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Impacto Psicossocial da Pandemia de COVID-19 na Saúde Mental de Pessoas Transexuais e Travestis: Revisão Integrativa

Psychosocial impact of COVID-19 pandemic on mental health of transgender and transvestite people: integrative review

Impacto psicosocial de COVID-19 en la salud mental de las personas transgénero y travestis : revisión integrativa

Resumo

Este estudo objetivou identificar, analisar e integrar resultados de estudos que examinaram o impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental de pessoas transexuais e travestis. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, em conformidade com as diretrizes PRISMA. Conduziu-se uma busca sistemática dos estudos primários publicados em três bases de dados: PubMed/MEDLINE, LILACS e PsycINFO. Foram incluídos oito estudos que atenderam aos critérios de inclusão. A análise temática do material gerou seis categorias temáticas. Os estudos analisados apontaram que a situação de vulnerabilidade social ao qual as pessoas trans encontram-se submetidas no cotidiano foi ampliada durante a pandemia. A necessidade do distanciamento físico resultou no aumento de sintomas de ansiedade e depressão, agravamento das condições econômicas, dificuldades para acessar procedimentos e medicamentos que compõem o processo de afirmação de gênero, além de exacerbar conflitos familiares e manifestações de transfobia. Há necessidade de implementar políticas públicas e uma rede de proteção social para diminuir a vulnerabilidade e sofrimento psicossocial de pessoas trans.

Palavras-chave:
transexualidade; mulher trans; identidade de gênero; COVID-19; saúde mental

Abstract

This study aimed to identify, analyze, and integrate findings from studies that examined the impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of transgender and transvestite individuals. An integrative literature review was conducted according to PRISMA guidelines. A systematic search of primary studies was conducted across three databases: PubMed/MEDLINE, LILACS, and PsycINFO. Eight studies that met the inclusion criteria were included. Thematic analysis of the material generated six thematic categories. The studies analyzed pointed out that the situation of social vulnerability faced by trans people in their daily lives intensified during the pandemic. The need for physical distancing led to increased symptoms of anxiety and depression, worsening economic conditions, and difficulties in accessing procedures and medications that make up the gender affirmation process, in addition to exacerbating family conflicts and manifestations of transphobia. Therefore, there is a need to implement public policies and a social protection network to reduce the vulnerability and psychosocial suffering of the transgender and transvestite community.

Keywords:
transsexuality; trans woman; gender identity; COVID-19; mental health

Resumen

El objetivo de este estudio es identificar, analizar e integrar los resultados de los estudios que examinaban el impacto de la pandemia de COVID-19 en la salud mental de las personas transexuales y travestis. Se realizó una revisión integrativa de acuerdo con las directrices PRISMA en tres bases de datos: PubMed/MEDLINE, LILACS y PsycINFO. Se incluyeron ocho estudios que cumplían con los criterios de inclusión. El análisis temático del material generó seis categorías temáticas. Los estudios analizados señalaron que la situación de vulnerabilidad social a la que están sometidas las personas trans en la vida cotidiana se amplió durante la pandemia. La necesidad de distanciamiento físico se tradujo en el aumento de los síntomas de ansiedad y depresión, el agravamiento de las condiciones económicas, las dificultades para acceder a los procedimientos y medicamentos que componen el proceso de afirmación del género, además de exacerbar los conflictos familiares y las manifestaciones de transfobia. Es necesario aplicar políticas públicas y una red de protección social para reducir la vulnerabilidad y el sufrimiento psicosocial de las personas transgénero.

Palabras clave:
transexualidad; mujer trans; identidad de género; COVID-19; salud mental

Introdução

Ao longo do ano de 2020, a pandemia de COVID-19 se alastrou rapidamente por todo o planeta, deflagrando uma das maiores crises sanitárias da história da humanidade, com impactos substanciais em todos os setores da vida. Entre os desfechos clínicos desfavoráveis observam-se elevados índices de letalidade e graves sequelas orgânicas e psicológicas entre indivíduos infectados. A população teve seus hábitos de vida modificados e seu cotidiano foi radicalmente limitado pelas medidas sanitárias adotadas para contenção da pandemia (Brennan et al., 2020Brennan, D. J., Card, K., Collict, D., Jollimore, J., & Lachowsky, N. J. (2020). How might social distancing impact gay, bisexual, queer, trans and two-spirit men in Canada? AIDS and Behavior, 24, 2480-2482. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02891-5
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; Oliveira et al., 2021Oliveira, W. A., Andrade, A. L. M., Souza, V. L. T., Micheli, D., Fonseca, L. M. M., Andrade, L. S., Silva, M. A. I., & Santos, M. A. (2021). COVID-19 pandemic implications for education and reflections for school psychology. Psicologia: Teoria e Prática, 23(1), 1-26. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPC1913926
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). O Brasil é um dos países mais impactados, tanto em número de casos novos como em taxa de morbimortalidade, porém a repercussão psicossocial da doença é desproporcional nos vários segmentos da população, a depender do grau de exclusão ou proteção social a que os indivíduos estão expostos (Salerno et al., 2020Salerno, J. P, Williams, N. D., & Gattamorta, K. A. (2020). LGBTQ populations: Psychologically vulnerable communities in the COVID-19 pandemic. Psychological Trauma: Theory, Research, Practice and Policy, 12(1), 239-242. https://doi.org/10.1037/tra0000837
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).

