Aspectos biológicos e morfométricos de Collaria scenica (Stal) (Hemiptera: Miridae) em trigo

Biological and morphometrical aspects of Collaria scenica (Stal, 1859) Hemiptera: Miridae) in wheat

ECOLOGIA, COMPORTAMENTO E BIONOMIA

Aspectos biológicos e morfométricos de Collaria scenica (Stal) (Hemiptera: Miridae) em trigo

Biological and morphometrical aspects of Collaria scenica (Stal, 1859) Hemiptera: Miridae) in wheat

Lúcia R. G. Carlessi^I, Elio Corseuil^I; José R. Salvadori^II

^IFaculdade de Agronomia, UFRGS, Caixa postal 776, 90001-970, Porto Alegre, RS

^IIEmbrapa Trigo, Caixa postal 569, 99.001-970, Passo Fundo, RS

RESUMO

O trabalho foi realizado no Departamento de Fitossanidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em câmara climatizada, sob 20,5 ± 1,5ºC, 80 ± 10%UR e fotofase de 12h. Teve por objetivo estudar aspectos biológicos e morfométricos de Collaria scenica (Stal). Ovos de insetos criados em laboratório foram individualizados e as ninfas e adultos originados foram alimentados com trigo da cultivar BR 23. O período médio de incubação dos ovos foi de 14,1 dias, o período ninfal de 20,3 dias e a longevidade dos adultos de 34,5 dias. A viabilidade dos ovos foi de 84,4% e a mortalidade ninfal foi 49,1%. Em relação ao número de ínstares, 94,8% das ninfas apresentaram cinco ínstares e as demais seis. O número médio de ovos depositados por fêmea foi de 196,0. Os períodos de pré-oviposição, oviposição e pós-oviposição foram, em média, de 6,4; 28,9 e 1,6 dias, respectivamente. A razão sexual foi 1:1. O número de indivíduos esperados por fêmea por ano foi de 5,4 x 10¹⁰.

Palavras-chave: Insecta, praga, biologia, morfometria.

ABSTRACT

The present work was conducted at the Laboratory of Entomology, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, under 20,5 ± 1,5°C, 80 ± 10%UR and photophase of 12h, in order to study biological and morphometrical aspects of Collaria scenica (Stal). Eggs from laboratory rearing were individualized and both nymphs and adults were fed with wheat cultivar BR 23. The average incubation period of the egg was 14,1 days, the nymphal period lasted 20,3 days and the adult longevity was 34,5 days. The viability of the egg was 84,4% and the nymphal mortality was 49,1%. The number of instars varied between five to six with 94,8% of the nymphs having five instars. The average number of eggs deposited by the female was 196,0. The average duration of pre-oviposition, oviposition and post-oviposition periods were 6,4, 28,9 and 1,6 days, respectively. The sexual ratio was 1:1. The expected number of individuals per female per year was 5,4 x 10¹⁰.

Palavras-chave: Insecta, pest, biology, morphometry.

O percevejo Collaria scenica (Stal) é conhecido por "percevejo do capim" (Silva et al. 1968), "percequito" (Martins 1988) e "percevejo-raspador" (Gassen 1996). Segundo Gassen (1996) ocorre na Região Sul do Brasil, sobre gramíneas nativas e cultivadas. É fitófago e, em geral, ataca as folhas em diferentes estádios de desenvolvimento das plantas. Para se alimentar, rompe as células do tecido foliar, provocando o aparecimento de manchas esbranquiçadas, diminuindo, com isso, a área fotossintética das plantas (Costa 1958, Gassen 1996, Kalvelage 1988).

Carvalho & Fontes (1981) descreveram adultos de C. scenica, caracterizando-os pela coloração da cabeça e pela estrutura da genitália. Verificaram que, fêmeas e machos apresentam comprimento entre 5,5 a 6,4 mm e 4,9 a 5,6 mm, respectivamente. Segundo Kalvelage (1988), os adultos dessa espécie medem cerca de 6 mm de comprimento.

Wheeler, Jr. & Henry (1985) constataram que os ovos do mirídeo Trigonotylus coelestialium (Kirkaldy) foram depositados em fileiras dentro da bainha foliar de aveia. Estudando o ciclo de vida desse inseto Blinn & Yonke (1986), em laboratório, alimentando-o com as gramíneas Festuca arrundinacea, Setaria viridis, Dactilis glomerata e Agostis alba, observaram que os ovos foram colocados isoladamente ou em grupos, na porção inferior das plantas, entre a haste principal e a bainha, ficando presos à face inferior da mesma. Durante a eclosão, verificaram que, a capa opercular foi expulsa devido a movimentos musculares do corpo da ninfa.

