Resumo
Objetivo:
comparar indicadores de internação e de alta, custo com medicamentos e comportamentos dos pacientes antes e após a proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico.
Método:
estudo ecológico, longitudinal e retrospectivo realizado em um hospital psiquiátrico. Foram obtidos dados secundários por meio de consulta aos prontuários, referentes a 2142 internações. Aplicado teste de medianas para comparação das variáveis antes e após a proibição.
Resultados:
com a implementação da proibição, o percentual de ocupação dos leitos foi reduzido nas unidades masculinas de transtornos mentais (de 88,8% para 48,4%) e de dependência química (94,4% para 42,8%). A média de dias de internação foi reduzida na unidade masculina de dependência química (13,5 para 12,6) em comparação à unidade feminina (14,7 para 19,5). Os custos com psicofármacos e expectorantes, as agressões verbais/físicas e as contenções físicas/químicas foram reduzidos.
Conclusão:
a proibição do fumo alterou indicadores hospitalares, reduziu custos e melhorou o comportamento dos pacientes, contrariando o mito de que ela resulta em hostilidade. Espera-se que este estudo contribua para que os enfermeiros revejam suas crenças relacionadas à proibição do tabagismo com resultados positivos para as relações interpessoais e para a gestão dos serviços de saúde mental.
Descritores:
Ambientes Livres de Fumo; Política Antifumo; Indicadores de Serviços; Agressão; Hospitais Psiquiátricos; Enfermagem Psiquiátrica
Abstract
Objective:
to compare hospitalization and discharge indicators, medication costs and patient behavior before and after the implementation of the smoking ban in a psychiatric hospital.
Method:
ecological, longitudinal and retrospective study carried out in a psychiatric hospital. Secondary data referring to 2142 hospitalizations were collected from medical records. The median test was used to compare the variables before and after the ban.
Results:
after the implementation of the ban, there was a reduction in bed occupancy rate in male units for mental disorders (from 88.8% to 48.4%) and substance dependence (from 94.4% to 42.8%). There was a reduction in the mean length of hospital stay in the male chemical dependency unit (from 13.5 to 12.6) compared to the female unit (from 14.7 to 19.5). There was a reduction in costs of psychotropic drugs and expectorants, episodes of verbal/physical aggressions and physical/chemical restraints.
Conclusion:
the smoking ban changed hospital indicators, reduced costs and improved patient behavior, contradicting the myth that it results in hostility. It is hoped that this study will help nurses to review their beliefs related to smoking cessation, as there were positive results for interpersonal relationships and for the management of mental health services.
Descriptors:
Smoke-Free Environments; Smoke-Free Policy; Indicadores de Servicios; Agression; Hospitals, Psychiatric; Psychiatric Nursing
Resumen
Objetivo:
comparar indicadores de internación, alta, costo con medicamentos y comportamientos de los pacientes antes y después de la prohibición del tabaquismo en un hospital psiquiátrico.
Método:
estudio ecológico, longitudinal y retrospectivo realizado en un hospital psiquiátrico. Fueron obtenidos datos secundarios, a partir de consulta a las fichas médicas, referentes a 2.142 internaciones. Fue aplicado el test de medianas para comparación de las variables antes y después de la prohibición.
Resultados:
con la implementación de la prohibición el porcentaje de ocupación de las camas fue reducido en las unidades masculinas de trastornos mentales (88,8% para 48,4%) y de dependencia química (94,4% para 42,8%). La media de días de internación fue reducida en la unidad masculina de dependencia química (13,5 para 12,6) en comparación con la unidad femenina (14,7 para 19,5). Los costos con psicofármacos y expectorantes, las agresiones verbales/físicas y las contenciones físicas/químicas fueron reducidas.
Conclusión:
la prohibición de fumar alteró los indicadores hospitalarios, redujo costos y mejoró el comportamiento de los pacientes, contrariando el mito de que esta resulta en hostilidad. Se espera que este estudio contribuya para que los enfermeros revisen sus creencias relacionadas con la prohibición del tabaquismo, considerando los resultados positivos para las relaciones interpersonales y para la administración de los servicios de salud mental, que fueron obtenidos.
Descriptores:
Ambientes Libres de Humo; Política para Fumadores; Indicators of Health Services; Agresión; Hospitales Psiquiátricos; Enfermería Psiquiátrica
(1) A proibição do fumo alterou indicadores hospitalares nas unidades públicas.
(2) A proibição do fumo resultou na redução dos gastos com psicofármacos e expectorantes.
(3) A proibição do fumo resultou na redução de agressões verbais e físicas.
(4) A proibição do fumo tem resultados positivos para a gestão dos serviços de saúde.
(5) Os resultados contrariam o mito de que a proibição do fumo aumenta a agressividade.
Introdução
O tabagismo é um grave problema de saúde pública. Estima-se que sua prevalência seja de 15% na população mundial e 9,8% na brasileira11. Ministério da Saúde (BR). Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2021 Jul 27]. Available from: Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf
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-22. Drope J, Liber AC, Cahn Z, Stoklosa M, Kennedy R, Douglas CE, et al. Who’s still smoking? Disparities in adult cigarette smoking prevalence in the United States. CA Cancer J Clin. 2018;68(2):106-15. https://doi.org/10.3322/caac.21444
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. Na população psiquiátrica, o cenário é mais alarmante: um terço dos americanos com transtornos mentais é fumante e, no Brasil, a prevalência varia de 25% a 60%, dependendo do serviço de saúde mental investigado22. Drope J, Liber AC, Cahn Z, Stoklosa M, Kennedy R, Douglas CE, et al. Who’s still smoking? Disparities in adult cigarette smoking prevalence in the United States. CA Cancer J Clin. 2018;68(2):106-15. https://doi.org/10.3322/caac.21444
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3. Reis LM, Gavioli A, Figueiredo VR, Oliveira MLF, Efing AC. Uso de tabaco em mulheres acompanhadas em um Centro de Atenção Psicossocial. Acta Paul Enferm. 2019;32(1):27-34. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900005
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-44. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Prevalência e perfil de fumantes: comparações na população psiquiátrica e na população geral. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3181. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2976.3149
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.
