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Aspectos biológicos de Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl (Hymenoptera: Sphecidae) em ninhos-armadilhas, com especial referência a suas presas

Biological aspects of Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure and Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl (Hymenoptera: Sphecidae) in trap-nests, with special reference to their spider prey

Resumos

Ninhos de Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl foram obtidos em ninhos-armadilhas na Fazenda Santa Carlota, Cajuru, SP e Campus da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Os ninhos de T. lactitarse (n=51) e de T. rogenhoferi (n=55) foram construídos em gomos de bambu que variaram em comprimento e diâmetro interno, respectivamente, de 88,2 a 233,9 mm e de 7,4 a 14,7 mm, para a primeira espécie e de 104,1 a 201,2 mm e de 7,5 a 14,8 mm para a segunda. As células foram aprovisionadas com aranhas, previamente paralisadas, em número variável de três a 23 aranhas e as biomassas de 129,1 a 367,9 mg, para T. lactitarse, e de três a 24 aranhas e de 143,8 a 506,6 mg, para T. rogenhoferi. Células de T. lactitarse contendo de três a 11 e de T. rogenhoferi de três a 12 presas apresentaram biomassas semelhantes às daquelas contendo de 12 a 23 e de 13 a 24, respectivamente. Para as duas espécies estudadas, os machos mostraram-se menores que as fêmeas, enquanto que machos e fêmeas de T. rogenhoferi foram maiores do que aqueles de T. lactitarse. A família de aranha mais representada nas coletas foi Araneidae, a qual correspondeu a 96,6% dos indivíduos capturados por T. lactitarse e 99,45% daqueles capturados por T. rogenhoferi; as espécies de aranhas mais coletadas pelo primeiro e segundo predador foram Eustala sp1 (37,6%) e Alpaida veniliae (Keyserling) (48,1%), respectivamente.

Insecta; vespas; ninhos-armadilhas; presas; Araneidae


Nests of Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure and Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl were obtained from trap-nests at Fazenda Santa Carlota, Cajuru, SP and at the Campus of the Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Nests of T. lactitarse (n=51) and T. rogenhoferi (n=55) were constructed in bamboo canes, 88.2 to 233.9 mm in length and 7.4 to 14.7 mm in internal diameter for the first species and 104.1 to 201.2 mm in length and 7.5 to 14.8 mm in internal diameter for the second one. Individual brood cells of T. lactitarse were provisioned with three to 23 paralyzed spiders and the total weight varied from 129.1 to 367.9 mg, whereas T. rogenhoferi were provisioned with three to 24 spiders and their weight varied from 143.8 to 506.6 mg. Cells of T. lactitarse with three to 11 and of T. rogenhoferi with three to 12 spiders showed weight similar to those with 12 to 23 and 13 to 24 spiders, respectively. For both species, females were larger than males, and males and females of T. rogenhoferi were larger than those of T. lactitarse. Araneidae was the most abundant family of spiders, with 96.6% of captures for T. lactitarse and 99.4% for T. rogenhoferi; the spider preys most collected by the first and second predator species were Eustala sp.1 (37.6%) and Alpaida veniliae (Keyserling) (48.1%), respectively.

Insecta; wasps; trap-nests; prey; Araneidae


BIOLOGICAL CONTROL

Aspectos biológicos de Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl (Hymenoptera: Sphecidae) em ninhos-armadilhas, com especial referência a suas presas

Biological aspects of Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure and Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl (Hymenoptera: Sphecidae) in trap-nests, with special reference to their spider prey

Evandro CamilloI; Antonio D. BrescovitII

IDepto. de Biologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP, 14040-901, Ribeirão Preto, SP

IILaboratório de Artropodes Peçonhentos-Instituto Butantan, Av. Vital Brasil 1500, 15503-900, São Paulo, SP

