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Conhecimento de usuárias de anticoncepcional oral combinado de baixa dose sobre o método

Resumos

OBJETIVOS:

identificar o conhecimento de usuárias de anticoncepcional oral combinado sobre uso correto, efeitos colaterais e complicações relacionados a esse uso; verificar correlação entre o conhecimento sobre o método com idade, escolaridade, renda familiar mensal e tempo de uso.

MÉTODO:

estudo transversal, desenvolvido em Fortaleza, Ceará, Brasil, de março a julho de 2010, com 294 mulheres. Os dados foram coletados por meio de entrevista.

RESULTADOS:

setenta e cinco por cento apresentaram conhecimento substancial para o uso correto e efeitos colaterais e nenhum conhecimento para complicações. Quanto maior a escolaridade e a renda familiar maior o conhecimento das mulheres sobre o uso correto do método. Correlação positiva sugere que mulheres que usaram o método por mais tempo conheciam mais sobre seus efeitos colaterais.

CONCLUSÃO:

há lacunas no conhecimento sobre o método, sendo essas influenciadas por variáveis socioeconômicas e tempo de uso.

Anticoncepcionais Orais Combinados; Conhecimento; Fatores Socioeconômicos


OBJECTIVES:

to identify the knowledge of users of combined oral contraceptive about correct use, side effects and complications; to verify the correlation between knowledge about the method with age, education, family income and time of use.

METHOD:

cross-sectional study performed in Fortaleza, Ceará, Brazil, from March to July 2010, with 294 women. Data were collected through interviews.

RESULTS:

75% had substantial knowledge about the proper use and side effects and no knowledge about complications. The higher the educational level and family income, the higher the women's knowledge about the correct use of the method. Positive correlation suggests that women who used the method for longer knew more about its side effects.

CONCLUSION:

there are knowledge gaps about the method, which are influenced by socioeconomic variables and use time.

Contraceptives, Oral, Combined; Knowledge; Socioeconomic Factors


OBJETIVOS:

Identificar el conocimiento de las usuarias de anticonceptivos orales combinados sobre el uso correcto, los efectos secundarios y complicaciones, para verificar la correlación entre el conocimiento sobre el método con la edad, la educación, el ingreso familiar y el tiempo de uso.

MÉTODO:

Estudio transversal realizado en Fortaleza, Ceará, Brasil, de marzo a julio de 2010, con 294 mujeres. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas.

RESULTADOS:

el 75% tenía un conocimiento considerable sobre el uso adecuado y efectos secundarios y ningún conocimiento acerca de las complicaciones. Cuanto mayor es el nivel educativo y el ingreso familiar, mayor conocimiento de las mujeres sobre el uso correcto del método. La correlación positiva sugiere que las mujeres que utilizaron el método para ya sabían más acerca de sus efectos secundarios.

CONCLUSIÓN:

Hay lagunas en los conocimientos sobre el método, que son influenciados por variables socioeconómicas y el tiempo de uso.

Anticonceptivos Orales Combinados; Conocimiento; Factores Socioeconómicos


Introdução

O uso de Anticoncepcionais Orais Combinados (AOC) é crescente no Brasil. Dados da última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006, revelaram que 24,7% das mulheres em união usavam o AOC como Método Anticoncepcional (MAC). Isso representa aumento de 4,0% em relação à porcentagem encontrada na PNDS de 1996, quando a porcentagem de uso do método entre mulheres unidas foi de 20,7%( 11. Ministério da Saúde (BR). PNDS 2006- Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. - 22. Sociedade Bem-estar Familiar no Brasil (BEMFAM). Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde. Rio de Janeiro: BEMFAM; 1997. ).

Sua eficácia depende do uso correto, o que compete à própria mulher controlar, ao fazer o uso diário, em horário regular e iniciando as cartelas em dias apropriados. Estima-se taxa de falha de oito gravidezes para 100 usuárias a cada ano, quando se considera o uso típico. Todavia, se não houver erros no uso, menos de uma gravidez poderá ocorrer para 100 mulheres/ano( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ).

