Resumos
Nos atendimentos em saúde, observam-se situações de não colaboração/participação do paciente. Em muitos casos, não se consegue completar procedimentos de avaliação, e os procedimentos de intervenção podem ser prejudicados. Esse problema tem sido pesquisado por algumas áreas da saúde, sendo escassos os trabalhos envolvendo a atuação em Fonoaudiologia. O objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento sobre conhecimentos e estratégias dos fonoaudiólogos diante de situações consideradas difíceis na prática clínica com crianças. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com estudantes e docentes de um curso de graduação em Fonoaudiologia de uma universidade pública brasileira, abordando problemas encontrados no atendimento de crianças de 4 a 12 anos, bem como as soluções propostas. A análise de conteúdo dos dados envolveu a construção de um sistema de categorias relativo às estratégias relatadas e propostas. As categorias foram comparadas com as obtidas em estudo análogo (atendimento em Odontopediatria), e a análise apontou para especificidades do atendimento em cada uma das profissões. Os resultados contribuíram para a sistematização do conhecimento relacionado à colaboração/participação, e evidenciaram a preocupação dos participantes com a humanização do atendimento.
Relação profissional-paciente; Colaboração; Fonoaudiologia
Situations of non-cooperation/participation of the patient are detected in healthcare,. In many cases, it is impossible to complete the assessment procedures, and procedures of intervention may be prejudiced. This problem has been researched in some health areas, however there are few studies involving activities in Speech Therapy. The scope of this study was to conduct a survey of knowledge and strategies of Speech Therapists when faced with situations considered difficult in clinical practice with children. Semi-structured interviews were staged with students and teachers of an undergraduate course in Speech Therapy at a Brazilian public university, addressing problems encountered in caring for children 4 to 12-year-olds, as well as proposed solutions. Analysis of content of the data involved the construction of a system of categories of reported and proposed strategies. The categories were compared with those obtained in an analogous survey (Pediatric Dental care) and the analysis highlighted specifics of care of each of the professions. The results contributed to the systematization of knowledge relating to collaboration/participation, and revealed the concern of the participants with the humanization of care.
Professional-patient relationship; Collaboration; Speech therapy
ARTIGO ARTICLE
Colaboração e participação de crianças no atendimento fonoaudiológico
Collaboration and participation of children in speech therapy care
Camila Lima NascimentoI; Cecília Guarnieri BatistaI; Gustavo Sátollo RolimII; Antônio Bento Alves de MoraesII
IDepartamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Rua Tessália Vieira de Camargo 126, Barão Geraldo. 13084-971 Campinas SP. cecigb@fcm.unicamp.br
IIDepartamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia dePiracicaba, Universidade Estadual de Campinas
RESUMO
Nos atendimentos em saúde, observam-se situações de não colaboração/participação do paciente. Em muitos casos, não se consegue completar procedimentos de avaliação, e os procedimentos de intervenção podem ser prejudicados. Esse problema tem sido pesquisado por algumas áreas da saúde, sendo escassos os trabalhos envolvendo a atuação em Fonoaudiologia. O objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento sobre conhecimentos e estratégias dos fonoaudiólogos diante de situações consideradas difíceis na prática clínica com crianças. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com estudantes e docentes de um curso de graduação em Fonoaudiologia de uma universidade pública brasileira, abordando problemas encontrados no atendimento de crianças de 4 a 12 anos, bem como as soluções propostas. A análise de conteúdo dos dados envolveu a construção de um sistema de categorias relativo às estratégias relatadas e propostas. As categorias foram comparadas com as obtidas em estudo análogo (atendimento em Odontopediatria), e a análise apontou para especificidades do atendimento em cada uma das profissões. Os resultados contribuíram para a sistematização do conhecimento relacionado à colaboração/participação, e evidenciaram a preocupação dos participantes com a humanização do atendimento.
