RESUMO
Objetivos:
identificar as situações de violência no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde da Estratégia de Saúde da Família e descrever as condutas adotadas por esses profissionais perante as situações de violência identificadas.
Método:
estudo qualitativo, descritivo e exploratório cujo cenário foi uma Clínica da Família do município do Rio de Janeiro. Participaram 18 profissionais da saúde. Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas e submetidos à análise de conteúdo.
Resultados:
emergiram três categorias temáticas: Situações de violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família; Consequências da violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família; Atuação do enfermeiro como líder da Equipe de Saúde da Família e as estratégias adotadas perante a violência no trabalho.
Conclusões:
foram identificadas situações de violência interpessoal e a violência coletiva, exemplificadas pelo contato com a violência armada no território, discriminação racial, violência entre os pares e violência sofrida pelo usuário, como a violência doméstica, afetando diretamente o profissional. Destaca-se a importância da atuação do enfermeiro como líder da equipe da Estratégia de Saúde da Família vislumbrando o gerenciamento das situações de violência no trabalho, muitas vezes negligenciadas.
DESCRITORES
Violência no trabalho; Atenção primária à saúde; Saúde da família; Profissionais de saúde; Enfermagem; Liderança
ABSTRACT
Objectives:
to identify situations of violence in the daily work of the health professionals of the Family Health Strategy and to describe the conducts adopted by these professionals in relation to the situations of violence identified.
Method:
a qualitative, descriptive and exploratory study whose scenario was a Family Clinic of the city of Rio de Janeiro. Eighteen health professionals participated. Data was collected through semi-structured interviews and subjected to content analysis.
Results:
three thematic categories emerged: Situations of workplace violence in the Family Health Strategy; Consequences of workplace violence on the Family Health Strategy; The nurse's role as leader of the Family Health Team and the strategies adopted in the face of workplace violence.
Conclusions:
situations of interpersonal violence and collective violence were identified, exemplified by the contact with armed violence in the territory, racial discrimination, peer violence and violence suffered by the user, such as domestic violence, directly affecting the professional. The importance is highlighted of the nurse's role as leader of the Family Health Strategy team, envisioning the management of violence situations, often neglected.
DESCRIPTORS
Workplace violence; Primary health care; Family health; Health professionals; Nursing; Leadership
RESUMEN
Objetivos:
identificar las situaciones de violencia en la rutina laboral de los profesionales de salud de la Estrategia de Salud de la Familia y describir las conductas que adoptan estos profesionales ante las situaciones de violencia identificadas.
Método:
estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio que tuvo como escenario a una Clínica de Salud Familiar del municipio de Río de Janeiro. Participaron 18 profesionales de la salud. Los datos se recolectaron a través de entrevistas semiestructuradas y se los sometió a análisis de contenido.
Resultados:
surgieron tres categorías temáticas: Situaciones de violencia laboral en la Estrategia de Salud de la Familia; Consecuencias de la violencia laboral en la Estrategia de Salud de la Familia y Desempeño de los enfermeros como líderes de los equipos de Salud de la Familia y las estrategias adoptadas ante la violencia laboral.
Conclusiones:
se identificaron situaciones de violencia interpersonal y colectiva, ejemplificadas por el contacto con la violencia armada en el campo de acción, discriminación racial, violencia entre pares y violencia sufrida por el usuario, como ser la violencia doméstica, que afecta directamente al profesional. Se destaca la importancia del desempeño de los enfermeros como líderes de los equipos de la Estrategia de Salud de la Familia, con vistas a manejar las situaciones de violencia laboral, muchas veces desatendidas.
DESCRIPTORES
Violencia laboral; Atención primaria de la salud; Salud de la familia; Profesionales de la salud; Enfermería; Liderazgo
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS), considerando as bases previstas na Constituição de 1988, prevê ações e serviços de saúde descentralizados, organizados em rede regionalizada e hierarquizada com gestão democrática e participativa visando alcançar integralidade na atenção e equidade no acesso. Nessa perspectiva, a Atenção Primária à Saúde ou Atenção Básica (AB) deve desempenhar papel central na organização da rede de atenção.11. Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Os desafios urgentes e atuais da atenção primária à saúde no Brasil. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz, 2018; p.29-47.
Considerando-se a Política Nacional de Atenção Básica, os termos Atenção Básica e Atenção Primária à Saúde podem ser utilizados como sinônimos. Neste estudo, optou-se pelo termo Atenção Básica (AB), de acordo com a política nacional vigente.22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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A AB se “fortaleceu como política nacional a partir da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde 96 (NOB 96), que estabeleceu transferências per capita para a AB e incentivos específicos para a implantação nos municípios dos Programas de Saúde da Família e de agentes comunitários”.1:301. Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Os desafios urgentes e atuais da atenção primária à saúde no Brasil. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz, 2018; p.29-47. A PNAB possibilitou às Secretarias Municipais de Saúde, através de recursos federais, a expansão da cobertura no acesso às ações de saúde, o que influenciou na reorganização do modelo de atenção à saúde brasileiro, culminando no estabelecimento da Estratégia de Saúde da Família (ESF).11. Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Os desafios urgentes e atuais da atenção primária à saúde no Brasil. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz, 2018; p.29-47.
