Resumos
Para avaliar os fatores de predição da não adesão à vacina contra o vírus da hepatite B (VHB) em adolescentes escolares de baixa renda da Região Metropolitana de Goiânia, Goiás, 304 indivíduos suscetíveis ao VHB, matriculados em duas escolas, foram entrevistados e a vacina contra hepatite foi oferecida. Somente 195 (64%) adolescentes aceitaram a primeira dose da vacina. Por outro lado, 182/195 (93,3%) receberam o esquema completo. Verificou-se que fatores escolares exerceram um papel na aceitação da vacina, uma vez que a escola B e turno noturno foram independentemente associados à não adesão à vacina. Os achados deste estudo ratificam a baixa aceitação da vacina contra hepatite B em adolescentes e evidenciam a necessidade de programas de educação em saúde para sensibilização desse grupo em relação à vacinação, e reforçam a importância de estratégias de imunização na escola para o cumprimento do esquema completo da vacina contra o VHB nesta população-alvo.
Adolescentes; Escolares; Vacina contra hepatite B; Adesão
To evaluate the predictor factors for non-acceptance of hepatitis B vaccine among low-income adolescent students in the Goiânia Metropolitan Region, Goiás State, Brazil. In this study, 304 HBV-susceptible individuals enrolled in two schools were interviewed, and the HBV vaccine was offered. Only 195 (64%) of adolescents accepted the first dose of vaccine. On the other hand, 182/195 (93.3%) received the full HBV vaccine scheme. School factors played a role in vaccine acceptance, as School B and night classes were independently associated with non-acceptance of hepatitis B vaccination. The findings of this study ratify the low acceptance of hepatitis B vaccine among adolescents, highlighting the need for health education programs aiming at this group for hepatitis B vaccinations, while buttressing the importance of school-based vaccination strategies for attaining full HBV immunization of this target population.
Adolescents; Students; Hepatitis B vaccine; Compliance
ARTIGO ARTICLE
Análise de fatores associados à não aceitação da vacina contra hepatite B em adolescentes escolares de baixa renda
Analysis of factors associated with non-acceptance of hepatitis B vaccine among low income adolescent students
Michelle Dias da Silva OliveiraI; Valéria PaggotoI; Marcos André de MatosI; Aline Garcia KozlowskiII; Nádia Rúbia da SilvaII; Ana Luiza Neto JunqueiraI; Sandra Maria Brunini SouzaI; Regina Maria Bringel MartinsII; Sheila Araujo TelesI
IFaculdade de Enfermagem, UFG. Rua 227 quadra 68 s/n, Setor Leste Universitário. 74605-080 Goiânia GO. sheila@fen.ufg.br IIInstituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, UFG
RESUMO
Para avaliar os fatores de predição da não adesão à vacina contra o vírus da hepatite B (VHB) em adolescentes escolares de baixa renda da Região Metropolitana de Goiânia, Goiás, 304 indivíduos suscetíveis ao VHB, matriculados em duas escolas, foram entrevistados e a vacina contra hepatite foi oferecida. Somente 195 (64%) adolescentes aceitaram a primeira dose da vacina. Por outro lado, 182/195 (93,3%) receberam o esquema completo. Verificou-se que fatores escolares exerceram um papel na aceitação da vacina, uma vez que a escola B e turno noturno foram independentemente associados à não adesão à vacina. Os achados deste estudo ratificam a baixa aceitação da vacina contra hepatite B em adolescentes e evidenciam a necessidade de programas de educação em saúde para sensibilização desse grupo em relação à vacinação, e reforçam a importância de estratégias de imunização na escola para o cumprimento do esquema completo da vacina contra o VHB nesta população-alvo.
Palavras-chave: Adolescentes, Escolares, Vacina contra hepatite B, Adesão
ABSTRACT
To evaluate the predictor factors for non-acceptance of hepatitis B vaccine among low-income adolescent students in the Goiânia Metropolitan Region, Goiás State, Brazil. In this study, 304 HBV-susceptible individuals enrolled in two schools were interviewed, and the HBV vaccine was offered. Only 195 (64%) of adolescents accepted the first dose of vaccine. On the other hand, 182/195 (93.3%) received the full HBV vaccine scheme. School factors played a role in vaccine acceptance, as School B and night classes were independently associated with non-acceptance of hepatitis B vaccination. The findings of this study ratify the low acceptance of hepatitis B vaccine among adolescents, highlighting the need for health education programs aiming at this group for hepatitis B vaccinations, while buttressing the importance of school-based vaccination strategies for attaining full HBV immunization of this target population.