Palavras-chave: Relação profissional-paciente, Colaboração/participação, Fonoaudiologia
ABSTRACT
Situations of non-cooperation/participation of the patient are detected in healthcare,. In many cases, it is impossible to complete the assessment procedures, and procedures of intervention may be prejudiced. This problem has been researched in some health areas, however there are few studies involving activities in Speech Therapy. The scope of this study was to conduct a survey of knowledge and strategies of Speech Therapists when faced with situations considered difficult in clinical practice with children. Semi-structured interviews were staged with students and teachers of an undergraduate course in Speech Therapy at a Brazilian public university, addressing problems encountered in caring for children 4 to 12-year-olds, as well as proposed solutions. Analysis of content of the data involved the construction of a system of categories of reported and proposed strategies. The categories were compared with those obtained in an analogous survey (Pediatric Dental care) and the analysis highlighted specifics of care of each of the professions. The results contributed to the systematization of knowledge relating to collaboration/participation, and revealed the concern of the participants with the humanization of care.
Key words: Professional-patient relationship, Collaboration/participation, Speech therapy
Introdução
As profissões da área da saúde apresentam uma especificidade importante por terem como objetos de estudo e de trabalho outros seres humanos, implicando no estabelecimento de relações humanas diferenciadas entre profissionais e clientes, entre os próprios profissionais, e entre estes profissionais e a família do cliente. Comumente é designada como relação profissional-paciente, embora, mais recentemente, venha sendo criticado o termo "paciente" pela conotação de passividade inerente que carrega.
Nos atendimentos em saúde, sabe-se da existência de situações nas quais o profissional encontra dificuldade para obter a colaboração de seu paciente. A literatura recente1 faz uma distinção entre os termos "colaboração" e "participação", ambos utilizados no contexto de uma busca por uma relação profissional-paciente diferente da tradicional, e mais humanizada. No contexto da Enfermagem, Sahlsten et al. apresentam a distinção e a relação entre os termos "colaboração do paciente", "participação do paciente" e "parceria com o paciente". Para esses autores, a "colaboração do paciente", primeiro termo a ser utilizado para abordar a questão, consiste na permissão de realização do procedimento em questão, dependendo de troca de conhecimentos entre o profissional e o paciente, e da atenção do profissional ao que o paciente está dizendo. Em seguida, foi proposto o termo "participação", que supõe um envolvimento do paciente no seu tratamento, e maior troca de conhecimentos entre o profissional e o paciente que no caso anterior. Dessa forma, a "participação do paciente" abrange um envolvimento do paciente no seu próprio atendimento: o paciente emite suas opiniões e participa das decisões relativas ao atendimento. Já o termo "parceria" é proposto como um ideal a ser buscado, que exige uma eqüidade dentro da relação profissional-paciente, e só é possível depois que forem alcançadas a colaboração e a participação do paciente1.
Todos os aspectos referentes à relação profissional-paciente tornam-se ainda mais relevantes quando se trata de crianças. Existe um interesse crescente por parte dos profissionais de saúde em maneiras de envolvê-las no tratamento, e com isso foi suscitada a necessidade de conhecer a opinião delas quanto ao seu tratamento2. Pode-se dizer que, também no contexto da atenção a crianças, há uma busca por uma relação a mais próxima possível da "parceria". Entretanto, há necessidade de discussão sobre os modos de se efetivar esse ideal, dependendo da idade da criança e dos procedimentos de saúde em questão.
A Odontologia é uma das profissões que traz contribuições para o tema das relações profissionais em saúde, especialmente no que tem sido abordado como a não-colaboração de crianças durante o tratamento. É possível encontrar estudos3-7 que descrevem diferentes estratégias para a obtenção da colaboração, e que trazem a sugestão de procedimentos que incentivam comportamentos colaborativos, como um meio para alcançar o sucesso do atendimento. Além disso, foi avaliada a percepção de estudantes de Odontologia, quanto às suas habilidades para lidar com situações de não colaboração no atendimento, por parte de crianças8. Um questionário composto por 10 situações-problema no atendimento odontológico foi aplicado em estudantes de Odontologia de duas universidades públicas brasileiras. Para cada questão, o participante deveria assinalar seu nível de autoconfiança frente á situação apresentada e responder à questão aberta: "Como você lidaria com essa situação?". O estudo trouxe indicações sobre áreas focais na formação do estudante, de forma a melhor prepará-lo para esse tipo de problema.
Outra profissão da área da saúde que depende de colaboração/participação de crianças para o sucesso dos procedimentos de avaliação ou intervenção é a Fonoaudiologia9. Entretanto, são raros na literatura trabalhos que abordam especificamente a questão da colaboração/participação do paciente na prática fonoaudiológica.
