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Análise dos registros produzidos pela equipe de saúde e da percepção dos enfermeiros sobre os sinais e sintomas de delirium

Resumos

Esta pesquisa pretendeu conhecer a dimensão do subdiagnóstico da confusão aguda/delirium, ao analisar os registros produzidos pela equipe de saúde e percepção dos enfermeiros sobre esse fenômeno. Foi desenvolvido em um hospital universitário central, de Portugal, delineada dentro do paradigma quantitativo, utilizando a técnica documental e entrevista. A amostra obtida, pela aplicação da Escala de Confusão NeeCham, foi de 111 doentes com diagnóstico de confusão aguda/delirium, internados em unidades de cuidados agudos médicos e cirúrgicos. Identificou-se taxa de subdiagnóstico do fenômeno de 12,6% nos registros e de 30,6% tendo em conta a percepção dos enfermeiros. Em 8,1%, dos 111 casos, não foi identificado qualquer indicador de confusão aguda/delirium. Somente 4,5% dos doentes tinha o fenômeno diagnosticado. Os resultados apontam dificuldade para se identificar a confusão aguda/delirium, com implicações para a qualidade dos cuidados, sugerindo a necessidade de medidas formativas dirigidas às equipes de saúde.

Enfermagem; Idosos; Delirium, Demência, Transtorno Amnéstico e outros Transtornos


This study investigates the extent of under-diagnosis of acute confusion/delirium by analyzing the records of a health team and the perception of nurses concerning this phenomenon. This quantitative study was developed in a central university hospital in Portugal and used the documentary and interview techniques. The sample obtained through the application of the NeeCham's scale was composed of 111 patients with the diagnosis of acute confusion/delirium hospitalized in the medical and surgical acute care units. A rate of 12.6% of under-diagnosis was identified in the records and a rate of 30.6% was found taking into account the perception of nurses. No indicators of acute confusion/delirium were found in 8.1% of the 111 cases and only 4.5% of the patients were diagnosed with acute confusion/delirium. The results indicate there is difficulty in identifying acute confusion/delirium, with implications for the quality of care, suggesting the need to implement training measures directed to health teams.

Nursing; Elderly; Delirium, Dementia, Amnestic, Cognitive Disorders


Esta investigación pretendió conocer la dimensión del subdiagnóstico de la confusión aguda/delirio, al analizar los registros producidos por el equipo de salud y percepción de los enfermeros sobre este fenómeno. Fue desarrollado en un hospital universitario central de Portugal. Delineada dentro del paradigma cuantitativo, utilizando la técnica documental y la entrevista. La muestra obtenida, por la aplicación de la Escala de Confusión NeeCham, fue de 111 enfermos con diagnóstico de confusión aguda/delirio, internados en unidades de cuidados agudos médicos y quirúrgicos. Se identificó una tasa de subdiagnóstico del fenómeno de 12,6% en los registros y de 30,6% teniendo en cuenta la percepción de los enfermeros. En 8,1% de los 111 casos, no fue identificado cualquier indicador de confusión aguda/delirio. Solamente, 4,5% de los enfermos tenían el fenómeno diagnosticado. Los resultados apuntan para la dificultad en identificar la confusión aguda/delirio, con implicaciones para la calidad de los cuidados, sugiriendo la necesidad de adoptar medidas formativas dirigidas a los equipos de salud.

Enfermería; Ancianos; Delirium, Demencia, Amnésicos y Cognitivos


ARTIGO ORIGINAL

Análise dos registros produzidos pela equipe de saúde e da percepção dos enfermeiros sobre os sinais e sintomas de delirium1

Rosa Carla Gomes da SilvaI; Abel Avelino de Paiva e SilvaII; Paulo Alexandre Oliveira MarquesIII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil do Porto, Portugal. E-mail: rosa_silva33@hotmail.com

IIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem, Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. E-mail: abel@esenf.pt

IIIEnfermeiro, Mestre em Ciências de Enfermagem, Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. E-mail: paulomarques@esenf.pt

