AUTOMUTILAÇÃO ENTRE ADOLESCENTES: REVISÃO SISTEMÁTICA COM METANÁLISE

RESUMO

Objetivo:

estimar a prevalência da automutilação entre os adolescentes e os fatores que a influenciam.

Método:

revisão sistemática com metanálise. A busca foi realizada no mês de outubro de 2021 nas bases de dados SciELO, LILACS, MEDLINE e PubMed, com os descritores “Adolescente” e “Comportamento autodestrutivo” e “Adolescent” e “Self-destructive behavior,” combinados pelo operador booleano “AND”. Foram incluídos os estudos publicados entre 2015 e 2021, quantitativos, em português, inglês e espanhol, disponíveis na íntegra, e excluídos os documentos que não continham o quantitativo referente aos adolescentes que praticaram automutilação, estudos duplicados e de revisão. A seleção dos estudos foi realizada por pares a partir da remoção de duplicatas e da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, leitura de títulos, resumos e texto completo. Ao final, a amostra foi composta por 86 estudos. A metanálise foi realizada pelo uso do software R por meio da elaboração do forest plot, teste de heterogeneidade, teste de funil e teste de Egger.

Resultados:

a prevalência de automutilação entre adolescentes apresentou uma média de 21%, destacando-se os Estados Unidos com o maior percentual. Dentre os fatores identificados, destacaram-se: adolescentes mais velhos, do sexo feminino, desfavorecidos economicamente, que vivenciam conflitos familiares, com pais com baixa escolaridade, vítimas de violência e de bullying e que possuem amigos com comportamentos suicidas.

Conclusão:

a automutilação configura-se como socialmente determinada de modo que a sua prevalência varia de acordo com a integração entre os diferentes fatores. Nesse contexto, faz-se necessário que o profissional de Enfermagem ofereça apoio emocional aos adolescentes e aos familiares.

DESCRITORES:
Prevalência; Violência; Automutilação; Adolescente; Comportamento autodestrutivo; Cuidados de enfermagem; Saúde mental; Revisão sistemática

ABSTRACT

Objective:

to estimate the prevalence of self-mutilation among adolescents and the factors that influence it.

Method:

this is a systematic review with meta-analysis. The search was carried out October 2021 in the following databases: SciELO, LILACS, MEDLINE and PubMed databases, with the descriptors “Adolescente” and “Comportamento autodestrutivo” and “Adolescent” and “Self-destructive behavior”, combined by the Boolean operator “AND.” We included studies published between 2015 and 2021, quantitative, in Portuguese, English and Spanish, available in full. We excluded documents that did not contain the amount referring to adolescents who practiced self-mutilation, duplicate and review studies. Study selection was performed by pairs, removing duplicates and applying inclusion and exclusion criteria, reading titles, abstracts and full text. In the end, the sample consisted of 86 studies. Meta-analysis was performed using the R software through the elaboration of forest plot, heterogeneity test, funnel test and Egger’s test.

Results:

the prevalence of self-mutilation among adolescents averaged 21%, with the United States standing out with the highest percentage. Among the identified factors, older adolescents, female, economically disadvantaged, who experience family conflicts, with parents with low education, victims of violence and bullying and who have friends with suicidal behavior stood out.

Conclusion:

self-mutilation is socially determined so that its prevalence varies according to the integration between different factors. In this context, it is necessary for nursing professionals to offer emotional support to adolescents and their families.

DESCRIPTORS:
Prevalence; Violence; Self-Mutilation; Adolescent; Self-Destructive Behavior; Nursing Care; Mental Health; Systematic Review

RESUMEN

Objetivo:

estimar la prevalencia de automutilación entre adolescentes y los factores que influyen en ella.

Método:

revisión sistemática con metanálisis. La búsqueda se realizó en el mes de octubre de 2021 en las bases de datos SciELO, LILACS, MEDLINE y PubMed, con los descriptores “Adolescente” y “Comportamiento autodestructivo” y “Adolescent” y “Self-destructive behavior”, combinados por el operador booleano “AND”. Se incluyeron estudios publicados entre 2015 y 2021, cuantitativos, en portugués, inglés y español, disponibles en su totalidad, y documentos que no contenían lo cuantitativo referente a adolescentes que practicaron automutilación, estudios duplicados y de revisión. La selección de estudios se realizó por parejas a partir de la remoción de duplicados y la aplicación de criterios de inclusión y exclusión, lectura de títulos, resúmenes y texto completo. Al final, la muestra estuvo compuesta por 86 estudios. El metanálisis se realizó mediante el software R mediante la elaboración del forest plot, prueba de heterogeneidad, prueba de embudo y prueba de Egger.