RESUMO

Ninhos de Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl foram obtidos em ninhos-armadilhas na Fazenda Santa Carlota, Cajuru, SP e Campus da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Os ninhos de T. lactitarse (n=51) e de T. rogenhoferi (n=55) foram construídos em gomos de bambu que variaram em comprimento e diâmetro interno, respectivamente, de 88,2 a 233,9 mm e de 7,4 a 14,7 mm, para a primeira espécie e de 104,1 a 201,2 mm e de 7,5 a 14,8 mm para a segunda. As células foram aprovisionadas com aranhas, previamente paralisadas, em número variável de três a 23 aranhas e as biomassas de 129,1 a 367,9 mg, para T. lactitarse, e de três a 24 aranhas e de 143,8 a 506,6 mg, para T. rogenhoferi. Células de T. lactitarse contendo de três a 11 e de T. rogenhoferi de três a 12 presas apresentaram biomassas semelhantes às daquelas contendo de 12 a 23 e de 13 a 24, respectivamente. Para as duas espécies estudadas, os machos mostraram-se menores que as fêmeas, enquanto que machos e fêmeas de T. rogenhoferi foram maiores do que aqueles de T. lactitarse. A família de aranha mais representada nas coletas foi Araneidae, a qual correspondeu a 96,6% dos indivíduos capturados por T. lactitarse e 99,45% daqueles capturados por T. rogenhoferi; as espécies de aranhas mais coletadas pelo primeiro e segundo predador foram Eustala sp1 (37,6%) e Alpaida veniliae (Keyserling) (48,1%), respectivamente.

Palavras-chave: Insecta, vespas, ninhos-armadilhas, presas, Araneidae

ABSTRACT

Nests of Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure and Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl were obtained from trap-nests at Fazenda Santa Carlota, Cajuru, SP and at the Campus of the Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Nests of T. lactitarse (n=51) and T. rogenhoferi (n=55) were constructed in bamboo canes, 88.2 to 233.9 mm in length and 7.4 to 14.7 mm in internal diameter for the first species and 104.1 to 201.2 mm in length and 7.5 to 14.8 mm in internal diameter for the second one. Individual brood cells of T. lactitarse were provisioned with three to 23 paralyzed spiders and the total weight varied from 129.1 to 367.9 mg, whereas T. rogenhoferi were provisioned with three to 24 spiders and their weight varied from 143.8 to 506.6 mg. Cells of T. lactitarse with three to 11 and of T. rogenhoferi with three to 12 spiders showed weight similar to those with 12 to 23 and 13 to 24 spiders, respectively. For both species, females were larger than males, and males and females of T. rogenhoferi were larger than those of T. lactitarse. Araneidae was the most abundant family of spiders, with 96.6% of captures for T. lactitarse and 99.4% for T. rogenhoferi; the spider preys most collected by the first and second predator species were Eustala sp.1 (37.6%) and Alpaida veniliae (Keyserling) (48.1%), respectively.

Key words: Insecta, wasps, trap-nests, prey, Araneidae

A biologia da nidificação de espécies de vespas solitárias que utilizam cavidades pré-existentes, é relativamente fácil de ser estudada porque as fêmeas destas espécies nidificam com enorme sucesso em ninhos-armadilhas, o que pode aumentar consideravelmente a amostragem de ninhos.

Um dos mais importantes aspectos no estudo da biologia de Sphecidae está relacionado com as presas capturadas para o aprovisionamento de suas células de cria. Segundo Genaro et al. (1989), muitas vezes são capturadas presas de espécies ou mesmo gêneros desconhecidos o que mostra esta importância, principalmente, do ponto de vista taxonômico. Estas vespas em muitas ocasiões capturam suas presas em locais onde o homem não coleta, devido ao difícil acesso tornando então, o seu papel de "coletoras" muito importante para o descobrimento e descrição de inumeras espécies de aranhas. Espécies ou grupos de espécies de vespas do gênero Trypoxylon podem diferir em relação ao número e porcentagem de cada família, gênero e espécie de presa coletada (Krombein 1967, Coville 1982, Camillo et al. 1993, 1994, Jiménez & Tejas 1994).

Trypoxylon (Trypargilum) lactitarse Saussure, com ocorrência desde o Sul do Canadá até o Sul da Argentina (Coville 1981) e Trypoxylon (Trypargilum) rogenhoferi Kohl com ocorrência do Brasil até a Argentina (Bohart & Menke 1976) são duas espécies de vespas solitárias que nidificam, exclusivamente, em cavidades pré-existentes. As fêmeas constróem seus próprios ninhos, cujas células em série são subdivididas por partições construídas com barro, e aprovisiona-os com aranhas paralisadas (Bohart & Menke 1976, Coville 1982, Camillo et al. 1994).