O uso incorreto do AOC está diretamente relacionado ao aumento das taxas de falha do método, bem como ao aumento dos efeitos colaterais, razão importante para a descontinuidade do uso( 44. Bahamondes L, Pinho F, Melo NR, Oliveira E, Bahamondes MV. Associated factors with discontinuation use of combined oral contraceptives. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(6):303-9. ).

Nesse contexto, o Ministério da Saúde do Brasil, embasado no documento "Práticas Selecionadas para o Uso de Contraceptivos", da Organização Mundial da Saúde (OMS), oferece informações técnicas sobre o uso correto do AOC e orienta para que as usuárias sejam informadas sobre a eficácia relativa do método, sobre o uso correto, seus efeitos colaterais comuns, complicações e quanto aos riscos e benefícios do método para a saúde( 55. Duong DV, Lee AH, Binns CW. Contraception within six-month postpartum in rural Vietnam: Implications on family planning and maternity services. Eur J Contracept Reprod Health Care. 2005;10(2):111-8. - 66. Organización Mundial de la Salud. Recomendaciones sobre Prácticas Seleccionadas para el Uso de Anticonceptivos. Ginebra: OMS; 2005. ).

Assegurar uma escolha informada do AOC, deliberada e orientada à conduta adequada da usuária, para com os efeitos colaterais comuns, minimiza as chances de descontinuidade de uso, gravidez não planejada e/ou indesejada e aborto provocado( 44. Bahamondes L, Pinho F, Melo NR, Oliveira E, Bahamondes MV. Associated factors with discontinuation use of combined oral contraceptives. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(6):303-9. , 77. Pierre LAS, Clapis MJ. Family Planning in a Family Health Unit. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010 nov-dez;18(6):1161-8. ).

O uso prático de AOC e possíveis complicações ainda são desconhecidos de boa parte das usuárias. Crenças e mitos que relacionam o uso do AOC com a infertilidade e com o câncer do colo do útero, por exemplo, persistem entre mulheres e, não raramente, essas informações são difundidas por profissionais da saúde( 88. Hamani Y, Sciaki-tamir R, Deri-hasid T, Haimov-kochman R. Misconceptions about oral contraception pills among adolescents and physicians. Hum Reprod. 2007;22(12):3078-83.

9. Moura ERF, Silva RM. Professional competence and contraceptive care. Rev Saúde Pública. 2005; 39(5):795-801.
- 1010. Paniz VMV, Fassa AG, Silva MC. Knowledge about contraceptives in a population 15 years or older in a Southern Brazilian city. Cad Saúde Pública. 2005;21(6):1747-60. ). Portanto, apesar das recomendações bem definidas em "Práticas Selecionadas para o Uso de Contraceptivos" sobre o que deve ser difundido por profissionais da saúde, parece prevalecer lacunas no conhecimento das usuárias, justificando esta investigação.

Diante do exposto e considerando-se que, pela melhor tolerabilidade, o AOC de baixa dose é o anticoncepcional hormonal oral de primeira escolha, sendo o mais disponibilizado no Sistema Único de Saúde (SUS) e o mais utilizado, questionou-se: o que usuárias de AOC de baixa dose sabem acerca do uso, dos efeitos colaterais e de possíveis complicações referentes ao método? Quais os fatores determinantes de desconhecimento? Para responder a essas questões definiram-se como objetivos identificar o conhecimento de usuárias de AOC de baixa dose em relação ao uso correto do método, efeitos colaterais e complicações, bem como verificar a correlação entre conhecimento sobre uso correto com idade, escolaridade, renda familiar mensal e tempo de uso do método.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, exploratório, realizado no Sistema Municipal de Saúde de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, Nordeste brasileiro.

A população correspondeu a 841.481 mulheres em idade fértil (10 a 49 anos) do município( 1111. Secretaria Municipal da Saúde (CE). Relatório de Gestão 2007. Fortaleza (CE): SMS; 2007. ). A amostra de 264 mulheres foi calculada pela fórmula utilizada para populações infinitas, sendo fixado nível de confiança de 95%, erro amostral de 5% e proporção p de 22,1%. O valor do p foi estabelecido com base na prevalência de usuárias de AOC da PNDS de 2006( 11. Ministério da Saúde (BR). PNDS 2006- Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. ).

