Resumos
OBJETIVOS: Investigar a prevalência e os fatores associados à constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa e avaliar o grau de concordância entre diferentes critérios diagnósticos. MÉTODOS: Estudo de corte transversal com 100 mulheres na pós-menopausa e idade superior a 45 anos. Foram aplicados os critérios de Roma II, freqüência de evacuações por semana e auto-avaliação. Avaliaram-se as características sociodemográficas e clínicas com análise descritiva das mesmas. Posteriormente calculou-se o grau de concordância entre os critérios diagnósticos através do coeficiente Kappa (k). A associação entre constipação intestinal e seus possíveis determinantes foi estudada por análise bivariada e multivariada, utilizando-se a razão de prevalência (RP). O intervalo de confiança foi fixado a 95% (IC 95%). RESULTADOS: A média de idade das participantes foi de 58,9±5,9 anos (variação, 46-76 anos). As prevalências de constipação intestinal foram de 47%, 37% e 26%, segundo os critérios de auto-avaliação, Roma II e freqüência de evacuações menor que três vezes por semana, respectivamente. O melhor grau de concordância foi observado entre auto-avaliação e Roma II (k: 0,63; IC 95%: 0,48-0,78). Após análise multivariada, o antecedente de cirurgia perianal (RP: 2,69; IC 95%: 1,03-7,01) segundo Roma II, e a presença de hemorróidas, segundo os critérios de freqüência (RP: 2,53; IC 95%: 1,16-5,51) e de auto-avaliação (RP: 1,78; IC 95%: 1,01-3,15) associaram-se à constipação. CONCLUSÃO: A prevalência de constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa foi elevada. A concordância entre os critérios variou de moderada a boa. O antecedente de cirurgia perianal e a presença de hemorróidas associaram-se à constipação.
Menopausa; Constipação
OBJECTIVES: To investigate the prevalence and factors associated with constipation in postmenopausal women and evaluate the level of agreement between different diagnostic criteria. METHODS: A cross-sectional study was conducted with 100 postmenopausal women more than 45 old. The Rome II criteria, stool frequency per week and patient self-evaluation were the diagnostic criteria applied. Social demographic and clinical characteristics with their descriptive analysis were assessed. Subsequently, kappa (ê) statistics was used to assess the level of agreement between diagnostic criteria. The association between constipation and its possible determinants was studied by bivariate and multivariate analyses, using the prevalence ratio (PR). The confidence interval was set at 95% (95% CI). RESULTS: The mean age of participants was 58.9±5.9 years (range, 46-76 years). The prevalence of constipation was 47%, 37% and 26%, according to patient self-evaluation, the Rome II criteria and < 3 bowel movements per week, respectively. The best agreement found was between patient self-evaluation and the Rome II criteria (k: 0.63; 95% CI: 0.48-0.78). After multivariate analysis, the history of perianal surgery (PR: 2.69; 95%CI: 1.03-7.01), according to the Rome II criteria; the presence of hemorrhoids, according to stool frequency (PR: 2.53; 95% CI: 1.16-5.51) and patient self-evaluation (PR: 1.78; 95% CI: 1.01-3.15) were associated with constipation. CONCLUSIONS: Prevalence of constipation in postmenopausal women was high. Agreement between diagnostic criteria ranged from moderate to good. History of perianal surgery and presence of hemorrhoids were associated with constipation.
Menopause; Constipation
ARTIGO ORIGINAL
Constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa
Constipation in postmenopausal women
Simone Caetano Morale de Oliveira; Aarão Mendes Pinto-Neto* * Correspondência: Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, Universidade Estadual de Campinas Rua Alexander Fleming, 101, Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Campinas, SP, Cep: 13083-970, Fone/Fax: 55 (19) 3788-93-06 aarao@unicamp.br ; Délio Marques Conde; Juvenal Ricardo Navarro Góes; Danielle Santos-Sá; Gislaine A. Fonsechi-Carvasan; Lúcia Costa-Paiva
RESUMO
OBJETIVOS: Investigar a prevalência e os fatores associados à constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa e avaliar o grau de concordância entre diferentes critérios diagnósticos.