Entre os trabalhos sobre o tema, Cupello aborda a questão da relação terapeuta-paciente e apresenta questões sociais e psicológicas que influenciam na atuação fonoaudiológica. Para a autora, essa atuação, em seus aspectos técnicos, dificilmente terá resultados se não houver respeito, conhecimento e busca das nuances inerentes às relações humanas9.
Martins aborda a questão dentro da temática das experiências de estágio dos estudantes de Fonoaudiologia em clínica-escola, afirmando que a colaboração/participação da criança e da família no atendimento repercutem na maneira de agir do estagiário10.
Nos livros clássicos nas áreas de motricidade orofacial11, de voz12, e de audiologia infantil13,14, os autores abordam a temática da colaboração/participação, evidenciando sua importância para o sucesso da intervenção/avaliação fonoaudiológica.
A literatura sobre o tema não é extensa, e discute a necessidade de obtenção da colaboração/participação, especialmente no que se refere às crianças, nas diferentes áreas de atuação da Fonoaudiologia. Além disso, a vivência da formação de estudantes de graduação em clínicas-escola mostra as dificuldades para a realização de procedimentos de avaliação e terapia, no caso de crianças não colaboradoras. Tendo em vista a carência de trabalhos na área, surge a questão: quais são e como são enfrentadas as situações consideradas difíceis no atendimento fonoaudiológico de crianças?
Objetivos
O objetivo do estudo foi realizar um levantamento sobre conhecimento e estratégias dos fonoaudiólogos para lidar com situações consideradas difíceis na sua prática clínica, com crianças na faixa etária de quatro a doze anos de idade. Para tanto, o estudo compreendeu a tarefa de identificar as situações consideradas difíceis e as formas de obtenção de colaboração/participação na prática clínica, a partir de dois tipos de relato: a) experiências de estudantes de graduação em Fonoaudiologia; b) docentes das áreas de Audiologia, Linguagem, Motricidade Orofacial e Voz. No que se refere às formas de obtenção de colaboração/participação, buscou-se, também, comparar os conjuntos de estratégias obtidas no estudo sobre atendimento odontopediátrico8 com as respostas ao presente estudo.
Métodos
O estudo foi do tipo transversal, com realização de pesquisa bibliográfica e análise de dados coletados, com aprovação no Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
Participantes
Foram incluídos como sujeitos da pesquisa15 estudantes do 4º ano de um curso de Fonoaudiologia de uma universidade pública da região sudeste, e quatro docentes que atuavam nas diferentes áreas da Fonoaudiologia, a saber: Audiologia, Linguagem, Motricidade Orofacial e Voz.
Os participantes foram voluntários e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Procedimento de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada abrangendo os seguintes tópicos: problemas encontrados no atendimento fonoaudiológico de crianças de quatro a doze anos, soluções propostas para esses problemas e fundamentos para a escolha dessas soluções.
As entrevistas foram realizadas em um serviço de uma universidade pública que inclui uma clínica-escola de Fonoaudiologia. Os participantes foram entrevistados um a um, em uma sala de atendimento, e a entrevista foi gravada com um gravador de voz, para posterior transcrição dos dados para análise.
Procedimento de análise de dados
Depois da leitura das transcrições das entrevistas, foi realizada a análise de conteúdo dos dados15. Um sistema de categorias foi construído com base nos objetivos do estudo, com modificação de um sistema de categorias relativo a modos de lidar com situações de não colaboração em odontopediatria8, de forma a adequá-lo à área da Fonoaudiologia.
A partir da categorização das respostas, foram realizadas as seguintes análises: a) comparação das categorias encontradas no presente estudo com as categorias encontradas no estudo da Odontologia, b) organização de um panorama das situações que trazem mais dificuldade no atendimento fonoaudiológico, e c) levantamento da origem das estratégias utilizadas diante de situações de não-colaboração no atendimento fonoaudiológico (somente para os participantes estudantes).
As respostas dos estudantes foram organizadas de acordo com a origem da estratégia (experiência pessoal, experiência relatada por colega e orientações de supervisores e professores) para cada área de atuação abordada nesse estudo (Audiologia, Linguagem, Motricidade Orofacial e Voz). Já as respostas dos docentes foram organizadas por: situações que trazem dificuldade ao atendimento fonoaudiológico, soluções para lidar com essas situações, e orientações dadas aos alunos em supervisão de estágio.