A implementação da Lei brasileira n.º 12.546/2011, que proíbe o fumo de tabaco nos ambientes coletivos (públicos e particulares), é um desafio para os serviços de saúde mental, especialmente, para os hospitais psiquiátricos, uma vez que nesse cenário ocorre maior prevalência de fumantes e de pessoas com dependência do tabaco mais intensa. Além disso, a cultura do tabagismo (cigarro como moeda de troca), herdada dos manicômios, perpetua nesses locais44. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Prevalência e perfil de fumantes: comparações na população psiquiátrica e na população geral. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3181. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2976.3149
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-55. Beyraghi N, Meybodi AM, Bahri RSJ. Smoking ban in psychiatric inpatient unit: an Iranian Study on the views and attitudes of the mental health staff and psychitric patients. Psychiatry J. 2018;2018:2450939, https://doi.org/10.1155/2018/2450939
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.
Como consequência, persiste a resistência quanto à proibição do fumo nos serviços de saúde mental. Estudos recentes, realizados no Irã e na Itália, mostram que os profissionais são céticos quanto ao sucesso desses locais em se manterem livres de tabaco55. Beyraghi N, Meybodi AM, Bahri RSJ. Smoking ban in psychiatric inpatient unit: an Iranian Study on the views and attitudes of the mental health staff and psychitric patients. Psychiatry J. 2018;2018:2450939, https://doi.org/10.1155/2018/2450939
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-66. Corsini G, Trabucco A, Respino M, Magagnoli M, Spiridigliozzi D, Escelsior A, et al. Tabagism and its management in Italian Psychiatric Intensive Care General Hospital Units. Riv PsichiatR. 2018;53(6):309316. https://doi.org/10.1708/3084.30764
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. Um estudo brasileiro revelou que o receio de que a proibição interfira nos indicadores hospitalares como, por exemplo, diminuição do número de internações e aumento de altas a pedido, é um dos motivos para a resistência nos hospitais psiquiátricos, especialmente nos particulares e nos filantrópicos77. Oliveira RM, Furegato ARF. Percepções e vivências da Enfermagem quanto à proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico. SMAD, Rev Saúde Mental Álcool Drog. 2021;17(4):63-73. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.176380
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.
Estudiosos defendem que a proibição do fumo durante a internação psiquiátrica é uma oportunidade que a pessoa com transtorno mental tem de repensar esse hábito, ser orientada pelos profissionais quanto às estratégias adequadas para enfrentamento e manutenção da abstinência, ter o grau de dependência avaliado e de aderir às propostas terapêuticas88. Okoli CTC, Al-MrayaT YD, Shelton CI, Khara M. A retrospective analysis of the association between providing nicotine replacement therapy at admission and motivation to quit and nicotine withdrawal symptoms during an inpatient psychiatric hospitalization. Addict Behav. 2018;85:131-8. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2018.06.005
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Embora seja um desafio, há evidências científicas de benefícios que as pessoas com transtornos mentais obtêm a partir da abstinência do tabaco: aumento da qualidade de vida; melhora da ansiedade e da depressão; diminuição do comportamento agressivo; diminuição de lapsos para uso de substâncias ilícitas; melhora de sintomas físicos bem como redução do risco de doenças cardíacas e de câncer99. Center for Disease Control and Prevention. Benefits of quitting [Internet]. 2020 [cited 2021 Jul 27]. Available from: Available from: https://www.cdc.gov/tobacco/quit_smoking/how_to_quit/benefits/index.htm
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Outro potencial benefício é a redução de gastos com medicamentos para os fumantes, tanto psicofármacos devido às evidências científicas de melhora da sintomatologia psiquiátrica quanto dos medicamentos clínicos. Um estudo, realizado no Reino Unido com 13.846 pessoas com transtornos mentais graves, revelou que a presença de comorbidades físicas e de tabagismo está associada ao aumento de gastos diretos com medicamentos, testes diagnósticos e profissionais1010. Ride J, Kasteridis P, Gutacker N, Aragon-Aragon MJ, Jacobs R. Healthcare Costs for People with Serious Mental Illness in England: An Analysis of Costs Across Primary Care, Hospital Care, and Specialist Mental Healthcare. Appl Health Econ Health Policy. 2020;18(2):177-88. https://doi.org/10.1007/s40258-019-00530-2
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. Em face dessas evidências, a cessação do tabagismo pela população psiquiátrica é uma vantagem tanto para as pessoas que deixam de ser expostas aos efeitos nocivos do fumo quanto para os gestores e órgãos governamentais que lidam com o financiamento em saúde, pois interfere no processo de gestão dos serviços.
Considerando a imprescindibilidade do abandono do tabagismo pela população psiquiátrica, a exigência legal para que o fumo de tabaco não ocorra nos serviços de saúde mental e a proibição do fumo nesses locais como uma oportunidade para os pacientes psiquiátricos repensarem o hábito, este estudo supre uma lacuna do momento atual, visto que a investigação desse tema ocorre de maneira tímida, no contexto brasileiro, o que limita o acesso dos profissionais de saúde atuantes nos serviços de saúde mental ao conhecimento de experiências realizadas no âmbito nacional.
Ante o exposto, o presente estudo visa testar as hipóteses: 1) A proibição do fumo impacta os indicadores hospitalares; 2) Os episódios de agressividade diminuem com a proibição do fumo; 3) A proibição do fumo concorre para que haja menos gastos com psicofármacos e com expectorantes.
O estudo teve por objetivo comparar indicadores de internação e de alta e custo com medicamentos e comportamentos dos pacientes antes e após a proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico.