A PNAB tem na ESF a estratégia prioritária para expansão e consolidação da AB, apoiando-se nos princípios de universalidade, equidade e integralidade, bem como, nas diretrizes de regionalização e hierarquização, territorialização e adstrição, considerando-se as necessidades da população adscrita, cuidado centrado na pessoa, resolutividade por meio de uma clínica capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, longitudinalidade e coordenação do cuidado, ordenação das redes e participação da comunidade.22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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As equipes da ESF são multiprofissionais e objetivam favorecer a reorientação do processo de trabalho, ampliando a resolutividade, com impacto na saúde das pessoas e da coletividade, a fim de propiciar a relação custo-efetividade. Devem ser compostas por médicos, enfermeiros, auxiliares ou técnicos de enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), cirurgião-dentista e auxiliares ou técnicos de Saúde Bucal. Há obrigatoriedade de carga horária de 40 horas semanais para todos os membros da equipe. Dessa forma, os profissionais da ESF deverão estar vinculados a apenas uma equipe de Saúde da Família, que no município do Rio de Janeiro atua nas Clínicas da Família (CF).22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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-33. Secretaria Municipal de Saúde, Rio de Janeiro, RJ(BR). Unidades de Saúde. Clínicas da Família. [cited 2018 Sept 28]. Available from: http://www.rio.rj.gov.br/web/sms/clinicas-da-familia
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Dentre as atribuições das equipes da ESF, destacam-se: identificação da realidade epidemiológica e sociodemográfica das famílias adscritas; enfrentamento dos obstáculos para a referência e contrarreferência; promoção da educação em saúde e do autocuidado dos indivíduos; e incentivo às ações intersetoriais para a abordagem dos problemas identificados. Dentre os avanços obtidos pela ESF, destacam-se a redução da mortalidade infantil, ampliação das ações em saúde nos municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), aumento das ações em vigilância em saúde, estabelecimento de vínculo entre a população e os profissionais de saúde das equipes.22. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 19]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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A implantação da ESF privilegiou áreas de maior risco e vulnerabilidade social, prestando serviços de saúde a grupos populacionais em situação de pobreza e de extrema pobreza em consonância com o princípio de equidade. As unidades de saúde foram inseridas em um cenário de prevalência de desigualdades sociais e violência, onde existe o uso de armas brancas e de fogo, o consumo e mercado de entorpecentes e homicídios.
Nesse contexto, destaca-se a grave crise política e econômica vivenciada no Rio de Janeiro, que interfere diretamente nos diversos segmentos relacionados à saúde, educação e segurança. Muitos profissionais de saúde atuantes na ESF desempenham as suas atividades laborativas em áreas de conflito armado, sendo expostos aos mais variados tipos de violência, o que afeta direta ou indiretamente a integridade física e mental dos profissionais.
A violência é caracterizada por atos intencionais que objetivam prejudicar ou causar danos a si, aos outros ou a um grupo, podendo envolver o uso da força física e/ou as relações de poder. As ações de violência podem resultar em danos físicos, como a redução de mobilidade ou autonomia da vítima devido a lesões físicas; danos psicológicos, como baixa autoestima e ansiedade; e danos sociais, como dificuldades interpessoais, prejuízos acadêmicos e laborais. A omissão das situações de violência pode ser caracterizada como negligência.44. Habigzang LF, editor. Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [Internet]. Porto Alegre, RS(BR): PUCRS [Internet]; 2018 [cited 2018 Sept 19]. Available from: http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-capacitacao-profissional-para-atendimentos-em-situacoes-de-violencia/assets/livro-completo.pdf
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A violência no trabalho é definida como “qualquer ação, incidente ou comportamento baseado em uma conduta voluntária do agressor, em consequência da qual um profissional é agredido, ameaçado, ou sofre algum dano ou lesão durante a realização, ou como resultado direto do seu trabalho”.55. International Labour Organizational. Joint programme launches new initiative against workplace violence in the health sector. [Internet]. 2008 [cited 2018 Sept 19]. Available from: https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/wcms_007817/lang--en/index.htm
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:11. Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Os desafios urgentes e atuais da atenção primária à saúde no Brasil. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz, 2018; p.29-47. Pode variar de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país, entretanto ocorre habitualmente em todo o mundo, podendo ser agravada pela pobreza, submetendo os profissionais a situações inaceitáveis.66. International Labour Organizational. Violence at work. World of work [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 28];Spe Issue. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_630276.pdf
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Esse tipo de violência demonstra a degradação das condições laborativas e de produtividade, expondo os trabalhadores a riscos de acidentes e de adoecimentos, podendo abranger a relação com as chefias, entre os pares e com a clientela, caracterizando-se por incidentes como abusos, ameaças ou ataques em circunstâncias de trabalho. As manifestações da violência se configuram como malefícios explícitos ou implícitos à segurança, bem-estar ou saúde do trabalhador.77. Organización Internacional del Trabajo. Consejo Internacional de Enfermeras. Organización Mundial de la Salud. Internacional de Servicios Públicos. Programa conjunto sobre la violencia laboral en el sector de la salud. Directrices marco para afrontar la violencia laboral en el sector de la salud [Internet]. 2002 [cited 2018 Sept 28]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44072/9223134463_spa.pdf?sequence=1
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Na ESF, a violência no trabalho também pode ser relacionada às múltiplas categorias profissionais existentes e aos diferentes níveis de formação educacional, que contribuem para situações de assédio moral, muitas vezes imperceptíveis em um primeiro momento.