Endereço para correspondência

RESUMO

Esta pesquisa pretendeu conhecer a dimensão do subdiagnóstico da confusão aguda/delirium, ao analisar os registros produzidos pela equipe de saúde e percepção dos enfermeiros sobre esse fenômeno. Foi desenvolvido em um hospital universitário central, de Portugal, delineada dentro do paradigma quantitativo, utilizando a técnica documental e entrevista. A amostra obtida, pela aplicação da Escala de Confusão NeeCham, foi de 111 doentes com diagnóstico de confusão aguda/delirium, internados em unidades de cuidados agudos médicos e cirúrgicos. Identificou-se taxa de subdiagnóstico do fenômeno de 12,6% nos registros e de 30,6% tendo em conta a percepção dos enfermeiros. Em 8,1%, dos 111 casos, não foi identificado qualquer indicador de confusão aguda/delirium. Somente 4,5% dos doentes tinha o fenômeno diagnosticado. Os resultados apontam dificuldade para se identificar a confusão aguda/delirium, com implicações para a qualidade dos cuidados, sugerindo a necessidade de medidas formativas dirigidas às equipes de saúde.

Descritores: Enfermagem; Idosos; Delirium, Demência, Transtorno Amnéstico e outros Transtornos.

Introdução

A confusão aguda (CA) é frequentemente referenciada por estado de confusão agudo (ECA) ou delirium(1-3). Porém, na literatura, se encontram algumas ressalvas entre esses conceitos. CA/ECA são rótulos frequentemente usados e que tendem a visualizar o quadro clínico através das respostas às manifestações desses episódios. O conceito mais estritamente definido é o delirium tendo como base o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, apresentado pela American Psychiatric Association (APA)(3).

A APA caracteriza o delirium como alteração da consciência, manifestada por desordem cognitiva e por distúrbio da orientação, memória, atenção, pensamento e comportamento, envolvendo também erros de percepção sensorial(4). É síndrome mais frequente nos doentes idosos hospitalizados(1-5) do que noutras faixas etárias(6); e tem elevado interesse clínico, pois está relacionada aos piores resultados em saúde, aumento de casos de demência, morbidade, mortalidade, tempo de internação e dos custos associados(1-5). A causa de sua ocorrência é multifatorial, devendo-se, habitualmente, à associação entre fatores predisponentes (diminuição da visão, doença severa) e precipitantes (imobilização física, má nutrição)(1,3,5). Apesar da sua importância, a evidência demonstra que permanece subdiagnosticada em porcentagens entre 25 e 75%, chegando aos 100% no seu subtipo hipoativo(5); uma vez que é o mais difícil de reconhecer(7-8). A natureza flutuante das manifestações, associada à falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre as suas características, o baixo uso de ferramentas de avaliação para a sua monitorização(5,9-11) - como o uso da Escala de Confusão NeeCham(11)-, e o não registro do fenômeno pela equipe de saúde são outras razões que fundamentam o subdiagnóstico. Os enfermeiros, pelo permanente contato com os doentes, estão bem posicionados para detectar precocemente alterações sutis e diagnosticar o problema. Ao ser subdiagnosticada não é tratada(2-3,7,9); o que acarreta inúmeras consequências pessoais, sociais e econômicas(8); pelo que se afigura como prioritário o estudo dessa questão.

Esta pesquisa teve como objetivo geral identificar o grau de subdiagnóstico de CA/delirium, em um hospital universitário central, em Portugal, e como objetivos específicos, pretendeu identificar o grau de severidade da CA/delirium, analisar a proporção de indicadores (sinais e sintomas) de CA/delirium, nos registros efetuados por médicos e enfermeiros, no nível do processo clínico, através de descrições que apontam para o fenômeno ou intervenções relacionadas e analisar o nível de percepção dos enfermeiros sobre o fenômeno CA/delirium.