MÉTODOS: Estudo de corte transversal com 100 mulheres na pós-menopausa e idade superior a 45 anos. Foram aplicados os critérios de Roma II, freqüência de evacuações por semana e auto-avaliação. Avaliaram-se as características sociodemográficas e clínicas com análise descritiva das mesmas. Posteriormente calculou-se o grau de concordância entre os critérios diagnósticos através do coeficiente Kappa (k). A associação entre constipação intestinal e seus possíveis determinantes foi estudada por análise bivariada e multivariada, utilizando-se a razão de prevalência (RP). O intervalo de confiança foi fixado a 95% (IC 95%).
RESULTADOS: A média de idade das participantes foi de 58,9±5,9 anos (variação, 46-76 anos). As prevalências de constipação intestinal foram de 47%, 37% e 26%, segundo os critérios de auto-avaliação, Roma II e freqüência de evacuações menor que três vezes por semana, respectivamente. O melhor grau de concordância foi observado entre auto-avaliação e Roma II (k: 0,63; IC 95%: 0,48-0,78). Após análise multivariada, o antecedente de cirurgia perianal (RP: 2,69; IC 95%: 1,03-7,01) segundo Roma II, e a presença de hemorróidas, segundo os critérios de freqüência (RP: 2,53; IC 95%: 1,16-5,51) e de auto-avaliação (RP: 1,78; IC 95%: 1,01-3,15) associaram-se à constipação.
CONCLUSÃO: A prevalência de constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa foi elevada. A concordância entre os critérios variou de moderada a boa. O antecedente de cirurgia perianal e a presença de hemorróidas associaram-se à constipação.
Unitermos: Menopausa. Constipação.
SUMMARY
OBJECTIVES: To investigate the prevalence and factors associated with constipation in postmenopausal women and evaluate the level of agreement between different diagnostic criteria.
METHODS: A cross-sectional study was conducted with 100 postmenopausal women more than 45 old. The Rome II criteria, stool frequency per week and patient self-evaluation were the diagnostic criteria applied. Social demographic and clinical characteristics with their descriptive analysis were assessed. Subsequently, kappa (ê) statistics was used to assess the level of agreement between diagnostic criteria. The association between constipation and its possible determinants was studied by bivariate and multivariate analyses, using the prevalence ratio (PR). The confidence interval was set at 95% (95% CI).
RESULTS: The mean age of participants was 58.9±5.9 years (range, 46-76 years). The prevalence of constipation was 47%, 37% and 26%, according to patient self-evaluation, the Rome II criteria and < 3 bowel movements per week, respectively. The best agreement found was between patient self-evaluation and the Rome II criteria (k: 0.63; 95% CI: 0.48-0.78). After multivariate analysis, the history of perianal surgery (PR: 2.69; 95%CI: 1.03-7.01), according to the Rome II criteria; the presence of hemorrhoids, according to stool frequency (PR: 2.53; 95% CI: 1.16-5.51) and patient self-evaluation (PR: 1.78; 95% CI: 1.01-3.15) were associated with constipation.
CONCLUSIONS: Prevalence of constipation in postmenopausal women was high. Agreement between diagnostic criteria ranged from moderate to good. History of perianal surgery and presence of hemorrhoids were associated with constipation.
Key words: Menopause. Constipation.
INTRODUÇÃO
Constipação intestinal representa uma das queixas mais comuns em consultórios médicos, afetando entre 2% e 28% da população dos países ocidentais1. Nos Estados Unidos, são realizadas cerca de 2,5 milhões de consultas médicas por ano e gastos vários milhões de dólares com laxantes, e há referências na literatura sobre as repercussões negativas da constipação sobre a qualidade de vida2. É mais prevalente em mulheres e em não brancos, embora a distribuição por cor da pele não seja consistente. Também se associam à constipação a baixa escolaridade, baixa renda e inatividade física3,4.