Key words: Adolescents, Students, Hepatitis B vaccine, Compliance
Introdução
A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) é uma das principais causas de doença aguda e crônica do fígado, podendo evoluir ainda para cirrose e carcinoma hepatocelular, sendo considerada um importante problema de saúde pública em todo o mundo. Acredita-se que existam mais de 350 milhões de portadores crônicos do VHB, e que mais de 500 mil morram, anualmente, vítimas desta enfermidade1. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 15% da população já foram expostos ao vírus da hepatite B, e que 1% sofra de hepatite B crônica2.
O vírus da hepatite B pode ser transmitido pelo contato com sangue ou outros fluidos corporais por meio das vias parenteral, sexual e vertical1. Assim, alguns grupos são particularmente suscetíveis a este agente, seja pela adoção de comportamentos de risco como uso de drogas injetáveis ilícitas, múltiplos parceiros sexuais e relações sexuais desprotegidas, seja por condições de saúde que impliquem em transfusões sanguíneas freqüentes, como doença renal crônica terminal ou pela atividade profissional como trabalhadores da saúde3. Ainda, estudos têm mostrado uma maior freqüência de positividade ao vírus da hepatite B em populações de baixa renda4,5.
Adolescentes têm sido considerados um grupo com risco elevado de exposição ao VHB, pois apresentam tendência a relações sexuais sem proteção e com múltiplos parceiros, experiências com drogas ilícitas e uso abusivo de álcool6,7. Além disso, os adolescentes são suscetíveis à pressão negativa de seus pares, sensação de invulnerabilidade e imortalidade, e apresentam dificuldades em associar comportamentos de risco atual e conseqüências futuras6. Assim, estudos têm mostrado um aumento da positividade para o VHB na adolescência que se estende até a idade adulta4,5.
A vacina contra o VHB é a forma mais eficaz para a prevenção da hepatite B e tem proporcionado um grande avanço no controle desta enfermidade8. Assim, desde 1991, a Organização Mundial de Saúde tem recomendado a vacinação universal contra hepatite B e mais de uma centena de países já incluíram esta vacina em seus programas de imunização9. No Brasil, a mesma tem sido oferecida gratuitamente a grupos de risco desde o início da década de 90 e, mais recentemente, estendida a indivíduos com idade inferior ou igual a 20 anos em todas as regiões10.
Estudos têm mostrado uma baixa cobertura vacinal contra hepatite B na população de adolescentes11,12. Segundo Schimidt & Middleman13, os jovens são resistentes à vacinação contra hepatite B, apesar do conhecimento do próprio risco de infecção pelo VHB. Contudo, indivíduos de baixa condição financeira têm sido mais suscetíveis à não vacinação14,15. Ainda, a baixa adesão à vacina tem sido atribuída ao longo período necessário para completar o esquema vacinal (três doses nos meses 0, 1 e 6)16,17 e o custo da vacina18. Ao contrário, programas de imunização em escolas parecem aumentar à adesão desse grupo à vacina contra o VHB, garantindo a administração do esquema vacinal completo16,19.
Em novembro de 2003, iniciou-se um estudo sobre a infecção pelo VHB em adolescentes escolares de uma região de baixa renda de Aparecida de Goiânia, uma cidade que compõe a Região Metropolitana de Goiânia. Após a identificação dos adolescentes suscetíveis, foi oferecida a vacina contra hepatite B no ambiente escolar. Nessa ocasião, investigou-se a aceitação da vacina contra hepatite B, bem como fatores de predição de não aceitação. Para o nosso conhecimento, este é o primeiro estudo sobre a adesão da vacina contra hepatite B em adolescentes de baixa renda em nossa região. Portanto, os resultados desta investigação poderão contribuir para a implementação de estratégias que maximizem a cobertura vacinal nesta população-alvo.
Métodos
O presente estudo foi realizado de novembro de 2003 a novembro de 2004, em uma região de baixa renda de Aparecida de Goiânia, que compõe a Região Metropolitana de Goiânia, Goiás. A população de estudo constituiu-se de 304 adolescentes escolares de 12 a 19 anos, matriculados nas duas maiores escolas públicas da região do estudo, previamente identificados como suscetíveis ao VHB20.
A autorização (idade igual ou inferior a 18 anos) para entrevista e vacinação foi obtida por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, após apresentação e esclarecimento de todo o projeto aos adolescentes escolares, pais ou responsáveis legais pelos mesmos.
Inicialmente, realizou-se a entrevista para coleta de dados sociodemográficos (idade, gênero, naturalidade e renda familiar) e escolares (escola, turno e série escolar), utilizando-se um questionário precodificado. A seguir, foi oferecida a primeira dose da vacina contra hepatite B. Um mês e cinco meses após, os indivíduos foram contactados para receber a segunda e terceira dose, respectivamente. Os mesmos procedimentos de abordagem e a mesma equipe de entrevistadores e aplicadores da vacina foram utilizados nas duas escolas e turnos.