Um dos grupos sociais mais vulnerabilizados é o das pessoas que pertencem ao espectro LGBTQIA+ e, dentro dessa comunidade, em particular as pessoas trans, que desde sempre já são submetidas a diversos tipos de violências e violações sistemáticas de seus direitos. Isso faz com que o Brasil seja reconhecido internacionalmente como o país que mais mata a população trans no mundo (Jesus, 2012Jesus, J. G. (2012). Orientações sobre identidade de gênero: Conceitos e termos. Ser­Tão.; Pereira & Gomes, 2017Pereira, F. Q., & Gomes, J. M. C. (2017). Pobreza e gênero: A marginalização de travestis e transexuais pelo Direito. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, 22(2), 210-224. https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v22i2800
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; Transgender Europe - TGEU, 2012Transgender Europe - TGEU (2012). Recuperado de 265 killings of trans people in last year: Trans Murder Monitoring Project. https://tgeu.org/265-killings-of-trans-people-in-last-12-months-reveals-tgeus-trans-murder-monitoring-project/
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). Para entender o que neste estudo está sendo nomeado como população trans é preciso definir, primeiramente, o conceito de cisgeneridade.

Cisgeneridade pode ser compreendida como a experiência individual e única que o indivíduo tem de pertencer ao gênero que corresponde ao que lhe foi atribuído no nascimento. Ou seja, a pessoa cisgênero é aquela cuja identidade de gênero coincide com o gênero determinado no momento do seu nascimento (Vergueiro, 2015Vergueiro, V. (2015). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia].). Neste estudo, o termo “pessoas transexuais e travestis” será utilizado com o propósito de abranger aqueles indivíduos que não se reconhecem como pertencentes ao gênero que lhes foi atribuído no nascimento. No entanto, há nuances que precisam ser destacadas.

Pessoas trans têm sido definidas como aquelas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi designado no nascimento e atribuído com base em suas características anatômicas corporais (Gliske, 2019Gliske, S. V. (2019). A new theory of gender dysphoria incorporating the distress, social behavioral, and body-ownership networks. eNeuro, 6(6), 1-11. https://doi.org/10.1523/ENEURO.0183-19.2019
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; Santos & Boffi, 2022Santos, M. A., & Boffi, L. C. (2022). Identidade de gênero de homens transexuais à luz de Paul Preciado. Revista Estudos Feministas, 30(2), e79288. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n279288
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). Embora não exista uma definição exata e definitiva para o termo “travesti”, considera-se que se refere à experiência identitária de pessoas que se identificam e vivenciam o feminino, porém, o feminino travesti não almeja ser o mesmo das mulheres cis (Jesus, 2012Jesus, J. G. (2012). Orientações sobre identidade de gênero: Conceitos e termos. Ser­Tão.; Pelúcio, 2004). Diferentemente do que se observa na transexualidade, as pessoas que vivenciam a travestilidade não se sente em conformidade com a divisão binária dos gêneros. Assim, o termo não binário refere-se às pessoas que não se percebem como pertencentes exclusivamente ao gênero masculino ou feminino, situando-se, portanto, fora do binarismo de gênero e da cisnormatividade.

O termo “cis” (abreviação de cisgênero) é utilizado para se referir às pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascimento, enquanto que pessoas transgênero (ou trans) são aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado (Jesus, 2012Jesus, J. G. (2012). Orientações sobre identidade de gênero: Conceitos e termos. Ser­Tão.), colocando-se, portanto, à margem da norma regulatória da cisgeneridade. As sociedades humanas são geridas por normativas de gênero e sexualidade que atuam no sentido de regular a produção de identidades e corpos considerados “normais” (Bento, 2008Bento, B. (2008). O que é transexualidade. Brasiliense.). Essa presumida “normalidade” é definida em termos da cisgeneridade e da heteronormatividade, dispositivos de poder que estabelecem que o único caminho possível para a manifestação do desejo sexual é o heterossexual, que só pode habitar em corpos definidos pelo sistema binário como “homem” ou “mulher” (Warner, 1991Warner, M. (1991). Fear of a queer planet: Queer politics and social theory. Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press.).

Desse modo, na confluência entre a norma regulatória heteronormativa e a cultura cisnormativa tem-se a construção social da cisheteronormatividade (Boffi et al., 2022Boffi, L. C., Guijarro-Rodrigues, E. C., & Santos, M. A. (2022). Experience of masculinity performed by transgender men: Qualitative evidence and metasynthesis. Estudos de Psicologia (Campinas), 39, e200221. https://doi.org/10.1590/1982-0275202239e200221
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). A matriz heterossexual postula a binaridade do sexo e do gênero, e presume a concordância entre anatomia, gênero, desejos e práticas sexuais. Quem transgride essa lógica, como a pessoa trans, é punida(o) exemplarmente por meio de uma série de sanções de ordem social, que demarcam e separam os corpos aceitáveis dos corpos indignos de viver, encerrando o(a) transgressor(a) em uma condição abjeta (Butler, 1990/2015Butler, J. (1990/2015). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, Trad.). Civilização Brasileira.). A cisheteronormatividade configura um dispositivo amplamente difundido em nossa cultura e que regula a ordem sexual e de gênero contemporânea atribuindo marcadores humanizadores e desumanizadores àquelas pessoas que, respectivamente, se adequam e que a transgridem (Porchat & Silva, 2010Porchat, P., & Silva, G. F. (2010). Intervenções no corpo como marcadores de gênero no fenômeno transexual. A Peste, 2(2), 413-421. https://doi.org/10.5546/peste.v2i2.16639
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).

