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Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolípide secundária possuem números reduzidos de células B CD4+ CD25+ Foxp3+ células Treg) e células B CD3- CD19+ circulantes

Resumos

Introdução:

A depleção de células T CD4+ CD25+ Foxp3+ regulatórias (células Treg) foi descrita em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) e, recentemente, na síndrome antifosfolípide (SAF) primária; até o momento, o tópico não tinha sido estudado em pacientes com LES e com SAF secundária (LES/SAFS).

Objetivo:

Quantificar linfócitos totais, células Treg, células T CD3+ CD19- e células B CD3- CD19+ em pacientes com LES/SAF e em controles saudáveis.

Métodos:

Subtipos celulares foram imunofenotipados utilizando anticorpos monoclonais específicos (antiCD3CY5, antiCD4FITC, antiCD25, antiFoxp3, antiCD19PE) e citometria de fluxo.

Resultados:

Participaram do estudo 25 pacientes com LES/SAF (média de idade 43,5 anos, 96% mulheres, 96% da raça branca, duração média da doença 9,87 anos, SLEDAI médio 10±5,77) e 25 controles compatibilizados para idade e gênero. Foi constatado que os números de células Treg e de células B CD3- CD19+ estavam significativamente mais baixos em pacientes com LES/SAF, em comparação com controles (todos p<0,05). As células Treg e as células B CD3 CD19+ permaneceram numericamente baixas em seguida ao controle (ANCOVA) para percentual de linfócitos totais (p<0,05). Níveis decrescentes de células Treg e células B CD3-CD19+ circulantes tiveram correlação com escores mais elevados de atividade lúpica (rs=0,75, p<0,0001; rs=0,46, p=0,021, respectivamente). Os números de células Treg e de células B CD3 CD19+ não diferiam significativamente em usuários ou não usuários de cloroquina, azatioprina e corticosteroides (todos p>0,05).

Conclusões:

Nesse estudo preliminar, pacientes com LES e com SAF secundária demonstraram depleção de células Treg e de células B CD3 CD19+; a redução numérica dos dois subtipos teve correlação com aumento de SLEDAI. A depleção de células Treg pode contribuir para a lesão autoimune observada em pacientes com LES/SAFS. O número reduzido de células B CD3 CD19+ observado nesses pacientes está a merecer estudos objetivando um aprofundamento em sua elucidação.

Lúpus eritematoso sistêmico (LES); Síndrome antifosfolípide; secundária (SAFS); Células Treg; Células B CD3- CD19+


Introduction:

CD4+CD25+Foxp3+ regulatory T (Treg) cell depletion has been reported in systemic lupus erythematosus (SLE) and, recently, in primary antiphospholipid syndrome (APS); the issue has not been studied in SLE patients with secondary APS (SLE/APS) so far.

Objective:

To quantify total lymphocytes, Treg cells, CD3+CD19- T cells and CD3-CD19+ B cells in SLE/APS patients and healthy controls.

Methods:

Cell subtypes underwent immunophenotyping using specific monoclonal antibodies (anti-CD3 CY5, anti-CD4 FITC, anti-CD25, anti-Foxp3, anti-CD19 PE) and flow cytometry.

Results:

Twenty-five patients with SLE/APS (mean age 43.5 years, 96% females, 96% caucasians, mean duration of disease 9.87 years, mean SLEDAI 10 ± 5.77) and 25 age and sex-matched controls entered the study. It was realized that the numbers of Treg and CD3- CD19+ B cells were significantly lower in SLE/APS patients than in controls (all p < 0.05).Treg and CD3-CD19+ B cells remained numerically low after controlling (ANCOVA) for percentage of total lymphocytes (p < 0.05). Decreasing levels of circulating Treg and CD3-CD19+ B cells correlated to higher scores of lupus activity (rs = -0.75, p < 0.0001; rs = -0.46, p = 0.021, respectively). Number of Treg cells and CD3-CD19+ B lymphocytes did not significantly differ in users or nonusers of chloroquine, azathioprine and corticosteroids (all p > 0.05).

Conclusions:

In this preliminary study, patients with SLE and secondary APS showed depletion of Treg and CD3-CD19+ B cells; decreasing numbers of both subtypes correlated to a higher SLEDAI. Treg cells depletion might contribute to the autoimmune lesion seen in patients with SLE/APS. The reduced number of CD3-CD19+ B cells seen in these patients deserves more studies in order to get further elucidation.

