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Liderança participativa no processo gerencial do trabalho noturno em enfermagem

Resumos

Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva, objetivando identificar as percepções dos enfermeiros sobre o processo de liderança, e analisar como transcorre esse processo no turno noturno. A coleta de dados foi realizada por meio da Técnica de Grupos Focais, com 13 enfermeiras que trabalham nesse turno, em um hospital público de ensino. Duas categorias que resultaram da análise temática são foco deste artigo: o contexto do trabalho noturno em enfermagem, e a liderança na percepção das enfermeiras do noturno. O trabalho em equipe é importante condição para vitalizar a perspectiva participativa do processo de liderança, haja vista a necessária relação de apoio e integração, sobretudo no trabalho noturno de enfermagem. Esse exercício lança um desafio ao enfermeiro, caracterizado como uma busca de concretização de uma cultura que promova espaços de reflexão acerca do trabalho, integrando a liderança a um processo de aprendizagem que se constitui mediante vínculos construtivos entre os trabalhadores.

Liderança; Enfermagem; Trabalho Noturno; Processos Grupais; Grupos Focais


This is a qualitative, exploratory, descriptive study, aiming to identify the perceptions of nurses regarding the leadership process and to analyze how this process takes place on the nightshift. Data collection was performed through the Focus Groups Technique, with 13 nightshift nurses of a public teaching hospital. Two categories that resulted from the thematic analysis are the focus of this article: the context of nightshift nursing work and leadership from the perception of the nightshift nurses. Teamwork is an important condition to vitalize the participatory perspective of the leadership process, given the necessary relationship of support and integration, above all in the nightshift nursing work. This exercise challenges the nurse in the solidification of a culture that promotes spaces for reflection regarding the work, integrating leadership with a learning process that is constituted through constructive bonds between the workers.

Leadership; Nursing; Night Work; Group Processes; Focus Groups


Se trata de investigación cualitativa, exploratoria y descriptiva, con los objetivos de identificar las percepciones de los enfermeros sobre el proceso de liderazgo y analizar como transcurre ese proceso en el turno nocturno. La recolección de datos fue realizada por medio de la Técnica de Grupos Focales, con 13 enfermeras que trabajaban en ese turno en un hospital público de enseñanza. Dos categorías que resultaron del análisis temático son enfoque de este artículo: contexto del trabajo nocturno en enfermería y el liderazgo en la percepción de las enfermeras del turno nocturno. El trabajo en equipo es una importante condición para vitalizar la perspectiva participativa del proceso de liderazgo, considerando la necesaria relación de apoyo e integración, sobre todo en el trabajo nocturno de enfermería. Ese ejercicio lanza un desafío al enfermero, en la concretización de una cultura que promueva espacios de reflexión acerca del trabajo, integrando el liderazgo a un proceso de aprendizaje que se constituye mediante vínculos constructivos entre los trabajadores.

Liderazgo; Enfermería; Trabajo Nocturno; Procesos de Grupo; Grupos Focales


ARTIGO ORIGINAL

Liderança participativa no processo gerencial do trabalho noturno em enfermagem1

Diovane Ghignatti da CostaI ; Clarice Maria Dall'AgnolII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: dgcosta@hcpa.ufrgs.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: clarice@adufrgs.ufrgs.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva, objetivando identificar as percepções dos enfermeiros sobre o processo de liderança, e analisar como transcorre esse processo no turno noturno. A coleta de dados foi realizada por meio da Técnica de Grupos Focais, com 13 enfermeiras que trabalham nesse turno, em um hospital público de ensino. Duas categorias que resultaram da análise temática são foco deste artigo: o contexto do trabalho noturno em enfermagem, e a liderança na percepção das enfermeiras do noturno. O trabalho em equipe é importante condição para vitalizar a perspectiva participativa do processo de liderança, haja vista a necessária relação de apoio e integração, sobretudo no trabalho noturno de enfermagem. Esse exercício lança um desafio ao enfermeiro, caracterizado como uma busca de concretização de uma cultura que promova espaços de reflexão acerca do trabalho, integrando a liderança a um processo de aprendizagem que se constitui mediante vínculos construtivos entre os trabalhadores.

Descritores: Liderança; Enfermagem; Trabalho Noturno; Processos Grupais; Grupos Focais.