Considerando que pessoas trans e travestis não estão enquadradas na lógica cisheteronormativa de construção da identidade e dos corpos, suas vidas em sociedade são consideradas indignas de serem vividas. Tornam-se alvos preferenciais de intolerância, repúdio e insultos públicos e velados; são expostas à constante humilhação, violência física e falta de amparo e proteção social, que empurra seus corpos para uma “zona de apagamento” (Butler, 2019Butler, J. (2019). Corpos que importam: Os limites discursivos do “sexo” (V. Daminelli & D. Y. Françoli, Trads.). n-1.). Com o advento da COVID-19, essas vidas precarizadas passaram a ser ainda mais desrespeitadas, fragilizadas e ameaçadas. Serviços de saúde considerados “não essenciais” foram fechados ou drasticamente reduzidos, incluindo os destinados ao suporte de pessoas trans e não binárias (Brennan et al., 2020Brennan, D. J., Card, K., Collict, D., Jollimore, J., & Lachowsky, N. J. (2020). How might social distancing impact gay, bisexual, queer, trans and two-spirit men in Canada? AIDS and Behavior, 24, 2480-2482. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02891-5
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). As estratégias de atenção em saúde passaram a priorizar áreas da vida consideradas essenciais, deixando secundarizados os serviços fundamentais para a preservação do bem-estar de pessoas trans e travestis, como os ambulatórios de saúde mental e o acesso aos procedimentos cirúrgicos e terapias hormonais que integram o processo de afirmação da identidade de gênero (Wang et al., 2020Wang, Y., Pan, B., Liu, Y., Wilson, A., Ou, J., & Chen, R. (2020). Health care and mental health challenges for transgender individuals during the COVID-19 pandemic [Correspondence]. Lancet Diabetes Endocrinology, 7, 564-565. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(20)30182-0
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). Pessoas que vivem com HIV-Aids também enfrentaram dificuldades de acesso ao aconselhamento e à terapia antirretroviral (Brennan et al., 2020Brennan, D. J., Card, K., Collict, D., Jollimore, J., & Lachowsky, N. J. (2020). How might social distancing impact gay, bisexual, queer, trans and two-spirit men in Canada? AIDS and Behavior, 24, 2480-2482. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02891-5
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).

As medidas de distanciamento social podem impactar a saúde mental das pessoas trans de diversas maneiras, aumentando sua vulnerabilidade psicossocial. Pesquisa nacional realizada no Canadá na primeira onda da pandemia mostrou que 21% das pessoas LGBTQIA+ entrevistadas referiram sintomas de depressão e 57% relataram que precisavam de ajuda para um problema de saúde mental que estavam enfrentando; destas pessoas, 19% necessitavam de ajuda para lidarem com pensamentos suicidas (Brennan et al., 2020Brennan, D. J., Card, K., Collict, D., Jollimore, J., & Lachowsky, N. J. (2020). How might social distancing impact gay, bisexual, queer, trans and two-spirit men in Canada? AIDS and Behavior, 24, 2480-2482. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02891-5
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). Esses índices são alarmantes e o distanciamento social pode impedir que as pessoas tenham acesso à sua rede de apoio, resultando em piores desfechos de saúde mental. Os impactos econômicos da pandemia também prejudicam a saúde mental; no estudo mencionado, apenas um terço dos(as) participantes relatou ter alguma reserva de dinheiro extra e 10% não conseguiam pagar suas contas. Metade das pessoas que vivem em lares LGBTQIA+ (52%) foi demitida ou teve sua renda substancialmente reduzida em decorrência da pandemia, em comparação com 39% do restante dos lares.

Os impactos da desassistência em saúde, agravados pelo desamparo social e pelo menosprezo e indiferença governamental, intensificaram os efeitos perversos do processo de discriminação sistemática ao qual pessoas trans e travestis encontram-se continuamente expostas em uma sociedade leniente com a transfobia (Santos et al., 2019Santos, M. A., Souza, R. S., Lara, L. A. S., Risk, E. N., Oliveira, W. A., Alexandre, V., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Transexualidade, ordem médica e política de saúde: Controle normativo do processo transexualizador no Brasil. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 10(1), 3-19. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p03
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). Devido às dificuldades suscitadas pelas medidas de distanciamento social e do fechamento repentino de serviços especializados, e seus impactos nas habilidades de autocuidado, são esperados possíveis desfechos negativos nos aspectos físicos, emocionais e sociais da população trans.