Resultados:

la prevalencia de automutilación entre adolescentes presentó un promedio de 21%, destacándose Estados Unidos con el mayor porcentaje. Entre los factores identificados, se destacaron los adolescentes mayores, del sexo femenino, en desventaja económica, que viven conflictos familiares, con padres con baja escolaridad, víctimas de violencia y bullying y que tienen amigos con conducta suicida.

Conclusión:

la automutilación está socialmente determinada, por lo que su prevalencia varía según la integración entre diferentes factores. En ese contexto, es necesario que el profesional de enfermería brinde apoyo emocional a los adolescentes y sus familias.

DESCRIPTORES:
Prevalencia; Violencia; Automutilación; Adolescente; Comportamiento autodestructivo; Cuidado de enfermería; Salud mental; Revisión sistemática

INTRODUÇÃO

A automutilação é um tipo de violência autoprovocada, com ou sem a intenção de suicídio, que consiste na realização de agressão contra seu próprio corpo.1 O alívio de experiências ruins, do ponto de vista emocional, de aflições familiares, de relacionamentos ou da vida cotidiana como um todo figura como a principal razão para a ocorrência desse ato entre os adolescentes.2 Esse mesmo público compreende o fenômeno da automutilação como doença e/ou vício, uma vez que tende a repetir o ato para conseguir refúgio dos seus próprios sentimentos.3

Essa questão representa um problema de saúde pública mundial, com variação de prevalência de 10,1% a 75,9% entre adolescentes na Austrália e em Cingapura, respectivamente.4 Em um Estado brasileiro, foi identificado que 83,3% dos adolescentes praticaram automutilação, entretanto, no Brasil, há um déficit de estudos que quantifiquem o número de adolescentes que praticam esse tipo de violência em um panorama nacional.2

A automutilação pode apresentar-se de diversas formas, com destaque a: arranhões na pele, lesões em tórax ou seios, rosto e genitália, bater a cabeça, queimar-se e cortar-se. Esse último é o ato mais comum entre os adolescentes,4 variando desde cortes superficiais até cortes profundos, sem manifestação de angústia, inquietação ou dor, referindo-se às autolesões como recurso apaziguador frente a um momento de aflição.1

Geralmente, os atos autolesivos são realizados em locais do corpo que são facilmente escondidos, como pulso, braço, coxa e barriga. Desse modo, evita-se que os próprios pais, ou outras pessoas, identifiquem e questionem o motivo das lesões, visto que, para os adolescentes, a descoberta da prática da automutilação representa julgamento e constrangimento.3

Além da autoagressão física, há também a digital, caracterizada pelo envio de mensagens para si mesmo, autodifamando-se. De acordo com pesquisa realizada nos Estados Unidos da América (EUA),5 6% dos adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos, principalmente do sexo masculino, praticaram a automutilação digital. Entre os motivos listados estavam presentes a depressão, o bullying, a orientação sexual e o uso de drogas.

A automutilação tem como fatores de risco adolescentes do sexo feminino, que tenham sofrido violência sexual, física e/ou psicológica; deficiência no relacionamento com a família, mais especificamente com a mãe; autoestima baixa; consumo de álcool e outras drogas; dificuldade de expressar emoções4 e aqueles que preferem a solidão e o isolamento social.6

A assistência de Enfermagem aos adolescentes e familiares nesse contexto é de suma importância, pois o enfermeiro é o profissional responsável pela triagem nos setores de saúde, podendo, portanto, identificar sinais autolesivos em primeira instância, proporcionando um acolhimento instantâneo por meio do estabelecimento de vínculo e do direcionamento aos serviços especializados.7

Assim, diante do protagonismo que os profissionais de Enfermagem exercem na assistência em saúde, especialmente em nível de atenção primária, torna-se essencial a compreensão das causas e das motivações que levam à automutilação a fim de evitar uma assistência ineficaz, com estigmas, banalizações e julgamentos que podem resultar em experiências ruins e, consequentemente, interferir na procura aos serviços de saúde.8^-9

Dessa forma, estudos sobre a automutilação são de fundamental importância para instrumentalizar a equipe de Enfermagem a um olhar específico no que diz respeito à identificação dos sinais precoces de casos, com vistas a produzir uma assistência holística e específica voltada às necessidades do adolescente.

