Resumos
Este estudo teve como objetivo identificar os agentes ou instituições tomadas por referência pelas nutrizes, na prática da amamentação. Realizou-se pesquisa qualitativa, cujos sujeitos foram 20 puérperas que procuraram, por razões alheias à amamentação, as 5 Unidades Básicas de Saúde, selecionadas neste estudo. Os dados foram coletados por entrevista do tipo semi-estruturada realizada no domicílio e a análise foi baseada na técnica de análise de conteúdo-modalidade temática. Identificou-se que o profissional de saúde assume papel normatizador da amamentação, respaldando-se em conhecimentos científicos. No cotidiano da amamentação, a família ocupa o primeiro lugar de referência para as mulheres, transmitindo crenças, hábitos e condutas. Acredita-se na valorização do contexto familiar pelo profissional de saúde, desenvolvendo ações e interação nas questões da amamentação, constituindo-se as bases de um novo modelo de assistência em amamentação, que considere as diversidades dessa prática, adequando as ações à pluralidade de ser mãe/nutriz/esposa/trabalhadora no contexto social.
aleitamento materno; saúde da mulher; enfermagem materno-infantil
This study aimed to identify agents or institutions taken as reference by women when breastfeeding. A qualitative study was carried out on 20 primiparous who were assisted, for reasons not related to breastfeeding, in the five health services selected by this study. Data were collected by semi-structured interviews carried out in the participants' households and were analyzed by content analysis in the thematic mode. We identified that health professionals play a standardize role of breastfeeding based on scientific knowledge. In the daily breastfeeding routine, the family is the first reference for women, transmitting beliefs, habits and behaviors. We believe in the valorization of the family context by the health professional, in which actions and interactions in the breastfeeding issue are developed in order to constitute the foundations for a new care model in breastfeeding. This model should, therefore, consider the practice diversity, adapting actions to the multiple roles of being mother/fortress/wife/worker in the social context.
breast feeding; women's health; maternal-child nursing
Este estudio tuvo como objetivo identificar los agentes o instituciones consideradas como referencia por las madres lactantes en la práctica de amamatación. Investigación cualitativa con 20 puérperas quienes buscaron por razones ajenas a la lactancia una de las 5 unidades básicas de salud seleccionadas en este estudio. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas realizadas en su domicilio; su análisis se apoyó en el análisis de contenido, modalidad temática. Fue identificado que el profesional de salud asume un rol normativo en este proceso, apoyándose en conocimientos científicos. Dentro del proceso de amamantar, la familia ocupa el primer lugar de referencia para las mujeres, transmitiendo creencias, hábitos y conductas. Se cree que la valorización del contexto familiar por el profesional de salud, al desarrollar acciones e interacciones durante la lactancia, se constituyen en bases para un nuevo modelo de atención en lactancia, que considere las diversidades de esta práctica, adecuándolas a la pluralidad de ser madre/lactante/esposa/trabajadora dentro de su contexto social.
lactancia materna; salud de la mujer; enfermería materno-infantil
ARTIGO ORIGINAL
O espaço social das mulheres e a referência para o cuidado na prática da amamentação
Ana Márcia Spanó NakanoI; Márcia Cristina Guerreiro dos ReisII; Maria José Bistafa PereiraIII; Flávia Azevedo GomesIII
IEnfermeira, Livre-Docente, e-mail: nakano@eerp.usp.br
IIEnfermeira, Coordenadora do Programa de Aleitamento Materno da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, Pós-Graduanda
IIIEnfermeira, Professor Doutor, e-mail: zezebis@eerp.usp.br; flagomes@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem
RESUMO
Este estudo teve como objetivo identificar os agentes ou instituições tomadas por referência pelas nutrizes, na prática da amamentação. Realizou-se pesquisa qualitativa, cujos sujeitos foram 20 puérperas que procuraram, por razões alheias à amamentação, as 5 Unidades Básicas de Saúde, selecionadas neste estudo. Os dados foram coletados por entrevista do tipo semi-estruturada realizada no domicílio e a análise foi baseada na técnica de análise de conteúdo-modalidade temática. Identificou-se que o profissional de saúde assume papel normatizador da amamentação, respaldando-se em conhecimentos científicos. No cotidiano da amamentação, a família ocupa o primeiro lugar de referência para as mulheres, transmitindo crenças, hábitos e condutas. Acredita-se na valorização do contexto familiar pelo profissional de saúde, desenvolvendo ações e interação nas questões da amamentação, constituindo-se as bases de um novo modelo de assistência em amamentação, que considere as diversidades dessa prática, adequando as ações à pluralidade de ser mãe/nutriz/esposa/trabalhadora no contexto social.
Descritores: aleitamento materno; saúde da mulher; enfermagem materno-infantil
INTRODUÇÃO
Apesar dos avanços conseguidos na adesão das mulheres à prática da amamentação nos últimos anos, o desmame precoce ainda é uma preocupação, ocupando espaço nas agendas públicas no que diz respeito às políticas de aleitamento materno(1).