Método
Tipo de estudo e período
Estudo ecológico, longitudinal, retrospectivo e realizado em 2020 com base em dados secundários obtidos de setembro de 2017 a agosto de 2018. O estudo é classificado como ecológico, pois a exposição e o desfecho foram obtidos de dados agregados (indicadores hospitalares que refletem um grupo de indivíduos). A classificação longitudinal se justifica devido à comparação no tempo de grupos de indivíduos internados antes e após a implementação da proibição do fumo. Por fim, o estudo também é retrospectivo, uma vez que os dados obtidos ocorreram anteriormente à coleta dos dados (dados passados)1111. Merchan-Hamann E, Tauil PL. Proposta de classificação dos diferentes tipos de estudos epidemiológicos descritivos. Epidemiol Serv Saúde. 2021;30(1):1-13. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000100026
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Local do estudo
Estudo realizado em um hospital psiquiátrico filantrópico com administração privada, localizado no interior de São Paulo. Foi escolhido por conveniência dado que, em março de 2018, aderiu à Lei 12.546/2011, que proíbe o fumo de tabaco nos ambientes coletivos.
A capacidade operacional do hospital é de 107 leitos psiquiátricos para internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 60 leitos psiquiátricos em unidade particular, 20 leitos particulares em regime de Hospital Dia e 28 leitos particulares em unidade clínica.
Os leitos públicos são divididos em quatro unidades de internação: 1) feminina (cinco leitos para mulheres com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas e 15 para mulheres com transtornos mentais); 2) masculina dependência (20 leitos para homens com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas); 3) masculina transtornos (20 leitos para homens com transtornos mentais) e 4) moradores (31 homens e 16 mulheres com transtornos mentais crônicos e que não têm suporte familiar/social para retornar à sociedade).
População, amostra e critérios de seleção
A população definida para o estudo são as pessoas que estiveram internadas no hospital psiquiátrico antes e após a implementação da proibição do fumo. A amostra, por sua vez, foi constituída por egressos das internações psiquiátricas que ocorreram entre setembro de 2017 e agosto de 2018. Portanto, foram analisados dados referentes a 2142 internações.
Critério de inclusão: ter recebido alta hospitalar entre setembro de 2017 a agosto de 2018. Foram excluídos os indivíduos da unidade de moradores e os egressos de internações da unidade clínica.
Instrumentos utilizados para a coleta das informações
Foram elaborados, especialmente para este estudo, dois instrumentos a fim de nortear a obtenção das informações dos prontuários. Esses instrumentos são originais e não foram publicados: 1) “Indicadores hospitalares e Custo com Medicamentos” (ICM) e 2) “Identificação do Comportamento dos pacientes e da Rotina de cuidados registrados nos prontuários (ICR)”.
O ICM é composto de nove indicadores hospitalares (paciente-dia, número de internações, percentual de ocupação, média de permanência hospitalar, altas melhoradas, altas a pedido, altas por abandono, altas por transferência e altas por evasão) e sete medicamentos para indicação dos custos em reais (Haloperidol oral e intramuscular, Prometazina oral e intramuscular, Clorpromazina oral e intramuscular, Diazepam oral e intramuscular, Lorazepam oral, Clonazepam oral e Expectorante).
O ICR, por sua vez, é composto de oito variáveis de identificação (sexo, idade, diagnóstico psiquiátrico, data de admissão, data de alta hospitalar, tipo de internação, tipo de alta, fumo de tabaco) e oito variáveis que retratam o comportamento dos pacientes (agressões verbais, agressões físicas, tentativas de fuga e de suicídio) e as rotinas de cuidados de enfermagem articuladas com a equipe interdisciplinar (antecipação do horário dos psicofármacos de rotina, contenção química, mecânica e física). Foram consideradas contenções físicas os encaminhamentos dos pacientes às Unidades de Cuidados Especiais (UCE) para que pudessem ficar distantes dos demais pacientes e supervisionados de forma constante pela enfermagem sem o uso de faixas de contenção. Para o presente estudo, não foram analisadas as variáveis de identificação por se tratar de um estudo ecológico.
Coleta dos dados
Depois da aprovação do Comitê de Ética, foram solicitados à equipe técnica de informática e ao farmacêutico técnico responsável os dados necessários para preenchimento do instrumento “Indicadores hospitalares e Custo com Medicamentos” (ICM). Os dados fornecidos foram referentes a todas as unidades de internação, públicas e particulares, exceto a unidade clínica.
Para o preenchimento do instrumento “Identificação do Comportamento dos pacientes e da Rotina de cuidados registrados nos prontuários (ICR)”, foi solicitada à equipe técnica de informática a identificação dos egressos das internações psiquiátricas nas unidades públicas feminina (leitos tanto para mulheres com transtornos mentais quanto para aquelas com transtornos relacionados ao uso de substâncias) e masculina (leitos para homens com transtornos mentais) entre setembro de 2017 a agosto de 2018. Com base nessa lista, foi realizada consulta na íntegra aos prontuários eletrônicos dos egressos por um dos pesquisadores e referente às internações ocorridas entre setembro de 2017 a agosto de 2018. Realizou-se leitura das evoluções médicas, das evoluções realizadas pelos enfermeiros e das anotações realizadas pelos técnicos de enfermagem. Para cada egresso da lista fornecida pela equipe técnica de informática, a pesquisadora preencheu o ICR com as informações obtidas com base na leitura do prontuário. No campo de cada variável, foi inserida a data e horário em que o evento foi registrado (por exemplo, agressão verbal: 11/12/2017 às 14 h) e, ao final do preenchimento, apresentado o número total de eventos. No preenchimento do ICR, foi inserido o horário, além da data, considerando que alguns eventos ocorreram mais de uma vez no mesmo dia.
Tratamento e análise estatística
Para o tratamento estatístico, foi utilizado o Stata/IC (2013). Utilizaram-se mediana e intervalo interquartil como medidas de estatística descritiva.
