Resumos
O objetivo foi analisar a relação da internalização dos padrões corporais e sintomas depressivos com a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino. Participaram 383 adolescentes do sexo masculino com idade entre 12 e 17 anos. Utilizaram-se as subescalas “Internalização Geral” e “Internalização Atlética” do Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 (SATAQ-3) para avaliar a internalização dos padrões corporais. O Major Depression Inventory (MDI) foi utilizado para analisar os sintomas depressivos. A subescala “Dieta” do Eating Attitudes Test (EAT-26) foi utilizada para avaliar a restrição alimentar. Os achados da regressão logística indicaram 2,01 vezes mais chances para os adolescentes com internalização geral alta adotarem a restrição alimentar (Wald = 6,16; p = 0,01) quando comparados àqueles com baixa. Por outro lado, o modelo de regressão não evidenciou associação significativa da “Internalização atlética” (Wald = 1,16; p = 0,23) e dos sintomas depressivos (Wald = 0,81; p = 0,35) com a restrição alimentar. Os resultados permitiram concluir que somente a internalização geral esteve relacionada à restrição alimentar em jovens do sexo masculino.
Imagem corporal; Transtornos alimentares; Depressão; Adolescentes
The scope of this study was to analyze the relationship between the internalization of body image and depressive symptoms with restrictive eating habits among young males. Three hundred and eighty-three male adolescents, aged between twelve and seventeen, took part in this survey. The “Overall Internalization” and “Athletic Internalization” sub-scales taken from the Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 (SATAQ-3) were used to evaluate the internalization of body images. The Major Depression Inventory (MDI) was used to evaluate depressive symptoms. The “Diet” sub-scale from the Eating Attitudes Test (EAT-26) was used to evaluate restrictive eating habits. The logistic regression findings indicated 2.01 times greater chances of youngsters with a high level of overall internalization adopting restrictive eating habits (Wald = 6.16; p = 0.01) when compared with those with low levels. On the other hand, the regression model found no significant association between “Athletic Internalization” (Wald = 1.16; p = 0.23) and depressive symptoms (Wald = 0.81; p = 0.35) with eating restrictions. The findings made it possible to conclude that only overall internalization was related to eating restrictions among young males.
Body image; Eating disorders; Depression; Adolescents
Introdução
As novelas e revistas de moda têm exibido corpos sarados11. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Internalização do ideal de magreza e insatisfação com a imagem corporal em meninas adolescentes.Psico 2013; 44(3):432-438., o que de alguma forma pode influenciar no desejo de redução de peso corporal22. Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clin. 2013; 40(5):167-171., principalmente entre os jovens. Mais especificamente, as revistas voltadas ao sexo masculino têm propagado corpos de modelos e/ou atletas que costumam demonstrar morfologia magra e musculatura bem delineada33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.. Assim, os adolescentes podem focar estas tendências corporais, o que é denominado internalização dos padrões corporais44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215.. Em outras palavras, os jovens podem enaltecer a aparência física, sendo que, para muitos, ser magro com musculatura bem delineada é inatingível. Estudos neste sentido apontam que este fenômeno parece acometer com maior facilidade os adolescentes11. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Internalização do ideal de magreza e insatisfação com a imagem corporal em meninas adolescentes.Psico 2013; 44(3):432-438.,33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75., que passam a buscar a morfologia imposta pelos meios de comunicação de massa, tais como: televisão, revistas e cinema. Cabe ressaltar que evidências indicam que a internalização dos padrões corporais pode predispor os jovens a insatisfação com a sua imagem corporal11. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Internalização do ideal de magreza e insatisfação com a imagem corporal em meninas adolescentes.Psico 2013; 44(3):432-438.,33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.,44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215..
A insatisfação corporal no sexo masculino parece ser constituída por dois componentes: magreza e muscularidade55. Frederick AD, Buchana GM, Sadehgi-Azar L, Peplau LA, Haselton MG, Berezovskaya A. Desiring the muscular ideal: men’s body satisfaction in the United States, Ukraine and Ghana. Psychol Men & Masculinity2007; 8(2):103-117.,66. Grossbard JR, Neighbors C, Larimer ME. Perceived norms for thinness and muscularity among college students: What do men and women really want.Eat Behaviors 2011; 12(1):192-199.. Neste sentido, esses jovens podem apresentar preocupação tanto em serem magros quanto musculosos. Estudos apontam prevalência de insatisfação corporal direcionada para a magreza de aproximadamente 30% para este público77. Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clin 2013; 40(2):59-64.,88. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de diversos fatores sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Cien Saude Colet 2013; 18(11):3301-3310.. De acordo com o modelo sociocultural da imagem corporal99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148., a insatisfação corporal media a relação entre a internalização dos padrões corporais e a restrição alimentar. Todavia, este modelo foi testado somente no sexo feminino. Logo, torna-se importante também testar se a insatisfação corporal media a relação entre a internalização dos padrões corporais e a restrição alimentar em jovens do sexo masculino.