Systemic lupus erythematosus; Secondary antiphospholipid; syndrome; Treg cells; CD3-CD19+ B cells


Introdução

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença multiorgânica caracterizada por desregulação imune; a perda da tolerância a autoantígenos leva à formação de imunocomplexos.11. Buc M, Rovenský J. Systemic lupus erythematosus - a contemporary view of its genetic determination, immunopathogenesis and therapy. Epidemiol Mikrobiol Imunol. 2009;58:314. Dados recentes em modelos humanos e murinos de LES esclareceram o papel dos interferons do tipo I (α/β) na iniciação e perpetuação da doença.22. Jorgensen TN, Gubbels MR, Kotzin BL. Links between type I interferons and the genetic basis of disease in mouse lupus. Autoimmunity. 2003;36:491502.

Os indivíduos com LES são mais sensíveis à trombose, em comparação com a população geral; e a síndrome antifosfolípide (SAF) é fator de risco sobejamente conhecido para obstrução vascular nesses pacientes.33. Burgos PI, Alarcón GS. Thrombosis in systemic lupus erythematosus: risk and protection. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2009;7:1541-9. O motivo pelo qual pacientes com LES e SAF produzem anticorpos antifosfolipídio (aPL) patogênicos é tópico que vem sendo submetido a intenso debate.

As células T CD4+ CD25+ Foxp3+ regulatórias (células Treg) constituem um subgrupo tipicamente derivado ou induzível distinto de células T com propriedades imunossupressivas singulares. O comprometimento quantitativo ou funcional dos linfócitos Treg parece direcionar o sistema imune em direção à autoimunidade.44. Tang Q, Bluestone JA. The Foxp3+ regulatory T cell: a jack of all trades, master of regulation. Nat Immunol. 2008;9:239-44. Frequentemente observa-se um desequilíbrio entre células T helper produtoras de IL-17 (Th17) e células Treg durante o curso do LES, com importante comprometimento do subgrupo Treg.55. Alunno A, Bartoloni E, Bistoni O, Nocentini G, Ronchetti S, Caterbi S et al. Balance between regulatory T and Th17 cells in systemic lupus erythematosus: the old and the new. Clin Dev Immunol. 2012;2012:823085. Interessa saber que o bloqueio das células Treg por células apresentadoras de antígeno produtoras de interferon-α pode contribuir para a diminuição da tolerância periférica em pacientes com LES.66. Yan B, Ye S, Chen G, Kuang M, Shen N, Chen S. Dysfunctional CD4+,CD25+ regulatory T cells in untreated active systemic lupus erythematosus secondary to interferonalphaproducing antigenpresenting cells. Arthritis Rheum. 2008;58:801-12.

Uma disfunção de células Treg CD4+ CD25+ Foxp3+ foi documentada em vários transtornos autoimunes.77. Bernard F, Romano A, Granel B. Regulatory T cells and systemic autoimmune diseases: systemic lupus erythematosus, rheumatoid arthritis, primary Sjögren's syndrome. Rev Med Interne. 2010;31:116-27. Em casos de LES, muitos estudos demonstraram redução numérica nas células Treg circulantes em pacientes com a doença ativa, mas os dados ainda são conflitantes.88. Kuhn A, Beissert S, Krammer PH. CD4(+)CD25 (+) regulatory T cells in human lupus erythematosus. Arch Dermatol Res. 2009;301:71-81.

Por sua vez, os linfócitos B são células essenciais em LES; essas células estão ligadas à apresentação de antígeno, síntese de autoanticorpos e produção de citocinas. Interessa saber que um subgrupo distinto de células B demonstrou exercer efeitos imunossupressivos;99. Kitagori K, Kawabata D. B cell abnormality in systemic lupus erythematosus. Nihon Rinsho Meneki Gakkai Kaishi. 2012;35:495-502. essas células B reguladoras e produtoras de IL-10, sabidamente capazes de suprimir a diferenciação das células T helper, parecem estar funcionalmente comprometidas em pacientes com LES.1010. Blair PA, Noreña LY, FloresBorja F, Rawlings DJ, Isenberg DA, Ehrenstein MR, Mauri C. CD19(+)CD24(hi)CD38(hi) B cells exhibit regulatory capacity in healthy individuals but are functionally impaired in systemic Lupus Erythematosus patients. Immunity. 2010;32:129-40.