Introdução

A liderança como instrumento gerencial para a prática do cuidado em enfermagem tem sido evidenciada em estudos(1-2) investigativos acerca do tema, os quais indicam a influência de modelos associados, predominantemente, às teorias científica e clássica da Administração. O controle rígido que emana de tais modelos está presente no cotidiano de trabalho da enfermagem, mesmo diante das novas propostas de gerenciamento pautadas no trabalho em equipe e em processos participativos(3-7).

As teorias de liderança, por sua vez, vêm se retroalimentando na evolução desses princípios científicos de administração. Assim, enquanto o marco inicial esteve bastante centrado nas características e no comportamento do líder, estudos subsequentes contemplaram variáveis relacionadas à situação e às interações entre sujeitos inseridos em uma cultura organizacional(8). Destaca-se que o enfoque interativo tem demarcado algumas abordagens contemporâneas de liderança, as quais valorizam processos participativos entre os trabalhadores e consideram a liderança um processo grupal, mediante influências mútuas dos sujeitos entre si, voltados para propósitos definidos em comum(9-11). No entanto, cabe a ressalva sobre a falta de habilidade do enfermeiro, por vezes, ao mediar situações grupais, o que resulta em dificuldades no exercício da liderança, como vem sendo sinalizado na literatura(12). Sob essa ótica, torna-se essencial o desenvolvimento, no processo de trabalho do enfermeiro, de habilidades que subsidiem o enfrentamento dessas dificuldades, de forma construtiva. Alguns autores salientam que a flexibilidade e o comprometimento, pautados na ética e valores, são necessários ao exercício de liderança, numa cultura que vise às ações de apoio e de colaboração mútua entre a equipe de enfermagem(13-15).

Adota-se como marco conceitual deste estudo a acepção de liderança como processo que valoriza os recursos potenciais da equipe de trabalho e as ações de compartilhamento e de complementaridade de que o grupo tanto pode dispor como usufruir, exercitando-as no cotidiano. Com esse intuito, norteia-se em princípios derivados de modelos teóricos que se inscrevem em vertentes participativas de liderança, e que fomentam a condição emancipatória dos sujeitos. A liderança participativa postula princípios que levam em consideração, entre outros aspectos, os valores dos envolvidos, as condições de trabalho e o ambiente, configurando questões que refletem a cultura organizacional e se centram na cooperação e nas relações de confiança(8,11). O processo de liderança, sob essa ótica, portanto, favorece o estabelecimento de vínculos construtivos entre as pessoas, e integra a liderança a um processo de aprendizagem, que se realiza nas vivências de cada um e no compartilhamento com os outros(14,16). Na teoria de Pichon-Rivière(17), essa dinâmica acontece no processo grupal, mediante a ação da verticalidade do sujeito e da horizontalidade que se processa no grupo, ou seja, nas intersecções entre as histórias de vida de cada um dos integrantes, as quais são compartilhadas, objetivando uma tarefa que constitui a finalidade do grupo.

Encontra-se no conhecimento sistematizado sobre a temática que a liderança transformacional compõe uma das vertentes convergentes na direção de modelos participativos, e considera a visão e a motivação fundamentais ao exercício de liderança, resultando de árdua participação, envolvimento das pessoas, cooperação e responsabilidade(8,11). Todavia, cabe destacar que essas abordagens contemporâneas de liderança com enfoque participativo não se contrapõem às teorias precursoras de liderança, garantidoras das operações cotidianas do trabalho, por meio de habilidades transacionais de liderança, como conhecimento dos processos, rotinas e técnicas(8).

Ao enfocar a discussão no cenário específico do trabalho noturno, destaca-se que a dimensão relacional é apontada como competência imprescindível para o exercício de liderança(13,18). Além disso, são elementos desafiadores para a assistência o sono e a fadiga e, considerando-se a presença desses fatores, o enfermeiro deve pressupor experiência e segurança para a tomada de decisão, por meio de conhecimentos técnicos, sensibilidade e competência relacional(18-19).

Essas reflexões são um convite para se (re)pensar acerca dos modelos de liderança que têm fundamentado as práticas de trabalho, e sobre a multiplicidade de questões imbricadas no exercício da liderança, considerando-as resultantes do processo de interação entre os sujeitos. Assim, considera-se que os enfermeiros possuem o importante papel de disparar um processo que valorize a participação de todos os membros da equipe, como instrumento possível para se articular novas práticas, trazendo repercussões tanto para as equipes, como para os usuários do sistema de saúde. Para tanto, objetivou-se com esta pesquisa identificar as percepções dos enfermeiros sobre o processo de liderança, e analisar como transcorre esse processo no atendimento noturno.