Este estudo também explorou a relação entre os atributos do doente e da hospitalização com a documentação do fenômeno, a documentação das intervenções de enfermagem, a percepção do enfermeiro e o subdiagnóstico da CA/delirium, com o propósito de encontrar causas, além das já conhecidas, que justifiquem o subdiagnóstico.

Método

Foi realizado estudo não experimental, exploratório e descritivo correlacional, que se insere dentro do paradigma quantitativo, método que possibilita descrição objetiva dos fatos já ocorridos.

A pesquisa foi desenvolvida nos Hospitais da Universidade de Coimbra, hospital de cariz universitário, constituído por vários edifícios, onde se concentram diversas especialidades médicas, com elevado movimento assistencial. Como ponto de partida, foram excluídos todos os doentes que apresentaram: período de internação inferior a 24 horas, idade inferior a 17 anos, diagnóstico psiquiátrico adjacente ou, ainda, afasia. Amostragem foi não probabilística por conveniência e resultou da aplicação da NeeCham Confusion Scale(11); escala traduzida e validada para a língua e cultura portuguesa - Escala de Confusão NeeCham -, uma vez que é uma boa ferramenta para avaliar o fenômeno em estudo(3).

Os serviços disponíveis para a coleta de dados foram as unidades de medicina, cardiologia, cirurgia, endocrinologia, gastroenterologia, hematologia, neurologia, ortopedia, pneumologia, terapia intensiva, infectologia e urologia. Por meio de coleta transversal, que ocorreu num período temporal de dois meses, obteve-se amostra de 111 doentes, ou seja, doentes cujos escores de aplicação da Escala de Confusão NeeCham foram inferiores a 25, sendo esses os casos selecionados.

Foi usada a análise documental aos processos clínicos dos 111 doentes (registros médicos e de enfermagem), e entrevistas com os enfermeiros responsáveis por cuidar desses doentes, realizadas imediatamente após a aplicação da Escala de Confusão NeeCham - a pergunta era: qual é a avaliação do estado mental do seu doente? - identificando, assim, a percepção do enfermeiro sobre o fenômeno. A análise documental visou quantificar o grau de subdiagnóstico do fenômeno, pela presença de registro do diagnóstico, sinais e sintomas. Já a entrevista teve como objetivo conhecer a percepção do enfermeiro, sobre a presença da CA/delirium, naquele momento. Foram realizadas 111 entrevistas, uma por cada doente, sendo que alguns enfermeiros tinham mais do que um doente nessa condição.

O processo de análise dos dados coletados, dos registros clínicos e das entrevistas baseou-se na técnica de análise de conteúdo(12). Para esse efeito, foi concebido um modelo de análise a priori, constituído por categorias e dimensões que a literatura aponta como indicadores de CA/delirium, a partir da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem®; versão 1.0(13). A metodologia de organização do corpus de análise, dentro das categorias estabelecidas, teve como critério o valor semântico. Essa foi a unidade base, a partir da qual se categorizou a informação, sendo que cada unidade de registro só foi contabilizada, em cada dimensão, uma única vez(12); portanto, foi uma análise categorial, frequencial e quantitativa. Os dados foram tratados recorrendo ao Statistical Package for the Social Science - versão 14.0. Para aumentar a riqueza da informação, utilizou-se a estatística descritiva e inferencial.

O estudo obteve autorização da Comissão de Ética da instituição, Ofício nº111, após a consulta e consentimento dos diretores e gerentes de unidades de enfermagem. Foi solicitado o consentimento escrito, livre e esclarecido do representante legal/familiar do doente confuso, visto ser considerado pessoa vulnerável. Os enfermeiros que participaram assinaram também o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Dados gerais

