Resumo
Realizou-se a análise da implementação em nível nacional dos Centros Regionais de Referência (CRRs). Um questionário com 97 questões abertas e fechadas foi respondido por coordenadores de 51 CRRs das cinco regiões brasileiras. Um estudo de casos múltiplos ex-post-facto foi viabilizado, recorrendo à triangulação entre a análise estatística descritiva das questões fechadas e a análise temática das questões abertas. A abrangência efetivamente nacional dos CRRs sustentou-se na ampliação da capilaridade das instituições públicas de ensino. A flexibilidade metodológica foi considerada oportuna no desenho dos cursos, viabilizando conteúdos atinentes à realidade local, com a proposição de projetos de intervenção no território que buscam impactar a articulação da rede intersetorial. Salientou-se a necessidade de maior autonomia administrativa e financeira e a relevância da continuidade dos processos formativos, devido ao protagonismo dos CRRs nas políticas de drogas locorregionais. A análise sinaliza para eixos que podem subsidiar a construção de indicadores de avaliação de processos formativos para o campo de álcool e outras drogas, bem como a elaboração de princípios e diretrizes para a formação na área.
Palavras-chave:
Educação permanente; Capacitação profissional; Avaliação de programas e projetos de saúde; Transtornos relacionados ao uso de substâncias
Abstract
An analysis of the national implementation of Regional Reference Centers (RRCs) was carried out. A survey with 97 open-ended and closed-ended questions was answered by the coordinators of 51 RRCs from the five Brazilian regions. A multi-case ex-post-facto study was facilitated by the triangulation of descriptive statistical analysis of closed-ended questions and thematic analysis of open-ended ones. The effective national scope of the RRCs was based on the increased capillarity of public education institutions. Methodological flexibility was highlighted as a convenient feature in the course design, allowing content relevant to the local reality, with proposed intervention projects in the territory, affecting the coordination of the intersectoral network on drugs. Worth highlighting was the need for higher administrative and financial autonomy and the relevance of continuity of the training processes due to the critical role of RRCs in local and regional drug policies. The analysis flags axes that can support the construction of indicators for the evaluation of alcohol and other drugs educational processes, as well as the elaboration of training principles and guidelines for this area.
Key words:
Continuing education; Professional training; Assessment of health programs and projects; Substance-related disorders
Introdução
A ênfase na formação e educação permanente como atribuição do SUS foi afirmada desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, e consignada na Lei Orgânica da Saúde de 1990. Nas duas primeiras conferências nacionais de Recursos Humanos para a Saúde, ocorridas em 1986 e 1993, ressaltou-se a importância de pautar a formação para a potencialização do trabalho em saúde. A 3ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, realizada em 2006, explicitou a necessidade de incluir a “dependência química” como tema para a formação.
A educação permanente em saúde (EPS) adota as ações técnico-assistenciais cotidianas dos trabalhadores da saúde em suas equipes como pontos de partida de processos formativos11 Lima Júnior JM, Silva EA, Moura YG, Reinaldo AMS, Costa II. Os desafios do cuidado em saúde para a formação em álcool e outras drogas baseada nos direitos humanos. In: Vecchia MD, Ronzani TM, Paiva FS, Batista CB, Costa PHA, organizadores. Drogas e direitos humanos: reflexões em tempos de guerra às drogas. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 141-66.
2 Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu) 2005; 9(16):161-168.-33 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS; 2009., orientando-se para a aquisição de conhecimentos e realização de práticas em saúde que contribuam estrategicamente para o avanço do SUS44 Vasconcelos MPN, Batista CB, Silva VAC, Vecchia MD, Lopes FM. Curso de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas: considerações acerca das metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem. Pesqui. Prát. Psicossociais 2016; 11(3):702-715.. Políticas de formação pautadas pela EPS devem ser congruentes com os princípios dos direitos humanos e de promoção da cidadania, adotando a indissociabilidade entre teoria e prática55 Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187., com potencial para minimizar estigmas relacionados aos usuários de drogas66 Acselrad G. Os desafios para uma formação em álcool e outras drogas baseada nos direitos humanos. Vecchia MD, Ronzani TM, Paiva FS, Batista CB, Costa PHA, organizadores. Drogas e direitos humanos: reflexões em tempos de guerra às drogas. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p.124-240.
Em 2005, a Política Nacional sobre Drogas (PNAD) considerou a necessidade de envolver instituições de ensino para capacitar, articular, multiplicar e fortalecer ações relacionadas ao uso de drogas. Contudo, somente em 2010 o governo federal conduziu uma política de formação em âmbito nacional. Como resposta política à suposta “epidemia do crack” alardeada à época, criou-se o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas (PIEC), instituindo financiamento para criação de Centros Regionais de Referência (CRRs).
Em 2010, o Comitê Gestor do PIEC, por meio do edital nº 002/2010/GSIPR/SENAD77 Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital nº 002/2010/GSIPR/SENAD, de 23 de setembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 23 set. (doravante denominado “Edital de 2010”), fez a primeira chamada pública para propostas de apoio financeiro à implantação de CRRs. O Edital de 2010 pré-delimitava o objeto dos cursos a serem ministrados, o público-alvo, a carga horária, o número mínimo de alunos, os objetivos e o conteúdo. De início, 51 CRRs foram contemplados com recursos descentralizados pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). Tanto esse edital quanto os outros dois lançados posteriormente preconizaram que as propostas se fundamentassem na EPS.