Assim, delineia-se como hipótese de pesquisa a suposição de que os efeitos acumulados desses fatores de vulnerabilização podem desencadear ou agravar problemas de saúde mental preexistentes, comprometendo o equilíbrio psicológico e o bem-estar emocional destes grupos (van der Miesen et al., 2020van der Miesen, A. I. R., Raaijmakers, D., & Grift, T. C. (2020). “You have to wait a little longer”: Transgender (mental) health at risk as a consequece of deferring gender-affirming treatments during COVID-19. Archives of Sexual Behavior, 49(1), 1395-1399. https://doi.org/10.1007/s10508-020-01754-3
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). Isso justifica um estudo mais aprofundado dos desfechos de saúde mental no contexto da emergência sanitária global provocada pela pandemia. Nessa perspectiva, este estudo objetivou identificar, analisar e integrar resultados de pesquisas que examinaram o impacto da pandemia da COVID-19 na saúde mental de pessoas transexuais e travestis.

Método

Para alcançar o objetivo proposto foi realizada uma revisão integrativa da literatura (Whittemore & Knafl, 2005Whittemore, R., & Knafl, K. (2005). The integrative review: Updated methodology. Journal of Advanced Nursing, 52(5), 546-553. https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2005.03621.x
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). Revisão integrativa é um método de pesquisa que permite sintetizar o conhecimento científico a fim de clarificar o estado da arte e/ou a aplicabilidade dos resultados derivados de pesquisas acerca de um tema de interesse (Broome, 2000Broome, M. E. (2000). Integrative literature reviews for the development of concepts. Em B. L. Rodgers & K. A. Knafl (Eds), Concepts development in nursing: foundations, techniques and applications (2nd ed., pp. 231-250). W. B. Saunders.). Dentre as diversas modalidades de revisão sistemática disponíveis (Carvalho et al., 2019Carvalho, L. F., Pianowski, G., & Santos, M. A. (2019). Guidelines for conducting and publishing systematic reviews in Psychology. Estudos de Psicologia (Campinas), 36, e180144. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e180144
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), a integrativa é considerada uma das mais amplas, uma vez que permite incluir em seu corpus de análise tanto estudos experimentais como não-experimentais, de abordagem quantitativa, qualitativa ou método misto, com o intuito de proporcionar uma compreensão integral do fenômeno de interesse (Nascimento et al., 2015Nascimento, G. C. M., Scorsolini-Comin, F., Fontaine, A. M. G. V., & Santos M. A. (2015). Relacionamentos amorosos e homossexualidade: Revisão integrativa da literatura. Temas em Psicologia, 23(3), 547-563. https://doi.org/10.9788/TP2015.3-03
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).

Este método foi escolhido por atender ao objetivo central da pesquisa, que é obter uma visão ampla da maneira como os impactos psicossociais da pandemia de COVID-19 sobre a saúde mental da população trans e travesti tem sido abordada pela literatura científica, sintetizando os principais achados e identificando as fortalezas e lacunas do conhecimento. Além disso, as diversas possibilidades de emprego da revisão integrativa propiciam a compreensão de variados conceitos, teorias e questões do cuidado à saúde (Whittemore & Knafl, 2005Whittemore, R., & Knafl, K. (2005). The integrative review: Updated methodology. Journal of Advanced Nursing, 52(5), 546-553. https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2005.03621.x
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), permitindo, no campo da saúde trans, pensar em propostas de cuidado para além das estruturas cisheteronormativas.

Estratégia de Busca, Questão Norteadora e Critérios de Elegibilidade dos Estudos

A estratégia de busca inicial foi desenhada a partir da seleção dos descritores na base de dados PubMed. Em um segundo momento, a estratégia foi adaptada para as demais bases selecionadas, considerando-se os descritores controlados específicos para cada base. Foram selecionados os Descritores controlados em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH) e Terminologia em Psicologia, e os Medical Subject Headings (MeSH), APA Thesaurus, e seus respectivos similares ou equivalentes (sinônimos) e palavras-chave correspondentes, bem como seus entry terms.

Para selecionar e organizar os estudos primários foi utilizado o software EndNote Basic (Clarivate Analytics). Em um primeiro momento os estudos duplicados e que se mostraram consistentes com os critérios de exclusão foram removidos. Para delineamento da estratégia de busca e formulação da questão norteadora utilizou-se a ferramenta PICO (Milner & Cosme, 2017Milner, K. A., & Cosme, S. (2017). The PICO game: An innovative strategy for teaching step 1 in evidence-based practice. Worldviews on Evidence-Based Nursing, 14(6), 514-516. https://doi.org/10.1111/wvn.12255
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). Seguiu-se a definição de Melnyk e Fineout-Overholt (2014Melnyk, B. M., & Fineout-Overholt, E. (2014). Evidence-based practice in nursing & healthcare (3rd ed.). Wolters Kluwer Health.) para construir a pergunta PICO: “Como a pandemia da COVID-19 (I=Intervenção) tem impactado a saúde mental (O=Resultado) da população trans/travesti (P=População)?”

Para montar a estratégia de busca nas bases de dados foram empregadas combinações de descritores e palavras-chave com os operadores booleanos AND e OR, sendo: População (P): Transgender Persons OR Pessoas Transgênero OR Transsexualism OR Transexualidade OR Transvestism OR Travestismo OR Transvestite; Intervenção (I): COVID-19 OR SARS-CoV-2 OR Pandemia por COVID-19; Comparação (C): não se aplica; Resultado (Outcome) (O): Mental Health OR Saúde Mental.