Uma das dificuldades dos estudos epidemiológicos e clínicos é a de definir exatamente o que seja constipação, refletindo o aspecto subjetivo que o tema envolve. Um dos conceitos baseia-se na auto-avaliação para constipação, critério aplicado em alguns estudos5,6. Muitos pacientes definem constipação utilizando de um ou mais dos sintomas: fezes endurecidas, evacuações infreqüentes (tipicamente menos de três vezes por semana), necessidade de esforço excessivo para evacuar, sensação de evacuação incompleta, tempo excessivo ou insucesso na defecação7. Outra definição para constipação refere-se à freqüência (número absoluto) de evacuações por semana relatada pelo paciente, considerando-se como constipados aqueles que referem menos de três evacuações por semana. Uma forma padronizada internacionalmente de diagnosticar constipação baseia-se nos critérios de Roma II para constipação funcional, compostos por seis sintomas: menos de três evacuações por semana, esforço ao evacuar, presença de fezes endurecidas ou fragmentadas, sensação de evacuação incompleta, sensação de obstrução ou interrupção da evacuação e manobras manuais para facilitar as evacuações. São considerados constipados aqueles que apresentam dois ou mais desses sintomas, no mínimo em um quarto das evacuações, referidos por pelo menos três meses (não necessariamente consecutivos), no último ano8 embora possam ser considerados os últimos três meses5,8. Os critérios de Roma II resultaram da modificação de critério elaborado anteriormente, critérios de Roma I, compostos pelos mesmos sintomas à exceção dos dois últimos9.
Há uma variabilidade na prevalência de constipação descrita nos diferentes estudos. Tal fato pode ser devido à aplicação de distintos critérios diagnósticos, porém nota-se uma maior prevalência de constipação entre mulheres, mesmo após ajuste por idade e quando se consideram diferentes definições5,6, embora a explicação exata para essa diferença permaneça incerta. Entre os fatores que podem explicar essa maior prevalência citam-se os danos causados à musculatura pélvica e à sua inervação, decorrentes de partos e cirurgias ginecológicas, e os prolapsos genitais, mais freqüentes após a menopausa10. Verifica-se um aumento da prevalência de constipação em mulheres após os 40 anos, quando comparadas a mulheres mais jovens5,10. Após a menopausa instala-se um quadro de hipoestrogenismo associado a mudanças anatômicas e fisiológicas, que comprometem o assoalho pélvico e os esfíncteres11.
São raros os estudos que avaliaram a prevalência de constipação em mulheres durante o período do climatério. Em um estudo de corte transversal, Triadafilopoulos et al.12 compararam a prevalência de sintomas gastrointestinais em mulheres na pré e pós-menopausa. Estes autores verificaram que 38% das mulheres na pós-menopausa e 14% na pré-menopausa referiram alterações intestinais. Neste mesmo estudo, o uso de laxantes aumentou de 3,4% na pré-menopausa para 9,4% após a menopausa.
A necessidade de uma abordagem integral da mulher de meia idade e a existência de poucos estudos avaliando a prevalência de constipação nessas mulheres motivaram a realização da presente pesquisa, cujos objetivos foram: a) avaliar a prevalência de constipação segundo a auto-avaliação, critérios de Roma II e freqüência de evacuações por semana; b) estudar a concordância entre estes critérios; c) identificar os fatores associados à constipação em mulheres freqüentadoras de um serviço público especializado no atendimento de mulheres na pós-menopausa.
MÉTODOS
Casuística
Realizou-se estudo de corte transversal em que participaram 100 mulheres atendidas no Ambulatório de Menopausa da Universidade Estadual de Campinas, no período de março de 2003 a janeiro de 2004. Foram incluídas mulheres na pós-menopausa (mínimo de 12 meses de amenorréia) e com idade superior a 45 anos. Os critérios de exclusão foram: menopausa precoce (<40 anos), antecedente pessoal de câncer colorretal ou ginecológico, retocolite ulcerativa ou doença de Chron.
Dentre as variáveis independentes, foram avaliadas características sociodemográficas e clínicas: idade, idade à menopausa, uso de terapia hormonal (mulheres que fizeram uso por pelo menos um mês ao longo da vida), tempo de terapia hormonal, cor, estado marital, classe socioeconômica categorizada em A, B, C, D e E13, antecedentes obstétricos (gestações, abortos, cesáreas, partos fórceps, normais e domiciliares), diabetes mellitus, hipotiroidismo. Foram avaliados também a queixa de perda urinária, antecedentes de histerectomia, perineoplastia, cirurgia para incontinência urinária e cirurgia perianal (hemorroidectomia, fistulectomia e fissurectomia). As participantes responderam a um questionário pré-testado e estruturado para o estudo. Em seguida, realizou-se exame físico para avaliação de distopias genitais (cistocele, retocele, rotura perineal), patologias perianais (hemorróidas, fissuras, fístulas) e tônus do esfíncter anal. Cistocele e retocele foram classificadas em ausentes ou graus I, II e III, respectivamente, e rotura perineal em ausente ou graus I, II, III e IV14. O tônus do esfíncter anal foi avaliado por meio de exame digital e categorizado em normal, aumentado ou diminuído.