As ações de incentivo, proteção e apoio à amamentação se sustentam em razão do reconhecimento do aleitamento materno como fator importante na manutenção e desenvolvimento das estruturas econômicas de um país e por interferir na sobrevivência da criança. O desmame precoce coloca em risco a saúde da criança, aumentando os índices de morbimortalidade infantil. Uma das causas apontadas para o desmame precoce é a falta de conhecimento que a mãe tem a respeito da qualidade de seu leite, tanto para sanar a fome, como para conduzir ao adequado desenvolvimento do seu filho. O conhecimento da mulher é fator importante no processo de mudança do comportamento, entretanto, esse por si só, não garante mudança de atitude. As informações e as práticas inadequadas dos profissionais de saúde também têm influência negativa no estabelecimento e manutenção do aleitamento materno. Dentre elas está a falta de habilidade para dar suporte às mães que amamentam e o manejo clínico inadequado do aleitamento materno. Outro obstáculo diz respeito às práticas hospitalares que são pautadas em normas e rotinas que atrasam a primeira mamada, separam mãe e filho, estabelecem horários para amamentação e, freqüentemente, fazem indicação desnecessária de leite não humano, bicos e chupetas(2).
Na vivência cotidiana da amamentação pelas mulheres, o reducionismo biológico se faz presente, deixando de lado outras dimensões dessa prática, como as de base psicológica, social e cultural. A prática da amamentação surpreende as mulheres quando se atém ao reducionismo biológico, esperando ser um processo fácil, natural, instintivo e na realidade vivenciam um processo complicado que demanda aprendizado, sentindo-se inapropriadas para a função de nutriz(3).
O tempo de permanência do binômio nas unidades de puerpério nem sempre é suficiente para que as mulheres recebam orientações necessárias e se sintam aptas e seguras para o manejo da amamentação no domicílio. Ao que se pode identificar na literatura científica, os problemas na lactação tendem a surgir nas primeiras semanas pós-parto, momento em que as mulheres estão fora do ambiente hospitalar, em seus lares. Muitas vezes elas não dispõem do suporte social necessário para minimizar ou resolver seus problemas, o que tende a complicar o quadro de intercorrências, constituindo-se em fator de desmame precoce.
A falta ou insuficiência de suporte do contexto relacional familiar, dos profissionais de saúde e da comunidade à mulher na amamentação tem contribuído para que as mulheres percam a confiança em sua capacidade de amamentar plenamente(2). A condição das mulheres para amamentação apresenta-se longe de ser tangenciada pelas políticas prol amamentação. As ações empreendidas ainda estão centradas em habilidades técnicas de enfoque biológico e fragmentadas, na contramão do que se espera de um novo paradigma de saúde, que contemple a integralidade do sujeito(4). Sobre a perspectiva de assistência por profissionais de saúde, pode-se identificar que esses, embora reconheçam elementos de ordem social e emocional, no processo de amamentar, na prática esse parece ser um campo ainda não dominado pelo profissional.
Pode-se considerar que sendo o aleitamento materno um processo sociocultural, que tem historicidade, a explicação linear dos fatos e das causas que determinam o aleitamento materno não cabe como interpretação. Sob a amplitude desse novo olhar é que é baseada a proposta, aqui, de compreender as vivências das mulheres na amamentação.
No contexto dos serviços de saúde, o pronto atendimento é o modelo predominante de assistência e as ações são desencadeadas pela queixa de ordem biológica, impossibilitando ao profissional de saúde apreender o que está além dos sinais e sintomas apresentados.
Se de um lado há o profissional de saúde que se volta ao corpo como mero depositário de processos biológicos indicadores de saúde e doença, por outro, há mulheres que tendem a interpretar as sensações corporais de acordo com códigos específicos de seu meio, nem sempre congruentes com os dos profissionais de saúde.
Nesse particular, observa-se na prática, de forma não sistematizada, que as mulheres, diante de intercorrências mamárias da lactação, tendem a buscar tardiamente ajuda do profissional, recorrendo primeiramente ao seu meio relacional. Assim questiona-se qual o lugar ocupado pelo profissional de saúde como elemento de referência de assistência/ajuda, nas questões da amamentação para as mulheres.
Buscou-se nesse estudo, compreender a vivência de amamentação em um grupo de mulheres, usuárias do serviço de saúde do município de Ribeirão Preto, SP, no sentido de identificar as propriedades atuantes dos agentes e instituições na construção dos significados da amamentação para as mulheres. Esse objetivo é parte de uma pesquisa maior sobre dificuldades das mulheres frente ao aleitamento materno(5).
Acredita-se que a compreensão dessas questões possibilitará vislumbrar estratégias mais efetivas à assistência oferecida às mulheres, na medida em que se apreenda as representações atribuídas por elas às suas vivências com a amamentação, o que permitirá desmistificar o discurso técnico a fim de adequá-lo à realidade apresentada.
OBJETIVO
Identificar os agentes ou instituições tomadas por referência pelas nutrizes, no cuidado frente à situação de dificuldades na amamentação.
METODOLOGIA
A compreensão e a análise das referências para o cuidado, consideradas pelas nutrizes em situação de dificuldades na amamentação, foram fundamentadas na abordagem qualitativa, que se volta para os significados e a intencionalidade das ações nos contextos das estruturas sociais(6).
O trabalho de campo foi desenvolvido em cinco Unidades Básicas da Saúde da Secretaria de Saúde do município de Ribeirão Preto, SP. Das 35 unidades básicas existentes, na época da coleta dos dados, selecionou-se para esta pesquisa, as cinco unidades de saúde que obtiveram, segundo os resultados de pesquisa epidemiológica sobre alimentação no primeiro ano de vida, no Município de Ribeirão Preto, nos anos 1999 e 2003, o maior e o menor valor referente ao indicador Aleitamento Materno Exclusivo (AME)(7).