As participantes foram selecionadas com base nos critérios de inclusão: estar em idade fértil e em uso de AOC de baixa dose. O AOC de baixa dose é identificado pelo parâmetro de ter dosagem estrogênica menor ou igual a 0,035mg( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ). Foram excluídas as mulheres que recebiam atenção relativa à anticoncepção, em serviço privado de saúde.

Uma vez perguntado para a usuária o nome comercial do AOC, esse tinha sua dosagem estrogênica checada por meio de um quadro elaborado pelas autoras; quando a dosagem se apresentava equivalente ou inferior a 0,035mg, portanto, com classificação de baixa dose, a pesquisa prosseguia. O referido quadro reuniu 34 diferentes apresentações de AOC disponibilizadas na rede pública de saúde e em farmácias locais, com seus respectivos nomes comerciais e dosagem de estrógeno.

Os dados foram coletados de março a julho de 2010, em sete Unidades Básicas de Saúde (UBS), distribuídas nas seis diferentes regiões de saúde de Fortaleza, CE, definidas mediante sorteio. As mulheres foram recrutadas em salas de espera de diferentes serviços oferecidos na UBS (planejamento familiar, puericultura, prevenção do câncer de colo uterino e hiperdia), ocasião em que a entrevistadora perguntava: quem aqui usa pílula anticoncepcional?. A usuária de pílula, uma vez aceitando participar da pesquisa, era acompanhada a um local privativo na própria unidade, para a entrevista.

O formulário de entrevista reuniu perguntas sobre idade, condição de união, escolaridade, renda familiar e tempo de uso do AOC de baixa dose. Para identificar o conhecimento quanto ao uso correto, efeitos colaterais e complicações com o uso do método, foram aplicadas três escalas tipo Likert, respectivamente, elaboradas pelas autoras com base nos pressupostos estabelecidos pela OMS para prática selecionada de MAC( 66. Organización Mundial de la Salud. Recomendaciones sobre Prácticas Seleccionadas para el Uso de Anticonceptivos. Ginebra: OMS; 2005. ). Essas não foram validadas, constituindo uma limitação da pesquisa.

Cada item das escalas recebeu uma pontuação, sendo o conhecimento classificado conforme o número de acertos das participantes em cada escala. Quando a participante não citou nenhum item da escala, seu conhecimento foi avaliado como nenhum (nível 1 da escala); quando a participante citou um item, seu conhecimento foi limitado (nível 2); quando a participante citou dois itens, conhecimento moderado (nível 3); quando citou três itens, conhecimento substancial (nível 4) e quando citou todos, conhecimento extenso (nível 5 da escala).

Na escala de avaliação do conhecimento sobre o uso correto do método, os itens foram: a participante relata que o início do uso da cartela deve se dar nos cinco primeiros dias após iniciada a menstruação ou em qualquer período do ciclo menstrual, desde que não esteja grávida e, após esse período, iniciar em qualquer tempo, desde que esteja segura de que não está grávida, associando um método complementar por sete dias; o início do uso da cartela subsequente deve ocorrer após sete dias do término da cartela anterior; a pílula deve ser tomada diariamente e sempre no mesmo horário; no esquecimento de tomar uma ou duas pílulas, tomar uma assim que possível e seguir no horário habitual ou tomar as duas no mesmo horário, ou reconhecer que, se houver vômito até duas horas após a ingestão da pílula, deve tomar outra pílula.

Os itens da escala de avaliação do conhecimento sobre efeitos colaterais foram: a participante reconhece alterações no padrão menstrual (redução, irregularidade e ausência do fluxo menstrual); reconhece alterações no sistema nervoso (alteração de humor, irritabilidade, tontura e cefaleia); reconhece alterações no sistema gastrointestinal (epigastralgia, náusea e vômito); reconhece outras alterações sistêmicas (mastalgia, alteração de peso).