Os indicadores paciente-dia, número de internações, percentual de ocupação, média de permanência hospitalar, altas melhoradas, altas a pedido, altas por abandono, altas por transferência e altas por evasão foram fornecidos pela equipe técnica de informática do hospital para cada um dos 12 meses contemplados no estudo. Cada indicador teve duas medianas e dois intervalos interquartis calculados: indicador antes da proibição (cálculo com base nos dados de setembro de 2017 a fevereiro de 2018) e indicador após a proibição (cálculo baseado nos dados de março a agosto de 2018). Portanto, a mediana e o intervalo interquartil foram calculados para cada seis meses (seis meses antes da proibição e seis meses após a proibição).
Para o cálculo da mediana e do intervalo interquartil dos custos dos medicamentos, foi obtido o valor total (em reais) que o local do estudo gastou por mês com cada medicamento. Os valores de setembro de 2017 a fevereiro de 2018 foram considerados conjuntamente para gerar o indicador “custo com medicamento antes da proibição”, e os valores de março a agosto de 2018 foram utilizados para gerar o indicador “custo com medicamentos após a proibição”. Procedimento semelhante foi realizado para os indicadores agressões verbais, agressões físicas, encaminhamentos UCE, contenção mecânica, contenção química, antecipação psicofármacos, tentativas de fugas e tentativas de suicídio com obtenção da contagem mensal por meio de leitura dos prontuários dos participantes incluídos no estudo.
Para a análise bivariada, foi aplicado o teste de medianas (procedimento exato de Fisher monocaudal) para comparação dos dois períodos antes e após a proibição. Para cada variável, foi calculado o p-value para a variável considerada isoladamente (p-value observado) e o p-value calculado com correção para comparações múltiplas de Holm-Bonferroni (p-value corrigido). Adotou-se o nível de significância de 5%. A discussão foi realizada com base na literatura científica acerca do tema.
Aspectos éticos
O projeto foi registrado na Plataforma Brasil/CONEP (CAAE 79316817.7.0000.5393) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP nº 307/2017). Solicitou-se ao Comitê de Ética dispensa do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma vez que foram utilizados dados secundários.
Resultados
Entre setembro de 2017 e agosto de 2018 houve 2142 internações psiquiátricas no hospital investigado. Os indicadores hospitalares e os dados obtidos nos prontuários eletrônicos são referentes a esse universo amostral.
Na Tabela 1 são comparados os indicadores de internação hospitalar, considerando dois períodos: antes e após a implementação da proibição do tabagismo.
Devido à expressiva redução de internações em algumas unidades, na Tabela 1 foram comparados não somente os números absolutos (internações e pacientes-dia), mas também a frequência relativa da ocupação dos leitos, de modo a permitir comparações entre as unidades. Ao analisar os indicadores de internações hospitalares (número de internações, pacientes-dia, percentual de ocupação dos leitos e média de permanência hospitalar) das cinco unidades consideradas conjuntamente (total por indicador), verificou-se que há evidências estatísticas de diferença ao comparar antes e após a implementação da proibição do fumo. Contudo, ao analisar cada unidade, constataram-se diferenças estatísticas somente nas públicas, com exceção do Hospital Dia, no qual houve aumento do percentual de ocupação dos leitos com o início da proibição (Tabela 1).
Nas duas unidades públicas masculinas (psicóticos e dependentes de substâncias psicoativas), houve redução do número de internações, do número de pacientes-dia e do percentual de ocupação dos leitos. Isso ocorreu tanto no teste de medianas como em relação às variáveis consideradas isoladamente e, ainda, no teste que considerou todo o grupo de variáveis. A unidade feminina, por sua vez, revelou evidência estatística de redução do número de internações somente quando o teste foi aplicado de forma isolada para a variável (Tabela 1).
Em relação à média de permanência hospitalar, ao analisar as cinco unidades de internações de forma conjunta, há evidências estatísticas de redução após a implementação da proibição. Ao olhar para as unidades separadamente, observa-se que houve redução do tempo de internação nas unidades masculinas, embora a evidência estatística tenha sido mostrada somente para a de dependência de substâncias psicoativas. A unidade feminina, por sua vez, mostrou tendência contrária, com aumento do tempo de permanência hospitalar (Tabela 2).
Na Tabela 2 são apresentadas as comparações dos indicadores de alta hospitalar, antes e após a proibição do tabagismo.
Ao analisar os indicadores de alta hospitalar, observou-se redução no número de altas melhoradas nas cinco unidades, o que está de acordo com a redução verificada no número de internações ao comparar os dois períodos (Tabela 2).
Embora não haja evidências estatísticas, houve aumento de altas a pedido nas unidades particular e masculina de psicóticos, contrariando a tendência das demais unidades nas quais houve redução desse tipo de alta (Tabela 2).
Em relação às altas por evasão, há evidência estatística de que elas foram reduzidas na unidade masculina de dependentes de substâncias psicoativas, tanto com o teste de mediana aplicado para a variável isolada quanto para o aplicado ao conjunto de variáveis.
Na Tabela 3 são comparados os custos com psicofármacos e expectorantes nos seis meses que antecederam a proibição e nos seis meses que a sucederam.
De um modo geral, verifica-se que após a implementação da proibição do fumo houve diminuição dos custos com psicofármacos e expectorantes, embora haja evidência de diferença estatística somente para as variáveis Prometazina (via oral) e Clonazepam (via oral), quando analisadas isoladamente.
Na Tabela 4, são comparados os comportamentos dos pacientes e os procedimentos para controle antes e após a proibição.
Embora não tenha sido observada diferença estatística no número de contenções mecânicas ao comparar antes e após a proibição do fumo, há evidências estatísticas de diminuição dos episódios de agressões verbais e físicas, de encaminhamentos à UCE, de antecipação do horário dos psicofármacos prescritos e de contenção química. Não foram observadas diferenças nas tentativas de fuga e de suicídio.