Trajetória metodológica

Trata-se de estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa. Os participantes da pesquisa compreenderam 13 enfermeiras do noturno de um hospital público, geral e universitário da capital do Rio Grande do Sul. Os critérios de inclusão consistiram em ser enfermeiro do noturno em atividade de assistência do hospital de estudo, interesse em discutir a temática e disponibilidade de horário para comparecer aos encontros. Os critérios de exclusão compreenderam os enfermeiros afastados por motivo de férias, licença-saúde ou outros afastamentos programados, como licença para participar de congresso.

Os dados foram coletados nos meses de setembro e outubro de 2009, por meio da Técnica de Grupos Focais. Essa técnica possibilita discussão e reflexão acerca de um tema, através de sessões grupais, com o propósito de desvendar o fazer das pessoas, a partir da interação grupal(20). Realizaram-se quatro encontros de periodicidade semanal, cada um com duração de 1h30, gravados em áudio, em local de fácil acesso às participantes, com conforto, o qual propiciou privacidade do ambiente e disposição interna, que facilitou o diálogo e o contato face a face. Mediante esse cuidado, os encontros ocorreram em sala do hospital reservada para essa finalidade, no turno da tarde, por ser a preferência das participantes. A pesquisadora, como moderadora dos debates, lançou questões disparadoras ao grupo, para fomentar as discussões com base nos objetivos da pesquisa, tais como: "fale sobre o exercício de liderança no seu trabalho", "quais práticas de liderança são adotadas pelos enfermeiros do noturno? "forneça exemplos".

Após transcrição literal, realizada pela pesquisadora, as informações foram submetidas à análise temática(21), a qual se desdobrou em três etapas: na pré-análise procedeu-se à leitura flutuante do material transcrito e à constituição do corpus de análise, valorizando-se os procedimentos exploratórios. A seguir, realizou-se uma operação classificatória, visando alcançar os pontos relevantes ou núcleo de compreensão do texto, os quais foram agrupados, definindo as categorias empíricas por meio da classificação e agregação dos dados. Na etapa final, realizaram-se o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação, pautando-se no referencial teórico do estudo.

Quanto aos aspectos éticos, a pesquisa contemplou a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(22), tendo obtido Parecer favorável sob nº09-162 do Comitê de Ética em Pesquisa situado no campo de estudo. A coleta de dados somente teve início após assinatura individual do termo de consentimento livre e esclarecido. Entre outros detalhamentos, aos sujeitos foi assegurada a isenção de influências que pudessem interferir no seu vínculo empregatício no hospital e, também, a preservação do caráter confidencial das informações, atribuindo-lhes os códigos P1 (participante 1), P2 (participante 2) e, assim, sucessivamente, na divulgação dos resultados.

Resultados e Discussão

A análise dos debates do grupo focal apontou duas categorias acerca das percepções dos enfermeiros sobre o processo de liderança e de como transcorre esse processo no noturno.

Contexto do trabalho noturno em enfermagem

Alguns aspectos, capazes de repercutir na maneira como o processo de liderança transcorre no cotidiano do trabalho noturno, receberam ênfase nos debates. Nesse sentido, houve sinalização de fatores dinamizadores ou dificultadores do exercício de liderança, relacionados à organização do trabalho, conforme destacado na manifestação a seguir: [...] coloquei a palavra organização como liderança, porque quando tu determinas uma forma de trabalho e eles veem que aquilo funciona, que é uma forma mais organizada [...] tu consegues incentivar as qualidades de um funcionário[...]. Quando tu vês, no grupo inteiro, que a organização funciona, eles também conseguem trabalhar e mudar a postura deles, apesar de ter um perfil, às vezes, meio difícil de trabalhar, eles vão cedendo e tu vês que o trabalho muda no grupo (P4). Fonte: grupo focal, encontro 2.

Nesse compasso, a organização do trabalho foi um assunto que permeou os debates ao longo dos quatro encontros do grupo focal, desdobrando-se em temas implicados no modo como a equipe de enfermagem se articula, se relaciona e se posiciona frente à realidade singular em que o trabalho é desenvolvido no noturno.