Seguindo-se as recomendações da literatura (Broome, 2000Broome, M. E. (2000). Integrative literature reviews for the development of concepts. Em B. L. Rodgers & K. A. Knafl (Eds), Concepts development in nursing: foundations, techniques and applications (2nd ed., pp. 231-250). W. B. Saunders.; Carvalho et al., 2019Carvalho, L. F., Pianowski, G., & Santos, M. A. (2019). Guidelines for conducting and publishing systematic reviews in Psychology. Estudos de Psicologia (Campinas), 36, e180144. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e180144
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), as buscas foram conduzidas em três bases de dados: PubMed/MEDLINE, LILACS e PsycINFO, guiadas pela questão norteadora estruturada pela estratégia PICO. Quantos aos critérios de inclusão/exclusão, foram incluídos estudos quantitativos, qualitativos e estudos mistos primários, publicados nos idiomas português, inglês e espanhol. Excluíram-se artigos de revisão, capítulos, teses, dissertações, monografias, trabalhos publicados em anais de eventos científicos, editoriais e cartas ao editor.

Não foi definido limite de tempo na busca, uma vez que a COVID-19 é uma doença que foi descrita em dezembro de 2019 e que alcançou o status de pandemia no início de 2020, de maneira que os estudos começaram a ser publicados nesse período. Foram consideradas publicações com indivíduos trans (homens e mulheres), travestis e transgêneros e/ou não binários.

Procedimento de Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada em fevereiro de 2021, abrangendo as publicações da fase inicial, quando foram adotadas as medidas mais restritivas para o controle da pandemia, já que ainda não havia vacina disponível e as limitações à circulação social eram mais intensas. Para assegurar a fidedignidade dos procedimentos de levantamento dos estudos as etapas da triagem dos artigos foram conduzidas utilizando o software Rayyan (Ouzzani et al., 2016Ouzzani, M., Hammady, H., Fedorowicz, Z., & Elmagarmid, A. (2016). Rayyan: A web and mobile app for systematic reviews. Systematic Reviews, 5(1), 1-10. https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4
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), um gerenciador de referências online que auxilia na seleção de artigos de acordo com os critérios estabelecidos. O processo de busca eletrônica foi realizado por dois revisores independentes, pesquisadores com expertise na área, atestada por curso e artigos publicados com esse desenho de pesquisa (Carvalho et al., 2019Carvalho, L. F., Pianowski, G., & Santos, M. A. (2019). Guidelines for conducting and publishing systematic reviews in Psychology. Estudos de Psicologia (Campinas), 36, e180144. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e180144
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). Após concluir a busca em cada base de dados, os artigos encontrados passaram por um escrutínio para eliminar os duplicados. Posteriormente, as publicações tiveram seus títulos e resumos revisados tomando como base os critérios de inclusão, de forma que aqueles artigos que não atendiam aos parâmetros de elegibilidade foram removidos.

Procedimento de Análise dos Dados

Além da triagem, descrita no tópico anterior, para reduzir o risco de vieses as avaliações do material também foram realizadas de modo independente pelos dois revisores, e posteriormente comparadas (Carvalho et al., 2019Carvalho, L. F., Pianowski, G., & Santos, M. A. (2019). Guidelines for conducting and publishing systematic reviews in Psychology. Estudos de Psicologia (Campinas), 36, e180144. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e180144
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). Para subsidiar o processo de busca e seleção dos estudos foi desenhado um fluxograma de acordo com as diretrizes PRISMA - Guidelines for Reporting of Systematic Review (Moher et al., 2015Moher, D., Shamseer, L., Clarke, M., Ghersi, D., Liberati, A., Petticrew, M., & Stewart, L. A. (2015). Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Systematic Reviews, 4(1), 1. https://doi.org/10.1186/2046-4053-4-1
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), conforme apresentado na Figura 1, com a descrição do processo de busca e de inclusão dos artigos. Foram seguidos os passos preconizados para seleção dos estudos: os revisores avaliaram os artigos de forma independente por meio da leitura atenta dos títulos e resumos, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos. Para o cotejamento das listas provenientes dessa triagem preliminar dos estudos elegíveis foi calculado o índice Kappa, de concordância inter-avaliadores, que permite avaliar se houve concordância substancial entre os revisores. O valor de Kappa obtido (0,86) corresponde a um nível de desempenho considerado excelente, uma concordância quase perfeita, segundo Landis & Koch (1977Landis, J. R., & Koch, G. G. (1977). The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics, 33(1), 169-174. Recuperado de https://www.jstor.org/stable/2529310
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).

Figura 1
Fluxograma das etapas de busca e seleção dos artigos segundo as diretrizes PRISMA.