O recorte empírico do estudo foi constituído de 20 puérperas que procuraram as unidades básicas de saúde, selecionadas para esta pesquisa, por razões alheias à amamentação, independente de estarem amamentando. As puérperas foram incluídas com base nos seguintes critérios: serem primíparas, visando maior homogeneização entre os sujeitos do estudo; que se encontravam no período pós-parto inferior a um mês, em razão de ser esse um período reconhecido como de maior incidência de intercorrências no processo de lactação. Não fizeram parte da amostra mulheres que tiveram filhos prematuros, com malformação ou qualquer intercorrência que dificultasse a amamentação.
O contato com os sujeitos da pesquisa ocorreu nas unidades básicas de saúde, local onde era feito o agendamento da data e local das entrevistas. Todas as entrevistas foram realizadas no domicílio das mulheres e tiveram duração média de uma hora e meia. Utilizou-se da entrevista do tipo semi-estruturada, que incluía conteúdos referentes aos dados de identificação; ao processo reprodutivo, particularmente sobre amamentação como descrição de experiências; procedimentos; hábitos e rotinas; conhecimentos; percepções e valores frente às dificuldades e informações sobre a unidade familiar/contexto relacional. Todas as entrevistas foram gravadas, após consentimento informado e esclarecido das depoentes.
O corpus de análise foi composto por dados das entrevistas e observações descritas nos diários de campo. No tratamento dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo temática(8), que consiste em "(...) descobrir os 'núcleos de sentido' que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido"(6). Nesse procedimento analítico, o "núcleo de sentido" é visto como uma unidade de significação no conjunto de uma comunicação(6). Neste estudo, os núcleos de sentido foram entendidos como idéias-eixo em torno das quais giram outras idéias. Mediante a análise temática, também se pode caminhar na direção da "descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado"(9).
A análise percorreu os seguintes passos: (a) leitura inicial, procurando ter uma compreensão global do material; (b) identificação das unidades de significado que emergiram das falas dos entrevistados; (c) descoberta de núcleos de sentido em torno dos quais giraram a construção das categorias temáticas e (d) interpretação e discussão.
Nesse sentido, a pesquisa buscou trabalhar com duas categorias temáticas: "as situações de dificuldade na amamentação" e "os agentes atuantes no cuidado". As discussões das categorias temáticas depreendidas estão fundamentadas nas concepções de corpo e maternidade.
Em nossa sociedade, a maternidade é socialmente valorizada e instituída como responsabilidade/dever da mulher pelo cuidado do filho, o que está em parte fundamentada na capacidade que ela tem de engravidar, parir e amamentar, e em construções sociais de serem as mulheres mais ternas, carinhosas e habilidosas para cuidar da prole. A apropriação social do corpo feminino para o exercício da maternidade, especificamente da amamentação, é estrategicamente importante de ser analisado como categoria própria. As representações do corpo e da saúde estão diretamente vinculadas às diferentes formas de perceber, representar e agir sobre o mundo social que os indivíduos compartilham com o seu grupo social(10).
A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. Com o objetivo de garantir o anonimato dos sujeitos pesquisados, nos fragmentos das entrevistas, serão utilizados nomes fictícios.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ribeirão Preto possui estrutura impar para a assistência nas questões do aleitamento materno. Desde 1988, a Secretaria Municipal de Saúde, por meio do Programa de Aleitamento Materno, investe no treinamento de pessoal para dar assistência na amamentação, em parceria com o Núcleo de Aleitamento Materno da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - NALMA-EERP/USP. Além desses serviços básicos de saúde, o município dispõe do Banco de Leite Humano do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, que é referência estadual em Bancos de Leite Humano para o interior do Estado de São Paulo. Atualmente o município conta com três Hospitais Amigos da Criança.
O grupo de estudo foi constituído por 20 puérperas de baixa renda, moradoras em bairros da periferia. Dessas, treze eram adolescentes com idade entre 15 e 19 anos, e sete estavam em idade adulta que variou de 20 a 26 anos. A conclusão dos estudos de ensino médio foi observada em apenas seis do total das mulheres desta pesquisa; dez interromperam os estudos, sendo seis no primeiro grau e quatro no segundo grau. No momento da pesquisa, quatro mulheres estavam cursando o segundo grau, em regime de licença concedido pela escola. Cinco mulheres do grupo eram casadas, oito em união consensual e sete solteiras. Quanto à ocupação, apenas duas estavam engajadas no mercado de trabalho formal, as demais estavam desempregadas com planos futuros de inserção, na dependência das imposições da maternidade e do suporte que terão do seu meio relacional.
No conjunto das falas das puérperas entrevistadas, identificou-se dois núcleos temáticos: "as situações de dificuldade na amamentação" e "os agentes atuantes no cuidado", os quais se mostram articulados, caracterizando a prática da amamentação de um grupo de mulheres nos diferentes espaços sociais (institucional e familiar).
A mulher inicia sua experiência de amamentação com base nos limites técnicos e normativos que conformam as ações de incentivo ao aleitamento materno. O profissional de saúde, autoridade no saber científico, assume o papel de normatizador e regulador da prática da amamentação, respaldando-se em um corpo de conhecimento centrado nos benefícios nutricionais, imunológicos, emocionais e fisiológicos da saúde da criança.