Os resultados obtidos mostram que a idade dos 111 doentes da amostra (com CA/delirium) situava-se entre 23 e 96 anos, com média de 75,6 anos. Cerca de metade (56,8%) tinha idade compreendida entre 65 e 84 anos, e 52,3% eram do sexo masculino. A permanência hospitalar média foi de 12,2 dias. De acordo com a Escala de Confusão NeeCham (escala que também dá a conhecer o grau de severidade do fenômeno), cerca de 59,5% tiveram o maior grau de severidade - confusão moderada a severa. Os restantes 40,5%, confusão ligeira a moderada. Relativamente à distribuição dos elementos da amostra pelos diferentes serviços, 69,3% pertenciam a três tipos de unidades: medicina (39,6%), neurologia (19,8%) e ortopedia (9,9%). Em termos de diagnóstico médico, os três maiores grupos são as patologias do aparelho circulatório (26,1%), do trato respiratório (22,5%) e as neoplasias, com 10,8%.

Documentação do fenômeno

O diagnóstico CA/delirium esteve presente em 4,5% (n=5) dos 111 doentes da amostra. No entanto, os registros clínicos permitiram a identificação de vários indicadores de CA/delirium, que foi denominado documentação do fenômeno.

A documentação do fenômeno, resultante da análise dos registros hospitalares dos doentes com CA/delirium, foi enquadrada nas categorias: processo psicológico, comportamento, processo corporal, status neurológico, capacidade e outras dimensões associadas ao fenômeno. Com base nessa concepção, o fenômeno foi documentado em 86,5% dos casos, sendo de 13,5% o subdiagnóstico da documentação do fenômeno.

Emergiu o total de 504 descritores que podem ser relacionados com a CA/delirium, especialmente nos registros efetuados pelos enfermeiros. Dos mais significativos, 31,9% são referentes ao status neurológico, 21,7% ao processo corporal, 18,2% ao processo psicológico, 17,5% ao comportamento e 10,7% a alterações noutros níveis, conforme se pode ver na Tabela 1.

Segundo a classificação adotada, a confusão é um tipo de cognição que, por sua vez, é um tipo de processo psicológico, encontrado num nível mais elevado e abstrato(13).

Relativamente aos conceitos, associados à descrição do estado do doente com CA/delirium, verifica-se que as dimensões atividade psicomotora, confusão, comportamento interativo, consciência, orientação e capacidade para comunicar, em conjunto, reúnem 70,2% dos dados, sendo que cerca de um terço (31,9%) situa-se na categoria status neurológico.

Os doentes com documentação do fenômeno apresentam, em média, internações hospitalares mais longas e maior severidade da CA/delirium (t=-1,532 e p=0,005; t=2,918 e p=0,004). Verifica-se, também, relação estatisticamente significativa com o serviço de internação2=18,898 e p=0,042). Nos serviços de medicina, neurologia e ortopedia o fenômeno é mais documentado.

Documentação das intervenções de enfermagem

A análise, com o objetivo de identificar a documentação das intervenções de enfermagem, mostrou total de 134 intervenções (Tabela 2). A maioria (67,9%) é no domínio organizar, como exemplo: imobilizar com dispositivos de imobilização, que foi a intervenção mais comum, seguido de imobilizar com grades. Verifica-se, ainda, que dos 111 doentes, apenas 66 foram sujeitos a intervenções que apresentam alguma relação com o fenômeno, o que aponta para 40,5% de doentes sem intervenções.

A documentação das intervenções de enfermagem revela diferença estatisticamente significativa para o grau de severidade da CA/delirium (t=2,148; p=0,029), já que os doentes com documentação de intervenções apresentam, em média, maior severidade da CA/delirium. Relativamente às variáveis sexo e serviço de internação, comprova-se relação significativa com a documentação das intervenções2=6,355 e p=0,012; χ2=23,205 e p=0,010). No que se refere ao sexo, nos casos sem documentação de intervenções, 62,2% são do sexo feminino. Na distribuição dos doentes com CA/delirium pelos serviços, registra-se baixa frequência de documentação de intervenções nos serviços de cirurgia e urologia: 100 e 85,7%, respectivamente, não possuíam documentação de intervenções de enfermagem.