Avaliação da constipação
A constipação intestinal (variável dependente) foi avaliada de acordo com três critérios: Roma II, freqüência de evacuações por semana e auto-avaliação dos sujeitos. Os critérios de Roma II para constipação funcional compõem-se de seis sintomas: esforço ao evacuar, fezes endurecidas ou fragmentadas, sensação de evacuação incompleta, sensação de obstrução ou interrupção da evacuação e manobras manuais para facilitar as evacuações, presentes no mínimo em 25% das evacuações, e menos de três evacuações por semana. Foram consideradas constipadas aquelas que apresentaram dois ou mais desses critérios nos últimos três meses5,8. Ainda de acordo com esses critérios, não foram consideradas constipadas aquelas que referiram perda de fezes aguadas ou pastosas em pelo menos 25% das evacuações nos últimos três meses. Em relação à freqüência, foram consideradas constipadas aquelas que relataram menos de três evacuações por semana nos últimos três meses. A auto-avaliação baseou-se no relato da participante em referir se era ou não constipada nos últimos três meses.
Análise estatística
Na análise dos dados utilizou-se o programa SAS, versão 8.2 (SAS Institute, Cary, NC, USA)15. A análise foi realizada considerando-se cada um dos critérios diagnósticos para constipação separadamente. Inicialmente todas as variáveis foram estudadas de maneira descritiva, por meio do cálculo de freqüências absolutas e relativas e, no caso das variáveis contínuas, por meio do cálculo da média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo. Calculou-se a prevalência de constipação intestinal segundo diferentes definições. Para estudar a concordância entre os três critérios diagnósticos para constipação utilizou-se o coeficiente Kappa (k). Os valores de k variam de 1 a +1. Quanto mais próximo de 1, menor a concordância. Dessa forma, tem-se a seguinte escala para concordância: k<0: sem concordância; 0-0,20: não significativa; 0,21-0,40: discreta; 0,41-0,60: moderada; 0,61-0,80: boa; 0,81-1,00: muito boa16. Para verificar quais variáveis associaram-se à constipação intestinal, a idade, idade à menopausa e o tempo de terapia hormonal foram categorizados segundo a mediana. A classe socioeconômica foi agrupada em B e C e D e E, a cor em branca e não branca, o estado marital em com e sem companheiro e o uso de terapia hormonal em usuárias e não usuárias. A seguir, as participantes foram divididas em usuárias atuais e não usuárias, aplicando-se como limite de corte o período de três meses sem medicação. Cistocele, retocele e rotura perineal foram agrupadas em ausente/grau I e graus II/III, respectivamente. Os antecedentes obstétricos foram categorizados conforme se segue: gestação e cesárea (0-1, >2), partos fórceps e domiciliares e abortamento (0, >1) e partos normais (0, 1-2, >3). O tônus do esfíncter anal foi categorizado em normal, aumentado ou diminuído. As demais variáveis foram dicotomizadas em sim ou não, considerando sua presença ou ausência.
A associação entre constipação intestinal e seus possíveis determinantes foi estudada inicialmente por análise bivariada, utilizando-se como medida de associação a razão de prevalência (RP). Estimou-se a RP de constipação intestinal segundo cada critério diagnóstico, e sua associação com cada variável independente. Posteriormente, realizou-se análise multivariada. As razões de prevalência referentes a cada variável independente foram ajustadas segundo as demais variáveis por meio do modelo de regressão de Breslow-Cox17. O intervalo de confiança foi fixado a 95% (IC 95%).
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Tocoginecologia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
As participantes apresentaram média de idade de 58,9±5,9 anos e de idade à menopausa de 47,5±5,4 anos. Oitenta e nove por cento estavam usando ou foram usuárias de terapia hormonal (TH), com média de tempo de uso de 65,3±46,6 meses. O número médio de gestações foi 4,4±3,0, de abortos 0,7±1,1 e de partos normais 3,0±2,9 (Tabela 1). Das 100 mulheres, 54% eram brancas, 66% viviam com companheiro, 50% pertenciam às classes socioeconômicas B e C ou D e E, nenhuma pertencia à classe A. Treze por cento das participantes referiram diabetes ou hipotiroidismo.
