará com aliados da filantropia, da classe médica vinculada ao Hospital Pedro II e, não menos importante, da Ordem São Vicente de Paulo, que respalda a formação dos quadros docentes, em funções técnicas e de direção, sem a qual o funcionamento da Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa ver-se-ia prejudicado.

Para concluir, então, afirma-se que esse conjunto de forças, ao qual se articulam tais agentes, proporciona suporte ao tipo de repercussões que influenciaram com maior força o ensino de enfermagem, sugerindo que esse foi o caminho percorrido pelos agentes que atuavam na formação de um campo emergente na época, onde se podia vislumbrar o compartilhamento de valores, que iria alicerçar as bases infraestruturais requeridas pelo Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, em fins de 1945.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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