Na avaliação do conhecimento sobre complicações foram adotados os itens: a participante cita coágulo sanguíneo em veias profundas das pernas (trombose venosa profunda), derrame (acidente vascular cerebral), infarto do miocárdio (coração) e aumento da pressão arterial.

Os dados foram analisados no software Statistical Package for Social Sciences for Personal Computer (SPSS-PC), versão 13.0, por meio de estatística descritiva e inferencial, utilizando-se frequência absoluta e relativa, média (χ), Desvio-Padrão (dp), percentis e Intervalos de Confiança (IC). Os intervalos de confiança foram utilizados para estimar, na população de interesse, o valor das proporções de mulheres que demonstraram conhecimento adequado sobre cada um dos tópicos avaliados. Assim, considera-se, com uma confiança de 95%, que o verdadeiro percentual de mulheres que assinalariam corretamente um dado item é um valor contido no intervalo construído.

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para verificação de adesão à distribuição normal das variáveis quantitativas. O coeficiente de correlação de Spearman foi calculado para verificar a relação linear entre duas variáveis contínuas. Para este estudo, as correlações foram classificadas da seguinte forma: 0 < |ρ| <0,2 - fraca; 0,2 < |ρ| <0,4 - leve; 0,4 < |ρ| <0,6 - moderada; 0,6 < |ρ| <0,8 - forte; 0,8 < |ρ| <1,0 - muito forte. A análise do nível de conhecimento procedeu-se pela descrição das médias globais dos três tipos de conhecimento avaliado, e seguiu a mesma lógica da classificação dos níveis para cada indivíduo, variando de nenhum conhecimento (valor 1) a conhecimento extenso (valor 5). Assim, não foi adotado um ponto de corte arbitrário para dicotomizar os indivíduos em níveis de conhecimento como, por exemplo, adequado ou inadequado.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, conforme Protocolo nº04/10. Foram seguidas as recomendações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas que envolvem seres humanos, destacando-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todas as participantes.

Resultados

As participantes eram majoritariamente jovens, predominando a faixa de idade de 20 a 28 anos, correspondendo a 139 (52,7%). Todavia, a idade variou dos 15 aos 46 anos, sendo considerável o número de adolescentes (11,8%). A união estável com parceria fixa foi referida por 222 (84,1%) participantes.

Predominou o ensino médio completo, correspondendo à escolaridade de 124 (47%) participantes. Porém, essa variou da ausência de escolaridade ao ensino superior completo. As participantes conviviam com média de 3,9 pessoas por família (dp±1,50) e renda média de 2,4 salários-mínimos (dp±0,85), o que permite inferir ser um grupo de condição socioeconômica desfavorável.

Metade das participantes apresentou conhecimento "substancial" (nível 4 da escala) ou superior a esse (P75=4,00) tanto sobre o uso correto de AOC quanto sobre seus efeitos colaterais. O conhecimento referente às complicações foi o mais fraco: 75% das mulheres demonstraram nenhum conhecimento (P75=1,00) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do número de usuárias de AOC de baixa dose, segundo o nível de conhecimento sobre uso correto, efeitos colaterais e complicações relacionadas ao método. Sistema de Saúde de Fortaleza, CE, Brasil, 2010

O uso diário da pílula e em horário regular apresentou-se como o item de maior acerto pelas participantes a respeito do uso correto do método (84,5%; IC95%=79,5-88,6); o início correto do uso da cartela subsequente foi mencionado por 41,7% das participantes (IC95%=35,7-47,9), sendo o item de menor acerto na respectiva área do conhecimento. Assim, a lacuna de conhecimento no grupo pesquisado, em relação aos itens da avaliação do uso correto do AOC, recaiu sobre o que fazer em caso de esquecimento de uma ou mais pílulas, bem como sobre o início do uso da primeira cartela ou cartela subsequente.