Resultados
Comparação das categorias encontradas no estudo da Odontologia com as categorias encontradas no presente estudo
O Quadro 1 apresenta a fusão dos sistemas de categorias do estudo de Odontologia e do presente estudo.
Na leitura das respostas, foram encontradas diferenças nas fornecidas pelos estudantes de Fonoaudiologia em relação às dos estudantes de Odontologia, e foram elaboradas mudanças no sistema de categorias utilizado como base para o sistema do presente estudo. As mudanças envolveram inclusão, modificação, supressão e manutenção de categorias, a saber:
- Categorias retiradas/modificadas:
* subcategorias da categoria Explicação: na Odontologia existem mais procedimentos específicos a serem explicados, e isso abre a possibilidade de diversos modos de explicar. Além disso, existe nos manuais de Odontopediatria a estratégia Conte-Mostra-Faça.
* categoria Comando: em Odontologia, como forma de lidar com a situação, surgem os comandos (abrir a boca, tirar a mão, manter-se em certa posição). Na Fonoaudiologia, as ordens específicas tendem a ser consideradas como parte da atuação do profissional depois que a criança passa a colaborar/participar do tratamento, e não como forma de iniciar essa colaboração.
* subcategorias Inespecífica e Restrição A e B, da categoria Restrição: na Fonoaudiologia não há a necessidade do uso de abridores de boca, nem de mudanças na postura da criança no momento imediato, e as ações restritivas são mais verbais.
* categoria Distração: na Fonoaudiologia há a necessidade de interação profissional-paciente o tempo todo, os procedimentos dependem dessa interação e não podem ser realizados somente pelo profissional, assim o foco da criança precisa ser a atividade. Não se aplica a estratégia de tirar o foco da atenção da criança para o tratamento, como no caso do atendimento odontológico.
* categoria Ignorar as ações da criança: pelo motivo exposto no item anterior.
* categoria Mudança de procedimento odontológico: essa categoria foi adaptada para Mudança de estratégia na Fonoaudiologia, para dar ênfase ao fato de que o objetivo do tratamento é mantido, e se muda a estratégia, respeitando os interesses da criança.
- Categorias incluídas:
* Representação/demonstração: execução do movimento em diferentes sujeitos (ex.: executar o procedimento na terapeuta, no fantoche e na criança em frente ao espelho), de forma a explicitá-lo para a criança e motivá-la para a participação.
* Tentativa de convencimento: tentar convencer a criança a permanecer colaborando (ex.: "é cedo, vamos brincar mais").
* Estratégia lúdica: propor-se a utilizar uma atividade/ação mais lúdica que a planejada inicialmente.
* Encorajamento da cooperação (no atendimento em grupo): propor a execução da atividade em conjunto, para uma construção coletiva.
* Retirada de atenção: propor-se a continuar a atividade sem a criança quando ela se recusar a participar.
* Redução de mobilidade: reduzir as possibilidades de movimentação da criança na sala (ex.: "manter a criança no canto da sala", colocar-se, ou colocar objetos, entre a criança e a porta).
* Mudança de estratégia: mantido o objetivo, muda-se/adapta-se a estratégia, com foco nos interesses/preferências/possibilidades da criança.
* Autorização da presença da mãe: deixar a mãe entrar junto no atendimento, diante da recusa da criança entrar sozinha, tentando, depois, afastá-la, às vezes gradualmente.
* Modelo de terapeuta experiente: entrada da supervisora no atendimento, como modelo para as próximas ações do estagiário.
* Explicitação de criação de vínculo: explicitar intenção de criação de vínculo com a criança ao propor uma atividade específica, mesmo deixando em plano secundário o objetivo específico da sessão.