Os resultados permitiram, ainda, verificar que a documentação do fenômeno está significativamente relacionada à documentação das intervenções2=20,053 e p<0,001), pois a maior parte dos doentes com documentação do fenômeno tem, também, documentação de intervenções de enfermagem. Pela análise da Tabela 3, constata-se igualmente que, nos doentes sem documentação do fenômeno, apenas um tinha documentação das intervenções.

A dimensão do subdiagnóstico de confusão na documentação

Segundo os dados, 12,6% dos doentes não apresentavam qualquer documentação do fenômeno nem documentação de intervenções, sendo esse o valor do subdiagnóstico na documentação. Na Tabela 4, as relações entre a documentação do fenômeno e a documentação das intervenções evidenciam a importância da identificação do fenômeno.

Ao examinar a relação entre o serviço de internação e o subdiagnóstico da CA/delirium na documentação, constata-se relação estatisticamente significativa (χ2=19,007 e p=0,040). O serviço de urologia foi aquele que apresentou o maior grau de subdiagnóstico, pois 57,1% dos doentes não apresentavam documentação do fenômeno nem documentação das intervenções. A relação do subdiagnóstico com a severidade do fenômeno foi também significativa (t=2,904; p=0,004), registrando-se que os casos subdiagnosticados apresentam, em média, menor grau de severidade.

Percepção dos enfermeiros

As entrevistas com os enfermeiros mostraram que 30,6% não identificaram a AC/delirium. Dos enfermeiros que percepcionaram o fenômeno, apurou-se 131 conceitos associados, emergindo daqui as mesmas categorias que para a documentação do fenômeno, no entanto, com frequências diferentes. Verifica-se que 36,6% dos conceitos refere-se à categoria status neurológico, 32,8% ao processo psicológico e 15,4% ao processo corporal, e ao comportamento e capacidade 9,2 e 6,1%, respectivamente. A dimensão que obtém o maior número de respostas é a orientação (29,0%), a seguir, confusão, com 24,4%.

A percepção do enfermeiro mostrou estar significativamente relacionada ao grau de severidade da CA/delirium (t=5,397 e p<0,001) e, ainda, com o grau de documentação do fenômeno2=7,041 e p=0,008), registrando-se que os doentes com maior grau de severidade foram mais facilmente identificados e também que 92,2% dos doentes com documentação do fenômeno foram identificados pelos enfermeiros como tendo CA/delirium.

Subdiagnóstico absoluto de CA/delirium

Os dados sugerem que a grandeza absoluta do subdiagnóstico é de 8,1%, ou seja, não foi encontrado qualquer indicador que se relacione à CA/delirium na documentação (fenômeno ou intervenções) ou na percepção dos enfermeiros. Quando o fenômeno é reconhecido, os doentes são, em média, mais velhos e apresentam maior grau de severidade da CA/delirium (t=-2,400 e p=0,018; t=3,412 e p=0,01, respectivamente). O subdiagnóstico absoluto de CA/delirium está também significativamente relacionado ao subdiagnóstico na documentação2=67,859 e p<0,001) (Tabela 5).

Discussão

A maioria da documentação relativa aos doentes com CA/delirium emerge da documentação efetuada pelos enfermeiros, que é consistente com a literatura. Os enfermeiros, graças ao maior tempo de contato, conseguem identificar mais rapidamente as alterações do status mental(1,3,14). Porém, há dificuldade para estabelecer o diagnóstico da situação clínica(5,8-9); o que pode estar relacionado às suas características (natureza flutuante dos sintomas e o subtipo hipoativo), pouco uso de ferramentas de avaliação confiáveis e fatores inerentes aos próprios enfermeiros(9-11). Como os dados mostram, os atributos dos doentes com CA/delirium (idade e sexo) e as particularidades da hospitalização (serviço e tempo de internação) podem também influênciar o reconhecimento do fenômeno e a concepção de cuidados de enfermagem.