Considerando a importância da interação entre linfócitos T, células Treg e linfócitos B na imunopatogênese do LES (5-7; 9,10), propusemo-nos a quantificar originalmente os linfócitos totais, células Treg, células T CD3+ CD19- e células B CD3-CD19+ em uma pesquisa brasileira de pacientes com LES/SAF secundária (LES/SAFS) e de controles saudáveis.

Materiais e métodos

Esse estudo transversal incluiu pacientes com LES e história de SAF secundária de nossa Clínica Ambulatorial de Lúpus. Os diagnósticos clínico e laboratorial de LES tomaram por base os critérios do American College of Rheumatology, 1997;1111. Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1997;40:1725. para o diagnóstico de SAF, utilizamos os critérios de Sidney, 2006.1212. Miyakis S, Lockshin MD, Atsumi T, Branch DW, Brey RL, Cervera R, et al. International consensus statement on an update of the classification criteria for definite antiphospholipid syndrome (APS). J Thromb Haemost. 2006;4:295-306. A atividade lúpica foi avaliada pelo índice de atividade de doença para o lúpus eritematoso sistêmico, SLEDAI.1313. Bombardier C, Gladman DD, Urowitz MB, Caron D, Chang CH. Derivation of the SLEDAI. A disease activity index for lupus patients. The Committee of Prognosis Studies in SLE. Arthritis Rheum. 1992;35:630-40.

Nossos critérios de exclusão foram: 1) idade abaixo dos 16 anos; 2) endocardite infecciosa ou outras infecções concomitantes; 3) diabetes melito; 4) neoplasias (em curso ou pregressas); e 5) infecção pelo vírus da imunodeficiência humana ou por Treponema pallidum. O grupo de controle foi formado por indivíduos saudáveis com mais de 16 anos de idade, compatibilizados por idade e gênero e não portadores de SAF, transtornos do tecido conjuntivo, neoplasias ou infecções em curso. Os dados clínicos e demográficos foram obtidos de revisões do prontuário médico e de entrevistas com pacientes ou suas famílias, em seguida à obtenção do consentimento informado. O estudo foi aprovado pela comissão de ética local.

Os subtipos celulares foram imunofenotipados com o uso dos anticorpos monoclonais específicos anti-CD3CY5, anti-CD4FITC, anti-CD25, anti-Foxp3 e anti-CD19PE (Biosciences, San Jose, CA, EUA) e identificados por citometria de fluxo multicolorida.1414. Moon HW, Kim BH, Park CM, Hur M, Yun YM, Kim SY, Lee MH. CD4+CD25highFoxP3+ regulatory Tcells in hematologic diseases. Korean J Lab Med. 2011;31:231-7.

A análise estatística quantitativa foi realizada usando o programa SPSS17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O nível de significância foi estabelecido em a=0,05 (bilateral). Os resultados foram publicados na forma de média e desvio-padrão ou por frequências absolutas e relativas. A análise estatística foi efetuada pelos testes t de Student e de Mann-Whitney para variáveis contínuas, e pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher para variáveis categóricas. Utilizamos o teste de Pearson para correlação dos subtipos celulares circulatórios com SLEDAI. Fizemos uma análise de covariância (ANCOVA) para a avaliação das relações entre variáveis.

Resultados

Vinte e cinco pacientes com LES/SAF e 25 controles saudáveis ingressaram no estudo. Em nossa pesquisa de LES/SAF, houve grande predomínio de mulheres (96%) de meia-idade (média de idade 43,5 anos). Vinte e quatro pacientes (96%) pertenciam à raça branca. A duração média da doença era de 9,87 anos e o escore SLEDAI médio foi de 10±5,77. No momento da avaliação, artrite (36%), úlceras orais (32%), erupção malar (24%), convulsões (16%), nefrite (12%) e leucopenia (8%) eram as manifestações mais frequentes de LES. Todos os pacientes apresentavam anticorpos antinucleares e 40% demonstraram positividade para anti-dsDNA. Foram observados baixos níveis de complemento em 8% dos pacientes.