A restrição alimentar diz respeito aos episódios de longos períodos sem ou com pouca ingestão de comida44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215.,1010. Bighetti F, Santos CB, Santos JE, Ribeiro RPP. Tradução e avaliação do Eating Attitudes Test em adolescentes do sexo feminino de Ribeirão Preto, São Paulo. J Bras Psiquiatr 2004; 53(6):339-346., geralmente alimentos com alto teor calórico. A restrição alimentar é classificada como comportamento alimentar do tipo restritivo e é comum que pacientes com diagnóstico clínico de transtorno alimentar (TA) a utilizem1111. Teixeira PC, Costa RB, Matsudo SM, Cordás TA. A prática de exercícios físicos em pacientes com transtornos alimentares. Rev Psiq Clin 2009; 36(4):145-152.. Logo, a restrição alimentar pode ser considerada um método patológico para a redução de peso corporal. Evidência indica que aproximadamente 25% dos adolescentes podem fazer uso deste comportamento1212. Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469.. Além disso, embora a morfologia magra com musculatura bem delineada seja enaltecida pelos meios de comunicação de massa, pesquisadores têm discutido que a restrição alimentar pode vir a se tornar uma epidemia na população jovem do sexo masculino33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75., o que justifica a relevância de se investigar fatores relacionados a este desfecho.
Vale ressaltar, ainda, que o comportamento alimentar restritivo também pode ter relação com os sentimentos de tristeza, baixa autoconfiança e culpa1212. Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469., considerados critérios diagnósticos para o transtorno de depressão1313. Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. [acessado 2010 nov 12]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10
http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/ci...
. Pesquisadores salientam que tais sentimentos podem estar associados à perda do apetite1212. Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469., o que explicaria a utilização da restrição alimentar como estratégia para o emagrecimento. Adicionalmente, evidências têm demonstrado aumento da prevalência dos sintomas depressivos também no sexo masculino1414. Canales JZ, Cordás TA, Fiquer JT, Cavalcante AF, Moreno RA. Posture and body image in individuals with major depressive disorder: a controlled study. Rev Bras Psiquiatr 2010; 32(4):375-380.,1515. Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60(3):164-170.. No entanto, não se identificou nenhum estudo que tenha relacionado os sintomas depressivos à restrição alimentar em jovens brasileiros do sexo masculino.
A restrição alimentar faz parte da etiologia da Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN)1111. Teixeira PC, Costa RB, Matsudo SM, Cordás TA. A prática de exercícios físicos em pacientes com transtornos alimentares. Rev Psiq Clin 2009; 36(4):145-152.. Todavia, destaca-se que tais etiologias são multifatoriais1111. Teixeira PC, Costa RB, Matsudo SM, Cordás TA. A prática de exercícios físicos em pacientes com transtornos alimentares. Rev Psiq Clin 2009; 36(4):145-152.. Deste modo, vários fatores levam ao desencadeamento destes TAs, a saber: aspectos socioculturais, sintomas depressivos, traços da personalidade, morfologia corporal1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188., entre outros. Achados de pesquisas suportam a influência da internalização dos padrões corporais sobre a restrição alimentar44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215.,99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148.. Vale ressaltar, sobretudo, que a insatisfação com a imagem corporal media esta relação33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.. Salienta-se, no entanto, a inexistência de investigação que tenha controlado a insatisfação com a imagem corporal na avaliação da relação direta entre a internalização dos padrões corporais e a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino.
Nesse sentido, destaca-se a importância do presente estudo em investigar se os padrões corporais internalizados por jovens do sexo masculino possuem relação com a frequência de restrição alimentar adotada por estes. Ademais, a presente pesquisa também possui a relevância de analisar se, de fato, os sintomas depressivos possuem relação com a restrição alimentar em adolescentes brasileiros do sexo masculino. Diante do exposto, o objetivo da investigação foi analisar a relação da internalização dos padrões corporais e dos sintomas depressivos com a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino.