A violência no trabalho interfere diretamente na saúde do trabalhador e no cuidado exercido pelo profissional de saúde, em especial pelo profissional de enfermagem, que é muitas vezes impedido de percorrer o território e sofre diretamente com agressões por parte da população. Destaca-se o aumento significativo das discussões sobre a violência no trabalho na esfera internacional.88. Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Violencia laboral en trabajadores del sector salud: revisión sistemática. Rev Med Chile [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];146:213-22. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rmc/v146n2/0034-9887-rmc-146-02-0213.pdf
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Entretanto, é necessário o investimento em notificações, bem como, estudos sobre o tema no Brasil, observando-se as especificidades do cenário atual.99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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Considerando o exposto, este estudo possui como objetivos identificar as situações de violência no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde da Estratégia de Saúde da Família e descrever as condutas adotadas por esses profissionais perante as situações de violência identificadas.
MÉTODO
Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, tendo como cenário uma Clínica da Família localizada na Área Programática 3.1 do município do Rio de Janeiro, escolhida por ser localizada em uma área de risco, sendo constantes os relatos dos profissionais sobre a violência no cotidiano laborativo. A referida CF é um centro de formação profissional, funcionando como campo prático para o desenvolvimento dos Programas de Residência de Enfermagem e Residência Médica em Saúde da Família.
Os participantes do estudo foram 18 profissionais de saúde, de ambos os sexos, vítimas de violência e que atuavam nas quatro equipes mais vulneráveis da referida CF, selecionados de acordo com os critérios de inclusão: atuar na CF há mais de seis meses; atuar nas equipes das áreas de território consideradas mais vulneráveis. Os critérios de exclusão foram não comparecer à atividade laborativa durante o período de coleta de dados e estar afastado por férias e licenças diversas. Apenas 01 profissional desistiu de participar alegando indisponibilidade devido à atividade laborativa.
A coleta dos dados foi realizada no período de outubro a dezembro de 2016, através de entrevistas semiestruturadas, com o auxílio de um roteiro contendo as seguintes perguntas: quais foram as situações de violência no trabalho que você já vivenciou na ESF? Como essas situações influenciam na sua vida pessoal e laborativa? Quais são as condutas da equipe da ESF perante as situações de violência no trabalho? Quais estratégias são ou poderiam ser adotadas para minimizar as situações de violência? Os participantes foram caracterizados de acordo com as variáveis sexo, idade, tempo de atuação no cenário e função profissional exercida.
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora responsável, com duração aproximada de 30 minutos cada, em um local silencioso e privativo na própria instituição, de acordo com a disponibilidade dos participantes. Todas as entrevistas foram gravadas com um gravador eletrônico e posteriormente transcritas. Antes das entrevistas, os participantes receberam informações sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi conferido anonimato aos participantes e utilizado um codinome baseado na ordem de realização das entrevistas. A coleta dos dados atingiu o ponto de saturação na entrevista n. 13, sendo acrescidas cinco entrevistas, o equivalente a um terço da amostra, o que permitiu que o fechamento amostral por saturação teórica fosse alcançado com segurança.1010. Rhiry-Cherques RH. Saturação em pesquisa qualitativa: estimativa empírica de dimensionamento. Af-Rev PMKT [Internet]. 2009 [cited 2018 Oct 10];4(8):20-7. Available from: http://www.revistapmkt.com.br/portals/9/edicoes/revista_pmkt_003_02.pdf
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-1111. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theorical saturation in qualitative research: na experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];71(1):243-8. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0616
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A análise dos dados foi realizada através da metodologia de Análise de Conteúdo,1212. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo, SP(BR): Edições 70; 2011. compreendendo-se as fases de pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação, emergindo três categorias: Situações de violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família; Consequências da violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família; Atuação do enfermeiro como líder da Equipe de Saúde da Família e as estratégias adotadas perante a violência no trabalho.
Este estudo seguiu todas as recomendações da Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) para pesquisa com seres humanos.
RESULTADOS
Caracterização dos participantes do estudo
Participaram do estudo 18 profissionais de saúde, no qual 56% pertenciam ao sexo masculino, 50% possuíam faixa etária entre 31 e 40 anos e 60% possuem tempo de atuação da ESF até 05 (cinco) anos. Quanto à categoria profissional, 39% eram Agentes Comunitários de Saúde (ACS), 23% enfermeiros, 17% médicos, 11% técnicos de enfermagem, 5% dentistas, 5% auxiliares de saúde bucal.
Situações de violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família
Os participantes do estudo relataram diferentes situações de violência, sendo estas externas à Clínica da Família, situações de conflito e violência armada no território.
Muitas vezes a violência é urbana, no caso tiroteios, confrontos entre policiais e traficantes, na qual nós ficamos no meio destes confrontos (E13).
Quando vamos realizar visita domiciliar, nos deparamos com algumas situações, não de violência explicita, física, mas pessoas armadas e vendendo drogas, além de tiroteios (E2).
Uma vez eu estava conversando com uma usuária e um artefato de bala bateu em uma coluna e acertou dois palmos acima da minha cabeça, no mesmo momento ela me puxou para dentro de sua casa. Infelizmente, está inserido no nosso dia a dia, temos que tentar reagir (E17).
