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Qualidade nutricional e microbiológica de feijão (Phaseolus vulgaris L.) cozido com ou sem água de maceração

Nutritional and microbiological quality of common beans (Phaseolus vulgaris L.) cooked with or without the use of soaking water

Resumos

Objetivou-se, neste trabalho, avaliar a qualidade nutricional e microbiológica de feijão (Phaseolus vulgaris L.), processado com o aproveitamento ou não da água de maceração. Grãos de duas cultivares de feijão comum - Iraí (grãos bege com estrias vermelhas) e BRS Expedito (grãos pretos) -foram submetidos à embebição em água destilada por oito horas, à temperatura ambiente. O cozimento foi realizado com e sem o aproveitamento da água de maceração. Os minerais foram determinados nos grãos e no caldo, separadamente, e os microrganismos, na mistura de grãos e caldo. Os resultados obtidos evidenciam que a composição de minerais nos grãos e no caldo de feijão não foi alterada pelo descarte da água de maceração para o cozimento. O caldo de feijão apresentou altos teores de fósforo, potássio, magnésio e enxofre. A eliminação da água de maceração não melhorou a qualidade microbiológica do feijão processado. O cozimento das cultivares de feijão Iraí e BRS Expedito pode ser realizado com o aproveitamento ou com o descarte da água de maceração, pois há manutenção do teor de minerais e da qualidade microbiológica do feijão.

Phaseolus vulgaris; minerais; coliformes; cultivares


The aim of this work was to evaluate the nutritional and microbiological quality of common beans (Phaseolus vulgaris L.) processed with or without soaking water. Two common bean cultivars grains (Iraí and BRS Expedito) were subjected to soaking in distilled water for eight hours, at environmental temperature. The cooking was made with the use or discard of soaking water. The minerals were determinated in grains and broth separatedely and microorganisms associated. The results did not show changes for the minerals content in grains and broth with discard of the soaking water. The bean broth showed high phosphorus, potassium, magnesium and sulfur content. The discard of the soaking water did not improve microbiological quality of the processed common beans. Iraí and BRS Expedito cultivars may be cooked with the use or discard of soaking water because minerals content and microbiological quality of the processed common beans are maintained.

Phaseolus vulgaris; minerals; coliforms; cultivars


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

Qualidade nutricional e microbiológica de feijão (Phaseolus vulgaris L.) cozido com ou sem água de maceração

Nutritional and microbiological quality of common beans (Phaseolus vulgaris L.) cooked with or without the use of soaking water

Viviani Ruffo de OliveiraI; Nerinéia Dalfollo RibeiroII; Evandro JostIII; Patrícia Medianeira Grigoletto LonderoIII

INutricionista, Doutoranda em Agronomia - Departamento de Fitotecnia/FITO - Universidade Federal de Santa Maria/UFSM - Avenida Roraima, 1000 - Camobi - 97105-900 - Santa Maria, RS - viviani@unifra.com.br

IIEngenheira Agrônoma, Doutora em Agronomia, Professora - Departamento de Fitotecnia/FITO - Universidade Federal de Santa Maria/UFSM - Avenida Roraima, 1000 - Camobi - 97105-900 - Santa Maria, RS - neiadr@smail.ufsm.br

IIIEngenheiros Agrônomos, Doutorandos em Agronomia - Departamento de Fitotecnia/FITO - Universidade Federal de Santa Maria/UFSM - Avenida Roraima, 1000 - Camobi - 97105-900 - Santa Maria, RS - evandrojost@yahoo.com.br; patricialondero@yahoo.com.br