Em 2011, foi lançado o programa “Crack, é possível vencer”. Seu eixo “prevenção” priorizou capacitação, disseminação de informações e orientação voltadas para públicos diversos, recorrendo ao ensino presencial e também a distância. Foi lançada então a segunda chamada pública, voltada tanto aos CRRs já implantados quanto à proposição de novos centros. O Edital de Chamamento Público nº 01/201288 Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital de Chamamento Público nº 1/2012, de 23 de maio de 2012. Diário Oficial da União 2012; 25 maio. (“Edital de 2012”) seguiu os parâmetros gerais do de 2010, incluindo, além da saúde e da assistência social, o poder judiciário, o ministério público e a segurança pública.
O Edital de Chamamento Público nº 08/2014-SENAD/MJ99 Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital de Chamamento Público nº 08/2014-SENAD/MJ, de agosto de 2014 [acessado 2019 Set 3]. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/crr/Edital%20CRR%202014.pdf.
https://www.ufsj.edu.br/portal2-reposito...
(“Edital de 2014”), lançado dois anos depois, o terceiro e último até o presente momento, ampliou o escopo do público-alvo para as “políticas com interface na prevenção e cuidado dos problemas relacionados ao uso de drogas”. O objeto, o conteúdo, os objetivos, o público-alvo e a metodologia dos cursos a serem oferecidos, diferentemente dos editais de 2010 e 2012, deveriam ser pactuados com instâncias colegiadas intersetoriais. O Edital de 2014 exigia momentos teóricos e práticos nos processos formativos, e uma carga horária total entre 40 e 80 horas.
Observa-se, assim, que a formação para o campo de álcool e outras drogas foi um dos componentes estruturantes das políticas e dos programas que emergiram no ciclo de governo inaugurado após o programa “Crack, é possível vencer”. Cabe destacar o esforço realizado pelo governo federal naquele período para garantir condições e recursos para a formação sobre drogas de um amplo conjunto de trabalhadores. O “Crack, é possível vencer” pretendeu alcançar 463 mil profissionais de saúde e de áreas estratégicas para a política sobre drogas55 Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187..
Uma revisão sistemática recente de avaliações brasileiras em saúde mental concluiu que a qualificação dos recursos humanos é um dos aspectos cruciais para a melhoria da oferta dos serviços1010 Costa PHA, Colugnati FAB, Ronzani TM. Avaliação de serviços em saúde mental no Brasil: revisão sistemática da literatura. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3243-53.. Não obstante, o desenho e a implementação de políticas sobre drogas exigem respostas multissetoriais, com a evidência científica devendo ser considerada prioritária na agenda de governo1111 Bello LA. Desafios na transferência da evidência científica para o desenho e implementação de políticas sobre o uso de substâncias psicoativas. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 17-39.. No entanto, no contexto brasileiro, avaliações de implementação, efetividade e resultados nesse campo das políticas públicas são escassas.
O presente estudo é a primeira avaliação de abrangência nacional dos CRRs brasileiros. Buscou caracterizar e analisar, na perspectiva de seus coordenadores, o processo de implementação em nível nacional desses centros em instituições públicas de ensino técnico e superior.
Metodologia
Foi feita uma análise de implementação como modalidade de pesquisa avaliativa, que se destaca como oportunidade de aprendizagem a respeito da trama político-institucional do desenvolvimento de políticas públicas, no caso referentes à formação para o campo de álcool e outras drogas1212 Dubois CA, Champagne F, Bilodeau H. Histórico da avaliação. In: Brousselle A, Champagne F, Hartz Z, Contandriopoulos AP. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 19-39.. Análises de implementação têm o potencial de identificar aspectos cabais do sucesso ou insucesso das metas estabelecidas e compreender os processos que viabilizaram determinado nível de alcance dos resultados esperados1313 Dalfior ET, Lima RDCD, Andrade MAC. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde Debate 2015; 39(104):210-225..
Um estudo de casos múltiplos ex-post-facto foi viabilizado a partir da coleta de dados em um questionário de levantamento (survey) contendo 97 questões, sendo 69 abertas e 28 fechadas, respondidas pelos coordenadores dos CRRs brasileiros. Solicitou-se que eles informassem os editais para os quais submeteram, aprovaram e desenvolveram, parcial ou integralmente, propostas de cursos. Para os editais de 2010 e 2012, que pré-delimitaram os cursos, questões fechadas avaliaram a pertinência dos públicos-alvos, do conteúdo, da metodologia e a suficiência da carga horária, além dos meios de divulgação, recursos didáticos e estratégias de acompanhamento pós-curso. Questões abertas solicitaram comentários adicionais. Para o Edital de 2014, que não pré-delimitava os cursos, questões abertas solicitaram informações sobre os três cursos considerados mais relevantes: título, ementa/conteúdo, metodologia, estratégias de avaliação/acompanhamento, público-alvo e número de vagas. Outras questões abertas pediam comentários acerca da pertinência dos públicos-alvos, do conteúdo e da carga horária. Depois solicitou-se dos coordenadores uma avaliação geral da implementação do CRR: repercussão, viabilidade da execução dos recursos, articulações geradas, situação atual do CRR e recomendações para aprimoramento. Ao final foram incluídas questões visando a caracterização sociodemográfica do coordenador.