Após esse processo de seleção preliminar, os artigos foram recuperados na íntegra. Procedeu-se, então, a leitura dos estudos para avaliação quanto à sua elegibilidade. Nessa etapa, os artigos foram submetidos a uma leitura analítica realizada também de modo independente pelos dois revisores. As publicações foram selecionadas a partir da leitura exaustiva dos títulos, resumos e dos textos completos, sendo escolhidas aquelas que responderam ao objetivo deste estudo e contemplaram os critérios de elegibilidade. Os artigos selecionados constituíram o corpus da pesquisa.

Concluída essa etapa, a amostra final foi composta por oito estudos, que atendiam aos critérios de elegibilidade preestabelecidos. Para analisar a qualidade das pesquisas quantitativas foi utilizado o checklist proposto por Moons et al. (2014Moons, K. G., Groot, J. A., Bouwmeester, W., Vergouwe, Y., Mallett, S., Altman, D. G., ... Collins, G. S. (2014). Critical appraisal and data extraction for systematic reviews of prediction modelling studies: The CHARMS checklist. PLoS Medicine, 11(10), e1001744. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001744
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.100...
). Para avaliação da qualidade das pesquisas qualitativas foi utilizada a ferramenta Critical Appraisal Skills Programme - CASP (2018Critical Appraisal Skills Programme. (2018). CASP (10 questions to help you make sense of a qualitative research) checklist. Recuperado de https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/
https://creativecommons.org/licenses/by-...
). Em seguida, os revisores cotejaram os resultados de suas avaliações e verificaram possíveis discrepâncias. As divergências foram resolvidas com base em discussão com vistas à obtenção de consenso.

Os dados foram extraídos das publicações com auxílio de um formulário, que reunia as informações de interesse e que, posteriormente, serão apresentadas como resultados da revisão integrativa. Para a categorização segundo os procedimentos sugeridos por Broome (2000Broome, M. E. (2000). Integrative literature reviews for the development of concepts. Em B. L. Rodgers & K. A. Knafl (Eds), Concepts development in nursing: foundations, techniques and applications (2nd ed., pp. 231-250). W. B. Saunders.), os resultados foram organizados em uma planilha contendo seis dimensões de análise: (a) autores, ano de publicação e país; (b) fonte de publicação; (c) objetivo do estudo; (d) fundamentação metodológica/tipo de estudo; (e) amostra/participantes; (f) principais resultados. Foi determinado o nível de evidência científica de cada estudo, com base nos critérios da Classificação dos Níveis de Evidência de Oxford (Howick et al., 2011Howick, J. et al. (2011). Explanation of the 2011 Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (OCEBM). CEBM, 2011. Recuperado de Recuperado de https://www.cebm.net/2016/05/ocebm-levels-of-evidence
https://www.cebm.net/2016/05/ocebm-level...
).

Para melhor apreciação dos resultados obtidos pelos estudos, uma análise temática foi realizada com apoio do software de análise qualitativa Atlas.ti®. Os resultados dos artigos selecionados foram analisados em três etapas: 1) Codificação: a leitura na íntegra dos artigos foi acompanhada por uma codificação dos dados, sendo que os trechos que continham os códigos foram revisados ao final do procedimento para garantir sua consistência. Assim, durante o processo de análise, foram atribuídos códigos com base na diversidade dos conteúdos abordados nos artigos. Esse processo inicial resultou na elaboração de 59 códigos. 2) Geração de categorias temáticas: os avaliadores analisaram as semelhanças e diferenças entre os códigos encontrados e os agruparam; desse modo, os códigos foram revisados, comparados e agrupados, resultando na elaboração de seis categorias temáticas. 3) Interpretação: nessa etapa os revisores sintetizaram os resultados obtidos, retomando o objetivo e considerando a pergunta norteadora da revisão. Buscou-se identificar eventuais lacunas, divergências, omissões, contradições, respostas e desafios da literatura revisada.

Resultados

Caracterização dos Estudos

As características dos artigos selecionados foram sumarizadas na Tabela 1. Foram tabuladas as informações com maior relevância para a revisão integrativa, pois fornecem uma descrição sumária de como o problema científico foi investigado por cada publicação, ao mesmo tempo em que oferecem uma visão geral (síntese) do campo e a classificação do tipo de evidência proporcionado. Nessa tabela são apresentados os dados que respondem ao problema formulado.

Tabela 1
Caracterização das publicações por autoria, país de origem, objetivo, desenho do estudo, amostra/participantes, resultados e nível de evidência científica (NE)

A revisão incluiu sete estudos procedentes de quatro países: Estados Unidos (n=3), Brasil (n=2), Inglaterra (n=1) e Índia (n=1); também foi incluído um estudo transcultural que resultou da colaboração de pesquisadores de seis países: Portugal, Brasil, Reino Unido, Itália, Chile e Suécia, totalizando oito artigos. Os estudos foram publicados a partir de julho de 2020. Em relação à estratégia metodológica utilizada, predominou o uso de métodos quantitativos (n=6), seguidos da abordagem qualitativa (n=2). A maior parte dos estudos (n=6) reporta dados obtidos por meio de surveys mediadas por plataforma digital ou telefone, o que é esperado em tempos de distanciamento social. Foram utilizados instrumentos padronizados de avaliação, em geral escalas (n=5) para mensuração de construtos consagrados, tais como ansiedade e depressão, além de questionários específicos. Alguns estudos aplicaram entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados (n=2) e questionários elaborados pelos pesquisadores (n=1) para investigar questões relacionadas à pandemia.