Em relação às cirurgias ginecológicas, 25% eram histerectomizadas, 29% realizaram cirurgia para correção de incontinência urinária e 24% perineoplastia. Oito por cento das mulheres relataram antecedente de cirurgia perianal. Das 100 participantes, 43% referiam incontinência urinária. Ao exame físico, observou-se cistocele graus II ou III em 18% das mulheres, retocele graus II ou III em 11%, rotura perineal graus II ou III em 28% (nenhuma apresentou rotura grau IV), hemorróidas em 35% e fissura anal em 9%. O tônus do esfíncter anal foi diagnosticado como normal em 64%, aumentado em 10% e diminuído em 26% das mulheres.
A prevalência de constipação intestinal foi de 47%, 37% e 26% segundo os critérios de auto-avaliação, Roma II e freqüência menor que três vezes por semana, respectivamente. Entre os critérios de Roma II, o sintoma mais relatado foi o esforço ao evacuar (91,9%), seguido da sensação de evacuação incompleta (83,8%), fezes endurecidas ou fragmentadas (81,1%), menos de três evacuações por semana e sensação de obstrução à evacuação com 62,2%, respectivamente. Manobras manuais para facilitar as evacuações foram referidas por 45,9% das participantes.
Quando se avaliou a concordância entre os critérios diagnósticos por meio do coeficiente Kappa, observou-se que foi moderada entre freqüência e auto-avaliação (k: 0,57; IC 95%: 0,42-0,72) e entre freqüência e Roma II (k: 0,57; IC 95%: 0,40-0,73) e foi boa entre auto-avaliação e Roma II (k: 0,63; IC 95%: 0,48-0,78) (Tabela 2).
Nas Tabelas 3 e 4 são apresentadas as variáveis associadas à constipação intestinal, segundo os critérios de Roma II. O uso de terapia hormonal, utilizando-se como limite de corte os últimos três meses, não se associou à constipação (p=0,29). Na análise bivariada, considerando-se os critérios de Roma II, o antecedente de cirurgia perianal (RP: 2,68; IC 95%: 1,18-6,11) e o tônus do esfíncter anal diminuído (RP: 2,56; IC 95%: 1,13-5,81) associaram-se significativamente à constipação intestinal. A presença de hemorróidas associou-se à constipação segundo os critérios de freqüência menor que três vezes por semana (RP: 2,53; IC 95%: 1,16-5,51) e de auto-avaliação (RP: 1,78; IC 95%: 1,01-3,15) (Tabela 5). As demais variáveis não se associaram à constipação de acordo com esses critérios.
Após análise multivariada, as variáveis que permaneceram significativamente associadas à constipação intestinal foram o antecedente de cirurgia perianal (RP: 2,69; IC 95%: 1,03-7,01) segundo Roma II, e a presença de hemorróidas, segundo os critérios de freqüência (RP: 2,53; IC 95%: 1,16-5,51) e de auto-avaliação (RP: 1,78; IC 95%: 1,01-3,15) (Tabela 6).
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou a prevalência e os fatores associados à constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa freqüentadoras de serviço público de saúde, segundo três critérios diagnósticos. Estudou-se também o grau de concordância entre estes critérios. De acordo com a literatura revisada, este foi o primeiro estudo nacional a investigar a prevalência de constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa.
A prevalência de constipação variou de acordo com a definição considerada. A auto-avaliação foi a definição na qual se observou a maior prevalência de constipação (47%), seguida pelos critérios de Roma II (37%) e de freqüência de evacuações menor que três vezes por semana (26%). Essas prevalências foram superiores às relatadas na literatura. Pare et al., avaliando uma amostra da população canadense, observaram prevalência de constipação de 35,4% e 21,1% entre mulheres, considerando-se a auto-avaliação e os critérios de Roma II, respectivamente5. Garrigues et al.6, em estudo de base populacional, incluindo mulheres com idade entre 18 e 65 anos, observaram uma prevalência de constipação de 40,1% e 22% de acordo com a auto-avaliação e critérios de Roma II, respectivamente. A diferença de prevalência entre a presente casuística e a de outros estudos pode ser explicada em parte por terem sido incluídas mulheres de uma população hospitalar e os estudos revisados serem predominantemente de base populacional5,6,18.