A violência ocasionada pela clientela, como discriminação racial, agressões verbais e físicas, foi exemplificada através dos relatos.
Um cadastrado disse que só porque ela era preta, não sabia fazer o seu trabalho direito, e isso me ofendeu, porque eu também sou preto (E15).
Situações que o usuário, até por falta de acesso em outros serviços, chega no acolhimento e agride verbalmente a pessoa que está fazendo o acolhimento, que normalmente é o ACS (E4).
Já ocorreu violência física com uma ACS no acolhimento. A cadastrada pegou o cartão de vacina da criança e bateu no rosto da colega (E15).
A violência entre os pares (próprios profissionais), como ‘indiferença’ pelos ACS pela chefia e discriminação quanto à origem social, também foi identificada.
Eu fico muito revoltada quando ocorre a indiferença com as ACS, você ser ameaçada durante a visita domiciliar com uma arma na mão, é algo grave. Ela falou em reunião de equipe, uma, duas, três vezes, ouviam e ninguém falava nada, ninguém tomou atitude nenhuma (E6).
O problema é que quando nós contamos um problema que tivemos no território, pensam que estamos contando por medo. Mas essa é a nossa realidade e alguns profissionais até debocham da gente (E13).
O contato com a violência sofrida pelos usuários sob cuidados, como a violência doméstica e violação dos direitos do cidadão, causa impacto nos profissionais.
Eu fui fazer uma visita domiciliar e tinha muitas crianças brincando na rua, a médica falar com as crianças, ‘uma hora dessa e essas crianças aqui na rua’, elas estavam brincando no lixão. Nessa hora, a vizinha chamou a atenção da médica e informou para não ficar chamando a atenção das crianças porque elas passam por um grande sofrimento, um problema familiar, porque o irmão mandou matar o pai porque estava abusando sexualmente da irmã mais nova, e com receio que as irmãs contassem na escola o acontecido, retirou da escola e por isso não estavam estudando (E14).
Diariamente a gente lida com pacientes que sofrem o estresse da violência e atende com uma segunda comorbidade, tendo a questão da violência de plano de fundo. A gente pede os parâmetros para saber se está controlando bem uma pressão arterial, por exemplo. Pessoas que estão estressadas, preocupadas com os filhos, com a família que pode estar envolvida com o tráfico, e isso pode estar ocasionando o aumento da pressão arterial (E9).
Consequências da violência no trabalho na Estratégia de Saúde da Família
Foram identificados prejuízos no acompanhamento do usuário em decorrência da violência no território, conforme referido pelos participantes.
No dia em que passei por uma situação de confronto no território, estava tudo bem tranquilo, estávamos trabalhando normalmente e em segundos aconteceu um tiroteio. De uma forma ampla, isso tem atingido a nossa forma de trabalho (E13).
Nós precisaríamos de pelo menos dois turnos de VD [Visita Domiciliar] na semana para realizar diagnóstico do território, para que você veja as áreas mais vulneráveis, para que você capte e consiga consultar aqueles pacientes que têm dificuldade de vir até a clínica, então o seu trabalho não é somente aqui dentro e é aí que a violência prejudica (E1).
Os profissionais que moram e trabalham no mesmo território são os mais vulneráveis perante as situações de violência.
Eu acho muito difícil a questão dos agentes, só porque residirem no local acham que estão acostumados com a violência, eu falo dos preceptores médicos e dos enfermeiros, porque eles pensam que estão acostumados, então deixam para lá (E6).
E nós, principalmente os ACS, não podemos fazer a denúncia porque as pessoas sabem que nós que vamos visitar as casas e nós somos da área. Moramos na área. Nós sabemos o que é o certo a se fazer, que era denunciar, mas nós não conseguimos fazer direito porque tem o poder paralelo envolvido (E14).
Os sentimentos de medo, frustração, apatia, ‘sensação de impotência’ e vulnerabilidade, como também sofrimento psíquico dos profissionais que vivenciam situações como exposição a conflitos armados, tráfico de drogas e armas e o esgotamento profissional, foram frequentemente relatados pelos entrevistados:
Me sinto apática porque tem uma área para ser trabalhada, pessoas para serem atendidas e nós não temos segurança para trabalhar. Além disto, não temos apoio logístico (E13).
Muitas vezes eu me sinto mal, com medo, sentimento de frustração, apreensiva, porque é momentâneo, no caso dos tiroteios, não tem hora, não tem data, é algo momentâneo. Então, por não saber o que pode ocorrer no momento, nós ficamos apreensivos, não temos um lugar certo para correr e pode causar o pior (E15).
Me deixa muito tensa, me deixa angustiada, traz o medo, a insegurança de ir à rua. Muitas vezes não quero voltar, não desejo mesmo muitas vezes voltar porque tenho medo. Isto afeta muito, traz um desânimo, traz uma angústia, um enorme estresse e às vezes fica bem difícil prosseguir com o trabalho (E18).
Atuação do enfermeiro como líder da Equipe de Saúde da Família e as estratégias adotadas perante a violência no trabalho
Os entrevistados destacaram o enfermeiro como o profissional mais mobilizado para o gerenciamento e liderança da equipe de saúde da ESF perante as situações de violência, atuando como mediador, coordenador, facilitador e articulador das ações e atividades.
Na minha equipe, a gente procura passar para o nosso superior, o enfermeiro, quando ocorre uma violência com qualquer membro da equipe (E15).