Métodos
Participantes
Trata-se de estudo transversal, de base escolar, realizado nos anos de 2012 e 2013, na cidade de Juiz de Fora/MG, com adolescentes do sexo masculino na faixa etária entre 12 e 17 anos.
Segundo informações da Secretaria de Educação de Juiz de Fora, a população de adolescentes do sexo masculino com idade entre 12 e 17 anos, matriculada nas escolas dessa cidade em 2013, era de aproximadamente 42.000 jovens. Deste modo, realizou-se cálculo amostral utilizando os seguintes critérios, seguindo as recomendações de Fortes et al.88. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de diversos fatores sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Cien Saude Colet 2013; 18(11):3301-3310.: prevalência de 25% para os comportamentos alimentares restritivos segundo achados de outros estudos77. Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clin 2013; 40(2):59-64.,1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188., 95% de confiança, 5% de erro amostral e ao total foi acrescido o valor de 20% para possíveis perdas, totalizando 331 adolescentes que deveriam ser avaliados para obter amostra representativa da população. O cálculo amostral foi procedido no programa EpiInfo (versão 3.5).
Foram incluídos na pesquisa somente os jovens que apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelo responsável e que estavam regularmente matriculados no ensino fundamental/médio na cidade de Juiz de Fora/MG no ano de 2013.
Participaram do estudo 407 adolescentes, sendo que 24 destes foram excluídos por não responderem aos questionários por completo ou por não participarem das aferições antropométricas. Logo, a amostra da presente investigação contou com 383 adolescentes.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Os responsáveis, assim como os adolescentes, assinaram um TCLE que explicava os objetivos e procedimentos do estudo. Foi garantido o anonimato aos participantes e total sigilo no tratamento dos dados.
Instrumentos
A fim de avaliar a influência da mídia na imagem corporal, os adolescentes responderam ao Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 (SATAQ-3). Esta ferramenta é pontuada em escala do tipo Likert com cinco opções de resposta (“Discordo totalmente” até “Concordo totalmente”). O escore total do SATAQ-3 é calculado pela soma das respostas, sendo que a maior pontuação representa maior influência dos aspectos socioculturais na imagem corporal. O questionário é composto por 30 perguntas destinadas a avaliar a internalização geral dos padrões socialmente estabelecidos (nove itens), incluindo o ideal de corpo atlético (cinco itens), a pressão exercida por estes padrões (sete itens) e a mídia como fonte de informações sobre a aparência (nove itens). No entanto, para a presente investigação foram utilizadas somente as subescalas “Internalização Geral” e “Internalização Atlética”, totalizando quatorze itens. A versão do SATAQ-3 utilizada neste estudo foi traduzida e adaptada para a população jovem brasileira1717. Amaral ACS, Cordás TA, Conti MA, Ferreira MEC. Equivalência semântica e avaliação da consistência interna da versão em português do Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 (SATAQ-3).Cad Saude Publica 2011; 27(8):1487-1497., tendo sua validade de conteúdo e de construto, além de sua reprodutibilidade e consistência interna, atestadas para esta população. Para a presente amostra foi calculada a consistência interna pelo alfa de Cronbach, obtendo-se valores satisfatórios acima de 0,80 para as subescalas “Internalização Geral” (α = 0,84) e “Internalização Atlética” (α = 0,82). Salienta-se que a mediana (metodologia já utilizada em outro estudo1818. Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. A internalização do ideal de magreza afeta os comportamentos alimentares inadequados em atletas do sexo feminino da ginástica artística? Rev Educação Física/UEM 2014; 25(2):181-191.) da subescala “Internalização Geral” (11,5) foi utilizada para classificar os adolescentes em dois grupos: Alta internalização geral (≥ 11,5) e Baixa internalização geral (< 11,5). O mesmo procedimento foi conduzido para a subescala “Internalização Atlética” (9,00): Alta internalização atlética (≥ 9,00) e Baixa internalização atlética (< 9,00).
Os sintomas de depressão foram avaliados pelo Major Depression Inventory (MDI), traduzido e adaptado para a língua portuguesa por Parcias et al.1515. Parcias S, Rosario BP, Sakae T, Monte F, Guimarães ACA, Xavier AJ. Validação da versão em português do Inventário de Depressão Maior. J Bras Psiquiatr 2011; 60(3):164-170.. O MDI inclui os 10 sintomas de depressão do CID-101414. Canales JZ, Cordás TA, Fiquer JT, Cavalcante AF, Moreno RA. Posture and body image in individuals with major depressive disorder: a controlled study. Rev Bras Psiquiatr 2010; 32(4):375-380., assim como avalia a severidade dos sintomas depressivos. Ele é classificado como instrumento de rastreio curto, podendo ser aplicado em diferentes contextos de pesquisa e saúde mental. Os itens 8 e 10 do MDI apresentam subitens “a” e “b”, considerando-se a maior pontuação entre eles. Quanto maior o escore, maior é o estado depressivo. Os escores podem variar de 0 a 50, sendo que o corte de 16 indica algum nível de depressão (MDI +). No estudo de adaptação transcultural do MDI1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188. os autores identificaram consistência interna de 0,91. Na presente investigação evidenciou-se alpha de Cronbachequivalente a 0,83, representativo de uma boa consistência interna.