Assim, frente ao reduzido volume de estudos científicos e à necessidade de identificação do perfil de adolescentes que praticam a automutilação, torna-se relevante a necessidade de investigação da temática, a fim de direcionar a assistência em saúde e estimular a construção de políticas públicas voltadas a este público, considerando o atual déficit de atenção à saúde dos adolescentes no que se refere à prática de automutilação. Logo, objetivou-se estimar a prevalência da automutilação entre adolescentes e os fatores que a influenciam.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática com metanálise orientada pelas recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).

A estratégia de busca partiu da pergunta de pesquisa estruturada com base no acrônimo PICo, comumente utilizado para revisões com estudos não clínicos. Desse modo, o P (paciente) referiu-se aos adolescentes, o I (interesse) remeteu-se à prevalência e aos fatores que influenciam a automutilação e o Co (contexto), ao contexto de ocorrência da automutilação na vida dos adolescentes.

A busca foi realizada no mês de outubro de 2021 nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e PubMed Central (PMC), com o uso de descritores presentes nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): adolescente e “comportamento autodestrutivo" para a busca nas bases de dados latino-americanas e no MeSH Database: adolescent e “self-destructive behavior” para a busca na PubMed. Os termos foram selecionados com base na questão norteadora e combinados com o operador booleano “AND".

Foram incluídos, na pesquisa, documentos científicos publicados nos últimos cinco anos (abril de 2015 a setembro de 2021, sendo este limite de tempo justificado pelo uso da estratégia de busca ampla e por almejar obter os materiais que representem a realidade atual) e estudos quantitativos que possuíam o texto completo disponível nos idiomas português, inglês e/ou espanhol. Já como critérios de exclusão, adotaram-se: artigos científicos duplicados em mais de uma base de dados; estudos que não apresentaram os dados referentes ao número de adolescentes que realizaram a automutilação; estudos desenvolvidos com outras faixas etárias e os estudos de revisão da literatura (integrativa, sistemática, narrativa).

Utilizou-se, como instrumento de coleta de dados, um formulário criado pelos autores que aponta as informações que foram extraídas dos estudos selecionados. São elas: o número de casos de automutilação e o total de adolescentes; os métodos de realização da automutilação; os fatores de risco que contribuem para a prática do fenômeno em adolescentes; o local de desenvolvimento das pesquisas e as referências.

O procedimento de seleção dos estudos foi realizado de forma pareada, concomitantemente entre dois autores (estudantes de Enfermagem), as divergências foram discutidas entre os dois autores em consulta com um terceiro participante (docente do curso de Enfermagem) através de reunião, considerando, principalmente, a presença dos dados quanto a prevalência de automutilação em adolescentes nos manuscritos.

O procedimento de coleta de dados das informações para o alcance do objetivo da pesquisa deu-se mediante a leitura, na íntegra, dos artigos da seleção final e a partir da extração das informações de acordo com o instrumento de coleta de dados, com foco em direcionar a retirada dos pontos pertinentes, como a prevalência da automutilação, as características e os fatores de risco.

Para avaliar a qualidade metodológica dos estudos que compuseram a amostra final, utilizou-se instrumento que possui oito critérios de avaliação, tais como: amostragem probabilística ou censitária; fonte de amostragem adequada; quantitativo amostral; aferição de forma adequada; aferição imparcial e por coletadores treinados; descrição das recusas; exibição do Intervalo de Confiança (IC) e participantes bem descritos.10 A justificativa para a escolha desse instrumento deu-se devido à semelhança de avaliação de prevalência e à incidência entre os estudos. Deste modo, nenhum estudo foi removido após a avaliação.

A análise do estudo ocorreu a partir da utilização do software R para a realização da metanálise, obtendo-se o Forest plot, o teste de heterogeneidade, o teste de funil e o teste de Egger. A heterogeneidade entre os estudos selecionados foi avaliada de acordo com o Teste Q, baseado no qui-quadrado, sendo um p-valor menor que 0,05 considerado uma heterogeneidade óbvia. Além disso, o valor de I2 foi adotado para avaliar o grau de heterogeneidade.