O objetivo deste trabalho é apresentar, comparativamente, dados biológicos de T. lactitarse e T. rogenhoferi, obtidos a partir de ninhos-armadilhas, em duas localidades do Sudeste do Brasil.

Material e Métodos

Áreas de Estudo. 1- Fazenda Santa Carlota (FSC), Cajuru, SP (21°18'- 27' S e 47°12'-17' W): aproximadamente 6.300 ha e altitudes variando de 540 a 944 m, apresentando uma cobertura vegetal formada, principalmente, por matas subtropicais semidecíduas e mesofíticas, e de galerias, cerrado, cerradão e vários tipos de culturas. A Fazenda apresenta, predominantemente, os solos dos tipos latossolo roxo e amarelo distrófico (Oliveira et al. 1983); 2- Campus da Universidade de São Paulo (RP), Ribeirão Preto, SP (21°11' S e 47°13' W): aproximadamente 573 ha e altitudes variando de 580 a 620 m. Apresenta pequenas manchas de mata semidecídua e cerradões (menos de 2% da área), gramíneas, ervas, arbustos, plantas ornamentais e reflorestamento com angiospermas arbóreas. Próximo aos limites do Campus existem grandes culturas de cana-de-açúcar. Os solos predominantes são dos tipos latossolo roxo e terra roxa estruturada (Oliveira & Prado 1987).

De acordo com as condições climáticas (temperatura e precipitação) nas áreas de estudo, duas estações distintas são reconhecidas: 1 - Estação fria e seca (maio a agosto), com temperaturas médias mensais e precipitação variando de 18,5 a 22,2 °C e de zero a 84,4 mm (FSC) e de 17 a 22°C e de zero a 82,9 mm (RP), respectivamente; 2 - Estação quente e chuvosa (setembro a abril) com temperaturas médias mensais e precipitação variando de 23 a 28,8 °C e de 0 mm a 422,6 mm (FSC) e de 22,4 a 27,2 °C e de 1,4 mm a 409,4 mm (RP), respectivamente.

Ninhos-Armadilhas. Foram utilizados como ninhos-armadilhas (=NA) gomos de bambu (=B) secos, fechados em uma das extremidades pelo próprio nó, com diâmetro interno variando de sete a 25 mm e comprimento de 70 a 250 mm. Estes NA (450 em RP e 650 na FSC), amarrados com tiras de borracha em grupos de seis a oito unidades, foram colocados em prateleiras sob coberturas construídas nas áreas de estudo.

As áreas de estudo foram visitadas, pelo menos, uma vez por mês durante o período de setembro/93 a agosto/95 na FSC e de novembro/93 a outubro/95 em RP. Nestas ocasiões os NA eram inspecionados com auxílio de otoscópio e, aqueles recentemente completados ou sendo aprovisionados foram coletados, identificados e transportados para o laboratório. Para cada ninho retirado, um outro NA era colocado no mesmo lugar. No laboratório, os ninhos foram abertos, medidos e as presas (aranhas) de cada célula contendo ovo ou larva recém-eclodida eram coletadas, contadas, pesadas e colocadas em frascos individuais juntamente com álcool 80%, para posterior identificação. Os ninhos eram então novamente fechados permanecendo neles um ou mais imaturos para que continuassem seu desenvolvimento até a emergência, quando então era confirmada a espécie nidificante.

A largura máxima da cabeça (LMC) foi utilizada para representar o tamanho dos indivíduos. Foram medidos 50 machos e 50 fêmeas de cada uma das espécies de Trypoxylon, provenientes de ninhos anteriormente construídos na FSC, em NA semelhantes àqueles utilizados neste trabalho. Na análise estatística as médias foram comparadas pelo teste t (P<0,05) enquanto que para a comparação dos tamanhos dos indivíduos foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis (P<0,05).