Na sala de parto eu amamentei ele, a enfermeira segurou ele, colocou ele no seio (Selma, 19a, 1°GC, solteira).
Para a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), a amamentação na primeira meia hora de vida é conduta recomendável e vem sendo implementada nas maternidades desde a década de 1990. Entretanto, ainda não se observou homogeneidade na adoção dessas condutas entre os profissionais de saúde e serviços. O programa de ação da IHAC traz avanços na eliminação de obstáculos ao aleitamento materno, questionando práticas sedimentadas nas instituições e propondo reorganização na estrutura física e na filosofia da assistência prestada nos hospitais e maternidades. Para tanto, são necessários ajustes que vão além da assistência técnico-instrumental, envolvendo a desconstrução de uma prática calcada em concepções cristalizadas, possibilitando à equipe de saúde uma visão crítica e aberta para a compreensão de novas abordagens na prática da amamentação.
No campo da ação do profissional, esse se apresenta condicionado e condicionante de seu papel no incentivo ao aleitamento, como educador e promotor dessa prática, caracterizando-se pela ação disciplinar da amamentação(4).
Utilizando-se da racionalidade científica, os profissionais de saúde, como agentes, assumem posição estratégica no espaço social da instituição de saúde. O aspecto ativo de seus discursos científicos sobre amamentação pode ser identificado no significado que as mulheres deste estudo atribuíram à amamentação: "dar o melhor para o bebê", tendo por base a experiência social, apropriando-se do discurso médico e reinterpretando-o, como se depreende no depoimento abaixo.
O leite materno é o melhor alimento para a criança para ela desenvolver, tem tudo, tem água, tem vitamina, tem o açúcar, é a temperatura normal pra a criança e não precisa estar ali esquentando o leite ou fazer mamadeira. O leite materno tem tudo isso. Previne várias doenças, uma alergia, a gente também é prevenida com o câncer que dá na mama, e outras coisas, então o leite materno é muito importante para o crescimento como pra uma alimentação boa (Lucila, 20a, 2°GC, união consensual).
É no espaço institucional de saúde que se busca estabelecer o padrão de aleitamento para mãe e filho, num jogo de permissões e restrições.
A pediatra falou que não precisa acordar ele...o sono sustenta(...) quando acorda vai tirar o atraso (...). No hospital falaram que o certo do menino mamar é de uma em uma hora (Tais, 16a, 1°GI, união consensual).
As propriedades atuantes dos profissionais de saúde mostram-se presentes na medida em que são tidas em consideração como princípio de construção do espaço social(11) - amamentação no contexto da instituição de saúde. Tais propriedades se constituem em um conjunto de relações de forças objetivas impostas a todos os que entram nesse campo, sendo irredutíveis às intenções dos agentes individuais, ou mesmo às interações diretas entre agentes(11).
Apreende-se que, por vezes, os profissionais de saúde transmitem informações contraditórias, deixando as mulheres inseguras e preocupadas ante a sua prática de amamentação. No contexto institucional hospitalar, onde a amamentação é uma norma a ser cumprida por todas as mulheres internadas, o fato de "o bebê não querer pegar o peito" ganha a magnitude de problema.
Enfermeira me ajudava, ela falava que tinha que pegar bem assim no seio, nas aréolas...Ele tem que pegar ela inteira...eu fazia, só que não sei se fazia direito, ele não estava conseguindo pegar (...). Ela falava que tinha que continuar tentando, forçar ele pegar (Sônia , 26a, 1°GC, união consensual).
Os profissionais de saúde assumem a postura de supervisores da prática de aleitamento, prestando orientações, cuidados técnicos e utilizando-se de racionalizações científicas para justificar a situação-problema; entretanto, nem sempre essas se sustentam na prática por envolverem dimensões psicossociais que o manejo clínico da amamentação não contempla. Outro aspecto a ser considerado é a falta de formação do profissional de saúde para lidar com a diversidade apresentada, pois as práticas de saúde envolvem um conjunto de procedimentos, normas e rotinas, restando pouco espaço para a expressão da diferença. No processo interativo profissional e mulher, as ações educativas buscam transmitir informações fundamentadas no modelo biomédico, restritas ao desenvolvimento de habilidades cognitivas.
A política atual de amamentação, através da IHAC, instituiu que a amamentação é prática que tende a ser obrigatória, devendo ser adotada como norma nos hospitais. Dentre as ações recomendadas, está aquela que indica a alta hospitalar somente quando tal prática mostrar-se efetiva aos olhos do profissional de saúde. Neste estudo, a adesão a tais normas foi revelada na fala de Suzana.
No hospital falaram pra mim ter paciência, que ela é novinha (...) sempre passa uma enfermeira perguntando se ela não tinha pegado o peito(...) ela me ensinou(..), falou que depois eu ia gostar de dar de mamar, imagina! Mas é verdade, agora eu gosto (...). Se ela não mamasse, eu não podia ir embora...eu fiquei com medo dela ficar lá (...). O nenê não tem hora para mamar, se ele estiver dormindo bastante eu tenho que oferecer (Suzana, 15a, 2°GI,solteira).
Na instituição de saúde, o poder do profissional mostra-se objetivado nas suas ações junto às mulheres na amamentação. Entretanto, esse se apresenta de forma temporal, limitado ao período de internação, que é efetivamente curto para que se garanta a adesão das mulheres às normas estabelecidas para amamentação. Tais aspectos levam a repensar a prática assistencial, em que os profissionais de saúde, investidos da técnica e do saber científico, atuam sem considerar os elementos contextuais da vivência das mulheres em amamentação.