RESULTADOS

Conforme mostra a Figura 1, a seleção final da revisão pautou-se em 86 artigos científicos nacionais e internacionais, sendo eles: Brasil,6^,11 China,12^-35 Estados Unidos,5^,36^-50 Portugal,51^-54 Argentina,55 Japão,56^-57 Turquia,58 Polônia,59^-60 Canadá,61^-62 Taiwan,63^-65 México,66 Suíça,67^-68 Hungria,69^-70 Indonésia,71 Bélgica,72 Bélgica e Holanda,73 Uganda e Jamaica,74 Irã,75 Inglaterra,76 Austrália,77 Vietnã,78 Noruega,79^-80 Israel e dez países da Europa,81 Dinamarca,82 Alemanha,83^-84 Coreia,85^-86 Coreia do Sul,87 Reino Unido,88 Escócia,89 Gana,90^-91 Barcelona,92 Itália,93 e Jordânia.94 O país que mais realizou estudos sobre o tema foi a China com 25 documentos científicos.

Figura 1 -
PRISMA fluxograma da seleção dos estudos. Campina Grande, PB, Brasil, 2015-2021.

Observa-se que a automutilação apresenta uma prevalência estimada, para toda a população, de 21% (IC95% 16%-26%) entre os estudos analisados. A maior prevalência foi encontrada no estudo realizado nos Estados Unidos49, com um valor de 85% (IC95% 72-92), enquanto a menor foi observada nos estudos desenvolvidos na Argentina55, com um valor de 1% (IC95% 0-1), e Portugal51 com o mesmo valor de 1% (IC95% 1%), descritos na Figura 2.

Figura 2 -
Forest plot de prevalência da automutilação entre adolescentes de acordo com os estudos analisados. Campina Grande, PB, Brasil, 2015-2021.

A Figura 3 exibe a assimetria entre as investigações, confirmada pelo teste de Egger (p=0,0018), indicando a probabilidade de que estudos com amostras menores, que possam ter encontrado prevalências mais baixas, podem não ter sido publicados.

Figura 3 -
Funnel plot de distribuição da automutilação entre adolescentes de acordo com os manuscritos investigados. Campina Grande, PB, Brasil, 2015-2021.

No tocante ao método da automutilação, o corte mostrou-se como sendo o mais citado nos estudos,6^,11^,13^-17^,29^-30^,35^,37^-39^,48^,51^-52^,54^-56^,58^,67^,70^,72^-73^,74^,79^,85^-86^,91^-94 realizado como único método ou acompanhado de outros. Em pesquisas que revelaram seu percentual, o autocorte liderou.

Foram identificados, ainda como métodos de escolha, bater-se,11^,13^-17^,32^,36^,38^,40^,53^,74^,77^,86^-87^,92^,94 morder-se,11^,13^-17^,38^,59^,68^,71 coçar-se,6^,13^,68^,71^,73^,94 queimar-se,11^,13^,15^,17^,32^,40^,53^,59^,71^,73^,92^,94 intoxicar-se por medicamentos ou outras substâncias,29^,32^,36^,39^,52^-53^,56^-57^,59^,77^,80^,87^,92 pular de lugares altos,53^,57 enforcar-se,57^,80^,87^,92 cutucar-se um ferimento,11^,13^,40 postar algo mau sobre si mesmo,5 inserir objetos embaixo da unha ou da pele11^,17^,29^,59^,68 e beliscar-se.11^,14

Em relação aos fatores que podem influenciar a automutilação, estes serão divididos nos seguintes grupos: pessoais, socioeconômicos, familiares, comportamentais, relacionais e ambientais. Quanto aos fatores pessoais, a maioria dos estudos mostrou que o sexo feminino,6^,11^-18^,21^,24^,26^-27^,36^-39^,47^-48^,52^-53^,56^-57^,59^-61^,63^-64^,66^,68^-69^,70^,75^,77^,81^,83^,86^-88^,89^,93 adolescentes mais velhos (entre 15 e 19 anos)18^,37^,52^,57^,59^,61^-63^,68^,77^,84^,94 e cor/raça branca37^,49^,77 influenciam a automutilação.