O número de evacuações por semana como critério diagnóstico, apesar de citado na literatura, tem sido pouco aplicado em pesquisas, talvez por ser um dos sintomas incluídos nos critérios de Roma II. Deve-se sempre considerar a freqüência de evacuações de cada indivíduo como referência para avaliação de seus sintomas. Uma paciente cujo hábito seja três evacuações ao dia pode apresentar sintomas e ser considerada constipada se mudar o seu hábito intestinal para uma vez em dias alternados, embora não se enquadre na definição19.
Quanto à freqüência dos sintomas incluídos nos critérios de Roma II, verificaram-se resultados semelhantes aos da literatura, exceto pela alta prevalência de manobras manuais para facilitar a evacuação: 45,9% na presente casuística e 28,4% em estudo populacional canadense5. No entanto, Stewart et al.20 também verificaram uma maior prevalência de manobras manuais em mulheres de meia idade, ressaltando que, apesar do seu uso para facilitar a evacuação não ser comum como os outros sintomas, têm sido reportadas com maior freqüência que o esperado, particularmente entre mulheres. Outro sintoma que vale ressaltar é o esforço ao evacuar, relatado por mais de 90% das mulheres. Este esforço, se repetitivo, pode exacerbar danos ao assoalho pélvico, resultando em fraqueza, descenso do períneo e alterações anatômicas secundárias, que resultam em disfunção anorretal e dificuldades na defecação21-23. Esforços evacuatórios sucessivos na presença de defeitos do suporte pélvico têm sido implicados no desenvolvimento de prolapsos uterovaginais24.
A concordância observada entre a freqüência de evacuações menor que três vezes por semana e os critérios de auto-avaliação e Roma II foi moderada, enquanto a concordância entre auto-avaliação e Roma II foi boa. Em estudo de base populacional realizado na Espanha, observou-se que a concordância entre Roma II e auto-avaliação para constipação foi moderada (k: 0,55)6, enquanto em estudo canadense, também de base populacional, a concordância entre estes critérios não foi significativa (k: 0,14)5. Os dois estudos identificados na literatura que objetivaram avaliar a concordância entre critérios diagnósticos de constipação relataram resultados conflitantes. A concordância entre auto-avaliação e Roma II verificada na presente casuística foi semelhante à reportada em estudo espanhol, porém superior à relatada no Canadá. A despeito destes resultados, vale ressaltar que no presente estudo a concordância observada entre um critério subjetivo (auto-avaliação) e um padronizado (Roma II) é de interesse para a prática médica e traz implicações para futuras investigações clínicas e epidemiológicas.
A idade e a idade à menopausa não se associaram à constipação. Sabe-se que a prevalência de constipação aumenta na meia idade e se mantém ou se eleva pouco na terceira idade10, o que pode explicar esses resultados. Os antecedentes de uso e tempo de TH não se associaram à constipação, embora tenha sido identificado na literatura relato de associação entre tempo de TH e constipação em mulheres de meia idade, mas não em idosas10. Apesar dos estudos apontarem o baixo nível socioeconômico como fator associado à constipação25,26, isto não foi verificado na presente casuística.
Não se observou associação entre constipação e doenças metabólicas, diabetes ou hipotiroidismo. Pacientes diabéticos com neuropatia autonômica têm maior tendência a desenvolver constipação, levando à ausência de resposta gastrocólica pós-prandial e a um trânsito intestinal lentificado27. Estudos mostram que o tempo do trânsito intestinal está significativamente aumentado nos pacientes com hipotiroidismo, mas que retorna ao tempo normal quando estes se tornam eutireóides28. Uma possível explicação para a não associação entre essas doenças metabólicas e constipação na presente casuística deve-se ao fato da população avaliada ser hospitalar, conseqüentemente recebe assistência médica, que proporciona tratamento e seguimento adequados dessas mulheres, prevenindo complicações relacionadas à função intestinal.
Após análise bivariada, considerando-se os critérios de Roma II, o tônus do esfíncter anal diminuído e o antecedente de cirurgia perianal associaram-se à constipação. A associação entre tônus diminuído e constipação deve ser interpretada de forma cautelosa, ressaltando-se a subjetividade da técnica aplicada na avaliação do tônus, isto é, o exame digital. O exame digital apresenta limitações quando comparado à manometria. Um estudo realizado na Alemanha comparou a manometria ao exame digital, realizado por experientes proctologistas, na avaliação do tônus do esfíncter anal. Observou-se baixa correlação entre essas técnicas, com o exame digital apresentando apenas 57% de especificidade no diagnóstico do esfíncter incompetente. Dessa forma, os autores concluem que mesmo examinadores experientes necessitam de métodos auxiliares na avaliação do tônus anal29.