Discussão
De acordo com o conhecimento do qual já dispomos, este é o primeiro estudo brasileiro a comparar, em um hospital psiquiátrico, os indicadores hospitalares, o custo com medicamentos e o comportamento das pessoas internadas, antes e após a proibição do fumo. Os seus resultados são importantes, pois evidenciam benefícios da proibição do fumo para os pacientes psiquiátricos, o que pode estimular os enfermeiros e os demais profissionais a contribuírem para a implementação da retirada dos cigarros nos serviços de saúde mental bem como a compreenderem a relevância do seu papel, ao pensar na continuidade da abstinência do tabaco após a alta hospitalar.
Confirmou-se a hipótese de que a proibição do fumo impacta os indicadores hospitalares. Depois que houve a proibição, ocorreu redução do número de pacientes-dia, do número de internações, do percentual de ocupação dos leitos e do tempo de permanência hospitalar. Contudo, ao olhar para os indicadores por unidade, evidenciou-se que as reduções ocorreram nas unidades de internações públicas, especialmente, as masculinas.
A observação de que o percentual de ocupação dos leitos e o tempo de permanência hospitalar foram reduzidos nas unidades masculinas públicas, porém não na unidade particular, contraria o argumento utilizado pelos profissionais de enfermagem dessa unidade, quando defenderam que a proibição do fumo não deveria continuar, pois impactaria nas internações e, consequentemente, no orçamento hospitalar77. Oliveira RM, Furegato ARF. Percepções e vivências da Enfermagem quanto à proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico. SMAD, Rev Saúde Mental Álcool Drog. 2021;17(4):63-73. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.176380
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.
Em face desses resultados, levantou-se a questão: o que explicaria a redução do percentual de ocupação dos leitos somente nas unidades masculinas? Pode-se inferir que isso ocorreu devido à maior prevalência de fumantes entre os homens, assim como foi identificado em outros estudos22. Drope J, Liber AC, Cahn Z, Stoklosa M, Kennedy R, Douglas CE, et al. Who’s still smoking? Disparities in adult cigarette smoking prevalence in the United States. CA Cancer J Clin. 2018;68(2):106-15. https://doi.org/10.3322/caac.21444
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,44. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Prevalência e perfil de fumantes: comparações na população psiquiátrica e na população geral. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2019;27:e3181. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2976.3149
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,1212. Haddad C, Sacre H, Haij A, Lahoud N, Akiki Z, Akel M, et al. Comparing cigarette smoking knowledge and attitudes among smokers and non-smokers. Environ Sci Pollut Res Int. 2020;27(16):19352-62. https://doi.org/10.1007/s11356-020-08162-z
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.
No que tange ao tempo de permanência hospitalar, a única unidade em que foi constatada redução foi àquela destinada à internação de homens com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas (álcool e substâncias ilícitas). Esse resultado vem ao encontro de um estudo americano (n= 255) realizado em um hospital psiquiátrico, adepto à proibição do fumo, no qual foi mostrado que as pessoas com transtornos, por uso de substâncias, são as que apresentam menor tempo de permanência hospitalar quando comparadas àquelas com outros diagnósticos psiquiátricos88. Okoli CTC, Al-MrayaT YD, Shelton CI, Khara M. A retrospective analysis of the association between providing nicotine replacement therapy at admission and motivation to quit and nicotine withdrawal symptoms during an inpatient psychiatric hospitalization. Addict Behav. 2018;85:131-8. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2018.06.005
https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2018.06...
.
Conforme é mostrado em estudos americanos, devido à alta prevalência de fumantes entre usuários de álcool e outras drogas, compreende-se que as pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool e de substâncias ilícitas podem encontrar no tabaco durante a internação psiquiátrica uma alternativa para tentar compensar a abstinência de outras substâncias. Nesse sentido, a proibição do fumo nos serviços de saúde mental pode representar uma dificuldade para esse público1313. Moeller SJ, Fink DS, Gbedemah M, Hasin DS, Galea S, Zvolensky MJ, et al. Trends in illicit drug use among smokers and non-smokers in the United States, 2002-2014. J Clin Psychiatry. 2018;79(3):17m11718. https://doi.org/10.4088/JCP.17m11718
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-1414. Weinberger AH, Delnevo CD, Wyka K, Gbedemah M, Lee J, Copeland J, et al. Cannabis Use Is Associated With Increased Risk of Cigarette Smoking Initiation, Persistence, and Relapse Among Adults in the United States. Nicotine Tob Res. 2020;22(8):1404-8. https://doi.org/10.1093/ntr/ntz085
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.
Um estudo, realizado no Reino Unido, com base na análise de 4223 internações psiquiátricas contraria os achados desta pesquisa em relação à redução do tempo de permanência hospitalar com a implementação da proibição do fumo1515. Perry BI, Meehan K, Jainer AK. Assessing the second-hand effects of a new non-smoking policy in an acute mental health trust. Bj Psych Bull. 2017;41(6):325-30. https://doi.org/10.1192/pb.bp.116.055749
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. Pondera-se que divergências de resultados são compreensíveis, uma vez que são estudos realizados em países com diferentes culturas e com tempo e abordagens distintas da lei antitabagismo.
Apesar da redução do tempo de permanência hospitalar, na unidade masculina de transtornos relacionados ao uso de álcool e outras drogas houve redução tanto das altas a pedido como das altas por evasão. Isso sugere que a decisão das altas hospitalares partiu da equipe interdisciplinar, e não das pessoas internadas. Os resultados deste estudo são importantes, pois o receio de aumento de altas a pedido ou por evasão é um dos principais argumentos utilizados pelos profissionais para justificarem porque são contrários à proibição do fumo. Isso foi evidenciado por meio de falas obtidas em um estudo qualitativo brasileiro bem como em dois estudos quantitativos realizados com profissionais da Austrália e do Catar, nos quais 93% e 73% dos profissionais utilizaram, respectivamente, esse argumento para defender seu ponto de vista contrário à proibição77. Oliveira RM, Furegato ARF. Percepções e vivências da Enfermagem quanto à proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico. SMAD, Rev Saúde Mental Álcool Drog. 2021;17(4):63-73. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.176380
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,1616. Badanapurkar A, Nelson D, Varghese S, Singh R, Haddad PM. Support and attitudes of Qatar mental health professionals to a proposed mental health inpatient smoking ban: Results of a cross-sectional survey. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2021;29(2):327-45. https://doi.org/10.1111/jpm.12777
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-1717. Magor-Blatch LE, Rugendyke AR. Going smoke-free: attitudes of mental health professionals to policy change. J Psychiatr Ment Health Nurs . 2016;23(5):290-302. https://doi.org/10.1111/jpm.12309
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.
