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Apresentação

Já há algum tempo vem sendo desenvolvido um número crescente de pesquisas, no campo educacional, na perspectiva dos estudos foucaultianos que se caracterizam, na maioria das vezes, por abordarem de modo inovador temas de relevância no cenário contemporâneo. Dessa forma, o dossiê “Atualização dos estudos da biopolítica em educação: estratégias pedagógicas como arte de regulação da vida” objetiva promover o debate e a reflexão sobre os estudos foucaultianos no campo da Educação.

Em especial, diversos pesquisadores vêm utilizando o conceito de biopolítica como uma potente lente teórico-metodológica, capaz de engendrar instigantes possibilidades de pesquisa. As teorizações foucaultianas acerca da biopolítica permitem novas e desafiadoras análises e problematizações de nossa história e de nosso presente, em particular no campo da pesquisa em Educação. A partir dessas teorizações, é possível abordar temas recorrentes nas discussões educacionais atuais sob novos ângulos, de modo a desnaturalizar e desestabilizar certezas e verdades já arraigadas, produzindo dissonâncias nos modos de pensar a Educação.

Ainda que já circule uma expressiva produção que toma como base esse conceito, seu potencial está longe de se esgotar. Em especial, muito há para ser feito na América Latina, levando em conta as características sociais, culturais e econômicas dos países desta região, bastante diferenciadas não apenas do contexto europeu ou norte-americano - onde esses estudos estão mais desenvolvidos- como também entre si. Este dossiê propõe-se a problematizar estratégias biopolíticas levadas a cabo no âmbito da Educação, mostrando sua produtividade em regular a vida social, instituindo modos de ser e estar no mundo, constituindo determinados tipos de subjetividade e interpelando os indivíduos para que se conduzam de determinados modos. O conjunto de artigos que compõe o dossiê volta sua atenção para acontecimentos do cenário educacional, mostrando como eles colocam em funcionamento condições para regular a vida social utilizando uma ampla gama de estratégias e táticas. Esses artigos são resultados de pesquisas e estudos de pesquisadores filiados às instituições nacionais e às estrangeiras, preocupados em problematizar determinadas concepções e práticas, de modo a produzir outros modos de pensar o presente.

O dossiê se inicia com Ana Luísa Paz e Jorge Ramos do Ó, filiados à Universidade de Lisboa, que apresentam um estudo de corte histórico em que analisam a educação musical em Portugal entre o final do século XIX e o início do XX. O artigo, intitulado “A pedagogia artística como normação da vida: tecnologias do eu e produção do génio musical em Portugal (final do século XIX a início do século XX)”, mostra que o conceito de gênio funcionou como uma tecnologia colocada em movimento por diversas técnicas pedagógicas para normação dos sujeitos, seja nas escolas regulares, por meio de um suposto gênio coletivo de caráter nacional, seja nos conservatórios, por meio do indivíduo artista genial.

Segue-se o artigo “Saberes, normas y sujetos: cuestiones sobre la práctica pedagógica”, de Carlos Ernesto Noguera-Ramírez e Dora Lilia Marín-Díaz, ambos da Universidad Pedagógica Nacional da Colômbia. Os pesquisadores se valem do conceito de matriz de experiência para problematizar a prática pedagógica, mostrando que ela constitui uma atualização do pensamento e da racionalidade de um dado grupo em um determinado período histórico.

Na sequência, Silvia Grinberg nos apresenta o artigo “Vivir y estudiar en las villas del sur global: modulaciones gerenciales de las biopolíticas de la vida urbana”. A autora argentina, vinculada ao Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e à Universidade Nacional de San Martin (UNSAM), discute algumas linhas que caracterizam os modos atuais de constituição política da vida a partir de resultados de uma investigação realizada em escolas de periferia (favelas) da região metropolitana de Buenos Aires. O trabalho mostra um deslocamento do funcionamento da biopolítica do fazer viver para o fazer fazer-se viver.

O quarto artigo que compõe o dossiê tem por título “Biopolítica e subjetividade: resistência?”. O autor Sílvio Gallo, professor da UNICAMP, defende a hipótese de que no Brasil, desde meados da década de 1980, estão em curso ações biopolíticas muito particulares, em especial no campo educacional. Ele caracteriza essas ações como uma “governamentalidade democrática”, tendo em vista que, depois de duas décadas e meia de ditadura, era necessário constituir cidadãos que pudessem ser governados segundo uma lógica “participativa”.

Julio Groppa Aquino, vinculado à USP, dá sequência à exploração da biopolítica no contexto educacional brasileiro com o artigo “Educação e biopolítica: um panorama da produção acadêmica brasileira no campo educacional (2001-2016)”, focando seu trabalho na produção bibliográfica brasileira do período, com o objetivo de cartografar os usos do conceito nas pesquisas educacionais brasileiras. O material empírico compreende 51 artigos publicados em periódicos nacionais, e as conclusões mostram um forte nexo entre práticas educacionais e biopolítica.

A continuidade do dossiê fica a cargo de Sylvio Gadelha, da UFC, que articula, no artigo “Desempenho, gestão, visibilidade e tecnologias como vetores estratégicos de regulação e controle de condutas na contemporaneidade”, o conceito de biopolítica e sociedade de controle para problematizar um novo agenciamento, educativo-empresarial. Este opera a partir da articulação simultânea entre o desempenho (performance), a gestão (management), a visibilidade e as novas tecnologias da informação e da comunicação (TICs).

O penúltimo artigo, “Governamento e pânico moral: corpo, gênero e diversidade sexual em tempos sombrios”, que compõe o dossiê, é de autoria de Maria Rita César, professora da UFPR. Seu artigo integra-se às discussões atuais sobre currículo, gênero e sexualidade ao interrogar as apropriações contemporâneas dessas temáticas nos documentos oficiais que regem a Educação nos âmbitos nacional, estadual e municipal, sobretudo, as batalhas político-narrativas em torno de sua presença e/ou ausência.

O último artigo do dossiê, “Os sujeitos endividados e a Educação Financeira”, tem autoria de Karla Saraiva, afiliada à ULBRA. Ela analisa as estratégias de Educação Financeira presente em três sites: um vinculado ao Governo dos Estados Unidos, outro ao Governo da França e o terceiro ao Governo do Brasil. Essas estratégias visam problematizar as propostas nacionais de Educação Financeira, tomada como uma ação biopolítica para conduzir as condutas da população.

Fecha o dossiê uma resenha elaborada por David Andrés Rubio-Gaviria, professor da Universidad Pedagógica Nacional da Colômbia, do livro de Carlos Noguera-Ramírez, El gobierno pedagógico: del arte de educar a las tradiciones pedagógicas, obra publicada na Colômbia e traduzida para o português pela Editora Autêntica em 2011.

O dossiê, pois, reúne uma produção acadêmica consistente e diversificada que apresenta, no nosso entender, uma positividade com potencial de produzir dissonâncias nas práticas e nos modos de pensar a Educação em tempos dominados por políticas da vida, orientadas por uma racionalidade neoliberal. Desejamos que os textos possam separar nossos leitores de si mesmos, levando-os a pensar de outros modos os desafios do presente.

Karla SaraivaMaria Rita César

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017
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