Recorreu-se à ferramenta Formulários Google, disponível on-line e de acesso gratuito. Um estudo piloto foi realizado com a participação de três coordenadores, cujas sugestões de modificação foram acolhidas de forma integral. Previamente ao envio aos coordenadores, o projeto de pesquisa foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - Unidades Educacionais de São João del-Rei, com recomendação para desenvolvimento. Os convites para participação na pesquisa foram realizados por correio eletrônico entre abril e junho de 2018, contendo informações a respeito da pesquisa e o link para acesso ao questionário a ser preenchido. Utilizou-se uma lista que especificava um total de 59 CRRs implantados no país.
Foram adotados os seguintes eixos para análise da implementação dos CRRs: (1) caracterização dos coordenadores e dos centros, (2) caracterização e análise dos componentes dos processos formativos, (3) análise dos desafios e das potencialidades da gestão administrativa e financeira e (4) autoavaliação acerca dos impactos locorregionais. A fim de desenvolver esses quatro eixos, realizou-se a triangulação de análises a partir de uma mesma fonte de dados1414 Marcondes NAV, Brisola EMA. Análise por triangulação de métodos: um referencial para pesquisas qualitativas. Rev Univap 2014; 20(35):201-208., com a análise estatística descritiva das questões fechadas e a análise temática das questões abertas.
A análise estatística descritiva (frequência, média e desvio-padrão) recorreu às funções disponíveis na planilha Google gerada com base nos dados inseridos no questionário. As questões abertas, por sua vez, foram submetidas à análise temática1515 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol 2006; 3(2):77-101., subsidiada pela utilização do software Atlas.ti, versão 7. Para a análise temática, cada uma das questões abertas foi transformada em um documento primário do Atlas.ti contendo as respostas dadas individualmente pelos coordenadores. Foi realizada a codificação em dois estágios, a fim de gerar um sistema de códigos bem estruturado1616 Friese S. Qualitative data analysis with ATLAS.ti. New York: Sage; 2014.,1717 Friese S, Soratto F, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS.ti. MMG Working Paper 2018; 20(2).. A título de ilustração das análises realizadas, na apresentação dos resultados foram incluídos trechos das respostas dadas às questões abertas, com a utilização de um código para mencionar os coordenadores, ordenado conforme a sequência de recepção do questionário (“Cnn”), de forma a assegurar o anonimato.
Participaram do estudo 54 coordenadores, de 51 CRRs, sendo que as informações referentes a três CRRs foram prestadas por dois coordenadores cada. Tomando-se por base o CRR como unidade de análise, atingiu-se a expressiva taxa de respostas de 86%. As tabelas 1 e 2 sistematizam os resultados referentes ao eixo 1 (caracterização dos coordenadores e dos CRRs). Os resultados dos eixos 2, 3 e 4 serão apresentados na próxima seção.
Resultados
Caracterização dos coordenadores e dos CRRs
Na Tabela 1, observa-se que o maior número de CRRs foi implementado na região Nordeste (n = 16), seguida da Sudeste (n = 14). A região Norte teve o menor número de CRRs implantados (n = 5), porém muito próximo da Centro-Oeste (n = 6). Os dados não surpreendem com relação ao Sudeste, por ser a região com o maior número de instituições públicas, algumas entre as mais tradicionais do ensino técnico e superior. No entanto, surpreende o alto número de propostas desenvolvidas no Nordeste e no Norte do país, dada a histórica desigualdade de acesso regional às ações de formação continuada.
Com relação ao edital de submissão da proposta, ainda na Tabela 1, praticamente metade dos CRRs ou submeteram e desenvolveram propostas para o Edital de 2014 (n = 13), ou para todos os três editais (n = 12). Uma hipótese para a alta adesão ao Edital de 2014 foi a boa receptividade à flexibilidade metodológica dos processos formativos, indicada inclusive na análise temática das questões abertas. Com relação aos 12 CRRs que apresentaram propostas nos três editais, não há diferenças relevantes desses quanto ao conjunto, à região ou às características específicas de seus coordenadores. No entanto, o tempo médio de atuação no campo de saúde mental, álcool e outras drogas dos coordenadores desses 12 CRRs é de 23,18 anos (dp = 7,05), contra 18,23 (dp = 8,82) do conjunto, sugerindo tratar-se de coordenadores mais experientes.
A faixa etária dos coordenadores é relativamente bem distribuída entre os decênios delimitados, com idade média de 50,54 anos (dp = 9,98). No que se refere ao gênero dos coordenadores, cerca de dois terços (n = 36) são mulheres. Essa frequência é coerente com o dado de que 58,7% dos coordenadores realizaram seus cursos de graduação nas áreas de psicologia e enfermagem, cursos que, historicamente, têm mais mulheres como egressas.
Caracterização e análise dos componentes dos processos formativos
Os dados da Tabela 2 expressam a avaliação predominantemente positiva dos coordenadores com relação a público-alvo, conteúdo, metodologia e carga horária dos processos formativos desenvolvidos. A avaliação acerca da relevância dos públicos-alvos e dos seminários (como elemento da metodologia) concentra-se de maneira esmagadora em “concordo totalmente” e “concordo”. No entanto, há uma avaliação também positiva, com clara concentração em torno de “concordo”, porém abrangendo inclusive “discordo” (além de “concordo totalmente”), a respeito da suficiência da carga horária prevista e à adequação do conteúdo e da metodologia ao público-alvo.