Quanto aos aspectos clínicos da SAF, trombose venosa profunda (TVP) foi diagnosticada em 15 pacientes (60%), enquanto morte fetal (assim considerada depois de 12 semanas de gestação) ocorreu em 6 pacientes (24%). Neurite óptica foi observada em 4 casos (16%). Derrames e abortos foram verificados em 3 casos, cada (12%). Níveis moderados ou elevados de anticorpos anticardiolipina (aCL) foram detectados em 21 pacientes (84%), ao passo que o anticoagulante do lúpus estava presente em nove pacientes (36%). Catorze pacientes (56%) estavam em regime de anticoagulação oral com varfarina e o restante estava sendo medicado com aspirina em baixas doses.

Cloroquina, azatioprina e corticosteroides estavam sendo utilizados por 9 (36%), 5 (20%) e 16 pacientes (64%), respectivamente.

A tabela 1 compara os aspectos demográficos e os subgrupos de linfócitos de pacientes com LES/SAF e controles. Os dois grupos demonstravam homogeneidade quanto à idade, ao gênero e à raça. O número médio de células Treg CD4+ CD25+ Foxp3+ e de células B CD3- CD19+ estava significativamente mais baixo em pacientes com LES/SAF, em comparação com controles. O número médio de linfócitos totais, células T CD3+ CD19- e linfócitos T CD4(+) CD25(+) não diferiu significativamente entre grupos.

Tabela 1
Dados demográficos e de subgrupos de linfócitos em 25 pacientes com lúpus eritematoso sistêmico/síndrome antifosfolípide secundária (LES/SAFS) e 25 controles saudáveis

Os pacientes com LES/SAF estavam mantendo um número significativamente mais baixo de células Treg em seguida ao controle (ANCOVA) para o percentual de linfócitos

totais (F=28,50, p<0,0001). A expressão de FoxP3 em células CD4+CD25+, conforme estimativa pela intensidade média da fluorescência, não diferiu em pacientes com LES/SAF e em controles (2660,55±1044,06 vs. 2470,65±1732,87; p=0,67, respectivamente). Pacientes com LES/SAF persistiram com um percentual significativamente mais baixo de células B CD3- CD19+ em seguida ao controle para linfócitos totais (F=13,17; p=0,002).

A figura 1 ilustra a distribuição dos linfócitos totais, células Treg CD4+ CD25+ Foxp3+ e linfócitos B CD3- CD19+ em pacientes com LES/SAF, em comparação com controles.

Figura 1
Distribuição gráfi ca de linfócitos totais (A), Células Treg CD4+ CD25+ Foxp3+ (B) e células B CD3– CD19+ (C) em controles e em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico/síndrome antifosfolipoide secundária (LES/SAF). *Teste t de Student.

A figura 2 ilustra o teste de Pearson para correlação de células Treg e células B CD3CD19+ circulantes com SLEDAI. Foi obtida uma correlação negativa significativa de ambos os subtipos celulares com SLEDAI, indicando que menor número de células Treg e de células B CD3CD19+ estava ligado a escores mais elevados de atividade lúpica.

Figura 2
Correlação do teste de Pearson de células Treg circulantes (A) e de células B CD3-CD19+ com atividade de lúpus avaliada pelo índice de atividade de doença para o lúpus eritematoso sistêmico (SLEDAI). *Teste t de Student

Os níveis de células Treg circulantes não variou significativamente entre usuários ou não usuários de cloroquina, azatioprina e corticosteroides (p=0,90; p=0,76 e p=0,29 no teste do qui-quadrado, respectivamente). Dentro dessa mesma linha, o número de células B CD3CD19+ não diferiu significativamente em usuários ou não usuários desses medicamentos (p=0,462; p=0,512 e p=0,341 no teste do qui-quadrado, respectivamente).

Ao compararmos seletivamente os subtipos celulares em 5 pacientes com LES/SAF inativo (SLEDAI <4) e 25 controles saudáveis, apenas a população de células B CD3CD19+ permaneceu reduzida no primeiro grupo (5,37±1,95% × 9,25±3,00%; p=0,003; teste t de Student).