As mudanças verificadas entre os sistemas de categorias do estudo da Odontologia e do estudo da Fonoaudiologia apontam para diferenças e especificidades na atuação de cada profissão. Essas diferenças e especificidades foram observadas em alguns aspectos como: a) a urgência do procedimento, b) a colaboração esperada da criança, e c) a periodicidade da intervenção.
a) Quanto à urgência do procedimento, na Odontologia, a não-realização do procedimento pode ocasionar em problemas imediatos, como no caso de quadros de infecção severa e dores agudas. Além disso, uma vez iniciado um procedimento, como, por exemplo, o preparo cavitário, este precisa ser concluído. Já na Fonoaudiologia, a não-realização do procedimento não gera consequência negativa imediata.
b) Quanto à colaboração esperada da criança, na Odontologia é esperado que a criança permita a realização do procedimento, permanecendo nas posições solicitadas pelo tempo necessário. Já no caso da Fonoaudiologia, os atendimentos envolvem a manutenção de interação e a realização de atividades propostas pelo profissional.
c) Quanto à periodicidade da intervenção, de forma geral, os atendimentos odontológicos envolvem uma ou mais sessões, seguidas por um grande intervalo de tempo (entre seis meses e um ano) entre os atendimentos. Já os atendimentos fonoaudiológicos tendem a ser programados para ocorrer uma ou duas vezes por semana, por um período de tempo geralmente prolongado (medido em meses ou anos).
Essas diferenças foram evidenciadas a partir da comparação entre os dois sistemas de categorias, e a partir da análise das rotinas de atendimento nas duas profissões.
Organização de um panorama das situações que trazem mais dificuldade no atendimento fonoaudiológico; e levantamento da origem das estratégias utilizadas diante de situações de não-colaboração no atendimento fonoaudiológico
Os Quadros 2, 3 e 4 apresentam os dados obtidos a partir das respostas dos estudantes, respectivamente para as áreas de Audiologia, Linguagem, e Motricidade Orofacial/Voz.
No Quadro 2, é possível observar que foram encontradas respostas classificadas em categorias do tipo Persuasivas, Restritivas e Alterações na Estratégia Inicialmente Planejada. No tipo Persuasivas, apareceram as categorias Tranquilização e Estratégia Lúdica, já no tipo Restritivas, apareceu somente a categoria Restrição, e no tipo Alterações na Estratégia Inicialmente Planejada, apareceram as categorias Mudança de Estratégia e Fuga. Também é possível observar que o foco dos problemas nesse tipo de atendimento é a criança se recusar a responder ao exame. Na área de Audiologia, não foram relatadas estratégias originadas de orientações de professores, prevalecendo estratégias originadas de experiências pessoais e de colegas.
No Quadro 3, é possível observar que foram encontradas respostas específicas em todos os tipos de categorias disponíveis nesse sistema. Sendo assim, a área da Linguagem apresentou um maior número de relatos, e, também, uma maior gama de estratégias abarcadas. Da mesma forma, é possível observar que os problemas nesse tipo de atendimento são mais variados, desde a criança não querer se afastar da mãe até não querer fazer a atividade proposta. Na área de Linguagem, foram relatadas estratégias originadas de orientações de professores, de experiências pessoais e de colegas.
No Quadro 4, é possível observar que foram encontradas respostas específicas em todos os tipos de categorias do sistema. Da mesma forma, é possível observar que os problemas nesse tipo de atendimento são variados, mas o foco é a criança ter medo do atendimento. Nas áreas de Motricidade Orofacial e Voz foram relatadas estratégias originadas de orientações de professores, de experiências pessoais e de colegas.
No Quadro 5 são apresentados os dados obtidos a partir das respostas dos docentes, respectivamente para as áreas de Audiologia, Linguagem, e Motricidade Orofacial e Voz.
No Quadro 5, é possível observar que alguns aspectos são elencados nos relatos de docentes de diferentes áreas. Em relação às situações difíceis, os docentes relatam que o medo da criança frente ao atendimento, o histórico de atendimentos em saúde, a presença de alterações concomitantes e a relação da família com a criança e com o atendimento são fatores que influenciam na colaboração/participação da criança no atendimento fonoaudiológico.
Já em relação às soluções propostas, a criação de vínculo com a criança e com a família é relatada por todos os docentes entrevistados. O respeito à individualidade da criança, a necessidade de fornecimento de informações para a criança e a criação de situações lúdicas apareceram como aspectos relevantes na solução de problemas no atendimento fonoaudiológico.
Discussão
As mudanças na relação profissional-paciente, relacionadas com a humanização, fazem emergir os conceitos de "colaboração" e "participação" do paciente no seu próprio atendimento. Esses conceitos são diferentes, trazendo implicações distintas na relação do paciente e do profissional com o atendimento e o outro, sendo o nível de comprometimento com o atendimento em saúde maior na "participação" do que na "colaboração"1.