A pesquisa confirmou que grande parte dos doentes com CA/delirium são idosos, o que é congruente com a literatura(1-5,9-11,15). Esse grupo etário reúne um conjunto de condições favoráveis ao seu desenvolvimento em virtude da sua vulnerabilidade e, por outro, pelo uso mais ativo dos serviços de saúde(16). Vive-se mais anos com mais debilidades. Ao mesmo tempo, mais de dois terços desses doentes estavam concentrados em três tipos de serviço - médico, ortopédico e neurológico - fato já conhecido, que se relaciona a um conjunto de patologias prevalentes (como as doenças do aparelho circulatório e respiratório) e a características inerentes a essa faixa etária(2,17).

Foi identificada documentação do fenômeno em cerca de 86% dos registros clínicos, havendo relação com o serviço e tempo de internação, severidade da CA/delirium e documentação das intervenções de enfermagem. Os serviços que têm frequência de doentes com CA/delirium, acima da média, os profissionais estão mais habituados a observar o fenômeno e, em consequência, conhecem-no melhor. Internações hospitalares mais longas são mais um fato que contribui para a identificação do fenômeno. Ampliando o tempo de contato com os doentes, os profissionais melhoram o conhecimento que têm sobre eles e, nessa medida, são mais capazes de detectarem alterações do status mental, aumentando as oportunidades de documentação.

A identificação de CA/delirium é realizada prioritariamente através de indicadores clínicos de exacerbação do comportamento motor, como a exteriorização de dispositivos médicos, tentativa de saída do leito - que, por vezes, resulta em quedas, o que se sobrepõe à evidência(18). Sabe-se que muitos dos doentes idosos com CA/delirium são do subtipo hipoativo que, por sua vez, é mais difícil de detectar, ao contrário dos doentes que têm sinais e sintomas mais expressivos - subtipo hiperativo - que é mais facilmente detectado. Aqui, o conceito de severidade encontra concordância com os dados de investigação já realizada, parecendo estar muito ligado ao subtipo hiperativo(7-8). Desse modo, é de admitir que o subdiagnóstico de CA/delirium esteve, sobretudo, presente nos casos de prostração, sonolência ou apatia.

Verificou-se a existência simultânea de documentação com ausência de percepção do fenômeno, o que pode indiciar menor compreensão das especificidades dessa síndrome pelos enfermeiros. A perturbação da atenção é uma das alterações mais comummente referidas como reveladoras de CA/delirium(10,19); e aqui foi identificada numa porcentagem reduzida de casos. Adicionalmente, os indicadores início rápido e flutuação dos sintomas nunca foram registrados no nível da documentação analisada. A literatura também aponta a existência de deficiências no nível da formação dos enfermeiros, em domínios como a geriatria(20-21) e a CA/delirium(10-11); o que pode explicar essa falta de registros caracterizadores do fenômeno.

A documentação das intervenções de enfermagem está relacionada à documentação do fenômeno e à condição sexo do doente. O primeiro aspecto parece lógico, pois se o problema estiver identificado existe maior probabilidade de o doente ser alvo de intervenções de enfermagem. Porém, a questão do sexo do doente é mais problemática, visto que os doentes do sexo masculino são mais susceptíveis ao desenvolvimento do fenômeno e esse fato poderá estar relacionado a eventuais crenças e estereótipos. Relembre-se que parte significativa das intervenções está relacionada a medidas de controle do comportamento, o que pode apontar para mais manifestações de hiperatividade nos doentes do sexo masculino, justificando, também, as medidas de imobilização. A verdade é que essas intervenções são, por si só, fator de risco de CA/delirium, bem como mau indicador da qualidade do atendimento em uso(22). A prática de enfermagem deve ir muito além da simples gestão de sinais e sintomas(23) - como o caso das imobilizações. Assim, os dados da presente pesquisa exigem reflexão acerca do porquê da não documentação de outras intervenções assinaladas como importantes pela literatura, como a orientação para a realidade(5,9-10); colocando a questão: será que as intervenções são planejadas e não registradas, desvalorizadas ou desconhecidas? É preocupante a constatação de que cerca de um terço dos doentes com documentação do fenômeno não tinha qualquer documentação de intervenções de enfermagem.