O nível de evidência (NE) de um estudo é uma classificação utilizada para qualificar a informação descrita nas publicações científicas (Carvalho et al., 2019Carvalho, L. F., Pianowski, G., & Santos, M. A. (2019). Guidelines for conducting and publishing systematic reviews in Psychology. Estudos de Psicologia (Campinas), 36, e180144. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e180144
https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e...
). No contexto da saúde, a preocupação com o NE provém da Prática Baseada em Evidência (PBE) e do interesse em classificar os artigos com base em estratégias metodológicas rigorosas, que podem dar respaldo à prática profissional. A efetividade das condutas depende da integração da experiência do profissional com as melhores evidências, de preferência extraídas das revisões sistemáticas (Valdanha et al., 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., Peres, R. S., & Santos, M. A. (2013a). Influência familiar na anorexia nervosa: Em busca das melhores evidências científicas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 62(3), 225-233. https://doi.org/10.1590/S0047-20852013000300007
https://doi.org/10.1590/S0047-2085201300...
).

De acordo com a Classificação dos Níveis de Evidência de Oxford (Howick et al., 2011Howick, J. et al. (2011). Explanation of the 2011 Oxford Centre for Evidence-Based Medicine (OCEBM). CEBM, 2011. Recuperado de Recuperado de https://www.cebm.net/2016/05/ocebm-levels-of-evidence
https://www.cebm.net/2016/05/ocebm-level...
), as evidências são categorizadas em seis níveis, sendo o NE 1 o de maior nível e o NE 6 o menor. Todos os estudos que compõem esta revisão foram classificados no nível intermediário (NE 4), que abrange estudos não experimentais, como pesquisas descritivas correlacionais e qualitativas ou estudos de caso. Este grau moderado de força das evidências proporcionadas pelos artigos é condizente com as restrições impostas pela pandemia, que limitam a sofisticação metodológica, e com o fato de se tratar de um campo de conhecimento emergente, que solicita dos pesquisadores uma abordagem exploratória para mapear e definir as questões de interesse para pesquisas.

Os estudos incluídos apresentaram resultados de 7.561 participantes (mínimo de cinco e máximo de 3.486). A idade dos participantes variou de 18 a mais de 60 anos. Alguns estudos não especificaram a idade máxima dos sujeitos que compuseram a amostra, mas mencionaram a participação de indivíduos idosos. Do total de artigos analisados, em apenas dois a amostra foi composta exclusivamente por pessoas trans/transgêneras, enquanto seis incluíram essas pessoas como parte de um grupo de indivíduos que se autoidentificavam como pertencentes a algum segmento da sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans/Travestis), LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer e outros) e do termo generalista “minorias sexuais”, que é muito difundido na literatura internacional. Um dos estudos também incluiu ativistas de organizações LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexos, Assexuais e outros), que também se definem como pessoas trans. Não foram mencionadas participantes que se identificaram como travestis nos estudos.

Apreciação dos Temas Abordados pelos Estudos

As categorias temáticas que emergiram a partir da análise dos dados estão relacionadas na Tabela 2, juntamente com sua incidência nos artigos incluídos na revisão.

Tabela 2
Distribuição dos estudos de acordo com as categorias temáticas

A categoria “saúde mental” predominou nos estudos, demonstrando a preocupação com os efeitos adversos das medidas restritivas de circulação social adotadas para a contenção da disseminação do novo coronavírus (SARS-Cov-2), como o distanciamento físico, lockdown (adotado em alguns países) e confinamento em casa. A preocupação com a identificação de prejuízos à saúde mental e ao bem-estar psicológico das pessoas trans é consistente com o objetivo desta revisão, demonstrando a efetividade da estratégia de busca empregada para a coleta das evidências.

As categorias temáticas “prejuízos na afirmação da identidade de gênero” e “deterioração das condições socioeconômicas” contemplaram a metade dos estudos, enquanto que as categorias “acesso limitado a serviços de saúde e medicamentos” e “conflitos familiares durante o isolamento social” apareceram em cerca de um terço dos artigos. A categoria “ineficiência, inação e ausência de intervenção do Estado” mostrou-se presente em um quarto das publicações.

Discussão

Para a discussão dos resultados serão retomados e sumarizados os achados mais relevantes, a fim de colocá-los em diálogo com a literatura. É importante manter o foco da discussão no objetivo deste estudo, conservando na linha de horizonte a preocupação em identificar lacunas e eventuais divergências, omissões, contradições, respostas e desafios que os estudos que compõem esta revisão evidenciaram.