RESUMO

Objetivou-se, neste trabalho, avaliar a qualidade nutricional e microbiológica de feijão (Phaseolus vulgaris L.), processado com o aproveitamento ou não da água de maceração. Grãos de duas cultivares de feijão comum - Iraí (grãos bege com estrias vermelhas) e BRS Expedito (grãos pretos) -foram submetidos à embebição em água destilada por oito horas, à temperatura ambiente. O cozimento foi realizado com e sem o aproveitamento da água de maceração. Os minerais foram determinados nos grãos e no caldo, separadamente, e os microrganismos, na mistura de grãos e caldo. Os resultados obtidos evidenciam que a composição de minerais nos grãos e no caldo de feijão não foi alterada pelo descarte da água de maceração para o cozimento. O caldo de feijão apresentou altos teores de fósforo, potássio, magnésio e enxofre. A eliminação da água de maceração não melhorou a qualidade microbiológica do feijão processado. O cozimento das cultivares de feijão Iraí e BRS Expedito pode ser realizado com o aproveitamento ou com o descarte da água de maceração, pois há manutenção do teor de minerais e da qualidade microbiológica do feijão.

Termos para indexação:Phaseolus vulgaris, minerais, coliformes, cultivares.

ABSTRACT

The aim of this work was to evaluate the nutritional and microbiological quality of common beans (Phaseolus vulgaris L.) processed with or without soaking water. Two common bean cultivars grains (Iraí and BRS Expedito) were subjected to soaking in distilled water for eight hours, at environmental temperature. The cooking was made with the use or discard of soaking water. The minerals were determinated in grains and broth separatedely and microorganisms associated. The results did not show changes for the minerals content in grains and broth with discard of the soaking water. The bean broth showed high phosphorus, potassium, magnesium and sulfur content. The discard of the soaking water did not improve microbiological quality of the processed common beans. Iraí and BRS Expedito cultivars may be cooked with the use or discard of soaking water because minerals content and microbiological quality of the processed common beans are maintained.

Index terms:Phaseolus vulgaris, minerals, coliforms, cultivars.

INTRODUÇÃO

O feijão comum (Phaseolus vulgaris L. ) possui de 18 a 30% de proteína bruta (DALLA CORTE et al., 2003; LEMOS et al., 2004). De acordo com Ribeiro et al. (2007), a proteína do feijão é de boa qualidade, pois várias cultivares de feijão, disponíveis no Brasil, apresentaram teores de aminoácidos essenciais superiores ao padrão considerado adequado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), para suprir as necessidades diárias de um indivíduo adulto (FAO, 1998). Além disso, o feijão é de maior digestibilidade protéica quando comparado à soja, apesar de possuir cerca da metade do teor de proteína (PIRES et al., 2006). Por isso, o valor nutricional desse alimento deve ser melhor investigado, principalmente nos países em que o consumo de proteína animal é limitado, devido ao baixo poder aquisitivo da população.

No processamento doméstico, é prática comum deixar o feijão em maceração durante a noite, ou seja, realizase a maceração dos grãos crus em água por 12 a 16 horas, à temperatura ambiente (OLIVEIRA et al., 1999). Assim, ocorrerá a hidratação dos grãos e o tempo de cozimento será reduzido, representando menos tempo para o preparo da refeição e economia de energia. No entanto, apesar dessa prática ser secular, não apresenta caráter científico.

Por isso, é importante avaliar a qualidade nutricional e microbiológica dos grãos de feijão submetidos à maceração, principalmente nas regiões tropicais, onde a alta temperatura do ar propicia o desenvolvimento de microorganismos nocivos à saúde, na água de embebição. Sabe-se que a maceração aumenta a digestibilidade in vitro da proteína, em feijão carioca (JOOD et al., 1989), reduz o teor de taninos em Vicia faba (SHARMA & SEHGAL, 1992) e diminui o teor de açúcares solúveis totais, açúcares redutores e não redutores e de amido em feijão-gandu (KATARIA & CHAUHAN, 1988).

O aproveitamento ou não da água de maceração para o cozimento do feijão também precisa ser analisado, pois resulta em diferenças quantitativas na composição química. A utilização da água de maceração, para o processamento de grãos das cultivares de feijão Carioca e Xamego, resultou em um caldo mais nutritivo, pois maiores teores de cálcio, ferro, magnésio e zinco foram observados (DERIVI et al., 2006). Já o cozimento sem maceração de feijão preto manteve o teor de cobre, mas reduziu em 22% o teor de zinco (ANDRADE et al., 2004).