Há que se considerar que a prática da amamentação para as mulheres só será consolidada em outro campo, extramuros da instituição de saúde, onde se operam outros poderes. As diferentes espécies de poder ou de capital estão na dependência da posição que o agente ocupa nos diferentes campos. Entre as espécies de capital, estão incluídos o econômico, o cultural, o social, o simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação e/ou fama(11).
No campo social das vivências cotidianas dessas mulheres na amamentação, a posição do profissional de saúde/instituição de saúde apresenta-se hierarquicamente secundária nas decisões e ações diante de dificuldades com a prática de amamentar.
Para além do que se considera apropriado em termos de estrutura do serviço para o atendimento nas questões da amamentação, as mulheres do estudo parece se orientarem, num primeiro momento, por outros valores presentes no contexto familiar. Outro aspecto a ser considerado é que a busca pela assistência no serviço de saúde guarda relação com o que elas percebem por patológico, remontando a uma necessária alusão à origem da prática clínica, que passa a se concentrar no estudo do corpo como espaço de doença, tornando-se um texto passível de diferentes leituras acerca dos sinais e sintomas que nele se manifestam.
Na amamentação, sensações corporais são experenciadas pelas mulheres nas intercorrências mamárias, fazendo-as ter visão diferente da interpretação clínica dos profissionais de saúde. Na prática clínica, o trauma mamilar e o ingurgitamento mamário são considerados intercorrências mamárias da lactação (problemas), requerendo medidas preventivas e de tratamento. Para os especialistas da área da saúde, o corpo é o depositário de processos biológicos indicadores de saúde ou doença. As sensações corporais experimentadas pelos indivíduos (sintomas) e as manifestações objetivas que fazem parte do aspecto visível da doença (sinais) constituem elementos do sistema de representação que fundamentam a construção de um diagnóstico e a dedução de um prognóstico à situação apresentada.
A interpretação, entretanto, não se faz apenas com base nas sensações fisiológicas, mas também na construção social. Isso significa que a percepção das sensações, como alteração ou normalidade, faz parte de uma estrutura de significados socialmente compartilhados.
A culturalização das manifestações no corpo, particularmente, as de ocorrência no corpo materno guarda relação com a abnegação da mãe para com o filho(12).
Começou a doer eu fiquei meio assim... depois você se acostuma, sabe! (Taís, 16a, 1°GI, união consensual).
A construção cultural de que a mulher é resistente à dor pode ser um complicador na concepção técnica e instrumental da semiologia médica, pois retarda a detecção precoce dos traumas mamilares, agravando-os. Tanto a percepção da dor como a procura de recursos médicos para seu alívio estão diretamente relacionadas com a representação de corpo(13), o que possibilita compreender porquê as mulheres deste estudo tenderam a não buscar assistência precoce diante dos sinais de intercorrências mamárias, já que é natural e próprio da condição de mãe suportar tudo em razão do bem-estar do filho. Assim, a intensidade da dor é suportada pela mulher em razão da sua condição própria e natural de ser feminina(14).
Divergências de interpretações entre o profissional de saúde e a mulher, sobre o que é normal, mostram-se evidenciadas nas manifestações do próprio corpo, de ingurgitamento mamário - "peito empedrado". Na semiologia clínica, as ações preventivas e de tratamento para o "peito empedrado" pautam-se no controle da produção de leite, o que parece estar dissonante frente aos elementos da cultura apresentados pelas mulheres deste estudo. Para elas, a boa produção de leite é condição de um corpo saudável e funcional, desarticulando a noção de peito cheio como indicativo de desequilíbrio e anormalidade na produção de leite, conforme o depoimento abaixo.
Está ficando duro por causa do leite, eu estou tendo bastante leite graças a Deus... (Marisa, 20a, 2°Grau em curso, união consensual).
Isso possibilita compreender porque medidas preventivas e curativas de retirada do leite acumulado, prescritas pelos profissionais de saúde, não encontram a adesão esperada entre as mulheres, de um modo geral.
Para as mulheres do estudo, o contexto familiar reveste-se de um significativo poder de construção da realidade. Essa realidade tende a estabelecer uma ordem, ou um sentido imediato do mundo social, e essas mulheres constroem, através dos laços de família, o sentido e os significados das observações e experiências de amamentação, prática que vai aos poucos se conformando em sua cotidianidade.
É na vida cotidiana que os indivíduos adquirem todas as habilidades imprescindíveis (...) para seu amadurecimento, na medida em que assimilam a manipulação das coisas (aprende amamentar) e estabelecem uma mediação entre costumes, normas e a ética de outras integrações maiores. No conjunto dessas mediações, integram-se o grupo familiar e relacional e o de profissionais de saúde, ampliando-se para os ambientes da sociedade em geral(15).
É no espaço social familiar que as mulheres procuram acolhimento e ajuda para organização das tarefas domésticas e maternas, ajuda que, tradicionalmente, advém do próprio gênero: mães, sogras, irmãs, cunhadas e amigas. Como se pode observar na fala abaixo.
O nenê começa a chorar, você fica sem saber o que fazer...minha sogra cuida e dá orientação...ela tem prática (...) ela passou segurança, eu passei a dar valor à minha sogra...eu vi o quanto ela me faz falta (Maria, 19a, 2°GI, casada).