As participantes destacaram a importância de se ter experiência profissional prévia para trabalhar no noturno, pois o enfermeiro assume atividades relacionadas à gerência do cuidado, as quais são compartilhadas no diurno pelo corpo gerencial que está presente. Com isso, conhecer as conexões da área em que atua com as demais áreas do hospital, por meio da experiência e do conhecimento dos processos de trabalho institucionais, facilita a tomada de decisão, conforme a seguinte ponderação: [...] ter essa experiência do dia, ver como o hospital funciona de dia, facilitou pra estar trabalhando de noite, na segurança das decisões a serem tomadas de noite [..] (P3). Fonte: grupo focal, encontro 1.

Depreende-se que a experiência de acompanhar a dinâmica do trabalho, durante o diurno, fortalece o enfermeiro nas situações que necessitam de solução imediata, em seu turno, buscando continuidade dos processos e potencial de resolutividade nas 24 horas do dia. Além disso, é preciso considerar que a experiência profissional é descrita, por alguns autores, como condição que pode favorecer uma atitude participativa frente ao processo de trabalho(7,13,18), necessária àqueles que compartilham com os envolvidos nas situações cotidianas, buscando problematizar o processo de tomada de decisão, com vistas a escolhas mais acertadas(5).

Em diferentes momentos das discussões no grupo focal, as enfermeiras discutiram acerca do ambiente de trabalho no noturno, reconhecendo-o como mais tranquilo em comparação aos demais, como ilustra a manifestação a seguir: [...] tu tens um tempo maior para administrar, planejar o teu cuidado. Eu acho um turno muito mais tranquilo, [...] isso também contribui pra qualidade do teu trabalho (P9). Fonte: grupo focal, encontro 1.

Isso reafirma outros achados(19) que apontam a ambiência peculiar do noturno como vantagem. No debate, o grupo explicitou que a jornada de doze horas de trabalho, relativa a cada plantão, favorece a comunicação com equipes, familiares e pacientes, e que a circulação reduzida de pessoas torna o ambiente mais tranquilo, favorável ao planejamento do cuidado, o que oportunizou ao grupo (re)pensar acerca de suas relações e fortalecer vínculos.

Todavia, debateu-se sobre o sono e a fadiga dos trabalhadores do noturno, condição que dificulta o trabalho da equipe. O tema emergiu no debate, quando uma das enfermeiras relatava como agia frente a posturas que considerava inadequadas, relacionadas ao cansaço da equipe. Ao se questionar se seria possível discutir na equipe sobre isso, emergiu a seguinte expressão: ... eu não cheguei ainda neste ápice, quando a coisa acontece, eu já tenho que mostrar, pergunto a eles: o que tu faria no meu lugar? [...] no dia do plantão, não marco nada, preciso dormir. [...] não dá pra vir pro plantão cansada (P7). Fonte: grupo focal, encontro 3.

A problemática relacionada ao sono e à fadiga reflete uma condição frágil da equipe de enfermagem, ao enfrentar dificuldades relacionadas a subjetividades emergentes do trabalho, o que retoma a falta de habilidade do enfermeiro em lidar com situações grupais, condição demarcada por estudos(12,18) e que repercute no trabalho.

Outra questão relacionada à organização do trabalho noturno hospitalar diz respeito à condição peculiar de apoio logístico, tanto de serviços assistenciais, como de apoio: [...] quando eu venho de dia trabalhar, dificilmente eu tomo decisões que de noite eu tomo sozinha, porque tem a chefe presente. Não é nem por acomodação, mas por uma questão de trocar ideia com a chefe, sobre o que eu penso. De noite, como não tem isso, a gente acaba discutindo entre nós [...] (P1). Fonte: grupo focal, encontro 3.

Essa configuração tem sido relatada em estudos(18-19), inclusive no âmbito internacional(13), repercutindo no processo de tomada de decisão da equipe de enfermagem. A articulação das demandas advindas da organização diferenciada do noturno revela uma possibilidade de troca entre os membros da equipe, pois a situação a ser decidida é discutida entre aqueles que estão presentes, haja vista a ausência das chefias nesse turno de trabalho.