Para avaliar a insatisfação corporal foi aplicado o Body Shape Questionnaire (BSQ) em sua versão validada para a população de adolescentes brasileiros1818. Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. A internalização do ideal de magreza afeta os comportamentos alimentares inadequados em atletas do sexo feminino da ginástica artística? Rev Educação Física/UEM 2014; 25(2):181-191.. Para a amostra do presente estudo, identificou-se valor de α = 0,96, demonstrando boa consistência do instrumento. O questionário autoavaliativo é composto por 34 perguntas em escala tipo Likert, relacionadas à preocupação que o jovem apresenta com o seu peso e a sua aparência física. O avaliado aponta com que frequência, nas últimas quatro semanas, vivenciou os eventos propostos pelas alternativas e o escore final é obtido pela soma total dos itens, sendo que quanto maior o escore, maior a insatisfação com o corpo. Em função de estudos indicarem a insatisfação corporal como mediador entre a internalização dos padrões corporais e os comportamentos alimentares de risco para os TAs44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215.,99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148., optou-se por controlar os escores do BSQ no presente estudo.
Para avaliar a restrição alimentar foi aplicada a subescala “Dieta” doEating Attitudes Test (EAT-26) validado por Bighetti et al.1010. Bighetti F, Santos CB, Santos JE, Ribeiro RPP. Tradução e avaliação do Eating Attitudes Test em adolescentes do sexo feminino de Ribeirão Preto, São Paulo. J Bras Psiquiatr 2004; 53(6):339-346. para adolescentes brasileiros. A subescala busca mensurar a recusa patológica a alimentos com alto teor calórico. O avaliado tem seis opções de resposta em cada item que variam de 0 (poucas vezes, quase nunca e nunca) a 3 (sempre). A única questão que apresenta pontuação em ordem reversa é a 25. O escore da subescala “Dieta” é feito pela soma de seus itens. Para a presente amostra encontrou-se valor para a consistência interna de 0,86, avaliado pelo alfa de Cronbach. Com o propósito de classificar os adolescentes com alta e baixa restrição alimentar, utilizou-se a mediana da subescala “Dieta”, conforme método já reportado em outro estudo que utilizou o EAT-26 como ferramenta de avaliação1919. Conti MA, Cordás TA, Latorre MRDO. Estudo de validade e confiabilidade da versão brasileira do body shape questionnaire (bsq) para adolescentes. Rev Bras Saúde Mater Infant 2009; 9(3):331-338.. Neste sentido, os jovens com escore igual ou superior a 5 foram inseridos no grupo Alta restrição alimentar, ao passo que os adolescentes com pontuação inferior a 5 foram incluídos no grupo Baixa restrição alimentar.
A massa corporal foi mensurada por uma balança digital portátil da marca Tanita com precisão de 100g e capacidade máxima de 200kg. Utilizou-se estadiômetro portátil com precisão de 0,1cm e altura máxima de 2,20m da marca Welmy para aferir a estatura dos adolescentes. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido utilizando o seguinte cálculo: IMC = massa corporal (kg)/estatura22. Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clin. 2013; 40(5):167-171.(m). Em razão de evidências científicas indicarem influência do IMC nos comportamentos alimentares de adolescentes22. Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clin. 2013; 40(5):167-171.,1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188.,2020. Eisenberg ME, Neumark-Sztainer D. Friends dieting and disordered eating behaviors among adolescents five years later: Findings from project EAT.J Adolescent Health 2010; 47(1):67-73., decidiu-se controlar seus valores nos testes estatísticos.