Para os socioeconômicos, observou-se a influência dos seguintes fatores: ser filho(a) único;14^,26^,31^,34 situação econômica baixa;6^,18^,36^,49^,52^,83^,88 baixa escolaridade15^,63 e possuir vínculo empregatício.29

Quanto aos fatores familiares, destacaram-se: baixa escolaridade dos pais;15^,25^,36; conflitos com os pais ou entre irmãos;13^,21^,31^,34^,39^,45^,48^,52^,56^,64^,79^,82^,87^,92 presenciar violência doméstica;12^,32^,39 pais separados;13^,18^,32^,39^,60^,64 ausência/presença excessiva dos pais;14^,17^,28^,35^,39^,86 violência autoprovocada na família;18^,53^,84^,92 abuso de álcool e de drogas por familiares;49^,60 morte/ enfermidade;18^,39^,56^,82 desemprego82 e disfunção psicológica familiar.76

No que concerne aos fatores comportamentais, identificaram-se: uso/abuso de álcool e drogas lícitas e ilícitas;5^,11^-12^,16^,21^,27^,37^,42^,53^,59^,60^,64^,92 ter sido vítima de violência sexual, física, emocional, e/ou maus-tratos na infância;12^,19^,31^-32^,34^,37^,45^,53^,60^,87^,92 possuir ideação suicida;16^,37^,64 ter comportamento impulsivo;17^,28^,35^,72^,79 ser dependente da internet;23^-24^,65 anorexia nervosa;43 participar de jogos de azar47 e sono irregular.44

Nos fatores relacionais, obtiveram-se: problema no relacionamento;52^,71^,92 ter experiência com relacionamento amoroso;34 ter iniciado a vida sexual;12^,37^,53 comportamento sexual forçado ou inseguro;16^,37^,75 conflitos com outros adolescentes;52^-53^,82 amigos/colegas que possuem comportamentos suicidas;28^,38^,53^,64^,67^,92 isolamento social ou baixo suporte social48^,52^,58^,62^,64^,68^,76 e orientação sexual homoafetiva.50^,91

E como fatores ambientais, encontraram-se: bullying na escola;5^,12^,22^,32^,39^,52^-53^,65^,78^,94cyberbullying;5^,20^,78^-79 pressão na escola;12^,14^,32^,39 problemas escolares;56^,60^-61^,92 comunidade economicamente desfavorecida;13 residir em área rural;29^,75 exposição a comportamentos suicidas na internet;64 fugir de casa;16^,60 evasão escolar16 e mudança de escola.56

DISCUSSÃO

A automutilação entre os adolescentes pode estar relacionada ao fato de esse período da vida ser marcado por vulnerabilidades decorrentes de descobertas e de conflitos que fazem parte do desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo e da mudança de fase entre infância e adultez.95

Acrescida a isso, pode-se destacar a influência de características capitalistas, como a comercialização de boas condições de vidas e de corpos perfeitos por meio das redes sociais, como possível potencializadora de atos autolesivos.55^,63 Em meio a cenários frenéticos de divulgação de informações, de influências e de demandas por padrões - características da sociedade atual, observa-se que o adolescente pode passar pela acentuação de conflitos internos, de instabilidades e de perturbações que, por sua vez, podem influenciar a execução de automutilação.

Quanto aos fatores pessoais, em um estudo realizado no Brasil, o percentual de meninas e de meninos que praticaram a automutilação foi de 79,6% e 20,4%, respectivamente.1 Sugere-se que a prevalência de automutilação na população feminina em relação ao público masculino se deva ao fato de que as mudanças relacionadas à puberdade tenham maior potencial de causar estresse nesse primeiro grupo, tornando-o mais sensível às relações interpessoais, a esconder emoções negativas e a automutilar-se.13 Além disso, vê-se que as meninas identificam, com maior facilidade, as próprias experiências emocionais e, consequentemente, procuram métodos para a regulação dessas. Nesse ínterim, a automutilação pode aparecer como alternativa.11

No que concerne aos fatores socioeconômicos, os achados da literatura indicam maior propensão de automutilação nos adolescentes menos favorecidos economicamente, uma vez que acabam sofrendo com a falta de recursos e com o estresse financeiro familiar transmitido a eles, gerando sofrimento, isolamento e automutilação,96 principalmente na fase final da adolescência, momento em que as relações sociais estão se estabelecendo com mais intensidade.13

O fator familiar também se mostrou relevante no que tange às ações de automutilação entre adolescentes. Entretanto, em estudo desenvolvido na China,97 revelou-se que o nível de escolaridade dos pais não apresentou associação significativa à automutilação entre adolescentes. Já no Brasil,98 as dificuldades no convívio com familiares demonstraram influência no comportamento de automutilação entre os adolescentes, pois comprometem o desenvolvimento saudável dessa população.