A liderança na percepção das enfermeiras do noturno

Ao longo dos debates, foram manifestadas concepções acerca do processo de liderança no trabalho noturno, evocadas pelas enfermeiras, as quais mencionaram atributos, qualidades e práticas de liderança consideradas, por elas, relevantes no cotidiano de trabalho. O grupo apontou que a valorização de múltiplas qualidades na equipe enriquece todos e traz repercussões positivas para o trabalho da equipe. Exemplifica-se esta questão a seguir: ... eu acho que é uma forma da gente se fortalecer enquanto grupo, porque não dá pra ser totalmente explosiva, não dá pra ser muito molenga. Então essa mescla de personalidades eu acho bem interessante. [...] por isso que eu coloquei que na liderança a gente tem que ter flexibilidade (P4). Fonte: grupo focal, encontro 2.

A flexibilidade, dessa forma, impulsiona o compartilhamento de ideias, no intuito de desenvolver e qualificar o desempenho grupal. Esse seria um caminho inicial para se estabelecer relações profissionais pautadas em atitudes participativas e éticas, apontadas como necessidade para consolidar um novo modelo de cultura organizacional(11,14,16). Mas, para que se efetivem ações por meio de processos participativos, faz-se necessário cultivar o comprometimento de todos com o trabalho. O trecho seguinte ilustra essa ideia discutida no grupo: [...] quando tu tens uma liderança que é mais solta, descomprometida, o grupo se torna também descomprometido. Agora, quando tu tens uma liderança que é organizada, que busca pela responsabilidade, que busca pelo trabalho em conjunto [...], a gente vê que o grupo se molda conforme a liderança (P13). Fonte: grupo focal, encontro 2.

Mediante essa reflexão, percebe-se que o comprometimento da equipe com o trabalho, ou a falta desse, segue a lógica daquele que exerce a liderança, o qual serve de modelo aos demais. Na enfermagem, já está consagrada a característica de articulador do enfermeiro, visto que esse é participante ativo da equipe de saúde(2,4,7,13). Em razão dessa posição de destaque, espera-se que os enfermeiros sejam sujeitos líderes, capazes de promover meios de estimular o potencial de liderança dos outros trabalhadores. Essas ações, quando se estabelecem, mediante vínculos construtivos, se refletem na vontade de pertencer à mesma equipe, de produzir de maneira conjunta, de contribuir. Essa perspectiva não desconsidera a liderança como processo individual, mas foca nas relações resultantes das capacidades individuais e sociais(10,13), e produtoras de processos de aprendizagem entre aqueles que compartilham tais capacidades.

No desenrolar dos debates, discutiu-se sobre a necessidade de se investir na autorreflexão, pois essa produz questionamentos que podem levar os profissionais a reavaliarem suas atitudes no trabalho. Também foi realçada a competência referente ao trabalho, não somente em relação ao saber técnico, mas também às articulações realizadas no dia a dia de trabalho. Foi destacada, ainda, a importância dos momentos de troca, que se revela em atitudes simples, como dar atenção aos colegas de trabalho, mas que têm repercussões significativas nas relações estabelecidas entre os mesmos. Para isso, são necessárias habilidades de comunicação, confiança, respeito e proatividade, bem como estabelecimento de vínculos pautados na ética e valores humanos, os quais produzem, por sua vez, ressonância no cuidado e na motivação dos trabalhadores. Viu-se, no grupo, que a articulação dos diversos fatores envolvidos no exercício da liderança torna sua prática complexa, no cotidiano de trabalho. O diálogo a seguir apresenta uma síntese dessas ideias: .. o exercício de liderança envolve uma série de qualidades, tais como: responsabilidade, imparcialidade, flexibilidade, tolerância, confiança, competência, estabilidade, gerenciamento, ética, organização, respeito, empatia, humildade, justiça. Líder é aquela pessoa que veste a camiseta da instituição, que coloca as coisas pro grupo, que é proativa, que todo mundo quer estar na equipe dela, pois busca resolver as coisas, [...] tem visão e bom senso para avaliar a situação. Não é fácil, porque envolve um conjunto de coisas (P9). É tudo isso e mais um pouco (P11). Mulher maravilha (P8)! Eu incluiria nesta lista a capacitação, porque eu acho que a gente tem que ter essas habilidades, mas tem que estudar para isso [...] (P9). Fonte: grupo focal, encontro 4.