Se por algum motivo, a gente não puder descer, seja do retorno do horário do almoço ou quando tivermos que descer para a clínica para iniciarmos ou terminarmos o dia de trabalho, por conta de tiroteios na área, a gente avisa. E isso é comunicado ao supervisor direto, os enfermeiros, que reportam para a gerência (E18).
Enquanto referência da equipe, tento entender o que está acontecendo e assim minimizar os danos da situação. Tento retirar a pessoa do foco, por exemplo, está tendo conflito no acolhimento, usuário e ACS, ou eu tiro o ACS ou eu tiro o usuário de perto e tento entender o que causou a situação (E1).
Em relação às estratégias adotadas para o gerenciamento das situações de violência, destacaram-se os treinamentos, como o programa ‘Acesso Mais Seguro Para Serviços Públicos Essenciais’.
O ‘Acesso Seguro’ é uma tática para evitar que fiquemos na área no momento de conflitos armados, e é necessário classificar o território como verde, amarelo ou vermelho é uma estratégia do ‘Acesso Seguro’ (E1).
Quando a área fica em amarelo, pelo ‘Acesso Seguro’, os membros da equipe ficam na clínica fazendo trabalho interno, não vão para a área (E3).
O investimento na comunicação por meio de aparelhos celulares e aplicativos entre profissionais e usuários para reconhecimento de denúncias de violência também foi citado.
Um informa o outro, liga através do telefone, é um acordo da equipe para poder saber onde está tendo tiroteio e não deve trafegar, para se proteger. Sempre levamos o telefone em mãos, falamos com todo mundo, temos a informação de onde estivermos (E18).
Nós temos um rádio para comunicação, chamado de NUDEC [Núcleo de Defesa Civil] que trabalha com a Defesa Civil, e com ele trocamos informações, sabendo se tem como trabalhar dentro da área ou não (E17).
A reorganização das visitas domiciliares durante os conflitos armados na comunidade e busca por abrigo em locais seguros e o apoio dos profissionais para o gerenciamento de conflito foram referidos pelos participantes.
Quando a gente vai para a rua, nós vamos sempre em duplas ou mais para facilitar, porque às vezes, algo que uma pessoa não vê na área, a outra consegue ver. Principalmente, algum lugar para se esconder, porque essa é a rotina, nós saímos já com a visão de algum lugar para se esconder, além de descer a comunidade correndo (E18).
Durante as visitas domiciliares, tem algumas condutas como abaixar os vidros e entrar devagar piscando, que a gente meio que acata, porque ninguém tem peito de aço, mas nós não temos muito o que fazer, principalmente quando estamos no território (E7).
Os entrevistados referiram a notificação e a discussão sobre as situações de violência nas reuniões de equipe.
A gente tem que investigar, ir atrás, levar até a gerência para fazer uma notificação em respeito ao trabalho, que diz em normas das leis trabalhistas. Procurar na gerência e preencher a ficha de notificação de violência, seja esta qual for (E3).
Tentar conversar com os integrantes em reunião de equipe quando acontece alguma situação de violência para tentar acalmar e resolver a situação atual e futuras (E2).
A adoção de estratégias pessoais para diminuir o estresse vivenciado, como busca por atividades de lazer, apego à religião, convívio com a família e amigos, é uma das principais estratégias adotadas perante as situações de violência no trabalho.
Nós tentamos algumas medidas alternativas. Eu jogo videogame em casa. Quando eu chego em casa, principalmente após algo que mexeu comigo, eu jogo videogame (E13).
Nessas situações, me apego à religião e peço muito a Deus para me ajudar dia após dia, porque não é fácil. Você fica com medo de subir e que possa ocorrer novamente e se deparar na mesma situação. Eu sempre procuro pensar que um dia pode ser melhor que o outro (E16).
DISCUSSÃO
As situações de violência no trabalho identificadas neste estudo caracterizam-se como violência interpessoal e violência coletiva, resultando em danos físicos, psicológicos e sociais. Identificar e diferenciar os tipos de violência contribui para o planejamento e desenvolvimento de ações preventivas e de atendimento às vítimas.44. Habigzang LF, editor. Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [Internet]. Porto Alegre, RS(BR): PUCRS [Internet]; 2018 [cited 2018 Sept 19]. Available from: http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-capacitacao-profissional-para-atendimentos-em-situacoes-de-violencia/assets/livro-completo.pdf
http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-...