O reconhecimento do valor social da prática dos cuidados prestados pelas mulheres fundamenta-se no prestígio da experiência interiorizada e vivida no seu próprio corpo(16). Entretanto, essa condição não está disponível a todas as mulheres do grupo, como se identificou no caso de Josiana. A ausência da família tem reflexos mais profundos sobre ela, do que propriamente não ter com quem socializar tarefas, porque incide na falta de um alicerce seguro para ancorá-la no seu papel de mãe, esposa e dona-de-casa, fato que ela expressa sob a forma de ressentimento de não ter alguém de sua família para conversar.
Através das falas, identificou-se que a produção láctea foi aspecto bastante valorizado pela mulher, no seu contexto familiar, sendo visto, por vezes, como problema.
Minha irmã falava que o leite está sendo pouco pra ele (...), ele estava chorando demais, chorando de fome (..) não vaza (..) falou para procurar a M. do posto (...). Minha mãe, minha sogra falou: vai dar chá! (...). Eu não queria dar a chuquinha de chá (...), tinha medo que ele pegava a chuquinha e não pegava o peito (...), acabei de dar chá para ele, arrotou e dormiu. Pra mim foi bom porque eu estava cansada (Janete, 18a, 2°Grau em curso, solteira).
Apesar de informadas sobre condutas recomendadas na amamentação e das contra-indicações, as mulheres agem de acordo com a situação vivida, adotando as práticas de seu grupo cultural. Nesse sentido, o chá é culturalmente aceito como remédio para alívio dos desconfortos habituais dos primeiros meses de vida da criança, como as cólicas abdominais. Usado como estratégia para acalmar a criança, ganha espaço frente à realidade apresentada às mulheres e, à medida que mostra resultados satisfatórios, firma-se como prática.
Dentre as práticas e saberes populares que possibilitam manter a produção de leite, as mulheres do estudo reconheceram como essencial para si, como nutrizes, a boa alimentação e o estado de tranqüilidade.
Minha vizinha fala que eu tenho que comer bem para dar leite pro nenê...não dá vontade de comer (...) só falta meu leite secar (...). Eu não estou comendo direito não (...), se meu leite secar fica ruim para ele (Josiana, 18a, 1°GI, união consensual).
Culturalmente prega-se que a ingesta de certos alimentos aumentam a produção de leite. No entanto, estudo realizado no Pará mostrou a condição de alimentação materna e o cansaço decorrente de algumas atividades desempenhadas por elas como fatores que determinam a decisão de adotarem ou não o leite materno como alimento para seus filhos, no primeiro ano de vida(17).
No meio relacional familiar, as mulheres envolvem-se num jogo de constantes investidas, de cobranças e de avaliações de seu comportamento e atitudes frente ao desempenho na função de nutriz.
Minha mãe fala pra mim ter calma e fazer as coisas direito que não ia doer. Foi quando eu comecei a tomar sol, fazer massagem no bico do seio (...) (Selma, 19a, 2°GC, solteira).
Nesse jogo de relações, "as espécies de capital" se fazem valer na construção dos elementos constitutivos da prática da amamentação, a depender de quanto às pessoas são significativas a essas mulheres no campo social, o qual é "um espaço multidimensional de posições"(11).
Historicamente, as mulheres têm ocupado um lugar de destaque no ciclo reprodutivo e o prestígio a elas atribuído é resultante das experiências acumuladas de outras vivências maternas. Através das ações, interações e interpretações, os agentes deixam evidenciar seu caráter solidário às mulheres, ao mesmo tempo em que retransmitem e reafirmam a existência de preceitos éticos e morais relacionados ao "ser uma boa mãe"(12). As relações hierárquicas conformam-se na dependência das posições em que se encontra cada agente no campo social, no contexto familiar. Essas relações podem gerar dependência e uma responsabilidade entre aqueles que estão envolvidos nela, como na condição apresentada por Selma, onde a autoridade da avó busca se impor pela experiência.
Ele (bebê) gosta mais do colo da minha mãe do que do meu (...). Quando minha mãe está em casa, ela quer ficar com ele (...), eu fico perto para aprender como ela faz, tudo... (Selma, 19a, 2°GC, solteira).
O prestígio da avó resulta da habilidade em lidar com pequenas situações inerentes ao cuidado materno que, para essas mulheres, constituem momentos de intensa ansiedade, por se sentirem inábeis para executá-las.
O doméstico e o materno são socialmente estranhos aos homens/companheiros; entretanto, esses como agentes, ficam "acantonados numa posição", deixando evidenciar as suas "propriedades atuantes"(11).
Ele (pai da criança) fica nervoso porque ele acha que eu não quero dar de mamar (...), ele acha que eu tenho medo do peito cair...eu fico quieta, fico um pouco triste também dele falar assim, de eu não ter vontade de dar (...) (Rosimeire, 18a, 1°GI, solteira).
A participação masculina se esboça de forma própria, e em suas ações está implícito o papel que integra a referência do sistema de gênero, autoridade moral e provedor da família.
Ele (marido) se preocupa como que ela (bebê) está, se ela está mamando, se está faltando complemento (...). Perguntou se ela não estava ficando com fome...eu não tinha prestado nem atenção ainda (...) fica preocupado porque falei que o bico estava machucado, ele viu (...) ele se preocupa com a nenê, mas comigo também (Aline, 22a, 2°GC, casada).