Esse cenário de diminuição das altas a pedido e por evasão após a implementação da proibição do fumo, ainda, suscita o questionamento: será que os usuários de álcool e outras drogas obtiveram algum tipo de privilégio no hospital psiquiátrico com a implementação da proibição?
Uma pesquisa qualitativa, realizada no mesmo local do presente estudo, evidenciou que após a implementação da proibição houve, entre as pessoas internadas, troca de pertences (vestimenta, produtos de higiene etc.) e relações sexuais motivadas pelos cigarros escondidos77. Oliveira RM, Furegato ARF. Percepções e vivências da Enfermagem quanto à proibição do tabagismo em um hospital psiquiátrico. SMAD, Rev Saúde Mental Álcool Drog. 2021;17(4):63-73. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.176380
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. A área física onde a unidade de dependentes está localizada no hospital psiquiátrico favorece o acesso à rua por esses usuários (ao pular o muro) e o retorno ao hospital antes que a equipe de enfermagem perceba a ausência. Essas saídas poderiam ser propícias para a obtenção de cigarros fora do hospital e sua posterior comercialização para as pessoas internadas em outras unidades.
Coerentemente, estudo britânico revelou a existência de comercialização de objetos usados para o fumo durante a internação psiquiátrica, uma vez que foi constatado que as brigas entre os pacientes são precedidas de furto ou desentendimento durante as vendas/trocas de cigarros e isqueiros entre eles1818. Spaducci G, McNeill A, Hubbard K, Stewart D, Yates M, Robson D. Smoking-related violence in a mental health setting following the implementation of a comprehensive smoke-free policy: A content analysis of incident reports. Int J Ment Health Nurs. 2020;29(2):202-11. https://doi.org/10.1111/inm.12659
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.
Em relação aos gastos com psicofármacos e com expectorantes, a hipótese de que a proibição do fumo favorece menos gastos com esses itens foi confirmada. Embora não tenha sido evidenciada diferença estatística, o que pode ser compreendido pelo reduzido número de meses comparados (seis meses antes e seis meses após a implementação da proibição), nota-se que o gasto com expectorantes teve uma redução média de 20%.
Um estudo espanhol, realizado em um serviço de internação psiquiátrica com 276 pessoas, mostrou que 48% dos fumantes apresentavam tosse, 41% expectoração e 36% tinham diagnóstico de bronquite crônica. Entre os não fumantes, as prevalências desses aspectos foram menos de 3%1919. Lores L, Monje A, Bergada M, Arellano E, Larrea-Rodríguez J, Miravitlles M. Prevalence of smoking in a psychiatric hospital and its relationship with respiratory symptoms and the prevalence of COPD. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2018;13:2797-804. https://doi.org/10.2147/COPD.S165880
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. Esse resultado exemplifica o comprometimento físico ao qual os fumantes são expostos, o qual é amplamente retratado na literatura científica e nas publicações dos órgãos oficiais22. Drope J, Liber AC, Cahn Z, Stoklosa M, Kennedy R, Douglas CE, et al. Who’s still smoking? Disparities in adult cigarette smoking prevalence in the United States. CA Cancer J Clin. 2018;68(2):106-15. https://doi.org/10.3322/caac.21444
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,99. Center for Disease Control and Prevention. Benefits of quitting [Internet]. 2020 [cited 2021 Jul 27]. Available from: Available from: https://www.cdc.gov/tobacco/quit_smoking/how_to_quit/benefits/index.htm
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. Portanto, a redução dos gastos com expectorantes é esperada com a proibição do tabagismo nos serviços de saúde mental, pois com a proibição do fumo há melhora da saúde física, inclusive dos sintomas respiratórios.
Evidências científicas, obtidas com base em estudos americano e italiano e relacionadas com os prejuízos do fumo à saúde física das pessoas com transtornos mentais consideram o tabagismo um dos fatores para a diminuição da expectativa de vida dessa população e para a elevada prevalência de comorbidades somáticas2020. Prochaska JJ, Das S, Young-Wolff KC . Smoking, mental illness, and public health. Annu Rev Public Health. 2017;38:165-85. https://doi.org/10.1146/annurev-publhealth-031816-044618
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-2121. Salvi V, Aguglia A, Barone-Adesi F, Bianchi D, Donfrancesco C, Dragogna F, et al. Cardiovascular risk in patients with severe mental illness in Italy. Eur Psychiatry. 2020;63(1):E96. https://doi.org/10.1192/j.eurpsy.2020.94
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. No período da pandemia da COVID-19, autores europeus reavivaram essa discussão ao expressar o quão preocupante é o tabagismo nessa população como fator de risco para complicações da doença2222. Kuzman MR, Curkovic M, Wasserman D. Principles of mental health care during the COVID-19 pandemic. Eur Psychiatry . 2020;63(1):e45. https://doi.org/10.1192/j.eurpsy.2020.54
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.
Quanto aos gastos com psicofármacos, os antipsicóticos Haloperidol via oral e Clorpromazina intramuscular tiveram redução de gastos de 23% e 37%, respectivamente, ao comparar seu uso antes e após o início da proibição. Redução de gastos também ocorreu com os ansiolíticos Clonazepam oral (18%) e Diazepam (20%).