O diálogo revela a possibilidade de que habilidades de liderança são passíveis de serem conquistadas e aprendidas. Todavia, o grupo ponderou que liderar não é um exercício fácil, devido à dimensão multifatorial do processo, referente aos âmbitos individual, relacional e organizacional. Tal dificuldade vem atrelada à dinamicidade necessária em dispor de habilidades de liderança, capazes de suportar as mudanças constantes processadas no mundo(8). Por essas características multifatoriais, considerou-se que a liderança se constitui a partir de relações de complementaridade, já que a "mulher maravilha" mencionada no diálogo não abarcaria, sozinha, tantos atributos, a ponto de preencher as necessidades do atual cenário dos serviços de saúde. Os atributos mencionados, tais como coragem, confiança, ética e respeito indicam um caminho para a conquista dessa visão de complementaridade da equipe de enfermagem.

Ao longo dos debates no grupo focal, visões antagônicas de liderança emergiram nos momentos em que se discutia sobre as situações vivenciadas junto à equipe. Uma primeira visão dicotomiza os sujeitos em líderes e liderados, produzindo relações de trabalho fortalecedoras do modelo hegemônico de produção de cuidados. Esse modelo inspira-se numa prática que valoriza a distância social entre os sujeitos, de forma a potencializar o papel do líder(9), por meio de relações pautadas no controle(14). E outra, que aproxima a liderança ao conceito de aprender, no sentido de desenvolver competência no desempenho grupal(16). Percebe-se, com isso, que as práticas de enfermagem sofrem influência de diferentes modelos de liderança. As argumentações seguintes assinalam essas diferentes visões: ... essa história de liderança, tu tens que ter um jogo de cintura mesmo. É a líder não é? Se tu és a chefe? Vou me colocar lá embaixo (P12)? Fonte: grupo focal, encontro 2. Talvez nessa ocasião a colega [...] ficou quieta, pensou: "se eu for bater boca, [...] não vai resolver agora". Mas, num segundo momento pode voltar atrás e voltar a conversar sobre essa situação. Porque também não dá pra ficar muito neutro, se anular, ficar no limbo (P8). Fonte: grupo focal, encontro 2.

Na primeira manifestação, depreende-se que a liderança foi associada naturalmente à figura do enfermeiro. No entanto, perpassa uma ideia dicotomizadora, que preconiza o distanciamento entre os sujeitos, denunciado por lugares, acima ou abaixo, ocupados pelos trabalhadores na rede de relações, revelando o modo como esses trabalhadores se apresentam, no contexto do poder estabelecido pela hierarquia. Por sua vez, a fala seguinte já manifesta prática que convida à reflexão, ao diálogo, com foco na necessidade de posicionamento assertivo, frente às situações em que a equipe se depara no dia a dia de trabalho. A dificuldade de tomar decisões, de se posicionar diante de assuntos polêmicos com os quais os trabalhadores de saúde se deparam, pode gerar desgaste das relações, dificultando o processo grupal, o que provoca distanciamento entre as pessoas(6).

Outras manifestações anunciaram um meio profícuo ao exercício de liderança, à luz da perspectiva participativa, na medida em que diferentes membros da equipe de enfermagem apontam situações que necessitam de intervenção: [...] as [técnicas de enfermagem] me trouxeram essa situação, pra ver que quando chega num ponto que está ruim para o grupo, o grupo se mobiliza para tentar solucionar [...] (P8). Fonte: grupo focal, encontro 2.

Conforme pronunciado, ao se dar conta de uma situação problemática, a equipe sinaliza a necessidade de enfrentamento, por meio do diálogo e da busca conjunta por uma solução. Nem sempre as soluções emergem imediatamente a partir desses enfrentamentos, mas, essa prática dialógica, bem como a descentralização do processo decisório, promovem confiança entre as pessoas e elaboração de ideias, facilitando a construção de alternativas viáveis a cada contexto específico. Juntamente com essa postura, o relacionamento entre os membros da equipe, pautado na cordialidade e confiança, facilita ainda mais a relação e a intervenção, nas situações conflitivas presentes no cotidiano de trabalho coletivo(4).