O serviço de internação mostrou ser um elemento influente sobre a documentação do fenômeno e das intervenções. O serviço de urologia, hematologia e cirurgia apresentaram taxas de subdiagnóstico na documentação, significativamente mais altas do que em outras unidades. Talvez os profissionais que aí trabalhem estejam menos despertos para o fenômeno devido à menor incidência.

A idade surge como fator importante na questão do sub-reconhecimento, pois quanto mais idoso é o doente menor é o subdiagnóstico da CA/delirium, fator já descrito em outro estudo(24). Existe associação da CA/delirium com a idade, contudo, qualquer doente hospitalizado pode ser susceptível a essa síndrome(1,6,15).

Apesar de se ter identificado taxa absoluta de subdiagnóstico da CA/delirium de 8,1%, trata-se de valor menos expressivo quando comparados aos dados de outros estudos(7,14,16). Ao alargar os conceitos, como, eventualmente, indicadores de alteração do status mental, diminui-se substancialmente o valor do subdiagnóstico. Por outro lado, ao se considerar apenas a presença dos conceitos - CA e/ou delirium -, no nível do processo clínico, só 4,5% dos casos foram diagnosticados, o que revela taxas de subdiagnóstico verdadeiramente preocupantes. Também, se fosse tomada em consideração apenas a presença do conceito delirium - que foi observado uma única vez nos registros médicos - a taxa de subdiagnóstico seria total. Desse modo, considera-se que o fato de se ter identificado conceitos ou indicadores que apontam para o fenômeno, não significa que o diagnóstico foi confirmado, tratando-se apenas de aproximação ao seu significado. Portanto, o sub-reconhecimento é a maior problemática do diagnóstico de CA/delirium(5,14,16).

Conclusão

Neste estudo, ficou claro que o status mental do doente não é avaliado adequadamente. O uso de ferramentas de avaliação, como a Escala de Confusão NeeCham, é estratégia importante, porque torna mais objetivo um fenômeno de grande subjetividade. Existe subdiagnóstico de CA/delirium e, independentemente das razões que estão na sua gênese, é importante conhecê-las e ultrapassá-las. Esta pesquisa permitiu identificar algumas dessas vertentes, o que é inovador e relevante para o conhecimento da questão. Para além de dar a conhecer a realidade de um hospital de grande porte europeu, no âmbito da questão do sub-reconhecimento e subdiagnóstico da CA/delirium, é, também, problemática muito significativa para a segurança e qualidade dos cuidados.

A maioria das intervenções de enfermagem documentadas recai na Imobilização Física de Movimentos, o que é incongruente com uma prática de enfermagem avançada, mas não fica claro se há medidas que se tomam sem serem documentadas.

A experiência do profissional deve ser complementada com a utilização da melhor evidência disponível para dar o melhor cuidado à população. Este estudo deixa aberta a possibilidade de se implementarem medidas formativas, sobre a CA/delirium, bem como medidas de avaliação sistemática do fenômeno e das intervenções de enfermagem, visto serem mudanças que podem conduzir a resultados positivos.

O estudo tem limitações que se prendem especialmente às pessoas afetadas, além do fato de englobar um conjunto amplo de conceitos que têm conexão com o fenômeno, há reduzida contextualização do campo de estudo e da experiência clínica dos enfermeiros envolvidos sobre a CA/delirium, mas isso não diminui a importância dos achados. É evidente que, quando se encontra a expressão olhar vago, quem a escreveu pode não a ter associado à CA/delirium, mas identificou a alteração. Diminuir o crivo certamente aumentaria o subdiagnóstico absoluto, o que não atenua a qualidade dos achados.

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  • Corresponding Author:
    Abel Avelino de Paiva e Silva
    Escola Superior de Enfermagem do Porto
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Nov 2010
    • Recebido
      05 Mar 2010
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