Menezes (1990) trabalhando com Collaria oleosa (Distant), relatou que os ovos são alongados, cilíndricos, levemente recurvados, brilhantes e finamente esculturados. São verdes claros logo após a postura, tornando-se gradativamente mais escuros, até ficarem acastanhados imediatamente antes da eclosão. A postura é realizada entre a bainha da folha e a haste do perfilho; os ovos são colocados lado a lado, em camada simples, com os opérculos próximos à margem da bainha. O autor também constatou que, o período de incubação foi de 13 dias, aproximadamente.

Silva et al. (1994), em estudo sobre a biologia de C. oleosa, em plântulas de trigo, sob 25ºC e 14h de fotofase, verificaram que o período de incubação dos ovos durou, em média, cinco dias, e que os mesmos foram depositados no interior da bainha das folhas. Observaram, ainda, que a fase de ninfa teve duração média total de 13 dias, com cinco ínstares. Os adultos viveram, em média, 14 dias e o número máximo de ovos colocados por fêmea foi 28.

Nestes últimos anos, tem chamado a atenção a intensidade com que C. scenica tem ocorrido em trigo no Norte do Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e Centro-Sul do Paraná. Face ao reduzido conhecimento sobre a morfometria e biologia dessa espécie em trigo, foi realizado o presente trabalho, com o propósito de melhor conhecer esses aspectos.

Material e Métodos

Estudos biológicos. O trabalho foi realizado no Departamento de Fitossanidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no período de outubro de 1993 a junho de 1994, em câmara climatizada, sob 20,5 ± 1,5ºC, 80 ± 10%UR e fotofase de 12h.

Ninfas provenientes de casais coletados no campo, foram individualizadas em frascos de vidro, onde receberam como alimento folhas de trigo da cultivar BR 23. Foram utilizadas 228 ninfas. Cada indivíduo foi observado, desde a eclosão até o início da fase adulta, quanto a duração, mortalidade e realização dos ínstares.

Insetos adultos foram individualizados, sexados e mantidos acasalados ou individualmente. Foram estudados 26 casais e 40 insetos individualizados (31 fêmeas e 9 machos). Os casais foram colocados em frasco de vidro, contendo um frasco de vidro menor com uma planta de trigo (25 a 30 dias após emergência), que serviu de alimento e substrato de postura, onde foram verificados os locais de preferência de postura. Diariamente, foram substituídos os machos que morriam e as plantas. Os adultos não acasalados foram acondicionados do mesmo modo utilizado no estudo das ninfas.

No estudo dos casais foram feitas observações sobre mortalidade, comportamento sexual, razão sexual, número de ovos depositados, períodos de pré-oviposição, de oviposição e de pós-oviposição. No adultos não acasalados foi observada apenas a longevidade.

As posturas dos casais foram retiradas da planta e colocadas em placas de Petri, onde permaneceram até a eclosão das ninfas. Neste estudo foram utilizados 5.097 ovos, sendo feitas observações relativas ao período de incubação e viabilidade.

O potencial biótico, calculado segundo Silveira Neto et al. (1976), foi determinado em função do potencial de reprodução, desprezando-se os aspectos bióticos da resistência do ambiente. O número de descendentes levou em conta o percentual de eclosão e a mortalidade ninfal; o número de gerações anuais resultou da divisão de 365 dias pelo somatório do período de incubação, período ninfal, do período de pré-oviposição e da metade do período médio de postura, expresso em dias.

Estudos morfométricos. Foram determinadas a altura e o diâmetro (superior, médio e inferior) dos ovos, o comprimento da cabeça, do pronoto, da asa, do corpo (medido desde a região anterior da cabeça até a extremidade do hemiélitro), dos antenômeros, das pernas (anteriores, medianas e posteriores); a largura externa e interna dos olhos, a largura da cabeça imediatamente em frente aos olhos e a largura da margem anterior e posterior do pronoto. Essas medidas foram feitas com auxílio de um estereomicroscópio, com retículo micrométrico, com aumento de 6, 12 e 50x. Mediram-se 10 ovos e 20 adultos (10 fêmeas e 10 machos).