Para o cálculo do percentual de gordura foi utilizado o protocolo para adolescentes desenvolvido por Slaughter et al.2121. Slaughter MH, Lohman TG, Boileau R, Hoswill CA, Stillman RJ, Yanloan MD. Skinfold equations for estimation of body fatness in children and youth. Hum Biology 1988; 60(3):709-723.. Foram aferidas as dobras cutâneas triciptal e subescapular, de acordo com as padronizações determinadas pelaInternacional Society for Advancement for Kineanthropometry2222. The Internacional Society for Advancement for Kineanthropometry (ISAK). First printed. Canberra: National Library of Australia; 2001., a partir de um compasso (adipômetro) científico da marca LANGE® (Cambridge Scientific Industries Inc.), com precisão de 1 mm. Em virtude dos achados de algumas investigações apontarem influência da gordura corporal sobre os comportamentos alimentares77. Fortes LS, Morgado FFR, Ferreira MEC. Fatores associados ao comportamento alimentar inadequado em adolescentes escolares. Rev Psiquiatr Clin 2013; 40(2):59-64.,1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188., o percentual de gordura foi controlado nas análises estatísticas.
Procedimentos
Os diretores de doze escolas (seis privadas e seis públicas) foram convidados a participar da pesquisa, sendo informados sobre os objetivos e procedimentos. Após a autorização das direções das escolas, foram realizadas reuniões com cada uma das turmas a fim de explicar os objetivos e os procedimentos necessários para inclusão dos escolares no estudo. Foi entregue o TCLE aos adolescentes, pedindo-lhes que devolvessem devidamente assinados pelos responsáveis na semana seguinte, em caso de assentimento de sua participação voluntária.
A pesquisa foi realizada em dois momentos. Na primeira etapa os alunos responderam aos instrumentos (subescalas do SATAQ-3, MDI, BSQ e subescala “Dieta” do EAT-26). Este momento foi realizado em grupo, por um único pesquisador, que padronizou as explicações verbais. A duração média desta etapa foi de 30 minutos. Em seguida, a medida que fossem terminando de preencher os questionários, os alunos eram conduzidos a uma sala disponibilizada pela própria instituição para a realização das mensurações antropométricas (massa corporal, estatura e dobras cutâneas). Este momento foi procedido individualmente. Assim, era permitida a entrada de apenas um aluno na sala.
Análise estatística
O teste Kolmogorov Smirnov foi aplicado para avaliar a distribuição dos escores da subescala “Dieta” do EAT-26. Em razão da violação paramétrica, foram conduzidos testes não paramétricos. Medidas de tendência central (mediana) e de dispersão (mínimo e máximo) foram utilizadas para descrição das subescalas do EAT-26 e do SATAQ-3, bem como BSQ e MDI. Utilizou-se a correlação de Spearman Hank para relacionar os escores de todos os questionários. Ademais, a regressão logística multinominal foi conduzida para analisar a associação das classificações do MDI (MDI +), das subescalas “Internalização Geral” e “Internalização Atlética” com a restrição alimentar (subescala “Dieta” do EAT-26). Salienta-se que as variáveis “idade”, BSQ, IMC e percentual de gordura foram controladas em todos os testes estatísticos. Ressalta-se, todavia, que foram utilizadas medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão) para descrever algumas variáveis da pesquisa (idade, IMC e percentual de gordura) em razão do teste Kolmogorov Smirnov não apontar violação paramétrica. Todos os dados foram tratados no software SPSS 20.0, adotando-se nível de significância de 5%.
Resultados
A Tabela 1 indica os dados descritivos das variáveis demográficas (idade, IMC e percentual de gordura) e os escores dos questionários (subescalas do SATAQ-3, BSQ, MDI e subescala do EAT-26).
A Tabela 2 demonstra os valores das correlações da “Internalização Geral”, “Internalização Atlética”, MDI e “Dieta”. Os achados apontaram relação estatisticamente significativa entre a “Internalização Geral” e “Internalização Atlética” (r = 0,57; p = 0,001). Do mesmo modo, o teste de Spearman evidenciou relação positiva entre a “Internalização Geral” e “Dieta” (r = 0,17; p = 0,03). Os demais resultados não demonstraram relações estatisticamente significativas (p > 0,05).
Os achados da regressão logística indicaram 2,01 vezes mais chances para os adolescentes com alta internalização geral adotarem a restrição alimentar (Wald = 6,16; p = 0,01) quando comparados àqueles com baixa internalização geral. Por outro lado, o modelo de regressão não evidenciou associação significativa da “Internalização atlética” (Wald= 1,16; p = 0,23) e dos sintomas depressivos (Wald= 0,81; p = 0,35) com a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino (Tabela 3). Destaca-se, sobretudo, que a idade (X2= 10,92; p = 0,01) e o BSQ (X2= 28,32; p = 0,001) demonstraram associação com a restrição alimentar, fato que não foi identificado para o IMC (X2= 1,87; p = 0,30) e o percentual de gordura (X2= 2,09; p = 0,18).