,66. International Labour Organizational. Violence at work. World of work [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 28];Spe Issue. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_630276.pdf
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A violência interpessoal se refere às agressões intencionais contra outro indivíduo, como a violência intrafamiliar e a violência na comunidade, presentes nos depoimentos dos entrevistados. A violência intrafamiliar se caracteriza por ações intencionais contra os membros da própria família, podendo ser agressões físicas, psicológicas, sexuais ou negligência, que retardam ou interrompem o desenvolvimento físico e psicossocial das vítimas. A violência na comunidade envolve indivíduos que convivem em um mesmo contexto comunitário, mas que nem sempre se conhecem. Geralmente ocorre em espaços públicos, envolvendo agressões físicas, violência sexual, dano ao patrimônio público e outras formas de agressão objetivando causar dano intencional.44. Habigzang LF, editor. Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [Internet]. Porto Alegre, RS(BR): PUCRS [Internet]; 2018 [cited 2018 Sept 19]. Available from: http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-capacitacao-profissional-para-atendimentos-em-situacoes-de-violencia/assets/livro-completo.pdf
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,66. International Labour Organizational. Violence at work. World of work [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 28];Spe Issue. Available from: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_630276.pdf
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Os resultados também demonstraram a ocorrência da violência coletiva, que pode ser subdividida em: violência social, como ações terroristas e crimes relacionados à intolerância religiosa; a violência política, relacionada às guerras civis; e a violência econômica, caracterizada pelo trabalho escravo e exploração da força de trabalho.44. Habigzang LF, editor. Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [Internet]. Porto Alegre, RS(BR): PUCRS [Internet]; 2018 [cited 2018 Sept 19]. Available from: http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-capacitacao-profissional-para-atendimentos-em-situacoes-de-violencia/assets/livro-completo.pdf
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O profissional que experencia a violência pode sofrer diminuição do desempenho e da satisfação no trabalho, bem como aumento da apreensão perante as situações semelhantes, o que afeta negativamente a sua saúde física e mental, especialmente durante os primeiros dois anos após o incidente violento.1313. Johansen IH, Baste V, Rosta J, Aasland OG, Morken T. Changes in prevalence of workplace violence against doctors in all medical specialties in Norway between 1993 and 2014: a repeated cross-sectional survey. BMJ Open [Internet]. 2017 [cited 2018 Sept 27];7:e017757. Available from: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017757].
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A violência no trabalho pode causar afastamentos, sobrecarga de trabalho e esgotamento profissional, além de interferir na segurança do paciente, aumentando as taxas de erros e demais ocorrências.
Em relação ao profissional de saúde, a violência no trabalho afeta diretamente a sua qualidade de vida, uma vez que esses profissionais trabalham diretamente com pessoas (usuários) que apresentam problemas severos e complexos,14 sendo impedidos de exercer as suas funções laborativas devido à violência armada no território e à impossibilidade de denunciar as situações vivenciadas. Os resultados demonstraram que muitos profissionais residem e trabalham no mesmo território, sendo mais vulneráveis às situações de violência.
Essa maior vulnerabilidade está relacionada aos sentimentos de medo, frustração e apatia, citados pelos entrevistados. Destaca-se que os ACS e a equipe de enfermagem são os profissionais mais suscetíveis a serem vítimas de violência, cabendo considerar características da profissão, como o tipo de trabalho realizado, a proximidade com os usuários e com o território.88. Palma A, Ansoleaga E, Ahumada M. Violencia laboral en trabajadores del sector salud: revisión sistemática. Rev Med Chile [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];146:213-22. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rmc/v146n2/0034-9887-rmc-146-02-0213.pdf
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,99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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,1515. Fisekovic Kremic MB, Terzic-Supic ZJ, Santric-Milicevic MM, Trajkovic GZ. Encouraging employees to report verbal violence in primary health care in Serbia: a cross-sectional study. Zdr Varst [Internet]. 2017 [cited 2018 Sept 19];56(1):11-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1515/sjph-2017-0002
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Os ACS e os profissionais de enfermagem atuam diretamente exercendo funções externas à CF, como VD e busca ativa, estando sujeitos a ameaças durante a abordagem de alguns problemas sociais comuns no território, dentre eles o uso de substâncias ilícitas e a violência doméstica.
O usuário é o maior perpetrador da violência contra os profissionais de saúde, praticando geralmente a violência verbal, seguida da violência física.99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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,1414. Nowrouzi-Kia B. The impact of workplace violence on health care workers’ quality of life. Dev Med Child Neurol [Internet]. 2017 Jul [cited 2018 Sept 27];59(7):675. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/dmcn.13466.
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-1515. Fisekovic Kremic MB, Terzic-Supic ZJ, Santric-Milicevic MM, Trajkovic GZ. Encouraging employees to report verbal violence in primary health care in Serbia: a cross-sectional study. Zdr Varst [Internet]. 2017 [cited 2018 Sept 19];56(1):11-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1515/sjph-2017-0002
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O cenário está intimamente relacionado às situações de violência.
Um estudo realizado na Espanha destacou que a Atenção Primária à Saúde concentra o maior número de casos de violência no trabalho (53,9% dos casos), em que a cada 10 casos de agressão sete foram causados por usuários. Entretanto, a verdadeira magnitude da violência é silenciada pelos baixos índices de notificações, presentes não somente nos países europeus, mas também em outros continentes.1616. The National Observatory of Aggressions to Physicians (ONAM). Workgroup and General Council of Official Medical Associations of Spain (CGCOM). BMC Res Notes [Internet]. 2018. [cited 2018 Sept 19];11:347. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s13104-018-3393-7
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A violência pode ser compreendida como produto das interações humanas que se estabelecem em um cenário precário e turbulento de trabalho ou, ainda, como uma forma de manifestação do descontentamento dos envolvidos (trabalhadores e usuários) com a precarização a que estão expostos, conforme identificado no cenário do estudo.99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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A violência no trabalho também é exercida pelos próprios pares, ou seja, profissionais de saúde que ocupam cargos semelhantes ou superiores hierarquicamente, e relacionada à precarização e à crise da saúde. Comportamentos agressivos passam a ser interpretados como expressões de descontentamento e indiferença diante da situação precária vivenciada, que pode ser considerada uma negligência às condições essenciais de dignidade do trabalhador como representante do sistema de saúde diante da população.99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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Assim, profissionais que atuam no sistema público de saúde possuem maior risco de exposição à violência entre os pares, o que pode ser relacionado à estabilidade empregatícia do servidor, possibilitando a situação de violência sem o risco de perda do emprego. Assim sendo, as agressões são interpretadas pelos profissionais como resposta aos valores organizacionais que cultuam a virilidade como valor e consequentemente negam a fraqueza e o medo diante da precarização das condições de trabalho e das relações nele estabelecidas.99. Dal Pai D, Sturbelle ICS, Santos C, Tavares JP, Lautert L. Physical and psychological violence in the workplace of healthcare professionals. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sept 27];27(1):e2420016. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018002420016
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Cabe destacar a heterogeneidade do grupo entrevistado, que apresenta diferente faixa etária, sexo, tempo e tipo de formação profissional. O grupo heterogêneo é mais suscetível à ocorrência de conflitos e divergência de opiniões, principalmente quando exposto a situações estressantes como a violência no trabalho.