No que concerne ao conhecimento sobre os efeitos colaterais, para até 75% das participantes identificou-se conhecimento "substancial", sendo que as "alterações no sistema nervoso" foram citadas por 77,3% das participantes (IC95%=71,7-82,2%). As alterações no padrão menstrual foram citadas por 43,6% das participantes (IC95%=37,9-50,2) e, dentre os efeitos colaterais citados, foram os que apresentaram menor frequência. Ainda assim, essa frequência pode ser considerada relativamente elevada.

Quanto às complicações relacionadas ao uso do AOC de baixa dose, obteve-se nível de conhecimento "nenhum" para 75% das mulheres, em que o aumento da pressão arterial e a trombose venosa profunda foram as complicações de maior e menor conhecimento, reportados por 5,7% (IC95%=3,2-9,2) e 1,9% (IC95%=0,6-4,4%) das participantes, respectivamente.

Observa-se, na Tabela 2 que, para o conhecimento sobre uso correto do AOC de baixa dose, as variáveis escolaridade e renda familiar mensal se correlacionaram de forma estatisticamente significante, sendo que para ambas houve uma correlação positiva, sugerindo que quanto maior a escolaridade (r=0,164; p=0,008) e/ou a renda familiar (r=0,135; p=0,029) maior o conhecimento das participantes sobre o uso correto de AOC. As mulheres com melhor escolaridade também conheceram mais acerca das complicações advindas do uso do método (r=0,166; p=0,007). Todas essas correlações são consideradas fracas pela classificação adotada.

Tabela 2
Correlação entre o conhecimento sobre uso correto com idade, escolaridade, renda familiar mensal e tempo de uso do AOC, conhecimento sobre efeitos colaterais com tempo de uso e complicações com escolaridade. Sistema de Saúde de Fortaleza, CE, Brasil, 2010

Quanto ao conhecimento sobre efeitos colaterais, a correlação positiva fraca observada sugere que mulheres que usaram AOC por mais tempo conheciam mais sobre seus efeitos colaterais (r=0,189; p=0,002).

Discussão

O predomínio de conhecimento "substancial" sobre o uso correto e os efeitos colaterais relativos ao AOC de baixa dose entre as participantes pode se dever, em parte, ao investimento do Ministério da Saúde nessa área do cuidado, priorizando, desde a década de 80, a promoção de serviços de Planejamento Familiar (PF) à população, pautada na escolha livre e informada dos MACs, recomendando aos profissionais da saúde a realização de atividades educativas sobre as características gerais dos MACs.

A autonomia feminina e o interesse premente para com o controle da prole, atrelados à inserção da mulher no mercado de trabalho e à maior competitividade desse mercado - a lhe exigir mais anos de estudos - bem como ao maior aperfeiçoamento associado à ampliação da informação por meio de canais informais, como a internet, também têm contribuído para o referido resultado.

Verificaram-se, todavia, falta de conhecimento de parte das mulheres sobre o início correto do uso da cartela de AOC de baixa dose, sobre a regularidade no horário das tomadas da pílula e sobre as condutas a serem adotadas mediante o esquecimento de uma ou mais pílulas.

O conhecimento inadequado quanto ao início das cartelas de AOC recaiu sobre o intervalo requerido para início da primeira cartela de uso e para cartelas subsequentes, em que, independente do uso de primeira vez ou subsequente, as participantes referiram "iniciar o uso da cartela no quinto dia da menstruação". É sabido que, para melhor eficácia do AOC, esse início deve se dar, de preferência, no primeiro dia do ciclo menstrual ou até o quinto dia e que seja dado um intervalo de sete dias entre uma cartela e a próxima, devendo a usuária iniciar as tomadas independentemente do dia do ciclo menstrual( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ).

Um dos pontos básicos a ser considerado para a garantia da eficácia do AOC de baixa dose é a tomada diária e em horário regular. Os profissionais da saúde podem discutir com suas clientes a respeito de dicas relacionadas à ingestão da pílula, ou seja, como associar o horário de tomada com alguma atividade diária. A esse respeito, é importante informar às usuárias do método que a ingestão da pílula em horário regular contribui para a redução de seus efeitos colaterais( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ).