Considerando que o processamento pode alterar a qualidade nutricional dos alimentos e que há registro de contaminação microbiológica por Salmonella spp., devido ao consumo de feijão cozido (GUIMARÃES et al., 2001), a composição de minerais e a qualidade microbiológica da água de maceração deverão ser avaliadas no processamento doméstico. Sendo assim, objetivou-se, neste trabalho, avaliar se o processamento do feijão deve ser realizado com o aproveitamento ou não da água de maceração, visando à manutenção da qualidade nutricional e microbiológica.

MATERIAL E MÉTODOS

Os grãos de feijão das cultivares Iraí e BRS Expedito foram obtidos de ensaio do Programa de Melhoramento de Feijão, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, na safra agrícola de 2005/ 2006. A cultivar Iraí possui grãos de coloração bege, com estrias vermelhas, peso de 100 grãos de 33,2 gramas e composição de aminoácidos adequada para uso na alimentação (RIBEIRO et al., 2007). A cultivar BRS Expedito apresenta grãos de tegumento preto, peso de 100 grãos de 20,4 gramas e alto teor de macrominerais (JOST et al., 2006).

Os seguintes tratamentos foram aplicados para cada cultivar de feijão: 1-feijão cru; 2-grão coccionado sem água de maceração; 3-grão coccionado com água de maceração; 4- caldo coccionado sem água de maceração; 5- caldo coccionado com água de maceração. Para tanto, amostras de 300 g de grãos não lavados foram maceradas em 1500 mL de água deionizada, em uma proporção feijão:água de 1:5 (p/v), por oito horas, à temperatura ambiente. A água de maceração foi desprezada ou aproveitada para o cozimento que foi realizado em panela de pressão doméstica de 7 litros, sem a adição de cloreto de sódio. As panelas, vidrarias, moinho e demais utensílios utilizados para o processamento do feijão foram lavados com extran neutro a 5% para minimizar a probabilidade de contaminação das amostras.

Para o processamento, a água foi separada dos grãos, com a utilização de uma peneira doméstica e levada ao aquecimento, até levantar fervura. Nos tratamentos em que a água de maceração foi desprezada para o cozimento, adicionou-se água deionizada, na proporção de 1:5 (p/v). Em seguida, acrescentaram-se os grãos, esperou-se nova fervura e a panela foi tampada. O feijão foi cozido sob pressão por 23 minutos (CARNEIRO et al., 2005), depois da saída constante de vapor pela válvula de pressão de 1 atm e temperatura de aproximadamente 116ºC.

A separação dos grãos cozidos do caldo de feijão foi realizada a quente e com o auxílio de peneira doméstica. As amostras foram desidratadas em estufa com circulação forçada de ar quente a 65-70ºC. A moagem foi realizada por meio de trituração do material seco em moinho de facas, até passar em malha de 2-3 mm, obtendo-se uma farinha fina que foi utilizada para as análises de minerais.

Os minerais foram quantificados no Laboratório de Ecologia Florestal (LABEFLO), da UFSM. A digestão sulfúrica foi realizada para a determinação de nitrogênio e a digestão nítrica-perclórica (HNO3 + HClO4, na proporção 3:1), para a quantificação de fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, zinco, cobre e manganês. O teor de nitrogênio foi avaliado pelo método de micro-Kjeldahl, em destilador Vapodest; o fósforo e o enxofre, por meio de espectrofotômetro UV-VIS, marca Único, modelo 2100, com comprimento de onda de 660 nm e de 420 nm, respectivamente; o potássio, por fotometria de chama.

Os minerais: cálcio, magnésio, ferro, zinco, cobre e manganês foram determinados por leitura em espectrofotômetro de absorção atômica, marca Perken Elmer, modelo Analyst 200, utilizando os seguintes comprimentos de onda (Ca: 422,7 nm, Mg: 285,2 nm, Fe: 248,3 nm, Zn: 213,9 nm, Cu: 324,8 nm e Mn: 279,5 nm). Os métodos aplicados para a digestão das amostras e para as dosagens dos minerais foram descritos pela Embrapa (1999).