Alguns companheiros das mulheres do nosso estudo exercitam um estilo mais flexível e afetivo, na medida em que se propõem a socializar as tarefas de cuidado e vigilância do filho. Esse é um importante ponto de partida para a marcha de um processo de revisão ou de atualização do modelo de paternidade.
Na hora que ele (companheiro) está em casa...porque ele trabalha muito...ele procura olhar o nenê pra mim, ele procura estar em cima na hora do arroto, quando à noite eu dou de mamar, que às vezes eu estou muito cansada (Tais, 16a, 1°GI, união consensual).
Foi no contexto familiar que as mulheres estudadas buscaram, primariamente, ajuda para o reconhecimento do que consideravam problema, ante as intercorrências mamárias apresentadas.
Comentei com minha cunhada, ela falou que estava tendo muito leite, mas não estava empedrando. Fui fazer o teste do pezinho, a moça conversou comigo e falou que o leite estava empedrado, que se não tirasse ia empedrar, ficar dolorido (...), que poderia doar (...) (Silvia, 23a, 2°GC, casada).
A esse respeito, a família é sede primeira da assistência à saúde em qualquer sociedade e, tradicionalmente, são as mulheres que prestam os cuidados(18). Na identificação da prática de cuidado com a mulher, desde os tempos mais remotos da história da humanidade na sociedade ocidental, o papel da "mulher que ajuda" é estabelecido pela herança cultural(16).
Sobre o conhecimento familiar do cuidado frente às situações de "peito empedrado" e "bico machucado", tal como para o processo saúde/doença, observa-se que esse é resultante de uma prática experenciada, na qual se associam receitas de comadres, remédios caseiros, orientações e/ou aconselhamentos de vizinhos, diagnósticos e medicamentos dos profissionais da medicina acadêmica(19). Acrescenta-se que o fato de se usar de procedimentos impróprios agrava o quadro clínico da mulher.
Me falaram (amiga da irmã que teve nenê há pouco tempo) para pôr a bombinha pra tirar um pouco de leite pra parar de doer (...). Os médicos falaram que não é bom que racha o peito (...), mas a dor era tanta que eu usei, até o dia seguinte eu não ia agüentar (...). Eu tirei mas não passou a dor, porque não consegui tirar bastante. Aí continuou empedrado, até o dia seguinte (Janete, 18a, 2°grau, solteira).
No domínio do privado, as mulheres de nosso estudo, embora se mostrassem informadas sobre as contra-indicações na utilização de certos cuidados, na experiência concreta da amamentação suas ações são regidas mais pela emocionalidade e urgência do que pela racionalidade. Nesse sentido, pode-se dizer que a consciência de estar diante de um problema e de estar sentindo-se mal é oriunda de uma "consciência em situação", relacionada com projetos e contextos existenciais específicos.
A interpretação que fazem do "bico rachado" e do "peito empedrado", e os cuidados frente a eles, têm uma dimensão temporal pela experiência concreta vivida e pelo confronto com referências diversas construídas no meio relacional, sendo, portanto, recorrente e processual, o pode ser depreendido das falas das mulheres ao atribuírem razões como "bico rachado" e "peito empedrado", e medidas de alívio.
Foi dolorido porque estava trincado o seio (...). Quando eu ia trabalhar de manhã, estava bem frio, pegava aquele vento, aí ficou dolorido assim... ressecado(...). Eu pensava em passar manteiga de cacau, seria bom que iria tirar o ressecado (...), elas disseram que a pele fica mais lisa e o nenê não ia conseguir pegar que era para passar o leite (...). Passei o leite e acabou o ressecado (...) minha sogra diz que se a criança arrota, o vento entra e depois o peito endurece e se não colocar o menino pra mamar, começa a endurecer e formar até caroços que explodem para fora (Maria, 19a, 2°GI, casada).
As mulheres fizeram associações à ação do clima frio, como causador do bico "ressecado" e "trincado", e ao arroto da criança no seio, como produtor de desequilíbrio interno no organismo. Na reinterpretação do discurso médico sobre as doenças, as classes populares em geral utilizam categorias que "correspondem a propriedades mais universais das coisas", utilizando-se da noção espacial para descrever o movimento da doença, seu caminho no corpo do agente(10).
As experiências, escolhas e iniciativas referem-se à forma como as pessoas e os grupos sociais assumem a situação ou nela se situam. Identificou-se que o contexto familiar contribui fundamentalmente para a configuração de significados e o desenvolvimento de modos rotineiros de lidar com as situações apresentadas na prática da amamentação, estabelecendo e consolidando um padrão de amamentação específico para cada uma das mulheres estudadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reafirma-se, através dos resultados desse estudo, que a ordem de significações culturais que orientam as mulheres, em termos de referência, orientação, cuidado e apoio na amamentação sustenta-se nas ligações afetivas e nas relações de proximidade. O meio relacional familiar ocupa o primeiro lugar na referência das mulheres, sendo a família a transmissora de crenças, hábitos, atitudes e condutas.
Dentre os familiares, as mulheres da família exercem influência decisiva no aconselhamento, apoio e cuidado à puérpera e recém-nascido. Os achados desta pesquisa confirmam o domínio feminino na esfera da reprodução, entretanto, apesar das desigualdades de gênero que ainda podem ser identificadas na sociedade contemporânea, mudanças vêm ocorrendo e podem ser depreendidas nos arranjos familiares em que se inserem algumas mulheres deste estudo. Também a participação masculina em uma esfera em que, tradicionalmente, o coloca como desviante, parece começar a receber consideração das mulheres.