Resultados

Número de Ninhos e Abundância Sazonal. Foram coletados 106 ninhos, sendo 51 de T. lactitarse (11 completados e 40 sendo aprovisionados) e 55 de T. rogenhoferi (19 completados e 36 sendo aprovisionados). Os ninhos foram coletados durante o ano todo, com exceção dos meses de agosto para a primeira espécie e abril para a segunda. Nos dois anos de estudo, a maior freqüência de nidificações ocorreu na estação quente e chuvosa (setembro a abril), quando então foram coletados 80,4% dos ninhos de T. lactitarse e 85,4% daqueles de T. rogenhoferi (Fig. 1). O número acentuado de ninhos construídos por T. lactitarse em maio pode ser devido ao fato de que em RP a temperatura durante um dos anos de coleta manteve-se moderada, diminuindo somente em junho.


Substratos Utilizados para Nidificação. Os NA utilizados pelas fêmeas de T. lactitarse variaram de 88,2 a 233,9 mm (X= 142,8 ± 26,8 mm) no comprimento e de 7,4 a 14,7 mm (X= 10,3 ± 1,7 mm) no diâmetro interno (n=45). O espaço efetivamente ocupado pelo ninho variou de 69,9 a 160 mm (X= 114,1 ± 29,1 mm, n=9). Para T. rogenhoferi os NA utilizados variaram de 104,1 a 201,2 mm (X= 153,5 ± 24,7 mm) no comprimento e de 7,5 a 14,8 mm (X= 10,8 ± 1,7 mm) no diâmetro interno (n=45) além de variar de 82,9 a 163,4 mm (X= 124,9 ± 24,7 mm, n=14) no espaço ocupado pelo ninho. Os NA utilizados pelas duas espécies não apresentaram diferenças significativas em relação ao comprimento (t=1,97, P>0,05), ao diâmetro (t=1,39, P>0,05) e no espaço ocupado pelo ninho (t=0,95, P>0,05). Para T. lactitarse, as maiores freqüências de nidificação ocorreram nos NA com comprimentos entre 121 e 160 mm e diâmetros internos entre 9,1 e 11,0 mm. Para T. rogenhoferi, os NA mais utilizados apresentaram comprimentos entre 141 e 180 mm e diâmetros entre 9,1 e 10,0 mm e entre 11,1 e 12,0 mm (Figs. 2 e 3).



Número de Células por Ninho. Para T. lactitarse, o número de células variou de três a nove (X= 5,5 ± 1,9) enquanto que, para T. rogenhoferi variou de uma a nove (X= 5,3 ± 1,7). Os valores médios não diferiram significativamente (t=0,57, P>0,05). Ninhos completos com quatro e cinco células foram mais freqüentes, para as duas espécies estudadas (Fig. 4).


Tamanhos dos Indivíduos. As fêmeas de T. lactitarse e T. rogenhoferi com a LMC variando de 3,19 a 3,83 mm (X= 3,49 ± 0,19 mm) e de 3,13 a 4,06 mm (X= 3,88 ± 0,16 mm) foram significativamente maiores que os machos, os quais apresentaram a LMC variando de 2,72 a 3,71 mm (X= 3,23 ± 0,19 mm) e 2,90 a 4,00 mm (X= 3,69 ± 1,17 mm) (t=6,84 e t=5,93, P<0,05, respectivamente). Quando comparadas as duas espécies, tanto os machos como as fêmeas de T. rogenhoferi mostraram-se maiores do que aqueles de T. lactitarse (H=144,23, P<0,05).

Número e Biomassa de Presas por Célula. O número de presas por célula de T. lactitarse, que variou de três a 23 (X= 10,2 ± 5,5; n=130), não diferiu significativamente do observado em T. rogenhoferi o qual variou de três a 24 (X= 10,5 ± 4,4; n= 149) (t= 0,50, P>0,05). A maioria das células apresentou o número de presas variando de seis a 13 e seis a 16, respectivamente (Fig. 5). Não houve correlação significativa entre a biomassa e o número de presas tanto para T. lactitarse (r= 0,15; P>0,05) como para T. rogenhoferi (r= 0,14; P>0,05). Para T. lactitarse a biomassa do conjunto das presas de cada célula variou de 129,1 a 367,9 mg (X= 221,8 ± 49,7 mg, n=130), com a maioria das amostras apresentando pesos entre 150,1 e 250 mg. Para T. rogenhoferi, ela variou de 143,8 a 506,6 mg (X= 340,4 ± 75,8 mg, n=149), com a maioria das amostras pesando entre 300,1 e 400 mg (Fig. 6). O valor médio da biomassa das células de T. rogenhoferi foi significativamente maior do que o das células de T. lactitarse (t=15,22, P<0,05). A biomassa de células de T. lactitarse contendo de três a 11 presas (X= 216,9 ± 47,5 mg, n=90) foi estatisticamente semelhante àquela de células contendo de 12 a 23 presas (X=232,2 ± 47,0 mg, n=40) (t= 1,71, P>0,05). Resultados semelhantes foram obtidos para T. rogenhoferi quando comparadas as biomassas de células contendo de três a 12 (X= 340,1 ± 70,3 mg, n=107) e 13 a 24 (X= 352,54 ± 58,2 mg, n=42) presas (t= 0,27, P>0,05).