Os dados de ambos os estudos foram submetidos a análise estatística descritiva, obtendo-se média, desvio padrão e coeficiente de variação. As diferenças entre as médias foram avaliadas aplicando-se o teste t ao nível de significância de 5% de probabilidade. Para razão sexual foi aplicado o teste de qui-quadrado.

Resultados e Discussão

Estudos biológicos. Fase de ovo. Os ovos são alongados, elípticos, levemente recurvados, de coloração esverdeada logo após a deposição. Apresentam micrópila de forma elíptica. Durante o período de incubação sofrem mudanças de coloração, passando de verde a marrom avermelhada. Observações semlhantes foram feitas por Menezes (1990), para C. oleosa.

Considerando-se o número total de ovos viáveis (4.311), a duração média do período de incubação foi de 14,1 dias, sendo muito próxima do resultado encontrado por Menezes (1990), e ainda 2,8 vezes maior da verificada por Silva et al. (1994), ambos para C. oleosa.

A viabilidade média dos ovos foi de 84,4%.

Fase de ninfa. O processo de eclosão foi observado em três ninfas, sendo que a primeira levou dois minutos, a segunda três minutos e a terceira quatro minutos e quinze segundos. A ninfa saiu do ovo através da micrópila, que se abriu como uma tampa. A eclosão deu-se mediante movimentos musculares do corpo da ninfa, aparecendo primeiramente a cabeça. A ninfa recém-eclodida apresentou seus apêndices recolhidos na face ventral do corpo, que posteriormente se distenderam de maneira progressiva, coincidindo com observações feitas por Blinn & Yonke (1986) para T. coelestialium.

Em relação ao número de ínstares, verificou-se que das 116 ninfas que atingiram a fase adulta, 110 apresentaram cinco ínstares e apenas seis apresentaram seis. Disso resulta uma proporção de 94,8% de ocorrência de cinco ínstares. Essa variação também foi registrada por Foley & Pike (1985) para Creontiades dilutus (Stal).

A duração do quarto e quinto ínstares, nas ninfas que passaram por cinco ínstares, foi estatisticamente maior nas fêmeas que a nos machos (Tabela 1). As médias de duração do período ninfal dos insetos de cinco e seis ínstares foi de 20,3 e 19,8 dias, respectivamente. Não se evidenciou diferença estatística para duração total do período ninfal, quando comparados os dois grupos, proporcionando média geral de 20,3 dias. O resultado foi 1,5 vezes maior do que o constatado por Silva et al. (1994) para C. oleosa.

A mortalidade acumulada até o final do quinto ínstar foi de 49,1%, mais da metade da qual ocorreu no primeiro ínstar (Tabela 2).

Fase adulta. Das 116 ninfas que atingiram a fase adulta, 69 foram fêmeas e 47 foram machos, proporcionando razão sexual de 0,59. Este valor não diferiu estatisticamente pelo teste de qui-quadrado, da expectativa genética de 1:1, ou seja, da razão sexual de 0,50.

Em relação ao comportamento na cópula, observou-se que, inicialmente, o macho aproximou-se da fêmea, posicionando-se atrás dela; em seguida deu um impulso, colocando-se sobre a mesma, dobrando o abdome, até ocorrer o acoplamento das genitálias. Constatou-se que a fêmea copula mais de uma vez durante seu ciclo de vida e aceita mais de um macho.

Quanto ao processo de oviposição, inicialmente, a fêmea elevou seu abdome, colocando-o em contato com a superfície da bainha foliar, região ligular ou lâmina foliar jovem, da planta de trigo. Gradativamente, distendeu o ovipositor procurando um local mais adequado para depositar os ovos, como frestas da bainha foliar, da lâmina foliar e da região ligular ou ainda sobre estas partes da planta. Após alguns minutos retirou o ovipositor, voltando o abdome e ovipositor à posição normal.

A postura foi realizada, geralmente, em massas de ovos, sendo esses dispostos lado a lado, quase sempre em linha reta. Esporadicamente, os ovos foram depositados isoladamente sobre o tecido vegetal. A disposição dos ovos na planta está em concordância com Wheeler, Jr. & Henry (1985) e Blinn & Yonke (1986) para T. coelestialium e ainda com Menezes (1990), para C. oleosa.