Na prática da amamentação, o núcleo familiar exerce funções sociais sustentadas por relações de intimidade, afeto e solidariedade. Na dinâmica familiar, mobilizam-se as reservas que propiciam às mulheres articular-se ou desarticular-se frente às vivências cotidianas de amamentação. Essas reservas vão além das físicas, incluindo os recursos psíquicos e socioculturais dos membros da família.
Neste estudo, identificou-se que o cuidado prestado no contexto familiar, diante das dificuldades apresentadas pelas mulheres na amamentação inclui ações regidas pela emocionalidade e urgência em detrimento da racionalidade, mostrando que os insucessos das ações dos profissionais de saúde não se justificam pela inoperância técnica no manejo da amamentação, mas sim por esses não considerarem a pluralidade que envolve a amamentação e o contexto de vida dessas mulheres.
Nesse sentido, como profissionais de saúde, deve-se considerar que a assistência à amamentação não pode se pautar somente no binômio mãe e filho, devendo integrar outros participantes do cuidado em saúde, como a família. Conhecer a realidade da família requer buscar informações sobre a sua história de vida, os suportes e os recursos utilizados, bem como as necessidades e as potencialidades da família em partilhar responsabilidades(20).
Considerar a família como parte essencial do cuidado na amamentação constitui-se em estratégia concreta para a construção de uma nova concepção do assistir em amamentação, abrangendo ações no campo do ensino, da pesquisa e assistência, referenciais onde as ações se estruturam e são estruturados os profissionais de saúde como agentes do cuidado. Significa disponibilizar o conhecimento para capacitar tais agentes a pensar e agir com a família, construindo as práticas de saúde em outras bases, sem o viés normativo, vertical e autoritário de suas ações, para que entendam a amamentação não só como um processo biológico, mas também sócio-psico-cultural.
Acredita-se que a valorização do contexto familiar pelo profissional de saúde e o desenvolvimento de suas ações, através do processo de interação com a família nas questões da amamentação, possam se constituir nas bases de um novo modelo de assistência em amamentação, que considere as diversidades operantes nessa prática e com as adequações de ações necessárias à pluralidade de ser mãe/nutriz/esposa/trabalhadora, no contexto social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Recebido em: 23.6.2005
Aprovado em: 13.9.2006
- 1. Almeida JA. Amamentação:um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 1999.
- 2. Giugliani ERJ. Amamentação exclusiva e sua promoção. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002.
- 3. Nakano AMS, Mamede MV. A prática do aleitamento materno em um grupo de mulheres brasileiras; movimento de acomodação resistência. Rev Latino-am Enfermagem 1999 julho; 7(3):69-76.
- 4. Silva IA. Construindo perspectivas sobre a assistência em amamentação: um processo interacional. [tese]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem/USP; 1999.
- 5. Nakano AMS. As vivências da amamentação para um grupo de mulheres: nos limites de ser "o corpo para o filho" e de ser "o corpo para si". [tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2003.
- 6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Editora Hucitec/Rio de Janeiro: ABRASCO; 1994.
- 7. Pereira MJB, Reis MCG, Nakano AMS, Santos CB, Villela MRGB, Lourenço MCP. Indicadores do aleitamento materno no município de Ribeirão Preto, São Paulo. Rev Bras de Epidemiol 2000 março-abril; 7(1):36-43.
- 8. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.
- 9. Gomes R. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, organizador. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis (RJ): Vozes; 1994. p. 67-80
- 10. Boltanki L. As classes sociais e o corpo. Rio de Janeiro (RJ): Graal; 1989.
- 11. Bourdieu P. O poder simbólico. 4a ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 2001.
- 12. Nakano AMS. As vivências da amamentação para um grupo de mulheres: nos limites de ser "o corpo para o filho" e de ser "o corpo para si". Cad Saúde Pública 2003; 19(Supl.2):355-63.
- 13. Ferreira J. O corpo signo. In: Alves PC, Minayo MCS, organizadores. Saúde e doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 1998.p.101-12.
- 14. Knauth, DR. Maternidade sob o signo da Aids: um estudo sobre mulheres infectadas. In: Costa AO, organizador. Direitos tardios, saúde, sexualidade e reprodução na América Latina. São Paulo (SP): Editora 34/PRODIR/FCC; 1997. p.39-64.
- 15. Heller A. O cotidiano e a história. 4a ed. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 1992.
- 16 Collière MF. Promover a vida: da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. Lisboa: Sindicato dos Enfermeiros Portugueses; 1989.
- 17. Bitar MAF. Aleitamento materno: um estudo etnográfico sobre os costumes, crenças e tabus ligados a esta prática. [dissertação]. Belém (PA): Universidade Federal do Pará; 1995.
- 18. Helman CG. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1994.
- 19. Loyola MA. Médicos e curandeiros: conflito social e saúde. São Paulo (SP): Difel; 1984.
- 20. Althoff CR, Elsen I, Laurindo AC. Família: o foco de cuidado na enfermagem. Texto Contexto Enfermagem 1998 maio-agosto; 7(2):320-27.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Maio 2007 -
Data do Fascículo
Abr 2007
Histórico
-
Recebido
23 Jun 2005 -
Aceito
13 Set 2006