Presas coletadas. T. lactitarse e T. rogenhoferi coletaram representantes de 10 e cinco famílias de presas, respectivamente. Dentre as 126 células de T. lactitarse e 137 de T. rogenhoferi, foram obtidas 1231 e 1407 presas, das quais 1189 (96,6%) e 1399 (99,4%), respectivamente, eram da família Araneidae. No geral, T. lactitarse coletou presas de 56 espécies enquanto que T. rogenhoferi capturou aranhas de 27 espécies. Na FSC foram coletadas 47 espécies de presas por T. lactitarse e 23 por T. rogenhoferi e em RP foram 26 e 16, respectivamente. Isso mostra que para as duas espécies de vespas estudadas o conjunto de espécies de presas coletado na FSC foi mais diversificado. As espécies de presas mais coletadas por T. lactitarse na FSC foram Eustala sp.1 (24,0%), Acacesia hamata (Hentz) (16,7%) e Parawixia audax (Blackwall) (12,1%); em RP foram Eustala sp.1 (49,3%), P. audax (18,1%) e Eustala sp.2 (12,1%). Na FSC, T. rogenhoferi coletou preferencialmente, Alpaida veniliae (Keyserling) (39,1%), Alpaida negro Levi (29,7%) e Alpaida alto Levi (16,2%) e em RP, A. veniliae (64,7%), Alpaida leucogramma (White) (13,5%) e A. alto (6,8%). Assim, observamos que para T. lactitarse as espécies Eustala sp.1 e P. audax estiveram presentes tanto na FSC como em RP e que para T. rogenhoferi o mesmo fato ocorreu em relação a A. veniliae e A. alto (Tabela 1).

Discussão

O diâmetro da cavidade utilizada por espécies de vespas solitárias, para a nidificação, está provavelmente relacionado com o tamanho do corpo das vespas (Krombein 1967, Fricke 1991, Garcia 1993, Garcia & Adis 1995) e pode ser modificado pela competição intra e interespecífica por locais de nidificação (Krombein 1967) e/ou pela disponibilidade destes sítios (Coville 1982). Segundo Fricke (1991) e Garcia (1993), cada espécie tem um limite mínimo de diâmetro da cavidade a ser utilizada para nidificação, o qual é determinado pelo tamanho do corpo. Nestes casos, um fator adicional pode ser o tamanho das presas (Fricke 1991, Camillo et al. 1996). Por outro lado, as cavidades terão também um limite máximo, pois naquelas com diâmetros maiores os ninhos apresentam paredes finas (Coville & Coville 1980, Camillo et al. 1993,1994), o que facilitaria o ataque de predadores e parasitóides (Garcia 1993). Neste trabalho observamos que mesmo T. rogenhoferi sendo maior que T. lactitarse, os limites mínimos e máximos dos diâmetros dos ninhos-armadilha utilizados foram semelhantes. Segundo Garcia (1993) isto pode ser devido à grande variação de tamanho dos indivíduos encontrada em ambas as espécies.