Quanto ao local para oviposição, observou-se preferência para a face interna da bainha foliar e depois para a região ligular, onde foram colocados 68,4 e 30,7% dos ovos, respectivamente (Fig. 1). O fato de os ovos terem sido depositados, preferencialmente, na bainha foliar também foi registrado por Wheeler, Jr.& Henry (1985) e Blinn & Yonke (1986) para T. coelestialium, e ainda, por Menezes (1990) e Silva st al. (1994) para C. oleosa.

O intervalo entre a primeira cópula e a primeira postura, observado em cinco casais, foi de cinco dias em dois casais, e de dois, três e quatro dias nos outros três, perfazendo uma média de 3,8 dias.

As médias dos períodos de pré-oviposição, oviposição e pós-oviposição encontram-se na Tabela 3.

O número de ovos depositados por dia durante o período de oviposição, foi em média, 6,5 dias e o número de ovos depositados por fêmea foi, em média, 196,0 (Tabela 3), variando de 32 a 544, sendo o número máximo de ovos 19 vezes maior do registrado por Silva et al. (1994) para C. oleosa. Observou-se, ainda, que as fêmeas de C. scenica não colocaram ovos todos os dias.

Não houve diferença estatística entre a longevidade de fêmeas e machos para os adultos acasalados e não acasalados, obtendo-se longevidade média de 34,6 e 51,1 dias, repectivamente (Tabela 4). Confrontando-se a longevidade média dos adultos acasalados de C. scenica com a observada por Silva et al. (1994) para C. oleosa, verificou-se que este foi, aproximadamente, 2,5 vezes maior. Esta diferença pode ser atribuída às condições de criações e às variações inter-específicas.

As médias de duração da fêmeas e machos dos dois grupos (acasalados e não acasalados), foram estatisticamente diferentes (Tabela 4). Provavelmente, a duração das fêmeas e dos machos acasalados tenha sido menor, em função da atividade reprodutiva e por terem os insetos sido mantidos em recipiente maior, possibilitando maior gasto de energia.

As percentagens crescentes em que a duração das fases de ovo, ninfa e adulta representam no ciclo de C. scenica foram 20,4, 29,4 e 50,1%, respectivamente, onde a metade do tempo foi da fase adulta.

Levando-se em conta a razão sexual (0,5), o número de descendentes (84,2) e o número de gerações anuais (6,6), chegou-se ao potencial biótico de 5,4 x 10¹⁰. Restringindo-se o cálculo do potencial biótico para o ciclo de desenvolvimento da cultivar de trigo EMBRAPA 16, que a partir da emergência leva 131 dias até a maturação, o número de gerações passaria a 2,4, obtendo-se teoricamente 7,1 x 10³ indivíduos esperados nesse período.

Estudos morfométricos. As médias de altura e diâmetro superior, médio e inferior dos ovos foram, respectivamente, 1,36, 0,21, 0,27 e 0,14 mm. Houve significância estatística entre comprimento da cabeça, pronoto, asa, total do corpo e 2º tarsômero da perna posterior de fêmeas e machos (Tabelas 5 e 6).

O comprimento total do corpo de fêmeas e machos de C. scenica foi 6,37 e 5,54 mm, respectivamente, que corresponde ao intervalo mencionado por Carvalho & Fontes (1981) para ambos os sexos. Isso está também de acordo com o comprimento dos adultos referido por Kalvelage (1988).

O comprimento do corpo das fêmeas apresentou valores no intervalo de 5,99 a 6,81 mm, sem qualquer sobreposição com os dos machos, que variou de 5,12 a 5,94 mm, evidenciando que as diferenças não estão apenas nas médias, mas na totalidade dos indivíduos.

Com base nestes resultados, conclui-se que em laboratório e tendo trigo como alimento, o ciclo de vida de ovo a ovo de C. scenica é de 40,8 dias; o período mais crítico das fases imaturas é o primeiro ínstar, onde ocorre maior mortalidade; a maioria dos insetos (94,8%) apresenta cinco ínstares; as fêmeas depositam seus ovos, preferencialmente, na região interna da bainha foliar; a capacidade deste inseto aumentar em número, expressa pelo seu potencial biótico, é de 5,4 x 10¹⁰ indivíduos por ano.

Literatura Citada

Recebido em 15/09/97. Aceito em 29/01/99.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Maio 2006
• Data do Fascículo
  Mar 1999

Histórico

• Aceito
  29 Jan 1999
• Recebido
  15 Set 1997