A análise temática realizada contribuiu para elucidar essas avaliações. Primeiramente, com relação à avaliação praticamente unânime sobre a pertinência dos públicos-alvos previstos, nota-se que os coordenadores ressaltam o papel da educação interprofissional e intersetorial. Não obstante terem sido contempladas formações diversas desde o primeiro edital, os coordenadores relataram esforços para incluir nos cursos participantes de setores não previstos nos editais de 2010 e 2012: profissionais da educação, trabalhadores do judiciário, da segurança pública etc. “A participação de juízes da área criminal, procuradores e desembargadores contribuíram para a continuidade dos aprendizados quando, após o curso, inseriram na prática os saberes adquiridos” (C25). Ainda quanto ao público-alvo, destaca-se o protagonismo dos cursistas no processo ensino-aprendizagem, recorrendo-se às metodologias ativas e a um amplo repertório de recursos didáticos: “O processo de formação foi realizado com metodologias ativas, com discussão de conteúdo do curso junto com os participantes onde foram utilizados estudos de casos reais” (C09).
Os seminários e eventos com diferentes formatos, abertos para os cursistas e demais públicos, também foram avaliados de maneira notoriamente positiva. Os primeiros foram percebidos como espaços que promovem: acolhimento aos novos cursistas e encontro dos que já os frequentam; compartilhamento de experiências de trabalho e dos projetos de intervenção no território; e espaço para articulação entre parceiros e análise da conjuntura das políticas de álcool e outras drogas. “Realizamos um seminário de encerramento em que os participantes dos cursos foram protagonistas, pois apresentaram os projetos de intervenção que estavam em andamento ou a serem iniciados” (C47).
Ainda no que diz respeito à metodologia, outros dois aspectos podem ter contribuído para uma avaliação menos homogeneamente positiva sobre a adequação da metodologia aos públicos-alvos. O primeiro se refere às dificuldades para um maior envolvimento dos cursistas: (a) obstáculos à liberação para participação presencial, devido ao questionamento de acordos prévios na mudança de gestão e à não garantia de afastamento para capacitação devido ao tipo de vínculo de trabalho (“a evasão também ocorreu em momentos de transição de governo ou pela instabilidade da política local” -C12); e (b) problemas no deslocamento dos cursistas até o município-sede do CRR onde ocorriam as atividades presenciais (“houve muitos inscritos, porém nem todos deram continuidade ao curso por motivos diversos, dentre eles, distância” - C40). O segundo aspecto diz respeito às adequações realizadas na carga horária pré-fixada para os cursos (em especial nas propostas submetidas aos editais de 2010 e 2012) para contemplar efetivamente atividades práticas: “A carga horária poderia ser até 60 horas, sendo uma parte destinada à prática. [...] consideramos ser muito complicado o atendimento a esse quesito, devido à dificuldade dos trabalhadores saírem do serviço por tanto tempo. Assim, redesenhamos os cursos para 20h teoria e 20h prática” (C04).
A análise temática também possibilitou compreender a avaliação não-homogênea sobre a adequação do conteúdo à necessidade do público-alvo. Nesse sentido, nota-se, primeiro, que a abordagem da atenção integral envolve lidar com as drogas como questão tabu, abarcando, para além da transmissão de conhecimentos, práticas educativas que promovam sensibilização: “Apesar de o curso de aperfeiçoamento [...] ser direcionado a profissionais que lidam diretamente com a problemática, tratar do problema das drogas, em especial a situação do usuário de drogas e seu lugar como sujeito de direitos, ainda constitui grande tabu” (C23).
Além disso, a adesão dos cursistas aos processos formativos demandou manejar a tensão entre a oferta de conteúdos gerais para os iniciantes e específicos para os mais experientes: “Profissionais sensibilizados, com práticas profissionais de uso de algumas das abordagens referidas, demandaram por mais conteúdos, com maior aprofundamento” (C12).
Com relação às estratégias de avaliação utilizadas nos processos formativos, dois aspectos se destacaram na análise temática: (a) o caráter participativo das avaliações, coerentemente com a valorização do protagonismo dos cursistas (“Para a avaliação foi considerada a presença e participação no curso e a elaboração de uma proposta de resolução de problemas relacionada à prática dos profissionais” - C28), e (b) a adoção majoritária da avaliação formativa, possibilitando detectar fragilidades e necessidades de aprendizagem no decorrer dos cursos, com a elaboração de projetos de intervenção como produto final (“Além do instrumento de avaliação das atividades, os participantes foram avaliados pela apresentação dos projetos de análises do território, pela aplicabilidade e envolvimento” - C41).
A elaboração de projetos de intervenção criou a oportunidade de contemplar conteúdos mais afeitos à realidade local, como família, articulação de redes e uso de drogas entre indígenas, jovens e idosos: “Inserimos junto ao conteúdo do curso módulos relacionados ao envelhecimento, bem como ao consumo de drogas por esse contingente populacional” (C03).