Os resultados deste estudo destacaram a importância da atuação do enfermeiro como líder de equipe da ESF atuando na mediação de conflitos, coordenação, reorganização das atividades propostas, treinamentos com ênfase nas estratégias de comunicação eficaz, notificação das situações de violência e apoio dos demais profissionais da equipe. A liderança exercida pelo enfermeiro no complexo cenário da ESF emerge de forma natural, podendo ser uma característica nata do indivíduo e/ou apreendida durante a formação profissional, como também praticada diariamente no exercício das atividades laborativas. Nesse sentido, o enfermeiro demonstra protagonismo na condução e direcionamento dos processos de gestão das equipes e suas relações interpessoais.
Corroborando com os resultados apresentados, estudo realizado no município de Santa Catarina destacou a importância da confiança entre os profissionais e a comunidade na geração de vínculos para o exercício da liderança. É imprescindível que o enfermeiro desenvolva um relacionamento confiável com a sua equipe, o que facilitará na liderança e no fluxo das ações, tornando o trabalho mais significativo e aumentando o compromisso dos profissionais com os usuários. Quanto aos aspectos negativos que interferem na liderança, pode-se citar as condições de trabalho insatisfatórias, associadas à violência no trabalho e no território.1717. Lanzoni GMM, Meirelles BHS, Cummings G. Nurse leadership practices in primary health care: a grounded theory. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2018 Sept 26]; 25(4):e4190015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016004190015
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A liderança é uma importante ferramenta gerencial, uma vez que o líder exerce poder sobre a equipe a fim de alcançar os objetivos propostos e tomar as decisões de caráter estratégico. O poder do líder é exercido de forma ativa e legitimado no momento que o grupo corresponde às expectativas. Além do aspecto gerencial, a liderança é um adjuvante em todo o processo de trabalho do enfermeiro, considerando-se as esferas dos agentes (trabalhadores), das pessoas (objeto - indivíduos, corpo biológico, família, coletividade e equipe de trabalho), dos instrumentos (ferramentas materiais e cognitivas) e das finalidades (planos conceituais e metodológicos diversos).1818. David HMSL, Acioli S, Seidlr HM, Brandão PS. O enfermeiro na atenção básica: processo de trabalho, práticas de saúde e desafios contemporâneos. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz; 2018. p. 337-67.
No que tange à AB, a liderança em enfermagem é considerada um eixo fundamental, assumindo uma atuação estratégica nas situações de crise que afetam as políticas sociais e de saúde, conforme a realidade vivenciada atualmente no município do Rio de Janeiro. No âmbito mundial, os enfermeiros possuem capacidade de intervir em prol da promoção da saúde, no desenvolvimento de práticas educativas coletivas e individuais, na mobilização comunitária e em um cuidado integral.1818. David HMSL, Acioli S, Seidlr HM, Brandão PS. O enfermeiro na atenção básica: processo de trabalho, práticas de saúde e desafios contemporâneos. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro, RJ(BR): Editora Fiocruz; 2018. p. 337-67.
Através da liderança, o enfermeiro também poderá preconizar estratégias de enfrentamento da violência, como treinamento através do ‘Acesso Mais Seguro Para Serviços Públicos Essenciais’, estímulo às notificações das situações de violência, incentivo às medidas para alívio do estresse e a busca pela comunicação eficaz.1919. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais [Internet]. 2018. [cited 2018 Sept 27]. Available from: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil
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O ‘Acesso Mais Seguro Para Serviços Públicos Essenciais’ foi uma metodologia desenvolvida objetivando prevenir e mitigar riscos de incidentes de segurança em equipamentos públicos, como escolas, hospitais e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), considerando-se as preocupações advindas do aumento da violência armada e as suas consequências humanitárias. Dentre os objetivos do programa, destaca-se: proteger vidas; promover ambientes seguros e fortalecer a resiliência dos profissionais e das instituições; desenvolver estratégias de gestão de riscos e crises; promover mudanças no comportamento, conhecimento e postura dos profissionais e gestores; melhorar a eficiência geral dos serviços otimizando a utilização de recursos humanos e financeiros; e ampliar o acesso a serviços públicos essenciais.1919. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais [Internet]. 2018. [cited 2018 Sept 27]. Available from: https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-brasil
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Os profissionais da ESF treinados na metodologia do ‘Acesso Mais Seguro Para Serviços Públicos Essenciais’ desenvolvem atitudes de avaliação das situações de risco com consequente adoção das estratégias de prevenção, viabilizando, desse modo, maior segurança para a equipe diante dos conflitos nos territórios conflagrados.