Discussão

Uma série de relatos implicou redução de células Treg em pacientes com LES.1515. Fathy A, Mohamed RW, Tawfik GA, Omar AS. Diminished CD4+CD25+ Tlymphocytes in peripheral blood of patients with systemic lupus erythematosus. Egypt J Immunol. 2005;12:25-31.

16. Mellor-Pita S, Citores MJ, Castejon R, Tutor-Ureta P, Yebra-Bango M, Andreu JL et al. Decrease of regulatory T cells in patients with systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2006;65:5534.
-1717. Barreto M, Ferreira RC, Lourenco L, MoraesFontes MF, Santos E, Alves M et al. Low frequency of CD4+CD25+ Treg in SLE patients: a heritable trait associated with CTLA4 and TGFbeta gene variants. BMC Immunol. 2009;10:5. Até onde vai nosso conhecimento, esse estudo é o primeiro sobre células Treg e linfócitos B circulantes em pacientes brasileiros com LES e SAF secundária. Nossa pesquisa envolveu predominantemente mulheres brancas de meia-idade com SLEDAI elevado e duração média da doença de aproximadamente uma década. Artrite e úlceras orais foram os achados mais importantes no LES, enquanto TVP e anticorpos aCL foram as características essenciais de SAF.

Notamos redução no número de células B CD3CD19+ circulantes em nossos pacientes com SLE/SAF, em comparação com controles. É importante citar que não foi observada associação de contagem das células B CD3CD19+ com uso de cloroquina, azatioprina e esteroides. As razões para essa diminuição das células B em pacientes com LES/SAF são nebulosas, mas uma explicação poderia ser a de autoanticorpos direcionados para linfócitos B, ou defeitos intrínsecos de subgrupos de células B. O fato da confi rmação da depleção de células B, mesmo nos 5 pacientes com LES inativo, poderia falar em favor dessa última razão. Podemos apenas avançar a hipótese de que a população com depleção de células B seja o subgrupo produtor de IL-10 com propriedades imunossupressoras. É digno de nota que células B competentes parecem ser importantes na deflagração da atividade das células Treg, conforme ficou demonstrado em pacientes com imunodeficiência variável comum.1818. Genre J, Errante PR, Kokron CM, ToledoBarros M, Câmara NO, Rizzo LV. Reduced frequency of CD4(+)CD25(HIGH) FOXP3(+) cells and diminished FOXP3 expression in patients with common variable immunodeficiency: a link to autoimmunity? Clin Immunol. 2009;132:21521.

Observamos uma redução numérica de células Treg CD4+ CD25+ Foxp3+ circulantes em nossos pacientes com LES/SAF, em comparação com controles. Conforme ocorreu com o subtipo de linfócitos B, a depleção de células Treg foi conformada em seguida ao controle (ANCOVA) para contagem de linfócitos totais. Níveis decrescentes de células Treg circulantes, da mesma forma que o observado com o subgrupo CD3- CD19+, tiveram correlação com escores mais elevados de atividade da doença. Níveis reduzidos de células Treg foram associados com LES ativo,1919. Vignali DA, Collison LW, Workman CJ. How regulatory T cells work. Nat Rev Immunol. 2008;8:523-32.,2020. Miyara M, Amoura Z, Parizot C, Badoual C, Dorgham K, Trad S, et al. Global natural regulatory T cell depletion in active systemic lupus erythematosus. J Immunol. 2005;175:8392-400. mas outros relatos2121. Yates J, Whittington A, Mitchell P, Lechler RI, Lightstone L, Lombardi G. Natural regulatory T cells: number and function are normal in the majority of patients with lupus nephritis. Clin Exp Immunol. 2008;153:44-55.,2222. Zhang B, Zhang X, Tang FL, L.P. Z, Liu Y, Lipsky PE. Clinical significance of increased CD4+CD25Foxp3+ T cells in patients with newonset systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2008;67:1037-40. questionaram esse achado. Em nosso estudo, a depleção de células Treg pode ser representativa de um defeito intrínseco relacionado a LES/ SAF precedente, ou a uma atividade corrente de LES. Pacientes com LES inativo não exibiam redução de células Treg, o que favorece a segunda hipótese. É digno de nota que também não houve associação entre redução nas células Treg e uso de cloroquina, azatioprina ou esteroides em nossos pacientes.