Em condições saudáveis, os adolescentes devem criar um vínculo com os pais para expor seus sentimentos de maneira salutar. Porém, conflitos familiares apresentam-se como barreiras no desenvolvimento desse vínculo, como o abandono por um dos pais e a rejeição emocional, que podem resultar em sentimentos negativos como raiva e frustração. Desse modo, não conseguem guardar sentimentos de amor e carinho e assim aprender a lidar com os sentimentos negativos. Por não conseguirem identificar o que sentem, procuram a automutilação como método imediato para o alívio.98

Fatores comportamentais, como a exposição a maus-tratos, o sofrimento de abusos emocionais, físicos e sexuais e a negligência na infância, interferem, diretamente, na regulação de emoções como a raiva, a ansiedade e o medo, o que predispõe ao aumento da instabilidade emocional. Essa exposição pode causar consequências psicológicas e físicas, o que interfere na consciência, no reconhecimento e na aceitação das emoções. Então, a automutilação surge como um adequador.99

Em relação ao uso de drogas, são mais frequentes em adolescentes que têm o sexo como autodano, assim como a troca frequente de parceiros sexuais como um mecanismo de automutilação. Isso pode ser explicado, pois os adolescentes que já sofreram abuso sexual são mais propensos a se expor a comportamentos de risco.100 Além disso, o uso de álcool se apresenta também na repetição dos atos.1

Nos fatores relacionais, para os adolescentes que possuem um relacionamento homoafetivo, o risco em desenvolver comportamentos de automutilação ocorre por meio do sofrimento causado pelo preconceito e pela discriminação, que podem acarretar prejuízos na saúde mental. Para além disso, evidenciam-se também sentimentos de solidão e isolamento social pelo não compartilhamento da orientação sexual com outras pessoas.98

O envolvimento em relações sexuais pode surgir como um tipo de automutilação, realizada como forma de participar de algum grupo, atrair a atenção de alguém para si, regular a solidão e o tédio e obter a atenção de alguém, nem que seja de forma negativa. A automutilação sexual é caracterizada como um autodano indireto ao corpo e, a partir dessa prática, os adolescentes se tornam mais vulneráveis a sofrerem algum tipo de situação sem consentimento, como o próprio ato sexual.101

Nos EUA, observou-se que 71,60% dos adolescentes que praticavam automutilação possuíam amigos que também se automutilavam.37 Adolescentes que possuem amigos que se autolesionam se envolvem em mais métodos de automutilação comparados à ausência de amigos que possuem esse comportamento, assim como aumentam a frequência dos cortes e a ideação suicida.

Na Espanha,102 uma adolescente relata ter visto essa prática de automutilação pela internet quando estava nervosa, o que desencadeou a automutilação. Dessa forma, a internet torna-se um ambiente de bastante influência na prática de automutilação em adolescentes pelo acesso às mídias digitais, que mostram uma realidade oposta à dos adolescentes, gerando uma baixa auto-estima.103 Entretanto, a internet é utilizada também como apoio para aqueles que sentem vontade de parar de praticar a automutilação e como local de desabafo.3^,24

E quanto aos fatores ambientais, crianças e adolescentes que estudam são mais propensos a praticarem a automutilação devido ao estresse escolar, que gera raiva, ansiedade, desamparo, vergonha e tédio,7 e ao bullying, que pode ser caracterizado nas formas de bullying psicológico, por meio de difamação, de ameaças e de exclusão; físico, que são os tapas, os socos, os chutes e os empurrões; e virtual, as ameaças, a difamação e os insultos realizados por mensagens no telefone ou na internet.104

Essa última forma de bullying, também denominada cyberbullying, evidencia dentre as suas consequências: a psicológica, expressada a partir de sentimentos como a depressão, a ansiedade, a fobia social e a baixa autoestima; a emocional, que pode despertar sentimentos de raiva, desapontamento, frustração e vulnerabilidade; a biológica, por meio de dores abdominais, dores de cabeça, insônia e da incontinência urinária noturna.105