Esses resultados estão de acordo com um estudo britânico realizado com 13.846 pessoas com transtornos mentais, o qual mostrou haver relação entre aumento de gastos com medicamentos e tabagismo1010. Ride J, Kasteridis P, Gutacker N, Aragon-Aragon MJ, Jacobs R. Healthcare Costs for People with Serious Mental Illness in England: An Analysis of Costs Across Primary Care, Hospital Care, and Specialist Mental Healthcare. Appl Health Econ Health Policy. 2020;18(2):177-88. https://doi.org/10.1007/s40258-019-00530-2
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. Embora a redução de gastos seja um importante argumento que os enfermeiros podem utilizar para defender a proibição do fumo de cigarros nos serviços de saúde mental, o fato mais importante desse fenômeno é o motivo pelo qual essa redução dos gastos ocorre: a melhora da sintomatologia psiquiátrica, com consequente necessidade de menor dosagem dos medicamentos.
Considerando que o conhecimento dos indicadores hospitalares e do custo com os medicamentos é importante para as decisões no cotidiano dos serviços de saúde mental, as mudanças que ocorreram nessas variáveis com base na proibição do fumo mostram que a Lei antitabagismo tem potencial para interferir positivamente nos processos de gestão desses serviços. Desse modo, o enfermeiro, que tem acesso a esse conhecimento, pode assumir uma postura mais positiva diante da implementação da Lei, uma vez que sabe que os benefícios da proibição do fumo estão alinhados tanto à expectativa de melhora da saúde mental e física das pessoas com transtornos mentais quanto ao financiamento em saúde disponível. Desse modo, a relação custo-benefício é inquestionável.
Conforme é descrito na literatura científica, o tabaco agrava os sintomas psicóticos positivos (delírios e alucinações, por exemplo), a ansiedade e a depressão, o que leva os fumantes a receberem dosagens dos psicofármacos mais elevadas do que os não fumantes. Além disso, o tabaco intensifica a metabolização dos psicofármacos com diminuição de sua concentração na corrente sanguínea, o que resulta na necessidade de aumentar a dosagem ingerida para que a dosagem terapêutica possa ser alcançada2323. Elkholy H, Nagy N, Taha GRA, Elhabiby M, Yosef M, Azzam L. Stop Turning a Blind Eye: Tobacco Smoking Among Egyptian Patients With Schizophrenia. Front Psychiatry. 2019;9:703. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2018.00703
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24. Fang Y, Wang W, Zhu C, Lin GN, Cheng Y, Zou J, et al. Use of tobacco in schizophrenia: a double-edged sword. Brain Behav. 2019;9:e01433. https://doi.org/10.1002/brb3.1433
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-2525. Šagud M, Vuksan-Ćusa B, Jakšić N, Mihaljević-Peleš A, Rojnić-Kuzman M, Pivac N. Smoking in Schizophrenia: an Updated Review. Psychiatr Danub [Internet]. 2018 [cited 2021 Aug 9];30(Suppl 4):216-23. Available from: https://www.researchgate.net/profile/Marina-Sagud/publication/325579408_Smoking_in_Schizophrenia_an_Updated_Review/links/5b19442c0f7e9b68b4256507/Smoking-in-Schizophrenia-an-Updated-Review.pdf
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. Esse cenário, por si só, justifica os gastos mais elevados com aquisição de psicofármacos quando o fumo é liberado, em um serviço de saúde mental, e a diminuição dos gastos quando o fumo é proibido.
A melhora da sintomatologia psiquiátrica como uma das possibilidades para ter ocorrido redução do gasto com psicofármacos é coerente com a confirmação da terceira hipótese do estudo, a diminuição dos episódios de agressividade baseada na implementação da proibição do fumo, evidenciada com base na diminuição dos episódios de agressões verbais e físicas, antecipação dos psicofármacos, contenção física e química.
Os estudos conduzidos na Austrália e no Catar mostram que o principal argumento utilizado pelos profissionais contra a proibição do fumo é a crença de que os pacientes ficarão mais agitados e agressivos com a equipe devido à abstinência do tabaco (de cada 10 profissionais, nove têm esses receios)1616. Badanapurkar A, Nelson D, Varghese S, Singh R, Haddad PM. Support and attitudes of Qatar mental health professionals to a proposed mental health inpatient smoking ban: Results of a cross-sectional survey. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2021;29(2):327-45. https://doi.org/10.1111/jpm.12777
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-1717. Magor-Blatch LE, Rugendyke AR. Going smoke-free: attitudes of mental health professionals to policy change. J Psychiatr Ment Health Nurs . 2016;23(5):290-302. https://doi.org/10.1111/jpm.12309
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. A confirmação da hipótese do presente artigo de que há diminuição dos episódios de agressividade por meio da implementação da proibição do fumo traz respostas às inquietações dos profissionais. Interessante observar que estudos realizados no Catar e na Inglaterra evidenciam que os profissionais que foram capacitados quanto à abordagem do tabagismo na população psiquiátrica se mostraram mais favoráveis à proibição do fumo do que os que não foram capacitados, mostrando o potencial da educação permanente1616. Badanapurkar A, Nelson D, Varghese S, Singh R, Haddad PM. Support and attitudes of Qatar mental health professionals to a proposed mental health inpatient smoking ban: Results of a cross-sectional survey. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2021;29(2):327-45. https://doi.org/10.1111/jpm.12777
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,2626. Rateir-Cruz A, Smith JG, Firn M, Rinaldi M. Staff attitudes to completely smoke-free policies and smoking cessation practices in a mental health setting. J Public Health. 2020;42(2):403-11. http://doi.org/10.1093/pubmed/fdaa033
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.