Recentemente, nosso grupo relatou baixos níveis de células Treg e também de células B CD3- CD19+ circulantes em pacientes com SAF primária.2323. Dal Ben ERR, do Prado CH, Baptista TSA, Bauer ME, Staub HL. Decreased levels of circulating CD4+CD25+Foxp3+ regulatory T cells in patients with primary antiphospholipid syndrome. J Clin Immunol (In Press). Esses dados, em combinação com o presente estudo, implicam ocorrência de depleção dos dois subgrupos em populações com SAF, como um todo. Se essa suposição for confirmada, a redução nas células Treg pode comprometer um dos imunomecanismos conducentes a respostas aPL patogênicas em pacientes com SAF primária ou secundária. Não obstante, devemos ter em mente que a redução de células Treg em pacientes com LES/SAF parecia estar mais relacionada à atividade de LES do que com qualquer outro fator em particular.

Dados recentes permitiram definir que qualquer análise quantitativa de células Treg em pacientes com transtornos autoimunes deve ser examinada com alguma cautela. As células Treg exibem formidável plasticidade e compreendem uma população heterogênea de células supressivas, células Treg não funcionais e células Treg produtoras de IL-17ª atuando como linfócitos T efetores. Assim, a simples contagem numérica de células Treg talvez não seja verdadeiramente representativa de seu estado funcional.2424. Sakaguchi S, Vignali DA, Rudensky AY, Niec RE, Waldmann H. The plasticity and stability of regulatory T cells. Nat Rev Immunol. 2013;13:461-7.

Devemos também mencionar outras limitações de nosso estudo. Embora a maioria dos nossos pacientes tenha exibido LES ativo, as manifestações trombóticas de SAF não eram correntes; futuros estudos deverão investigar a função biológica das células Treg e dos linfócitos B durante o evento trombótico e também em uma análise longitudinal. Tendo em vista a pequena amostra, não pudemos subgrupar os pacientes por características de LES/SAF ou por dose dos medicamentos. O pequeno número de pacientes com LES inativo limitou a potência estatística do artigo. Do mesmo modo, a não comparação com pacientes com LES e sem SAF limitou nossas conclusões.

Até o momento, os tratamentos de LES e SAF têm sido fundamentados na imunossupressão e na anticoagulação, respectivamente. Está sendo tentada uma abordagem imunomodulatória direta que faz pender o equilíbrio em favor das células Treg, com a terapia com células Treg autólogas em pacientes com diabetes tipo 1;2525. Thompson JA, Perry D, Brusko TM. Autologous regulatory T cells for the treatment of type 1 diabetes. Curr Diab Rep. 2012;12:62332. essa intervenção poderia se mostrar promissora também para LES e SAF. Recentemente, constatou-se que as células Treg teriam a propriedade de prolongar o intervalo de remissão induzida por medicamentos citostáticos convencionais em camundongos de lúpus (NZB×NZW) F1.2626. Weigert O, von Spee C, Undeutsch R, Kloke L, Humrich JY, Riemekasten G. CD4+Foxp3+ regulatory T cells prolong druginduced disease remission in (NZBxNZW) F1 lupus mice. Arthritis Res Ther. 2013;15:R35.

Embora permaneçam ainda sem resposta muitas perguntas relacionadas à patogênese do LES e da SAF, é possível que a progressão da doença resulte de uma interrupção na autotolerância periférica dependente das células Treg. Nesse contexto, a imunoterapia baseada em células Treg poderia ocupar um espaço na manutenção da remissão da doença nesse grupo de pacientes.

Em conclusão, esse estudo preliminar demonstrou a ocorrência da redução numérica de células Treg CD4+ CD25+ Foxp3 + e de linfócitos B CD3- CD19+ em pacientes brasileiros com LES e SAFS. Contagens celulares mais baixas foram observadas em pacientes com maior atividade do LES. Estudos futuros deverão confirmar se a redução dos níveis de células Treg está conectada à imunorreação anormal observada em pacientes com LES/SAF. O decréscimo das células B CD3- CD19+, observado nesses pacientes e possivelmente ligado à disfunção das células Treg, também justifica a realização de estudos em busca de maiores esclarecimentos.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2013
  • Aceito
    16 Set 2013
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