Observa-se, pois, a necessidade de melhoria do conhecimento das participantes, quando se mostraram expostas a riscos aumentados de falha do AOC e de efeitos colaterais pela falta de conhecimento sobre o uso correto do método.

O esquecimento de uma ou mais pílulas pode ser enfrentado pela usuária de diferentes modos, a depender do número de pílulas esquecidas: de uma a três, há chance de manter o uso da mesma cartela com pouco prejuízo à eficácia do método; quando o esquecimento for de mais de três pílulas, a cartela em uso deve ser interrompida, esperando-se o próximo fluxo menstrual e iniciando-se uma nova cartela( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ).

Na avaliação do conhecimento sobre os efeitos colaterais, predominou o conhecimento substancial (nível 4 da escala). Por serem sensações desagradáveis, é possível que mulheres se interessem mais em expressar sua ocorrência para os profissionais da saúde ou até mesmo para pessoas do seu convívio social. É provável também que profissionais da saúde, durante as consultas de PF, orientem as mulheres sobre os efeitos colaterais mais comuns, a fim de evitar a interrupção do uso do método. Autores afirmam que o uso dos MACs pretendidos pelas mulheres pode ser afetado ou suspenso pela falta de conhecimento em lidar com o método, difícil acesso e preocupação com os efeitos colaterais( 1212. Williamson LM, Parkes A, Wight D, Petticrew M, Hart GJ. Limits to modern contraceptive use among young women in developing countries: a systematic review of qualitative research. Reprod Health. 2009;6(3):1-12. ).

Presume-se, assim, que, a respeito dos efeitos colaterais, uma informação adequada está sendo adquirida pela maior parte das participantes deste estudo. A informação sobre os MACs é geradora da livre escolha do método, direito básico a ser assegurado à clientela, consoante a Lei nº9.263, que trata do PF no Brasil, lançada em 1996. Em particular, a informação sobre os efeitos colaterais dos AOCs irá reduzir medo e insegurança nas mulheres, bem como proporcionar melhor observação desses efeitos, maior persistência na continuidade de uso do método, esclarecimento a respeito de mitos relacionados ao seu uso e maior satisfação com o uso.

Sobre as complicações relacionadas ao uso do AOC, obteve-se aumento da pressão arterial e trombose venosa profunda como as complicações de maior e menor conhecimento, reportadas por 15 (5,7%; IC95%=3,2-9,2) e 5 (1,9%; IC95%=0,6-4,4%) participantes, respectivamente. Essa foi a área de mais baixo conhecimento. Os riscos referidos pelas mulheres se dissociaram dos expostos na literatura( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ) e, ao contrário das complicações sistêmicas como TVP, IAM e AVC, as mulheres relataram complicações no sistema reprodutor feminino, ou seja, 132 (50%) referiram acúmulo de massa no útero, em conformidade com aquilo que "o médico disse", segundo algumas participantes; relataram, também, "raladura", cistos ou tumor, infertilidade, inflamação e perda de ação pelo uso prolongado.

As referidas percepções acerca desse conhecimento, portanto, foram incorretas e perpassam indivíduo/usuário, comunidade, mas podem também permear profissionais da saúde que, por não saberem ou por negligenciarem o repasse de informação à clientela, acabam contribuindo para a sedimentação desses mitos, perpetuando, assim, a desinformação quando a desmistificação é que deveria ocorrer( 88. Hamani Y, Sciaki-tamir R, Deri-hasid T, Haimov-kochman R. Misconceptions about oral contraception pills among adolescents and physicians. Hum Reprod. 2007;22(12):3078-83. ).

A prática incorreta de uso do AOC por parte das mulheres as torna vulneráveis à gravidez não planejada, visto que a eficácia do método nessas circunstâncias está comprometida( 33. World Health Organization (WHO) and Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Center for Communication Programs (CCP), INFO Project. Family Planning: A Global Handbook for Providers. Baltimore (MD); 2007. ).