Razão de prevalência (odds ratio) entre as variáveis independentes e a subescala Dieta (referência: Alta restrição alimentar) em adolescentes do sexo masculino.
Discussão
A pesquisa teve como premissa analisar a relação da internalização dos padrões corporais e dos sintomas depressivos com a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino. De forma geral, os achados demonstraram relação da internalização dos padrões corporais com os comportamentos alimentares restritivos.
Os resultados evidenciaram correlação significativa entre a internalização geral e a restrição alimentar. Isto demonstra que quanto maior o desejo do jovem em se parecer com “estrelas” da televisão e do cinema, maior a frequência de restrição alimentar, corroborando outras pesquisas33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.,66. Grossbard JR, Neighbors C, Larimer ME. Perceived norms for thinness and muscularity among college students: What do men and women really want.Eat Behaviors 2011; 12(1):192-199.. Cabe salientar, no entanto, que este resultado deve ser encarado com cautela, visto o índice de correlação ter sido baixo (r= 0,17). De qualquer forma, a literatura científica tem ressaltado que os adolescentes que almejam ter o corpo semelhante ao de homens famosos estão mais susceptíveis a adotarem comportamentos alimentares restritivos2323. Blashill AJ. Gender roles, eating pathology, and body dissatisfaction in men: A meta-analysis. Body Image 2011; 8(1):1-11.. De acordo com Blashill2323. Blashill AJ. Gender roles, eating pathology, and body dissatisfaction in men: A meta-analysis. Body Image 2011; 8(1):1-11., tais jovens podem utilizar com frequência os episódios de recusa alimentar por longos períodos com o intuito de reduzir o peso corporal. Rodgers et al.44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215., acrescentam ainda, que a mídia tem sido considerada o principal agente cultural na influência de comportamentos alimentares do tipo restritivo. Sendo assim, a exposição de figuras de modelos/atores magros com musculatura bem delineada parece ser o principal desencadeador da restrição alimentar em adolescentes.
Embora pesquisadores ressaltem a respeito das possíveis relações entre o desejo de se parecer com os atletas e os comportamentos alimentares restritivos em adolescentes11. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Internalização do ideal de magreza e insatisfação com a imagem corporal em meninas adolescentes.Psico 2013; 44(3):432-438., a presente investigação não encontrou relação entre a “Internalização atlética” e “Dieta”, conforme apresentado na Tabela 2. Em razão da maior parte dos atletas do sexo masculino demonstrar aparência musculosa, talvez o desejo de parecer com eles não tenha relação com a restrição alimentar. De fato, a restrição alimentar é inversamente proporcional ao desenvolvimento muscular44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215., o que de certo modo pode explicar este achado.
Em adição, ao contrário do que é preconizado nos estudos com o sexo feminino2323. Blashill AJ. Gender roles, eating pathology, and body dissatisfaction in men: A meta-analysis. Body Image 2011; 8(1):1-11., os resultados da presente pesquisa não apontaram relação dos sintomas depressivos com a restrição alimentar. Talvez, os sentimentos de tristeza, baixa autoconfiança e culpa, comumente encontrados em pacientes com transtorno de depressão1212. Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469., não estejam associados aos comportamentos alimentares restritivos no sexo masculino. Outra explicação pode ser que como a insatisfação corporal masculina possui outra vertente (muscularidade), os sintomas depressivos podem estar associados à adoção de comportamentos concernentes ao aumento de massa muscular. Contudo, faz-se necessário realizar novas pesquisas com o objetivo de esclarecer melhor esta relação.