Após análise multivariada, somente o antecedente de cirurgia perianal manteve-se como fator associado à constipação segundo os critérios de Roma II. A presença de hemorróidas associou-se significativamente à constipação de acordo com os critérios de auto-avaliação e número de evacuações por semana. Ressalta-se que foram incluídas como tendo antecedente de cirurgia perianal todas as mulheres que referiram hemorroidectomia, fissurectomia ou fistulectomia. Uma possível explicação para esse resultado relaciona-se ao fato dessas patologias, hemorróidas e fissuras, serem descritas como associadas à constipação10,30. Embora existam na literatura referências quanto às diferenças epidemiológicas relacionadas à prevalência de hemorróidas e constipação31,32, em estudo epidemiológico realizado com mulheres na Austrália, a presença de hemorróidas associou-se à constipação10. Na presente casuística, de acordo com dois dos três critérios aplicados, a presença de hemorróidas associou-se significativamente à constipação intestinal.
Por tratar-se de estudo de corte transversal, não foi possível verificar a influência do hipoestrogenismo associado à menopausa na constipação. Outra limitação foi a avaliação de uma amostra de freqüentadoras de um serviço de saúde. Seria importante conhecer a prevalência de constipação na população geral, dado esse, até onde sabemos, não disponível na população brasileira.
Finalmente, acreditamos que este estudo representa uma contribuição para a compreensão da constipação e dos seus fatores associados em mulheres na pós-menopausa. Estudos nacionais que incluam amostras maiores e que contemplem outras variáveis como, por exemplo, hábito alimentar, qualidade de vida e atividade física, entre outras, são necessários. A aplicação de um diário alimentar, que permita caracterizar as participantes em relação à quantidade de alimentos ingerida, a proporção de líquidos, carboidratos, gorduras, proteínas e fibras consumidas, possibilitaria uma análise mais detalhada da associação destes alimentos com a constipação. A utilização de um calendário intestinal em estudo longitudinal eliminaria o viés de recordação, possibilitando o registro mais acurado do ritmo intestinal e suas modificações ao longo do tempo. Estudos prospectivos avaliando mulheres da pré à pós-menopausa poderão determinar a real influência do hipoestrogenismo sobre a constipação intestinal.
CONCLUSÃO
A prevalência de constipação intestinal em mulheres na pós-menopausa foi elevada, mesmo considerando-se diferentes critérios diagnósticos. A concordância foi moderada entre freqüência de evacuações menor que três vezes por semana e os critérios de auto-avaliação e Roma II. A concordância foi boa entre auto-avaliação e Roma II. O antecedente de cirurgia perianal associou-se à constipação, segundo os critérios de Roma II, enquanto a presença de hemorróidas associou-se à constipação de acordo com os critérios de freqüência de evacuações por semana e de auto-avaliação.
Conflito de interesse: não há.
Artigo recebido: 01/07/04
Aceito para publicação: 28/09/04
Trabalho realizado no departamento de Tocoginecologia - Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP.
- 1. Talley NJ. Definitions, epidemiology, and impact of chronic constipation. Rev Gastroenterol Disord 2004;4 (Suppl 2):S3-S10.
- 2. Glia A, Lindberg G. Quality of life in patients with different types of functional constipation. Scand J Gastroenterol 1997;32:1083-9.
- 3. Johanson JF. Geographic distribution of constipation in the United States. Am J Gastroenterol 1998;93:188-91.
- 4. Faigel DO. A clinical approach to constipation. Clin Cornerstone 2002;4:11-21.
- 5. Pare P, Ferrazzi S, Thompson WG, Irvine EJ, Rance L. An epidemiological survey of constipation in Canada: definitions, rates, demographics and predictors of health care seeking. Am J Gastrenterol 2001;96:3130-7.
- 6. Garrigues V, Galvez C, Ortiz V, Ponce M, Nos P, Ponce J. Prevalence of constipation: agreement among several criteria and evaluation of the diagnostic accuracy of qualifying symptoms and self-reported definition in a populational-based study survey in Spain. Am J Epidemiol 2004;159:520-6.