As análises microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Microbiologia de Alimentos da UFSM. Três tratamentos foram considerados: 1-grão cru + água de maceração; 2- grão coccionado sem água de maceração + caldo; 3- grão coccionado com água de maceração + caldo. Para tanto, uma amostra de 25 gramas de grãos de feijão com a água deionizada (de maceração ou não) foi homogeneizada e misturada com 225 ml de água peptonada 0,1%. A etapa presuntiva foi realizada, com três diluições sucessivas, em ágar cristal violeta-vermelho neutro-bile (VRBA), incubados a 36ºC ±1ºC /18-24h, e contagem das colônias lactose positivas. Na etapa confirmativa foram contadas, separadamente, as colônias típicas e atípicas. A prova confirmativa dos coliformes totais foi realizada por meio da inoculação em caldo verde brilhante bile 2% lactose, com posterior incubação a 35ºC /24-48h. A presença de gás nos tubos de Durhan ou efervescência, quando agitados suavemente, indicou positividade. Para a confirmação dos coliformes fecais, as colônias suspeitas foram inoculadas em caldo Escherichia coli (caldo EC) e incubadas a 45ºC /24-48h (BRASIL, 2001).

O delineamento experimental utilizado para as análises de minerais foi o inteiramente casualizado, com duas repetições, em duplicata. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, utilizando-se o teste F, a 5% de probabilidade, e as médias foram comparadas entre si, pelo teste de Tukey. Para as análises microbiológicas, considerou-se o delineamento inteiramente casualizado, com três repetições, e os dados médios foram apresentados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O cozimento provocou alteração na composição de alguns minerais nos grãos e no caldo, para as cultivares de feijão Iraí e BRS Expedito (Tabelas 1 e 2). No entanto, o aproveitamento da água de maceração para o processamento não modificou os teores de minerais nos grãos ou no caldo. Resultado esse que discorda de Derivi et al. (2006), que observaram incremento dos teores de cálcio, ferro, magnésio e zinco no caldo de feijão, quando a água de maceração foi utilizada para o cozimento das cultivares Carioca e Xamego.

O teor de nitrogênio (N) apresentou comportamento diferenciado para as cultivares avaliadas. Para a cultivar Iraí, o cozimento não modificou o teor de N dos grãos e do caldo (Tabela 1). No entanto, grãos crús ou cozidos com ou sem a água de maceração da cultivar BRS Expedito apresentaram maiores teores de N quando comparados aos valores observados no caldo de feijão (Tabela 2). Cárdenas et al. (2008) constataram que o teor de proteína de feijão cozido com a água de maceração foi mantido para as cultivares Diamante Negro e Talismã e que um aumento foi obtido para as cultivares Ouro Branco, BRS Radiante e Pérola e que resposta diferenciada foi observada quando o cozimento foi realizado sem a água de maceração. Assim, alteração na solubilidade da proteína foi observada quando o processamento do feijão foi realizado com o aproveitamento ou não da água de maceração e diferenças genéticas foram constatadas entre as cultivares de feijão.

Quanto ao fósforo (P), diferenças significativas foram observadas apenas para a cultivar Iraí, que apresentou maior teor de P no caldo. O cozimento não alterou o teor de fósforo de grãos de diferentes classes de feijão, em cultivo nos Estados Unidos (AUGUSTIN et al., 1981).

O teor de potássio foi superior no caldo para ambas as cultivares de feijão avaliadas (Tabelas 1 e 2). Sendo assim, o caldo de feijão, coccionado com ou sem a água de maceração, apresenta um alto teor de potássio que pode ser administrado com fins terapêuticos ou preventivos na dieta. Isso porque o potássio tem a propriedade de controlar a hipertensão arterial e minimizar os problemas de excreção excessiva que prejudicam a saúde (SATHE et al., 1984). Por sua vez, Louis & Dolan (1970) recomendaram restrição de potássio na alimentação, quando houver o diagnóstico de comprometimento renal. Nesse caso, o consumo de caldo de feijão deverá ser evitado. Por isso, a prescrição adequada de uma dieta de consistência líquida deverá ser baseada no profundo conhecimento da composição química do alimento processado e no quadro de saúde do indivíduo.