No que diz respeito ao modelo de regressão, os resultados indicaram que os adolescentes com alta internalização geral demonstraram maior susceptibilidade à restrição alimentar quando comparados aos jovens com baixa internalização geral. Em outras palavras, os adolescentes com maiores anseios em serem parecidos com os modelos e atores de televisão/cinema tinham maior probabilidade em utilizar os comportamentos alimentares restritivos, corroborando achados da literatura científica33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.. Vale destacar que, segundo Gondoli et al.99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148., a exposição de corpos magros com saliência muscular pela mídia é ainda mais exacerbada em países ocidentais quando comparados aos orientais, o que pode repercutir negativamente na internalização dos padrões corporais, com ligeira consequência na adoção de comportamentos alimentares restritivos, fato evidenciado pelos resultados deste estudo. Em adição, segundo Blashill2323. Blashill AJ. Gender roles, eating pathology, and body dissatisfaction in men: A meta-analysis. Body Image 2011; 8(1):1-11., os adolescentes que rotineiramente assistem televisão ou folheiam revistas de moda podem estar mais vulneráveis à internalização de padrões corporais socialmente aceitos. Assim, caso os jovens se sintam com o peso corporal acima do que é preconizado para o seu sexo, poderão adotar a restrição alimentar como medida para a redução do peso corporal2020. Eisenberg ME, Neumark-Sztainer D. Friends dieting and disordered eating behaviors among adolescents five years later: Findings from project EAT.J Adolescent Health 2010; 47(1):67-73.,2424. Palma RFM, Santos JE, Ribeiro RPP. Hospitalização integral para tratamento dos transtornos alimentares: a experiência de um serviço especializado. J Bras Psiquiatr 2013; 62(1):31-37., o que pode explicar a associação evidenciada entre a internalização geral e a restrição alimentar.
Em contrapartida, a regressão multinominal não apontou associação entre a internalização atlética e a restrição alimentar. Uma possível explicação para este achado: Fortes et al.11. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Internalização do ideal de magreza e insatisfação com a imagem corporal em meninas adolescentes.Psico 2013; 44(3):432-438. ressaltam que os corpos de atletas do sexo masculino costumam demonstrar grande saliência muscular. Logo, se os adolescentes desejarem similaridade morfológica com os atletas, necessitarão fazer exercícios físicos ou ingerir suplementos alimentares para alcançar seus objetivos, fato contrário aos comportamentos alimentares restritivos. No entanto, caso os adolescentes almejem aparência similar a dos atletas de esportes estéticos (saltos ornamentais e patinação artística), é possível haver associação entre a internalização atlética e a restrição alimentar. Todavia, são necessários estudos para esclarecer melhor esta relação.
Vale ressaltar, ainda, que os escores do BSQ foram controlados no modelo de regressão. Considerando que a restrição alimentar é influenciada pela insatisfação corporal99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148., e esta, por sua vez, é desencadeada pela internalização de padrões corporais44. Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215., é possível que não haja relação direta entre a internalização atlética e os comportamentos alimentares restritivos no sexo masculino, o que poderia ser uma outra explicação para os achados.
Os sintomas depressivos também não estiveram associados aos comportamentos alimentares restritivos. Embora exista evidência de que pessoas diagnosticadas com transtorno de depressão estão mais vulneráveis aos TAs1212. Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469., cabe salientar que, talvez, esta relação não seja verdadeira para o sexo masculino. Neste sentido, é provável que os sintomas depressivos não façam parte da etiologia da AN nem da BN em jovens do sexo masculino. Sobretudo, novas investigações deverão ser conduzidas para tornar este tópico menos obscuro.
Os achados apontaram relação entre idade, insatisfação corporal e os comportamentos alimentares restritivos. Este resultado indica que quanto mais velho o adolescente do sexo masculino, maior a vulnerabildiade para a adoção da restrição alimentar. Do mesmo modo, o achado demonstra que quanto maior a magnitude de insatisfação corporal, maior a susceptibilidade para a restrição alimentar. De acordo com Flament et al.33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75., os adolescentes mais velhos demonstram maior preocupação com a aparência física, pois apresentam crenças de que a morfologia corporal é critério de aceitação social, o que, de certo modo, pode gerar adoção de restrição alimentar, justificando, assim, os resultados evidenciados a respeito da relação entre idade, insatisfação corporal e comportamentos alimentares restritivos.
O modelo de regressão não apontou relação estatisticamente significativa entre IMC, percentual de gordura e comportamentos alimentares restritivos, embora evidências científicas tenham demonstrado o contrário88. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de diversos fatores sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Cien Saude Colet 2013; 18(11):3301-3310.,1616. Fortes LS, Amaral ACS, Almeida SS, Ferreira MEC. Efeitos de variáveis psicológicas, morfológicas e sociodemográficas sobre o comportamento alimentar de adolescentes. Rev Paul Ped 2013; 31(2):182-188.. Vale destacar, todavia, que o sexo masculino costuma ser mais preocupado com a muscularidade55. Frederick AD, Buchana GM, Sadehgi-Azar L, Peplau LA, Haselton MG, Berezovskaya A. Desiring the muscular ideal: men’s body satisfaction in the United States, Ukraine and Ghana. Psychol Men & Masculinity2007; 8(2):103-117.. Assim, comportamentos como a restrição alimentar podem ser menos frequentes do que a prática de exercícios físicos e o uso de suplementos alimentares/esteróides anabólicos em jovens do sexo masculino. De qualquer forma, pesquisadores salientam a importância de se avaliar fatores relacionados aos comportamentos direcionados a magreza e muscularidade33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75., visto que o sexo masculino possui estas duas vertentes na constituição de sua imagem corporal.