Estudo britânico, realizado em 12 enfermarias de internação psiquiátrica, identificou que após a implementação da proibição do fumo houve diminuição da frequência de incidentes, tais como agressão física contra a equipe (58,4% para 20%) e agressão verbal (25% para 20%). Contudo, os conflitos entre os pacientes relacionados à ocultação de cigarros e negociações entre eles aumentaram de 2% para 10%2727. Huddlestone L, Sohal H, Paul C, Ratschen E. Complete smokefree policies in mental health inpatient settings: results from a mixed-methods evaluation before and after implementing national guidance. BMC Health Serv Res. 2018;18(1):542. https://doi.org/10.1186/s12913-018-3320-6
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. Do mesmo modo, um segundo estudo britânico revelou redução das agressões físicas em 39% após implementação da proibição do fumo, mesmo após controlar as variáveis de confusão (sexo, idade, transtornos psicóticos e internações judiciais)2828. Robson D, Spaducci G, McNeill A, Stewart D, Craig TJK, Yates M, et al. Effect of implementation of a smoke-free policy on physical violence in a psychiatric inpatient setting: an interrupted time series analysis. Lancet Psychiatry. 2017;4(7):540-6. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(17)30209-2
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. Duas revisões sistemáticas da literatura científica confirmaram que a proibição do fumo não está relacionada ao aumento de agressividade física e verbal nos serviços de saúde mental. As referidas revisões incluíram estudos realizados na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos e na Inglaterra2929. Spaducci G, Stubbs B, McNeill A, Stewart D, Robson D. Violence in mental health settings: a systematic review. Int J Mental Health Nurs. 2018;27(1):33-45. https://doi.org/10.1111/inm.12425
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-3030. Neven A, Vermeulen JM, Noordraven E, Bonebakker AE. Smoke-free psychiatric hospitals and the role of aggression: a systematic review. Tijdschr Psychiatr [Internet]. 2019 [cited 2021 Nov 5];61(6):392-402. Available from: http://www.tijdschriftvoorpsychiatrie.nl/en/issues/540/articles/11965
http://www.tijdschriftvoorpsychiatrie.nl...
.
Em uma revisão da literatura científica, publicada pela Cochrane, foi afirmado que não há evidências de que parar de fumar agrave a saúde mental dos pacientes psiquiátricos. Em contrapartida, há evidências de que a abstinência do tabaco esteja associada à melhora da ansiedade e da depressão3131. Taylor GM, Lindson N, Farley A, Leinberger-Jabari A, Sawyer K, Te Water Naudé R, et al. Smoking cessation for improving mental health. Cochrane Database Syst Rev. 2021;3(3):CD013522. https://doi.org/10.1002/14651858.CD013522.pub2
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.
O conhecimento da melhora do comportamento após o início da proibição do fumo traz uma nova perspectiva para os profissionais que atuam nos serviços de saúde mental, visto que os principais argumentos utilizados para a não implementação da lei antitabagismo nesses serviços estão relacionadas ao receio de agravo do quadro psiquiátrico das pessoas internadas. A mudança positiva do comportamento dos pacientes após a implementação da proibição do fumo deve ser amplamente divulgada, uma vez que pode contribuir para melhorar as relações interpessoais nos serviços de saúde mental. Nesse sentido, a internação psiquiátrica pode ser considerada, assim como defendido por pesquisadores australianos, como uma oportunidade para iniciar o diálogo quanto à abstinência do tabaco3232. Woodward ER, Richmond R. Smoking Bans in Psychiatric Units: An Issue of Medical Ethics. Front Psychiatry . 2019;10:134. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2019.00134
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.
Limitações do estudo: 1) O período analisado (seis meses antes da proibição e seis meses após) pode não ter sido suficiente para tornar evidente as diferenças nos indicadores hospitalares, no comportamento dos pacientes e no custo dos medicamentos; 2) Há a possibilidade de ter ocorrido viés de informação, considerando que alguns dados (agressões, tentativas de fuga, por exemplo) podem não ter sido registrados nos prontuários; 3) Admite-se o risco de falácia ecológica ao acreditar que associações encontradas em nível agregado se apliquem aos indivíduos.
Implicações para o avanço do conhecimento científico para a enfermagem: Ao comparar os indicadores hospitalares, o custo com medicamentos e o comportamento dos pacientes antes e após a implementação da proibição do fumo, o presente estudo fornece aos enfermeiros um novo olhar para a Lei antitabagismo. Ao fornecer evidências científicas que mostram que com a implementação da proibição houve redução das agressões verbais e físicas, bem como das contenções físicas e químicas, o presente estudo contraria o mito de que a proibição do fumo é acompanhada de aumento da agressividade. Como a enfermagem é a profissão que permanece mais tempo junto às pessoas internadas, compreender a melhora que a abstinência nicotínica proporciona aos fumantes internados permite refletir acerca de sua prática e pensar estratégias para o enfrentamento dos problemas decorrentes. A revisão das crenças pelos enfermeiros pode trazer resultados positivos tanto para as relações interpessoais quanto para as tomadas de decisões no processo de gestão dos serviços de saúde mental.
Conclusão
A implementação da proibição do fumo foi acompanhada por alterações nos indicadores hospitalares das unidades de internação, exceto na unidade de internação particular. Além disso, a proibição resultou em redução dos gastos com psicofármacos e expectorantes bem como dos episódios de agressões verbais e físicas.
Espera-se que o presente estudo contribua para que os enfermeiros revejam suas crenças e mitos relacionados à proibição do tabagismo nos serviços de saúde mental, uma vez que há evidências positivas para a gestão dos serviços e, especialmente, melhora do comportamento das pessoas com transtornos mentais após a implementação dessa medida.
Referências
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14Weinberger AH, Delnevo CD, Wyka K, Gbedemah M, Lee J, Copeland J, et al. Cannabis Use Is Associated With Increased Risk of Cigarette Smoking Initiation, Persistence, and Relapse Among Adults in the United States. Nicotine Tob Res. 2020;22(8):1404-8. https://doi.org/10.1093/ntr/ntz085
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Editado por
Editora Associada
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Ago 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
09 Ago 2021 -
Aceito
11 Mar 2022