Utilizou-se a vacina Butang®, produzida pelo Instituto Butantan, São Paulo, sendo a mesma administrada por via intramuscular nos meses 0, 1 e 6. Esta vacina foi obtida por meio da Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia, Goiás. Todos os procedimentos necessários para manutenção da rede de frio durante o transporte e administração do imunógeno foram respeitados, bem como os de biossegurança para a aplicação da vacina e descarte do material utilizado.
Os dados das entrevistas e os resultados da aceitação da vacina foram digitados em microcomputador e analisados nos programa estatísticos Epi Info 6.04d e SPSS versão 11.0. Foram consideradas como variável de desfecho a não aceitação da primeira dose da vacina contra hepatite B e, como variáveis de predição, as características sociodemográficas dos adolescentes (gênero, idade e nível de escolaridade), bem como escola e turno. Inicialmente, foi realizada a análise univariada, estimando-se a chance (odds ratio) de não adesão à vacina contra hepatite B associada às variáveis investigadas. Posteriormente, as variáveis que mostraram associação estatística foram incluídas no modelo de regressão logística, passo a passo (Backward Likelihood). O teste de c2 e o teste de t de Student foram utilizados para testar a significância de diferenças entre proporções e médias, respectivamente. Valores de p < 0.05 foram considerados estatisticamente significantes.
Este trabalho foi avaliado e aprovado pela Comissão de Bioética da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, protocolo 011/03.
Resultados
A média de idade do grupo estudado foi de 15,2 anos (desvio padrão de 2,0). Cento e sessenta e nove possuíam de 12 a 15 anos e 135, de 16 a 19 anos. Houve uma distribuição homogênea entre os gêneros feminino e masculino. Ainda, a maioria era natural do Estado de Goiás, e somente 39/304 adolescentes pertenciam a famílias com renda superior a três salários mínimos. Com relação às escolas investigadas, 216 pertenciam à escola A e 88 à escola B, sendo que do total dos adolescentes matriculados em ambas as escolas, 241 freqüentavam o turno diurno (matutino ou vespertino). Quanto à escolaridade, 241/304 freqüentavam o ensino fundamental e o restante, o ensino médio (Tabela 1).
Dos 304 adolescentes previamente identificados como suscetíveis ao VHB, 105 (36%) não aceitaram a primeira dose da vacina contra hepatite B. Dos 195 (64%) que aderiram à vacinação contra hepatite B, 182 receberam as três doses da vacina, ou seja, 93,3% dos que iniciaram o esquema vacinal. O restante recebeu somente duas doses (10/13) ou apenas uma única dose (3/13). Dor no local da aplicação foi a única queixa referida pelos participantes.
Verificou-se diferença entre as proporções de adolescentes que aceitaram a vacina contra hepatite B e os que não aceitaram em relação ao gênero, nível escolar, turno e escola (p< 0,05) (Tabela 2). Essas variáveis e idade foram incluídas em um modelo de regressão logística. Assim, após controle das variáveis de confusão, somente turno e escola mostraram-se como fatores independentemente associados à não adesão à vacina contra hepatite B. Dessa forma, a chance de não aceitar a vacina foi 2,23 (IC 95%: 1,14-4,35) vezes maior em indivíduos que estudavam no período noturno quando comparados aos do período diurno. Ainda, alunos que freqüentavam a escola B apresentaram 1,78 (IC 95%: 1,05-3,02) vezes mais chance de não aderirem à vacina do que aqueles da escola A.
Discussão
Estudos têm mostrado os adolescentes como um grupo de risco elevado para infecção pelo VHB, principalmente os de menor poder aquisitivo4,5,7. Em regiões de endemicidade baixa, como Goiânia21, os casos de hepatite B aguda ocorrem geralmente em adolescentes e jovens adultos7. Assim, programas de prevenção contra esta infecção, incluindo a vacinação contra o VHB, devem ser prioritários para essa população.
Trezentos e quatro adolescentes escolares foram identificados previamente como suscetíveis à hepatite B20, sendo, então, oferecida a vacina contra o VHB. Contudo, somente 195 (64%) aceitaram receber a primeira dose do imunógeno. Outros autores também têm mostrado uma baixa adesão à vacina contra hepatite B em adolescentes, principalmente nos de baixa renda14,22, evidenciando, assim, a necessidade de políticas públicas que garanta a vacinação dessa população alvo.