Apesar do presente estudo ser inédito e trazer importantes resultados para serem discutidos na literatura científica, o mesmo é dotado de limitações. Destaca-se, a priori, o uso de instrumentos autorreportados. De acordo com alguns autores33. Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.,99. Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148.,2525. Alves E, Vasconcelos FAG, Calvo MCM, Neves J. Prevalence of symptoms of anorexia nervosa and dissatisfaction with body image in female adolescents in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil. Cad Saude Publica 2008; 24(3):503-512., os adolescentes podem não responder com fidedignidade aos questionários, o que, de certo modo, poderia influenciar os resultados. Destaca-se que se utilizou instrumento não validado para a população-alvo deste estudo (SATAQ-3), o que representa uma limitação. Entretanto, a elevada consistência interna de suas subescalas entre os adolescentes participantes desta investigação dão indícios de boas qualidades psicométricas da escala também entre esta população. Outra limitação foi utilizar a subescala “Dieta” do EAT-26, visto que esta ferramenta foi validada para o sexo feminino. Assim, não há garantias de que as qualidades psicométricas desta subescala sejam as mesmas entre os meninos. Sobretudo, a consistência interna de 0,86 dá indício de boas qualidades psicométricas da subescala também entre esta população. Salienta-se também como limitação o delineamento do tipo transversal. Segundo Fortes et al.22. Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clin. 2013; 40(5):167-171., não é possível realizar inferência de causalidade nem avaliar a direção das associações encontradas em estudos transversais. Além disso, o BSQ é um instrumento que avalia principalmente a preocupação com o peso corporal, embora a insatisfação masculina esteja mais relacionada a muscularidade.
Por fim, os resultados permitiram concluir que somente a internalização geral esteve relacionada à restrição alimentar em jovens do sexo masculino. Desta forma, estratégias de prevenção contra a internalização de padrões corporais poderiam ser criadas com o propósito de se evitar a adoção de comportamentos alimentares restritivos entre os adolescentes do sexo masculino. Estas estratégias poderiam reduzir a magnitude da internalização dos padrões corporais preconizados pela mídia. Logo, reduziria a vulnerabilidade destes jovens a adoção de comportamentos alimentares do tipo restritivo.
São sugeridos estudos com delineamento longitudinal que busquem avaliar o impacto da internalização dos padrões corporais e dos sintomas depressivos sobre a restrição alimentar em adolescentes do sexo masculino.
Referências
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2Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clin 2013; 40(5):167-171.
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3Flament MF, Hill EM, Buckholz A, Henderson K, Tasca GA. Internalization of the thin and muscular body ideal and disordered eating in adolescence: The mediation effects of body esteem. Body Image2012; 9(1):68-75.
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4Rodgers R, Cabrol H, Paxton SJ. An exploration of the tripartite influence model of body dissatisfaction and disordered eating among Australian and French college women. Body Image 2011; 8(1):208-215.
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5Frederick AD, Buchana GM, Sadehgi-Azar L, Peplau LA, Haselton MG, Berezovskaya A. Desiring the muscular ideal: men’s body satisfaction in the United States, Ukraine and Ghana. Psychol Men & Masculinity2007; 8(2):103-117.
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6Grossbard JR, Neighbors C, Larimer ME. Perceived norms for thinness and muscularity among college students: What do men and women really want.Eat Behaviors 2011; 12(1):192-199.
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9Gondoli DM, Corning AF, Salafia EHB, Bucchianeri MM, Fitzsimmons EE. Heterosocial involvement, peer pressure for thinness, and body dissatisfaction among young adolescent girls. Body Image 2011; 8(2):143-148.
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12Allen KL, Mori TA, Beilin L, Byrne M, Hicking S, Oddy WH. Dietary intake in population-based adolescents: support for a relationship between eating disorder symptoms, low fatty intake and depressive symptoms. J Human Nutrition Dietetic 2013; 26(3):459-469.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov 2015
Histórico
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Recebido
18 Set 2014 -
Revisado
04 Maio 2015 -
Aceito
06 Maio 2015