O teor de cálcio não foi alterado com o cozimento, pois diferenças significativas não foram observadas entre os tratamentos. Entretanto, em feijão branco verificou-se que a maceração, com ou sem cocção, reduziu significativamente o conteúdo de cálcio (ELMAKI et al., 2007). Por sua vez, o aproveitamento da água de maceração, para o cozimento dos grãos das cultivares Carioca e Xamego, propiciou aumento do teor de cálcio no caldo de feijão (DERIVI et al., 2006). Esses resultados sugerem que a mobilidade do cálcio para a água de maceração foi dependente das diferenças genéticas entre as cultivares avaliadas. Além disso, é preciso considerar que o tempo em que os grãos permaneceram em contato com a água, a quantidade de água utilizada na cocção e a temperatura da água de embebição, são fatores que podem favorecer a migração de minerais para o meio.

O teor de magnésio (Mg) foi modificado com o processamento, embora a aplicação do teste de Tukey não tenha possibilitado a estratificação entre os tratamentos para a cultivar Iraí. Para a cultivar BRS Expedito observou-se que o teor de Mg no caldo coccionado com a água de maceração foi superior apenas ao grão cru e ao grão cozido com o aproveitamento da água de maceração. Entretanto, o teor de Mg de grãos crus foi similar ao obtido em grãos cozidos de nove diferentes classes de feijão (AUGUSTIN et al., 1981).

Para o enxofre, efeito significativo foi obtido para a cultivar BRS Expedito (Tabela 2); nesse caso, o grão cozido sem água de maceração apresentou menor teor de enxofre, quando comparado ao caldo coccionado com e sem água de maceração.

O cozimento realizado com e sem água de maceração não alterou os teores de ferro e de zinco nos grãos e no caldo. O cozimento também manteve os teores de ferro e de zinco em grãos de feijão cultivados nos Estados Unidos (AUGUSTIN et al., 1981). Além disso, redução de 22% do teor de zinco em amostras de feijão preto e de 15% em feijão branco e mulatinho foi observada após o cozimento em meio aquoso, sem maceração (ANDRADE et al., 2004).

Os teores de ferro e de zinco nos grãos crus de feijão apresentam diferenças genéticas que também são constatadas quando os grãos são cozidos com ou sem o aproveitamento da água de maceração (CÁRDENAS et al., 2008). Nesse sentido, as cultivares de feijão Ouro Negro, Diamante Negro e Pérola apresentam maiores teores de ferro nos grãos crus e o cozimento realizado com ou sem a água de maceração provocou a redução da concentração desse mineral. O mesmo não ocorreu para as cultivares BRS Radiante e Talismã, pois a manutenção dos teores de ferro foi constatada com o cozimento. Por isso, é importante utilizar um processamento que mantenha os teores desses minerais, pois o feijão fornece quantidades significativas de ferro (71,5 mg kg-1 de matéria seca- MS) e de zinco (30,0 mg kg-1 de MS), para uso na alimentação (RIBEIRO et al., 2008). Se o cozimento for realizado de maneira adequada poderá representar a manutenção do estado de saúde de parcela significativa da população brasileira, que tem o hábito de consumir feijão diariamente. Isso porque as deficiências de ferro e de zinco podem ser consideradas um problema de saúde pública, pois o ferro é essencial à formação da hemoglobina e sua deficiência provoca anemia. O zinco é necessário para a mobilização hepática da vitamina A, atua na maturação sexual, na fertilidade e na reprodução, e a sua deficiência provoca atraso no crescimento, retardamento da maturação sexual, perda de apetite e intolerância à glicose (FRANCO, 2005).