Análise dos desafios e potencialidades da gestão
A avaliação dos coordenadores sobre a gestão da proposta, apresentada na Tabela 2, destoa da avaliação majoritariamente positiva, apresentada na seção anterior, sobre a adequação do público-alvo, do conteúdo, da metodologia e da carga horária dos cursos implementados. Nesse sentido, quando se aborda a facilidade na execução dos recursos descentralizados, são identificados tanto avaliações positivas (“concordo totalmente” e “concordo”), com 60,4% (n = 29), quanto negativas (“discordo totalmente” e “discordo”), com 39,6% (n = 19).
A análise temática permitiu o aprofundamento na questão da execução financeira. Uma parte dos coordenadores afirmou ter logrado a execução integral dos recursos e que sua disponibilização foi oportuna e suficiente: “O projeto conseguiu executar todo o recurso empenhado e não houve dificuldade em cumprir a meta orçamentária” (C42). Uma segunda parte relata a execução parcial dos recursos, devido (a) à morosidade na disponibilização dos mesmos pela SENAD, seja na descentralização orçamentária inicial, seja no repasse das parcelas após a descentralização, e (b) à morosidade do fluxo administrativo interno às instituições sede, por conta, por exemplo, da necessidade de empenho dos gastos no ano orçamentário. “Em nossa IES pública o recurso entrou em conta da instituição e seguiu todos os trâmites, como licitação e contratação específica de alguns serviços, [...] implicou dificuldades e às vezes em impedimento de uso do recurso” (C12). Uma terceira parte, por sua vez, menciona a inviabilidade de execução para uma ou mais entre as propostas aprovadas, devido a restrições de ordem legal ou institucional, ou a impedimentos relacionados à fundação de apoio: “Foi iniciado o primeiro curso e, perto de sua finalização, a fundação universitária, gestora dos recursos, entrou em falência” (C28).
Além da execução financeira, os coordenadores destacaram elementos da execução administrativa dos cursos. Para eles, o modo como a instituição de ensino acolheu o CRR em seus órgãos internos foi determinante para o seu desenvolvimento: “[A universidade] assumiu o CRR e, dada a confiança que a população tem na instituição cientifica, todos os gestores assinaram o convênio de cooperação técnica cuja contrapartida seria liberar os profissionais em horário de trabalho e permitir a realização de pesquisas” (C25).
Os coordenadores também ressaltaram obstáculos ao desenvolvimento das propostas: (a) sobreposições na agenda de formação, com oferta simultânea de processos formativos presenciais (como os propostos pelos CRRs e o projeto “Caminhos do cuidado”, por exemplo), entendendo-se que a SENAD poderia ter tido um papel de mediação (“Houve na época uma concorrência de ofertas pelos diferentes níveis gestores [...] inclusive o projeto ‘Caminhos do cuidado’, que segundo os gestores municipais dificultou a liberação dos profissionais” - C31); e (b) falta de assessoria técnico-pedagógica mais direta aos CRRs pela SENAD para apoiar o desenvolvimento dos processos formativos (“Penso que se faz muito necessário aprimorar o processo de acompanhamento e orientação para a condução desse projeto nacional tão importante” - C04).
Por fim, quanto à situação atual dos CRRs, os coordenadores apontam, basicamente, duas situações distintas: (a) centros que estão inativos, não desenvolvendo atualmente quaisquer ações, e (b) centros que se encontram em funcionamento. Entre esses últimos, relata-se desmotivação das equipes envolvidas, decorrente da ausência de recursos, além de reformulação dos objetivos iniciais: “Enfim, a demanda persiste, de formação curricular e extracurricular, permanente, mas sem recursos fica complicado atrair os docentes com o mesmo empenho” (C04). Como consequência, têm concentrado suas atividades em eventos acadêmico-científicos em nível de pós-graduação e/ou em atividades de pesquisa: “O CRR vem promovendo seminários/colóquios anuais e realizando pesquisas locais. Mas não dispomos de qualquer recurso para oferecer cursos sistemáticos de extensão, como aquele possibilitado pelo Edital de 2014” (C23).
Autoavaliação dos impactos locorregionais
Com relação aos impactos percebidos, a Tabela 2 expressa uma avaliação claramente positiva dos coordenadores a respeito da repercussão dos cursos e a promoção de articulações nas políticas locorregionais sobre drogas, com concentração em “concordo totalmente” e “concordo”. A análise temática identificou fatores relacionados a tais impactos na perspectiva dos coordenadores.
Entende-se que a própria oportunidade de atualização de conhecimentos e práticas por intermédio dos cursos produz impactos, devido: (1) à afinidade dos cursos oferecidos com a reforma nas políticas sobre drogas, fundamentados majoritariamente na ética do cuidado integral e dos direitos humanos; e (2) à adoção de atividades teórico-práticas, com suporte para a elaboração e o desenvolvimento de projetos terapêuticos singulares e atividades de supervisão clínico-institucional in loco em serviços estratégicos, como os CAPSad. “Na nossa região estava acontecendo abertura de CAPSad em vários municípios. Estes cursos foram importantes para formação e apoio das novas equipes e um espaço de atualização e trocas para os profissionais” (C54).