Nesses contrapontos reveladores de uma visão dicotômica das práticas de liderança, em que essas são situadas entre dois polos aparentemente contraditórios no gerenciamento da equipe – um que se centra no diálogo e num tipo de supervisão que apoia o trabalho e fortalece as relações, e outro, em que as práticas têm por base o controle e a cobrança –, emergiram os estereótipos de "ser boazinha" ou "ser bruxa". Ao aprofundar o debate sobre tais antagonismos, o grupo deparou-se com um momento de insight, apontando um caminho para a dissolução dessas estereotipias, conforme revela as manifestações seguintes: [...] as medidas que tu adotas, não adotas sozinha, pois no momento que elas colocam a opinião delas, elas se comprometem. Isso dilui um pouco aquele poder da bruxa, pois todo mundo está junto no caldeirão, todo mundo coloca uma pitadinha de sal, a gente está junto naquela decisão (P8). Eu acho que a gente precisa parar e pensar um pouquinho: por que a gente está usando esse jargão de bruxa? A gente está estigmatizando uma boa líder [...]! A que segue as regras do hospital, a que veste a camiseta, a que resolve os problemas, que coloca as coisas pro grupo, que todo mundo quer trabalhar [...] (P2). Fonte: grupo focal, encontro 3.

Abstrai-se do debate que condutas pautadas em regras e normas são valorizadas no trabalho, e essa valorização reflete a herança de modelos cujas bases advêm das abordagens clássicas de administração. Além disso, ao agregar a esse alicerce, que organiza e assegura bons resultados ao cuidado, uma postura que valoriza a interação entre a equipe, promovem-se novas possibilidades ao trabalho, a partir de concepções coletivas. Esse movimento grupal disparou a desmitificação da cobrança; essa passa a receber um sentido capaz de garantir o cumprimento do trabalho, baseado nos pressupostos que o norteiam, tais como protocolos e rotinas assistenciais. Mas trata-se, ainda, de uma espécie de cobrança que considera outras dimensões, quando realizada de forma a valorizar, também, a inter-relação entre os sujeitos envolvidos no processo e seus desdobramentos, que dizem respeito aos vínculos construídos. O aprofundamento do debate sobre essa questão visou a compreensão da necessária conexão a ser feita entre habilidades transacionais e transformacionais de liderança.

Considerações finais

Os resultados apontaram alguns fatores que dinamizam o exercício de liderança, por favorecerem o investimento na comunicação e interação entre os trabalhadores, tais como a motivação relacionada ao turno noturno, o ambiente tranquilo e o conhecimento das enfermeiras acerca do trabalho, e suas conexões com os diferentes setores do hospital.

Todavia, também foi sinalizado pelo grupo que o sono e a fadiga, advindos das atividades laborais na jornada noturna, têm impactado no desempenho dos trabalhadores e nas relações interpessoais. Essa circunstância demonstra fragilidades no processo grupal das equipes de enfermagem no noturno, indicando alguns embates à prática de liderança, decorrentes da falta de estratégias de enfrentamento da situação pela equipe.

Os enfermeiros reconhecem que a liderança envolve uma série de atributos e qualidades que perpassam o âmbito individual e relacional e, também, fatores relacionados à organização do trabalho, a se refletir no modo como a equipe se relaciona e se articula frente às demandas. A condição de articular as dimensões individual, relacional e organizacional, necessárias ao exercício de liderança, torna sua prática complexa, o que esclarece a dificuldade enfrentada no cotidiano de trabalho da enfermagem.

Nas reflexões do grupo, as concepções de liderança manifestadas sugerem influência de diferentes modelos, desvelando pressupostos aparentemente antagônicos e contraditórios no gerenciamento do trabalho. Tomando-se por base esses modelos, o exercício de liderança lança um desafio ao enfermeiro líder de equipe, na concretização de cultura que proporcione espaços de reflexão acerca do trabalho, com vistas às intervenções necessárias. Nesse movimento conjunto, a equipe poderá definir ações pertinentes à realidade de trabalho, o que associa a liderança à aprendizagem, mediante a conexão de habilidades transacionais e transformacionais de liderança, fortalecendo novos processos de gestão.

O envolvimento dos profissionais de enfermagem, portanto, nas questões relacionadas ao trabalho em equipe e à dinâmica grupal, é importante condição para vitalizar a perspectiva participativa do processo de liderança, haja vista a necessária relação de apoio e integração da equipe, sobretudo no contexto do trabalho noturno de enfermagem.

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  • Corresponding Author:
    Diovane Ghignatti da Costa
    Av. Ramiro Barcelos, 2350, Sala 500
    Bairro: Santa Cecília
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    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master’s Thesis “Liderança no processo grupal: instrumento para o trabalho noturno em enfermagem”, presented to Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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