Além da baixa participação, um outro problema enfrentado na vacinação contra hepatite B em adolescentes tem sido a conclusão do esquema vacinal. O longo período entre a segunda e terceira dose tem sido apontado como um obstáculo para o alcance deste objetivo17,23. Contudo, nesta investigação, dos 195 estudantes que aceitaram a primeira dose, 182 (93,3%) completaram o esquema vacinal, ratificando, assim, estudos prévios conduzidos em países desenvolvidos, onde a escola tem sido apontada como um local que facilita o cumprimento das três doses da vacina16,23. De fato, a concentração de adolescentes num mesmo local e período (ano escolar) facilita o seguimento e controle dos alunos, garantindo assim, a administração da série completa de doses requeridas para imunização contra o VHB.
Nesta investigação, idade e gênero não tiveram impacto na aceitação da vacina contra hepatite, embora o gênero feminino mostrasse uma tendência à não aceitação. Um questionário aplicado em 17.603 adolescentes em Michigan, Estados Unidos, para avaliar fatores de risco associados à não aceitação da vacina, revelou que os homens foram significativamente mais prováveis do que as mulheres (43,2%) em aceitar a vacina contra hepatite B (c2 = 175,16; p < 0,01)17. Contudo, estudos têm mostrado que, a partir do momento que a adolescente inicia o esquema vacinal, ela tem mais probabilidade de concluí-lo quando comparadas aos rapazes15,22. Na presente investigação, dos 13 adolescentes que não concluíram o esquema, nove eram homens. Portanto, mais estudos são necessários para avaliar a real participação do gênero na aceitação da vacina contra o VHB em nossa região.
Fatores como escola e turno foram independentemente associados à não adesão à vacina contra hepatite B. A escola é o local onde o adolescente adquire informações e conhecimentos necessários à sua vida social e pessoal, bem como estabelece relações interpessoais, que influenciarão no seu comportamento. Segundo o Modelo Ecológico Comportamental (BEM), influências culturais e de amigos, história de punição, família, mídia e o próprio ambiente escolar podem influenciar na probabilidade do indivíduo adotar um comportamento de risco em particular24, neste caso, a não aceitação da vacina contra hepatite B. De fato, durante o desenvolvimento do estudo, verificou-se um envolvimento menor dos professores e supervisores pedagógicos da escola B com relação à vacinação contra hepatite B, e isso pode ter influenciado os resultados encontrados nessa unidade de ensino.
Em relação aos achados do turno escolar, estudos têm mostrado uma freqüência maior de comportamentos de risco, como uso de drogas ilícitas e outras substâncias psicoativas, em indivíduos que freqüentam a escola no período noturno quando comparados aos que estudam no período diurno25-28. Isso talvez possa explicar os resultados deste estudo, uma vez que esses comportamentos têm sido associados a uma menor aceitação da vacina contra hepatite B6. Portanto, o desafio é a criação de estratégias de educação em saúde que promovam a mudança de comportamento do adolescente, superando, modificando e moldando positivamente a influência do ambiente.
Embora a amostra deste estudo não seja representativa das escolas públicas da periferia da Região Metropolitana de Goiânia, o que impede a extrapolação dos dados, os resultados são coerentes com a literatura e evidenciam a necessidade urgente de estratégias públicas para aumentar a cobertura vacinal na população de adolescentes de baixa renda. Contudo, verificou-se que a vacinação no ambiente escolar é uma estratégia que garante a administração do esquema completo da vacina em quase a totalidade dos indivíduos que recebem a primeira dose.
Um passo importante foi dado durante a realização deste estudo. Como nos Estados Unidos14,29, o Ministério da Saúde editou, em abril de 2004, a Portaria nº 597, que torna obrigatória a comprovação da vacinação contra hepatite B, dentre outras estabelecidas pelo Programa Nacional de Imunizações, para efeito de matrícula no ensino fundamental30. Portanto, mais estudos são desejáveis para avaliar o impacto dessa medida na cobertura vacinal contra hepatite B, mas também de outros imunógenos recomendados para esta população alvo.
Colaboradores
Souza SB, Paggoto V, Matos MA, Kozlowski AG participaram das entrevistas e alimentação do banco de dados. Silva NR, Oliveira MDS e Junqueira ALN realizaram a vacinação. Martins RMB e Teles AS foram responsáveis pela concepção, análise dos dados e redação final.
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30. Brasil. Ministro do Estado da Saúde. Portaria nº 597/GM de 8 de abril de 2004, 2004.
Artigo apresentado em 18/10/2005
Aprovado em 01/09/2006
Versão final apresentada em 26/10/2006
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Ago 2007 -
Data do Fascículo
Out 2007
Histórico
-
Recebido
18 Out 2005 -
Aceito
26 Out 2006