Diante das diferenças entre as estratégias relatadas pelos estudantes de Fonoaudiologia e as do estudo com estudantes de Odontologia, foi possível perceber que o trabalho fonoaudiológico envolve uma participação ativa da criança, enquanto o trabalho odontológico pode ser realizado quando existe colaboração da criança. Dessa forma, no atendimento fonoaudiológico, surge a necessidade de atenção para a individualidade de cada paciente, de forma a estabelecer interações que envolvam participação ativa.
A relação profissional-paciente16-19 é referida na literatura em saúde como uma relação delicada, que requer uma visão diferenciada do profissional frente ao seu cliente, exigindo que seja preparado durante a graduação tendo em vista a peculiaridade dessa relação. A importância do respeito à individualidade de cada paciente e a necessidade dos profissionais de saúde abrirem espaço para o paciente opinar sobre seu problema e sobre suas expectativas aparecem na literatura16,20,21. É possível observar essa preocupação nas respostas dos sujeitos desse estudo, quando eles se propõem a investigar as preferências da criança e a planejar suas atividades de acordo com os interesses dela.
Os medos e os anseios frente aos estágios supervisionados do curso de Fonoaudiologia10 apareceram no relato de alguns estudantes do presente estudo, e evidenciam a importância de haver maior interesse por pesquisas que abordem essa questão.
Alguns pontos chamaram a atenção nos relatos dos estudantes de Fonoaudiologia, especialmente a preocupação com o paciente como um sujeito que tem que ser cuidado na sua totalidade. Esses relatos evidenciam a incorporação de conceitos importantes que propiciam um atendimento fonoaudiológico humanizado.
A humanização22-25 é um tema que traz uma discussão ideológica e política, visto que exige mudanças sociais e individuais para ser uma realidade nos serviços de saúde. O conceito de humanização tem uma relação direta com a relação profissional-paciente, ao sugerir que essa relação seja a mais simétrica que for possível.
A área de Linguagem, entre as da Fonoaudiologia, foi aquela que apresentou maior gama de relatos de situações difíceis e de soluções encontradas, evidenciando que a colaboração/participação do paciente não está relacionada somente à realização de procedimentos específicos, como são os testes e exercícios das outras áreas.
Comparando as respostas dos estudantes e as respostas dos docentes do presente estudo, foi possível observar que as estratégias relatadas pelos estudantes apresentavam relação com as descritas pelos docentes. Dessa forma, pode-se pensar que as utilizadas pelos estudantes podem ter origem naquelas utilizadas e recomendadas por seus supervisores.
Conclusão
O estudo permitiu o aprofundamento da intersecção das estratégias e modos de ação que buscam obter colaboração/participação da criança no atendimento, com a questão da relação profissional-paciente e a questão da humanização. A partir disso, foi permitido refletir sobre a importância que deve ser dada a essas questões na formação dos profissionais de saúde, especialmente no que se refere à Fonoaudiologia, que apresenta carência de trabalhos nessa área.
Os resultados também apontaram situações que mais trazem dificuldade para os profissionais no atendimento fonoaudiológico, além de possibilitarem um mapeamento das estratégias utilizadas diante dessas situações. Dessa forma, o estudo contribuiu para um aprimoramento do conhecimento nessa área, o que pode levar a uma melhor qualidade no atendimento, beneficiando clientes e profissionais.
Colaboradores
Todos os autores atuaram na concepção e na elaboração final do trabalho. CL Nascimento realizou a coleta e análise de dados, sob supervisão de CG Batista. A equipe de pesquisa, composta por CL Nascimento, CG Batista, GS Rolim e ABA Moraes, participou da elaboração do projeto, da discussão dos dados e da redação final do projeto.
Agradecimentos
À FAPESP pelo financiamento da pesquisa.
Artigo apresentado em 08/04/2010
Aprovado em 12/07/2010
Versão final apresentada em 20/07/2010
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Jan 2012 -
Data do Fascículo
Out 2011
Histórico
-
Recebido
08 Abr 2010 -
Revisado
12 Jul 2010 -
Aceito
20 Jul 2010