No que diz respeito à relação ensino-serviço, foram destacados os seguintes impactos: (a) oportunidades de reflexão sobre as práticas vigentes de prevenção e cuidado por meio da elaboração de projetos de intervenção nos territórios; (b) elaboração de novas propostas formativas, como um curso de pós-graduação lato sensu, devido à aproximação das equipes dos CRRs com professores universitários que antes atuavam de forma isolada; e (c) retomada de vínculos com a formação acadêmica pelos cursistas devido à interiorização possibilitada pela oferta de processos formativos em municípios afastados dos grandes centros: “As articulações regionais foram muito importantes em termos de referência da universidade para os municípios e para os organismos envolvidos na política sobre drogas na região, tanto que findou o edital e continuamos sendo solicitados para cursos, pesquisas, extensões etc.” (C05).
As articulações na e da rede viabilizadas por intermédio dos cursos oferecidos também foram destacadas. Segundo os coordenadores, isso levou ao aprofundamento do diálogo com os gestores, possibilitando minimizar estigmas relacionados aos usuários de drogas e apoiar a sustentação de mudanças nas políticas locorregionais sobre drogas: “Os gestores, profissionais e usuários dos serviços, assim como os professores e seguranças precisaram dialogar para que o Projeto de Intervenção acontecesse em seus locais de trabalho” (C53). Os CRRs também atuaram na mediação de conflitos (deslocamento, liberação etc.) entre instâncias de governo, a fim de ampliar oportunidades de participação: “Foi necessária uma repactuação da coordenação do curso junto com a SENAD e a Secretaria de Drogas do Estado para o desenvolvimento do curso em outros municípios” (C09). Também houve CRRs que atuaram junto à rede de atenção propondo fóruns intersetoriais sobre álcool e outras drogas, contribuindo assim para a integração das políticas públicas locais: “Houve implementação de fóruns que reuniam profissionais e usuários, formando redes de cuidado” (C36).
Finalmente, foram apontadas quatro sugestões gerais de aprimoramento para ampliação dos impactos: (1) fixação da proposta metodológica dos CRRs na perspectiva da problematização com inspiração pedagógica freireana; (2) consolidação do diagnóstico contínuo das necessidades locorregionais de formação no campo de álcool e outras drogas; (3) aprimoramento dos canais de comunicação entre as instituições de ensino e a SENAD; e (4) viabilização de novas fontes de financiamento, visando maior autonomia orçamentária, acompanhamento mais detido dos impactos e implementação de novas propostas.
Discussão
A análise realizada possibilitou observar a abrangência efetivamente nacional dos CRRs implementados, apoiando-se na ampliação da capilaridade das instituições públicas de ensino técnico e superior. Os seminários promovidos pelos CRRs e os projetos de intervenção no território se destacaram por terem transcendido sua função pedagógica mais direta e impactar a articulação da rede intersetorial. Evidenciou-se, também, a relevância da flexibilidade metodológica no desenho dos cursos, possibilitando contemplar conteúdos específicos da realidade local das políticas de drogas. Os coordenadores destacaram, com relação à gestão das propostas, a importância de maior autonomia administrativa e financeira. Destacou-se, por fim, o protagonismo dos CRRs como atores nas políticas locorregionais de drogas.
Observou-se que CRRs que apresentaram e desenvolveram propostas para os três editais foram coordenados por pessoas com mais tempo de experiência no campo de saúde mental, álcool e outras drogas. Adquirir experiência com a execução administrativa e financeira é crucial na implementação de programas, visto a relevância do desenvolvimento da capacidade institucional dos coordenadores como agentes implementadores1313 Dalfior ET, Lima RDCD, Andrade MAC. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde Debate 2015; 39(104):210-225.. Sugere-se, assim, que os achados da presente pesquisa sejam levados em conta no desenho de editais futuros. O dado de que dois terços dos coordenadores eram mulheres ratifica os estudos que apontam o aumento da presença feminina na liderança de grupos de pesquisa entre os estratos acadêmicos mais bem qualificados da ciência brasileira1818 Lombardi MR, Campos VP. A enfermagem no Brasil e os contornos de gênero, raça/cor e classe social na formação do campo profissional. Rev ABET 2018; 17(1):28-46.,1919 Lhullier L, organizadora. Quem é a psicóloga brasileira? Mulher, Psicologia e trabalho. Brasília: Conselho Federal de Psicologia; 2013. [acessado 2019 Jan 14]. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/07/Quem_e_a_Psicologa_brasileira.pdf.
Com relação à distribuição regional das propostas implementadas, a ampliação da rede pública de instituições federais de ensino superior (IFES) e de institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFET), ocorrida entre os anos de 2003 e 20112020 Melo PB, coordenadora. A interiorização recente das instituições públicas e gratuitas de ensino superior no Nordeste: efeitos e mudanças - relatório de pesquisa. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; 2014. [acessado 2019 Jan 14]. Disponível em: https://www.fundaj.gov.br/images/stories/pesquisas_concluidas/2010_Atualmente/interioriozacao_universidades_publicas_2014.pdf, pode ter contribuído para o significativo número de CRRs implantados nas regiões Norte e Nordeste do país. Outro elemento que possivelmente também interferiu foram as inovações nas políticas de drogas realizadas em algumas das capitais e principais regiões do Nordeste brasileiro. São emblemáticos, nesse sentido, os programas Mais Vida e Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares (ATITUDE), do Governo do Estado de Pernambuco2121 Rameh-de-Albuquerque RC, Lira WL, Costa AM, Nappo SA. Do descaso a um novo olhar: a construção da Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas como conquista da Reforma Psiquiátrica Brasileira. O caso de Recife (PE). Psicol Pesq 2017; 11(1):84-96., e os projetos pioneiros do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD-UFBA), como o Consultório de Rua e Ponto de Cidadania2222 Ribeiro VAL, Nascimento WF. Drogas, direitos humanos e bioética: dupla vulnerabilidade do usuário de drogas em situação de rua. Rev Latinoam Bioet 2017; 17(2):63-75., posteriormente alçados a serviços do SUS.