- 7. Lembo A, Camilleri M. Chronic constipation. N Engl J Med 2003;349:1360-8.
- 8. Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome II process. Gut 1999;45 (Suppl 2):II1-II5.
- 9. Thompson WG, Creed FH, Drossman DA, Heaton KW, Mazzacca G. Functional bowel disorders and functional abdominal pain. Gastroenterol Int 1992;5:75-91.
- 10. Chiarelli P, Brown W, McElduff P. Constipation in Australian women: prevalence and associated factors. Int Urogynecol J 2000;11:71-8.
- 11. Rekers H, Drogendjik AC, Valkenburg HA, Riphagen F. The menopause, urinary incontinence and others symptoms of the genito-urinary tract. Maturitas 1992;15:101-11.
- 12. Triadafilopoulos G, Finlayson MA, Grellet C. Bowel dysfunction in postmenopausal women. Womens Health 1998;27:55-66.
- 13. Almeida PM, Wickerhauser H. O critério ABA/ABIPEME: em busca de uma atualização. São Paulo: Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado; 1991.
- 14. Shull BL. Clinical evaluation of women with pelvic support defects. Clin Obstet Gynecol 1993;36:939-51.
- 15. SAS software version 8.2. Cary: SAS Institute Inc.; 1999.
- 16. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977;33:159-74.
- 17. Skov T, Deddens J, Petersen, MR, Endahl L. Prevalence proportion ratios: estimation and hypothesis testing. Int J Epidemiol 1998;27:91-5.
- 18. Heaton KW, Cripps HA. Straining at stool and laxative taking in an English population. Dig Dis Sci 1993;34:1004-8.
- 19. Andre SB, Rodriguez TN, Moraes Filho JPP. Constipação intestinal. Rev Bras Med 2000;12:53-63.
- 20. Stewart WF, Liberman JN, Sandler RS, Woods MS, Stemhagen A, Chee E, et al. Epidemiology of constipation (EPOC) in the United States: relation of clinical subtypes to sociodemographic features. Am J Gastrenterol 1999;94:3530-40.
- 21. Snooks SJ, Barnes PRH, Swash M, Henry MM. Damage to the pelvic floor musculature in chronic constipation. Gastroenterology 1985;89:97781.
- 22. Swash M. The neurogenic hypothesis of stress incontinence. In: Bock G, Whelan J, editors. Neurobiology of incontinence. Chichester: John Wiley and Sons; 1990. [Ciba Foundation Symposium 151].
- 23. Henry MM, Parks AG, Swash M. The pelvic floor musculature in the descending perineum syndrome. Br J Surg 1982;69:470-2.
- 24. Spence-Jones C, Kamm MA, Henry MM, Hudosn CN. Bowel dysfunction: a pathogenic factors in utero-vaginal prolapse and urinary stress incontinence. Br J Obstet Gynaecol 1994;101:147-52.
- 25. Sandler RS, Jordan MC, Shelton BJ. Demographic and dietary determinants of constipation in the US population. Am J Public Health 1990;80:185-9.
- 26. Whitehead WE, Drinkwater D, Cheskin LJ, Heller BR, Schuster MM. Constipation in the elderly living at home. Definition, prevalence, and relationship to lifestyle and health status. J Am Geriatr Soc 1989;37:423-9.
- 27. Werth B, Meyer-Wyss B, Spinas GA, Drewe J, Beglinger C. Non-invasive assessment of gastrointestinal motility disorders in diabetic patients with and without cardiovascular sings of autonomic neuropathy. Gut 1992;33:1199-203.
- 28. Shafer RB, Prentiss RA, Bond JH. Gastrointestinal transit in tyroid disease. Gastroenterology 1984;86:852-5.
- 29. Eckardt VF, Kanzler G. How reliable is digital examination for the evaluation of anal sphincter tone? Int J Colorectal Dis 1993;8:95-7.
- 30. Delcò F, Sonnenberg A. Associations between hemorrhoids and other diagnoses. Dis Colon Rectum 1998;41:1534-41.
- 31. Johanson JF, Sonnenberg A. The prevalence of hemorrhoids and chronic constipation. Gastroenterology 1990;98:380-6.
- 32. Polglase AL. Hemorrhoids: a clinical update. Med Aust 1997;167:85-8.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Jan 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2005
Histórico
-
Recebido
01 Jul 2004 -
Aceito
28 Set 2004