O estímulo às notificações das situações de violência pode ser preconizado através da busca pela comunicação eficaz como estratégia de gerenciamento da violência. Deve-se estabelecer a análise das situações, primando-se pela escuta, o que está relacionado à liderança, à negociação e à análise cultural. Os resultados do estudo demonstraram a necessidade de escuta e compreensão dos profissionais afetados pela violência, uma vez que muitas vezes as situações são negligenciadas pelos pares, o que também se caracteriza como situação de violência para o profissional.
“A importância das notificações está na possibilidade de rompimento do ciclo de violência e garantia de proteção às vítimas por meio da atuação dos órgãos de proteção. Além disso, a realização da notificação possibilita o mapeamento da prevalência e das características das situações de violência, o qual pode ser utilizado na proposição de políticas de prevenção e intervenção”.4:32-334. Habigzang LF, editor. Manual de capacitação profissional para atendimentos em situações de violência [Internet]. Porto Alegre, RS(BR): PUCRS [Internet]; 2018 [cited 2018 Sept 19]. Available from: http://editora.pucrs.br/livro/manual-de-capacitacao-profissional-para-atendimentos-em-situacoes-de-violencia/assets/livro-completo.pdf
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Dependendo do tipo de violência e idade, diferentes órgãos governamentais podem ser acionados e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) é um sistema nacional responsável por coletar os dados epidemiológicos referentes às notificações obrigatórias. Entretanto, a violência coletiva não é objeto de notificação do SINAN.
Quanto ao incentivo às medidas para alívio do estresse, os entrevistados destacaram a importância da vida em família e das atividades de lazer e relaxamento. Nesse contexto, cabe aos gestores das instituições de saúde a definição de estratégias claras para a redução do estresse através da busca por programas de bem-estar no local de trabalho, por exemplo, o apoio de técnicas de relaxamento,2020. Starc J. stress factors among nurses at the primary and secondary level of public sector health care: the case of Slovenia. Open Access Maced J Med Sci [Internet]. 2018 Feb 15 [cited 2018 Sept 28];6(2):416-22. Available from: http://dx.doi.org/10.3889/oamjms.2018.100
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conversar em grupo sobre as situações vivenciadas e apoio mútuo. É importante que os profissionais se sintam acolhidos perante a violência cotidiana, o que melhorará significativamente a qualidade de vida do trabalho.
Como limitação do estudo, destaca-se a coleta de dados apenas em um único contexto laboral, ou seja, apenas em uma Unidade da Estratégia de Saúde da Família do município do Rio de Janeiro. Considerando que a violência no trabalho está presente em outros cenários e países com condições laborais semelhantes, os resultados deste trabalho poderão impulsionar novas pesquisas, permitindo compreender melhor o fenômeno investigado - a violência no trabalho dos profissionais de saúde. Sugere-se estudos de acompanhamento que avaliem estratégias de intervenção e prevenção da violência no contexto da saúde, considerando-se a liderança, a gestão e a tomada de decisões da equipe multiprofissional.
Acredita-se que o presente estudo poderá suscitar a realização de novas pesquisas sobre a temática, além de encorajar os profissionais atuantes a notificar as situações de violência vivenciadas e discutir de maneira sensível e eficaz sobre tais ocorrências no ambiente de trabalho.
CONCLUSÃO
Este estudo objetivou identificar as situações de violência no cotidiano de trabalho dos profissionais de saúde da Estratégia de Saúde da Família e descrever as condutas adotadas por esses profissionais perante as situações de violência identificadas.
Quanto às situações de violência no trabalho, foi possível identificar a violência interpessoal e a violência coletiva, exemplificadas pelas situações cotidianas, como contato com a violência armada no território, discriminação racial, violência entre os pares e o contato com a violência sofrida pelo usuário, como a violência doméstica. Todas as situações de violência afetam os profissionais causando prejuízos no trabalho, além de transtornos físicos e psicológicos, permeados pelos sentimentos de apatia, ansiedade e vulnerabilidade.
Esta pesquisa contribuiu para a análise do fenômeno da violência no trabalho na ESF, a qual tem sido, muitas vezes, negligenciada, não combatida, não tratada e não prevenida. Dessa forma, destaca-se a importância da atuação do enfermeiro como líder da equipe da ESF vislumbrando o estímulo da equipe, a notificação das situações de violência no trabalho muitas vezes negligenciadas e o apoio nas estratégias de redução de estresse no ambiente de trabalho.
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» http://dx.doi.org/10.3889/oamjms.2018.100
NOTAS
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ORIGEM DO ARTIGO
Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso de Residência de Enfermagem em Saúde da Família, - A violência do cotidiano dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família, apresentado ao Programa de Residência de Enfermagem em Saúde da Família, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Latu-Sensu da Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2017. -
APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola São Francisco de Assis/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, parecer 1635.345 e CAAE 56945416.1.0000.5238, e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, conforme Parecer 1678654 e CAAE 56945416.1.3001.5279.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
16 Nov 2018 -
Aceito
25 Mar 2019