A adoção de eixos de análise que priorizaram uma análise agregada dos dados foi necessária, devido às mudanças observadas em cada nova chamada pública de propostas, em especial no Edital de 2014, que introduziu maior flexibilidade metodológica. Tais mudanças, não obstante serem bem avaliadas, criaram dificuldades para análises desagregadas, edital a edital, dificultando a comparação. Estudos de implementação, nesse sentido, possibilitam evidenciar condicionantes político-institucionais da gestão e o desenvolvimento de intervenções nas políticas públicas1313 Dalfior ET, Lima RDCD, Andrade MAC. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde Debate 2015; 39(104):210-225., no entanto trazem informações limitadas quanto a impactos e resultados alcançados, o que exigiria a construção de uma matriz de avaliação concomitante ao início da implementação da proposta.
As análises realizadas corroboraram os obstáculos aos impactos mais efetivos das políticas de formação no campo de álcool e outras drogas sinalizados por outros estudos: (a) alta rotatividade das equipes do SUS e SUAS em virtude da precarização dos vínculos de trabalho e da “sazonalidade do jogo político”55 Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187. (p. 181); (b) fragmentação intra e intersetorial das ações nas políticas públicas; (c) desvalorização dos fenômenos do campo de álcool e outras drogas pelos gestores, com presença de “resíduos da lógica repressiva”55 Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187. (p. 181); e (d) pouco investimento na gestão da educação em saúde no nível municipal. Nessa direção, os coordenadores ressaltaram a relevância da problematização de posições morais e a mediação de conflitos2323 Batista CB, Vasconcelos MPN, Vecchia MD, Queiroz IS. A educação permanente sobre redução de danos: experiência do curso de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas. Interface (Botucatu) 2019; 23:e180071. no trabalho pedagógico e junto aos gestores.
A falta de um parâmetro normativo e valorativo bem delimitado dificulta a realização de julgamentos, porém a pesquisa desenvolvida sinaliza indicadores de avaliação quantitativos e qualitativos. De modo sucinto, indicadores “[s]ão uma espécie de sinalizadores que buscam expressar sinteticamente um aspecto da realidade (variável)”2424 Assis SG, Deslandes SF, Minayo MCS, Santos NC. Definição de objetivos e construção de indicadores visando à triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza, ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p. 105-32. (p. 106). Ainda que indicadores devam ser concebidos de modo contextualizado e à luz da realidade singular a ser avaliada, a generalização naturalística dos resultados do presente estudo de caso possibilita que avaliações futuras de processo e resultados possam ser por ele subsidiadas.
Dar voz a um ator com importante responsabilidade na implementação em nível local possibilita avançar na superação da “caixa preta” de avaliações que dividem, de modo estanque, os momentos da formulação e da implementação, em uma perspectiva clássica do ciclo da política1313 Dalfior ET, Lima RDCD, Andrade MAC. Reflexões sobre análise de implementação de políticas de saúde. Saúde Debate 2015; 39(104):210-225.. Ainda com relação ao método, a facilidade de aplicação do instrumento foi considerada uma vantagem adicional, contornando a ausência de interatividade inerente ao uso de surveys.
Recorrer aos coordenadores como informantes únicos da análise realizada não possibilitou confronto e comparação com a perspectiva de outros atores fundamentais para a implementação das propostas formativas, como professores, cursistas e gestores das instituições de ensino e das políticas públicas em seus vários níveis e setores. No entanto, possibilitou incorporar um segmento com uma relevante motivação intrínseca à participação2525 Uchimura KY, Bosi MLM. Qualidade e subjetividade na avaliação de programas e serviços em saúde. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1561-1569., viabilizando uma amostragem praticamente censitária. É importante que estudos posteriores considerem a perspectiva dos demais atores envolvidos.
Considerações finais
Há um lugar-comum nas diversas publicações relacionadas ao campo da política sobre drogas: a maioria dos autores reconhecem a insuficiência da formação em relação a esse tema11 Lima Júnior JM, Silva EA, Moura YG, Reinaldo AMS, Costa II. Os desafios do cuidado em saúde para a formação em álcool e outras drogas baseada nos direitos humanos. In: Vecchia MD, Ronzani TM, Paiva FS, Batista CB, Costa PHA, organizadores. Drogas e direitos humanos: reflexões em tempos de guerra às drogas. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 141-66.
2 Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu) 2005; 9(16):161-168.
3 Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS; 2009.
4 Vasconcelos MPN, Batista CB, Silva VAC, Vecchia MD, Lopes FM. Curso de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas: considerações acerca das metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem. Pesqui. Prát. Psicossociais 2016; 11(3):702-715.-55 Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187.. Em decorrência, amplos esforços foram realizados para a superação desse nó crítico, visando a atenção psicossocial às pessoas que usam drogas. Nesse contexto, o protagonismo dos CRRs nas políticas de drogas se evidenciou pelo papel desempenhado não apenas em seu objetivo mais imediato de propiciar atualização de conhecimentos para os agentes envolvidos nas ações de prevenção e cuidado, mas por atuarem de forma efetiva na articulação das redes intersetoriais locorregionais. Apesar do significativo impacto, os CRRs vivenciam atualmente o reiterado problema da descontinuidade no planejamento e implementação de políticas públicas em nosso país ocasionada pela mudança de gestão2626 Furtado JP, Campos GWS, Oda WY, Onocko-Campos R. Planejamento e avaliação em saúde: entre antagonismo e colaboração. Cad Saude Publica 2018; 34(7):e00087917..