Essa vulnerabilidade não se confina, contudo, a países em desenvolvimento, como o Brasil. A gravidez não planejada na vigência de uso de MAC é uma realidade enfrentada também em países como Vietnã, Reino Unido e Estados Unidos( 55. Duong DV, Lee AH, Binns CW. Contraception within six-month postpartum in rural Vietnam: Implications on family planning and maternity services. Eur J Contracept Reprod Health Care. 2005;10(2):111-8. , 1313. Kraft JM, Harvey SM, Thorburn S, Henderson JT, Posner SF, Galavotti C. Intervening with couples assessing contraceptive outcomes in a randomized pregnancy and HIV/STD risk reduction intervention trial. Women's Health. 2007;17(1):52-60. - 1414. Mark H. The structure of contraceptive education and instruction within nurse led family planning clinics: a grounded theory study. J Clin Nurs. 2009; 18(18):2656-67. ). Nesses países, também se evidencia o uso incorreto de MAC, bem como a necessidade da implementação de estratégias educativas que engajem indivíduos a se perceberem em risco para gravidez não planejada, pelo uso indevido do método.

Em estudo realizado com 278 adolescentes na cidade de Teresina, PI, aplicaram-se questionário e escalas a fim de medir o conhecimento objetivo acerca do uso de anticoncepcional hormonal oral. Para serem consideradas como detentoras de conhecimento objetivo adequado, era necessário o acerto dos quatro itens contidos na escala, que abordavam aspectos de uso correto do método. Verificou-se que 98,2% dessas adolescentes possuíam baixo conhecimento objetivo. As autoras concluíram que o inexpressivo conhecimento reflete a necessidade de técnicas mais acessíveis de comunicação( 1515. Sousa MCR, Gomes KRO. Objective and perceived knowledge of oral contraceptive methods among adolescent mothers. Cad Saúde Pública. 2009;25(3):645-54. ).

Na amostra estudada houve maior conhecimento sobre uso correto de AOC entre as mulheres com maior escolaridade e com melhor situação econômica; quanto melhores foram essas condições melhor também foi o nível para esse conhecimento (correlação de Spearman positiva).

No Brasil, o decréscimo da fecundidade foi mais elevado nas regiões mais desenvolvidas do país, confirmando a relação entre condições socioeconômicas elevadas e efetividade no uso dos anticoncepcionais( 11. Ministério da Saúde (BR). PNDS 2006- Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. , 1616. Santos JC, Freitas PM. Family planning under the view of development. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(3):1813-20. ).

A informação sobre o AOC de baixa dose entre as mulheres deste estudo deve ser proporcionada com maior efetividade. Para tanto, salienta-se que as atividades de orientação individual e coletiva não devem ser pontuais, circunscritas à entrega de cartelas de AOC mensalmente, mas serem desenvolvidas nas diversas oportunidades de atenção à sua saúde, como área prioritária do cuidado.

Conclusão

As participantes apresentaram, no geral, nível "substancial" de conhecimento para o uso correto de AOC e efeitos colaterais e "nenhum" conhecimento com relação às complicações advindas do uso do AOC. O conhecimento sobre uso correto de AOC foi mais elevado entre as mulheres com maior escolaridade e com melhor situação econômica, ou seja, quanto melhores foram essas condições melhor, também, foi o nível para esse conhecimento.

Faz-se necessário que os profissionais de saúde da atenção básica, em particular os enfermeiros, desenvolvam estratégias de educação em saúde no sentido de promover a aquisição de conhecimento por parte de usuárias de AOC sobre o método. Para tanto, é fundamental o apoio da gestão do sistema local de saúde, na perspectiva de garantir a logística necessária às equipes da atenção básica.

A não validação das escalas tipo Likert aplicadas neste estudo constitui limitação da pesquisa. Desse modo, sugere-se, para pesquisas futuras, tanto a validação das referidas escalas quanto a avaliação do impacto de estratégias de educação em saúde, voltadas à melhoria do conhecimento de usuárias de AOC.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2013

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2012
  • Aceito
    21 Maio 2013
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