O bullying vivenciado pelos adolescentes impacta, diretamente, a autoestima e a visão de si enquanto ser-no-mundo, uma vez que, para este público, após ser alvo de comentários maldosos, sente-se como inútil no mundo. Estima-se que a eliminação do bullying poderia reduzir, em cerca de 20% a 43%, os casos de automutilação.106 Nesse contexto, o enfermeiro constitui-se em um transformador social, sendo imprescindível o seu envolvimento com o contexto escolar e os adolescentes a fim de compreender o que leva à prática da automutilação.107

Dessa forma, é necessário que o profissional de Enfermagem, em assistência ao paciente com comportamento de automutilação, ofereça apoio emocional ao sujeito e à sua família com o propósito de fortalecer o vínculo profissional-paciente, proporcionando um ambiente reconfortante e estimulante à continuidade do tratamento e à busca de mais ajuda, uma vez que a percepção positiva da assistência é especialmente importante a fim de facilitar a comunicação com o paciente para a resolução ágil e qualitativa do enfermeiro.9

No entanto, percebe-se, na assistência dos profissionais de saúde, um déficit quanto ao cuidado com a família do adolescente. Em sua maioria, isso se justifica pela insegurança de como abordar a temática. Logo, destaca-se a importância da capacitação profissional, a fim de possibilitar a realização de oficinas comunitárias, com o objetivo de debater a problemática, tornando-a uma ação propícia para o compartilhamento de experiências entre as famílias das vítimas de automutilação.108 Além disso, intervenções intersetoriais e interdisciplinares são necessárias para a redução deste fenômeno, principalmente na promoção à saúde, por meio da educação em saúde.7

Acrescentam-se, ainda, a falha quanto às políticas públicas de saúde, bem como a falta de recursos físicos e humanos, e uma rede de atenção à saúde do adolescente que favoreça a atenção integral desse público, considerando suas vulnerabilidades inerentes à fase a qual vivenciam.108

Destaca-se, como limitação do estudo, a busca em quatro plataformas de dados, o que pode ter possibilitado o viés de publicação, bem como a não realização do rastreio das referências. Percebeu-se, ainda, a carência de dados que reflitam a realidade mundial da automutilação em adolescentes.

Assim, esta revisão evidenciou que a automutilação é um fenômeno global, que atinge os adolescentes em vulnerabilidade emocional ocasionada por diversos fatores. Consequentemente, é imprescindível a assistência multiprofissional a este público a fim de prestar um cuidado integral. E no que tange à Enfermagem, ressaltam-se a importância da capacitação destes profissionais e a escuta ativa, uma vez que estão inseridas, diretamente, na assistência destes pacientes.

CONCLUSÃO

A prevalência da automutilação em adolescentes variou entre 1% e 85% na Argentina e nos Estados Unidos, respectivamente. O corte foi o principal método de escolha para a automutilação, seguido das mordidas, das batidas e das queimaduras. Quanto aos fatores relacionados à automutilação, destacam-se o sexo feminino, as idades mais avançadas na adolescência, a baixa renda, os conflitos no núcleo familiar, o uso e/ou o abuso de drogas pelo adolescente, os maus-tratos na infância, amigos e familiares que possuem comportamentos suicidas e o bullying escolar.

A automutilação constitui-se de um fenômeno estigmatizado, entretanto que revela inquietações e problemas dos adolescentes que, em sua maioria, são negligenciados e ignorados pela família, escola e sociedade. Sendo assim, este estudo proporciona aos adolescentes a expressão de uma realidade ao qual vivenciam.

Ressalta-se que os dados permitem ao profissional de enfermagem o empoderamento do conhecimento voltado ao perfil dos adolescentes que praticam a automutilação, bem como a presença deste fenômeno na vida deste público, de forma a embasar as estratégias de prevenção, voltadas principalmente ao público de risco mencionado acima, bem como a promoção da saúde, e especificamente a saúde mental.

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NOTAS

• FINANCIAMENTO

  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Processo no 88887.653225/2021-00.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Clemente Neves de Sousa, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  09 Set 2022
• Aceito
  22 Nov 2022