Visto se tratar de uma avaliação da implementação, a análise ficou concentrada nos componentes dos processos formativos, não abordando as propostas em si quanto à coerência com as propostas de educação continuada ou educação permanente. Porém, a articulação das propostas com “atividades práticas” (habitualmente ligadas aos serviços), em especial aquelas oriundas das propostas apresentadas ao Edital de 2014, faz supor sua coerência com a educação permanente. No entanto, essa análise exigiria um acompanhamento longitudinal para ganhar maior consistência.
A partir de 2016, a política sobre drogas brasileira passa a ter um novo rumo. Desde então, não foram disponibilizados recursos para a continuidade da formação na mesma perspectiva que vinha sendo construída. Urge retomar modalidades de apoio para sustentar o funcionamento tanto dos CRRs implementados quanto de novos, dada a persistência das necessidades que ensejaram sua proposição. Não obstante, é fundamental que a experiência acumulada pelos CRRs seja considerada na proposição de princípios, diretrizes e prioridades para uma política nacional de educação permanente no campo de álcool e outras drogas, ainda a ser pautada em nosso país.
Agradecimentos
Aos coordenadores dos CRRs brasileiros, pela solicitude em responder ao questionário de levantamento, e e ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, pela autorização de afastamento para desenvolvimento da pesquisa de pós-doutorado do primeiro autor.
Referências
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1Lima Júnior JM, Silva EA, Moura YG, Reinaldo AMS, Costa II. Os desafios do cuidado em saúde para a formação em álcool e outras drogas baseada nos direitos humanos. In: Vecchia MD, Ronzani TM, Paiva FS, Batista CB, Costa PHA, organizadores. Drogas e direitos humanos: reflexões em tempos de guerra às drogas. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 141-66.
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2Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu) 2005; 9(16):161-168.
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3Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS; 2009.
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4Vasconcelos MPN, Batista CB, Silva VAC, Vecchia MD, Lopes FM. Curso de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas: considerações acerca das metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem. Pesqui. Prát. Psicossociais 2016; 11(3):702-715.
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5Lima Jr JM, Silva EA, Noto AR, Bonadio AN, Locatelli DP. A educação permanente em álcool e outras drogas: marcos conceituais, desafios e possibilidades. In: Ronzani TM, Costa PHA, Mota DCB, Laport TJ, organizadores. Redes de atenção aos usuários de drogas: políticas e práticas. Juiz de Fora: UFJF; 2015. p. 155-187.
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6Acselrad G. Os desafios para uma formação em álcool e outras drogas baseada nos direitos humanos. Vecchia MD, Ronzani TM, Paiva FS, Batista CB, Costa PHA, organizadores. Drogas e direitos humanos: reflexões em tempos de guerra às drogas. Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p.124-240
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7Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital nº 002/2010/GSIPR/SENAD, de 23 de setembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 23 set.
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8Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital de Chamamento Público nº 1/2012, de 23 de maio de 2012. Diário Oficial da União 2012; 25 maio.
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9Brasil. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Edital de Chamamento Público nº 08/2014-SENAD/MJ, de agosto de 2014 [acessado 2019 Set 3]. Disponível em: https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/crr/Edital%20CRR%202014.pdf
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10Costa PHA, Colugnati FAB, Ronzani TM. Avaliação de serviços em saúde mental no Brasil: revisão sistemática da literatura. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3243-53.
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20Melo PB, coordenadora. A interiorização recente das instituições públicas e gratuitas de ensino superior no Nordeste: efeitos e mudanças - relatório de pesquisa. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; 2014. [acessado 2019 Jan 14]. Disponível em: https://www.fundaj.gov.br/images/stories/pesquisas_concluidas/2010_Atualmente/interioriozacao_universidades_publicas_2014.pdf
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22Ribeiro VAL, Nascimento WF. Drogas, direitos humanos e bioética: dupla vulnerabilidade do usuário de drogas em situação de rua. Rev Latinoam Bioet 2017; 17(2):63-75.
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23Batista CB, Vasconcelos MPN, Vecchia MD, Queiroz IS. A educação permanente sobre redução de danos: experiência do curso de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas. Interface (Botucatu) 2019; 23:e180071.
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24Assis SG, Deslandes SF, Minayo MCS, Santos NC. Definição de objetivos e construção de indicadores visando à triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza, ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p. 105-32.
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25Uchimura KY, Bosi MLM. Qualidade e subjetividade na avaliação de programas e serviços em saúde. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1561-1569.
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26Furtado JP, Campos GWS, Oda WY, Onocko-Campos R. Planejamento e avaliação em saúde: entre antagonismo e colaboração. Cad Saude Publica 2018; 34(7):e00087917.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Nov 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
24 Fev 2019 -
Aceito
27 Set 2019 -
Publicado
29 Set 2019