Apesar da grande variação no número de presas colocadas em cada célula de T. lactitarse (três a 23) e T. rogenhoferi (três a 24), os mesmos foram semelhantes. As maiores variações no número de presas estocadas por célula, observadas em Trypoxylon, foram de 11 a 42 e de cinco a 55 em T. tridentatum Packard (Krombein 1967, Jiménez & Tejas 1994) e de 11 a 44 em T. tenoctitlan Richards (Coville & Coville 1980). Esta variabilidade indica que o número de presas por célula, provavelmente, depende da relativa abundância das mesmas, em diferentes classes de tamanhos (Muma & Jeffers 1945, Coville 1982) que, por sua vez, varia com a estação do ano (Muma & Jeffers 1945). Medler (1967) sugere que a fêmea de T. lactitarse possui a habilidade de diferenciar a quantidade de alimento com base no peso, estocando sempre um número de presas apropriado. De acordo com Krombein (1970), o número de presas (baratas) coletadas e estocadas por Podium rufipes (Fabricius) está diretamente relacionado ao sucesso da vespa em encontrá-las e capturá-las. Este autor relata que as evidências encontradas não permitem assegurar que a fêmea daquela espécie determina quantas presas são necessárias para uma larva atingir a maturidade, sugerindo então que o número de presas estocadas não é um fator determinante.

Segundo Cross et al. (1975) para T. politum Say e Camillo et al. (1993) para T. lactitarse, o número de presas por célula é dependente do tamanho delas, pois células aprovisionadas com diferentes quantidades de aranhas apresentaram biomassas similares. Isto foi também observado neste trabalho para as duas espécies estudadas, onde células com menores números de presas apresentaram biomassas semelhantes às daquelas contendo maiores números. Conclusivamente, Cross et al. (1975) relataram que células com muitas aranhas pequenas podem ter a mesma biomassa que aquelas com poucas aranhas grandes. Porém, tal fato não foi observado por Camillo et al. (1994) para T. rogenhoferi, pois a biomassa de células contendo de sete a 13 aranhas foi estatisticamente diferente daquelas contendo de 15 a 26 presas.

A correlação entre a biomassa e número de presas por célula foi positiva e significativa para T. rogenhoferi (Camillo et al. 1994, Garcia & Adis 1995), positiva e não significativa para T. politum (Rehnberg 1987) e inexistente para T. lactitarse (Camillo et al. 1993) e T. politum (Cross et al. 1975). Estes resultados, somados aos aqui apresentados, mostram que uma mesma espécie pode, dependendo da época da realização da coleta de dados, apresentar diferentes correlações entre estas variáveis.

A variabilidade nos valores das biomassas das presas estocadas em cada célula pode estar relacionada à variação encontrada no tamanho dos machos e fêmeas de cada espécie. Machos de Trypoxylon são, geralmente, menores do que as fêmeas porque são alimentados com menores quantidades de alimento (Coville 1982, Brockmann & Grafen 1989, Brockmann 1992, Garcia & Adis 1995). Isto sendo verdadeiro, a diferença nos valores das biomassas das presas estocadas por célula de T. lactitarse e T. rogenhoferi explicaria os diferentes tamanhos dos indivíduos destas espécies.

Em relação às espécies de presas capturadas observamos que T. lactitarse foi mais generalista que T. rogenhoferi. Quando comparamos as duas espécies de vespas observamos que, apesar de elas ocorrerem nos mesmos locais, diferem em relação às principais espécies de presas capturadas tanto em FSC como em RP. Isto mostra que não ocorreu uma acentuada sobreposição na coleta de presas mas sim, uma divisão dos recursos evitando a competição por alimento.

Na análise sobre as famílias das presas coletadas, observamos que 11 espécies de Trypoxylon do Grupo Nitidum mostraram preferência por aranhas da família Araneidae (Krombein 1967, Coville 1979, 1981, 1982, Coville & Coville 1980, Genaro et al. 1989, Camillo et al. 1993, 1994, Genaro & Alayón 1994, Jiménez & Tejas 1994, Garcia & Adis 1995). Outras cinco espécies coletaram, preferencialmente, presas de outras famílias ou sejam, Oxyopidae (Kurczewski 1963), Salticidae (Krombein 1967, Hook 1984), Thomisidae (Matthews & Matthews 1968), Senoculidae (Coville & Griswold 1983) e Anyphaenidae (Hook 1984).

Agradecimentos

Aos proprietários da Fazenda Santa Carlota por terem permitido o acesso à sua propriedade. Ao Dr. Carlos Alberto Garófalo pelos comentários e sugestões e ao Sr. José Carlos Serrano pelo auxílio técnico.

Literatura Citada

Recebido em 05/03/98. Aceito em 12/04/99.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1999

Histórico

  • Aceito
    12 Abr 1999
  • Recebido
    05 Mar 1998
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