O teor de manganês foi menor no caldo, quando comparado ao grão coccionado sem água de maceração, para a cultivar BRS Expedito. O teor de manganês variou de 1,00 g a 2,63 g 100g-1 em base seca, comprovando que diferenças genéticas entre cultivares de feijão são observadas para grãos crus (CÁRDENAS et al., 2008). As cultivares Ouro Branco, Diamante Negro, BRS Radiante, Pérola e Talismã quando cozidas com ou sem a água de maceração mantiveram os teores de manganês similares aos grãos crus. Assim, é possível a identificação de cultivares de feijão com maior teor de manganês nos grãos e essa concentração será mantida no processamento.

Já, o teor de cobre foi superior no caldo. Diferenças significativas não foram observadas para a cultivar Iraí, ou seja, o cozimento manteve o teor de cobre para essa cultivar, concordando com os resultados obtidos por Andrade et al. (2004). Cárdenas et al. (2008) observaram que os teores de cobre nos grãos de feijão cozidos com e sem a água de maceração variaram com a cultivar, ou seja, foi menor (Ouro Branco, BRS Radiante e Pérola), maior (Talismã) ou igual (Diamante Negro) aos grãos crus. O processamento poderá reduzir a concentração de cobre, pois as cultivares de feijão apresentaram diferenças na solubilidade durante o cozimento.

No processamento doméstico, é prática comum deixar o feijão de molho por 12 a 16 horas, à temperatura ambiente (OLIVEIRA et al., 1999). A água de maceração é aproveitada ou descartada para o cozimento, sem considerar o desenvolvimento de microrganismos. Por isso, é importante avaliar a qualidade microbiológica do alimento para certificarse de que está apropriado para o consumo humano.

A legislação vigente determina os padrões microbiológicos dos alimentos, com base em pesquisa de coliformes totais e fecais. De acordo com a RDC nº 12 de 02/01/2001, a tolerância máxima permitida para coliformes fecais é de 5,0 x 102 unidades formadoras de colônia por grama (UFC g-1) (BRASIL, 2001). A presença de coliformes indica que o processamento foi realizado em condições de higiene insatisfatórias e que o consumo deve ser evitado para que não haja comprometimento da saúde, como observado por Guimarães et al. (2001).

Quando os grãos crus de feijão foram submetidos a 8 horas de maceração, em temperatura ambiente, o desenvolvimento de coliformes totais foi observado na cultivar Iraí (4,3 x 102 UFC g-1) e na BRS Expedito (1,0 x 105 UFC g-1) (Tabela 3). Por sua vez, a contagem de coliformes totais foi inferior a 1,0 x 101 UFC g-1,após o cozimento realizado com ou sem a água de maceração, nas duas cultivares avaliadas. Esses resultados evidenciaram que o tratamento térmico reduziu os coliformes totais das amostras cruas de feijão.

Com relação aos coliformes fecais, observou-se contagem inferior a 1,0 x 101 UFC g-1 em todos os tratamentos. Dessa maneira, foi obtido um alimento com qualidade microbiológica adequada para o consumo humano, de acordo com a legislação vigente (BRASIL, 2001), independentemente do processamento ter sido realizado com o aproveitamento ou com o descarte da água de maceração.

Sendo assim, as cultivares de feijão Iraí e BRS Expedito podem ser coccionadas com ou sem a água de maceração, pois há manutenção da composição de minerais e da qualidade microbiológica dos grãos. Destaca-se o alto valor nutritivo do caldo de feijão que concentra altos teores de fósforo, potássio, magnésio, enxofre e boro.

CONCLUSÕES

A composição de minerais nos grãos e no caldo de feijão das cultivares Iraí e BRS Expedito não é alterada pelo descarte da água de maceração nas condições estudadas. O aproveitamento da água de maceração não altera a qualidade microbiológica do feijão cozido. O processamento do feijão pode ser realizado com e sem o aproveitamento da água de maceração, pois a qualidade nutricional e microbiológica é mantida.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelas bolsas concedidas. Ao Engenheiro Florestal Rudi Witschoreck, pelo auxílio nas análises de minerais.

(Recebido em 8 de janeiro de 2008 e aprovado em 19 de junho de 2008)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Aceito
    19 Jun 2008
  • Recebido
    08 Jan 2008
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