O primeiro ponto que deve ser observado a partir da análise dos resultados é que a predominância da nacionalidade estadunidense (três estudos) e brasileira (três estudos) nos artigos selecionados pode estar relacionada, entre outros fatores, com os elevados índices de letalidade da pandemia nos Estados Unidos e no Brasil. É interessante observar o cenário epidemiológico dos dois países decorrido um ano do início da pandemia. Até o dia 10 de fevereiro de 2021, os Estados Unidos haviam registrado mais de 27 milhões de casos e mais de 470 mil óbitos, tornando-se o país com o maior número de casos e de mortes por COVID-19 segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization - WHO, 2021World Health Organization - WHO. (2021). WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. Recuperado de https://covid19.who.int/region/amro/country/br
https://covid19.who.int/region/amro/coun...
). O Brasil, por sua vez, ocupava a posição de terceiro país no ranking do número de casos, com mais de nove milhões e meio de pessoas diagnosticadas, além de ser o segundo país com maior número de mortes (mais de 230 mil pessoas haviam perdido suas vidas em pouco menos de um ano de pandemia). É possível que a extensão dos efeitos devastadores da crise sanitária em ambos os países tenha chamado a atenção dos pesquisadores do campo trans e suscitado uma urgência científica no estudo dos impactos da COVID-19 nessa população e nas chamadas “minorias sexuais e de gênero”.

Dentre as diversas populações que são submetidas a situações de vulnerabilização, aquelas que se desviam das normas do sexo/gênero são as que ocupam um espaço de desprivilégio singular, que impacta a assistência em áreas cruciais para a manutenção da vida das pessoas (Alexandre & Santos, 2019Alexandre, V., & Santos, M. A. (2019). Experiência conjugal de casal cis-trans: Contribuições ao estudo da transconjugalidade. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(n.spe 3), e228629. https://doi.org/10.1590/1982-3703003228629
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; Galli et al., 2013Galli, R. A., Vieira, E. M., Giami, A., & Santos, M. A. (2013). Corpos mutantes, mulheres intrigantes: Transexualidade e cirurgia de redesignação sexual. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(4), 447-457. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000400011
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). Uma vez marcados como “desviantes” e “anormais”, indivíduos que se identificam como pertencentes à população trans e travesti são empurrados para uma “zona de apagamento” de suas existências, um espaço liminar e de exclusão no qual precisarão resistir e lutar continuamente para continuarem existindo, ao mesmo tempo em que são afastados dos espaços ocupados por aqueles que se mostram alinhados aos valores hegemônicos da comunidade geral (Alexandre & Santos, 2021Alexandre, V., & Santos, M. A. (2021). Conjugalidade cis-trans: Reinventando laços, desestabilizando certezas. Psicologia: Ciência e Profissão, 41, e224044. https://doi.org/10.1590/1982-3703003224044
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; Butler, 2019Butler, J. (2019). Corpos que importam: Os limites discursivos do “sexo” (V. Daminelli & D. Y. Françoli, Trads.). n-1.; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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). Habitar essa “zona de apagamento” produz inúmeros efeitos concretos de discriminação e exclusão social, como a desassistência em saúde, expulsão (mascarada como “evasão”) escolar, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e exposição a índices alarmantes de violência. O Brasil foi responsável por 39,8% dos assassinatos de pessoas trans registrados no mundo (2008-2011); desde então é considerado o país que mais extermina a população trans em todo o planeta (Transgender Europe - TGEU, 2012Transgender Europe - TGEU (2012). Recuperado de 265 killings of trans people in last year: Trans Murder Monitoring Project. https://tgeu.org/265-killings-of-trans-people-in-last-12-months-reveals-tgeus-trans-murder-monitoring-project/
https://tgeu.org/265-killings-of-trans-p...
).

Uma das principais conclusões dos estudos analisados nesta revisão é que as pessoas LGBTQIA+ sofreram desfechos negativos devido à situação sem precedentes enfrentada com a pandemia da COVID-19, porém as vulnerabilidades incidiram de maneiras específicas, especialmente no segmento trans, devido às condições de precariedade de subsistência a que essas pessoas já estavam expostas anteriormente. Os estudos mostram que os prejuízos agravaram a situação de vulnerabilidade psicossocial, frequentemente associada ao preconceito e discriminação presentes em suas relações interpessoais e ao descaso proporcionado pela omissão do Estado, incluindo a atitude negligente de desresponsabilização por parte das autoridades governamentais, que falharam na implementação de políticas de saúde para os grupos mais vulnerabilizados.

Os múltiplos efeitos deletérios, decorrentes da situação de crise sanitária, sobre as pessoas da comunidade trans foram organizados em seis categorias temáticas, que serão descritas a seguir.

Comprometimento da Saúde Mental (Estudos 1, 2, 3, 4, 7, 8)

O tema “saúde mental” predominou na maioria dos estudos selecionados (Gatto et al., 2020Gato, J., Barrientos, J., Tasker, F., Miscioscia, M., Cerqueira-Santos, E., Malmquist, A., Seabra, D., Leal, D., Houghton, M., Poli, M., Gubello, A., Ramos, M. M., Guzmán, M., Urzúa, A., Ulloa, F., & Wurm, M. (2021). Psychosocial effects of the COVID-19 pandemic and mental health among LGBTQ+ young adults: A cross-cultural comparison across six nations. Journal of Homossexuality, 68(4), 612-630. https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186
https://doi.org/10.1080/00918369.2020.18...
; Gonzales et al., 2020Gonzales, G., Mola, E. L, Gavulic, K. A, McKay, T., & Purcell, C. (2020). Mental health needs among lesbian, gay, bisexual, and transgender college students during the COVID-19 pandemic. Journal of Adolescent Health, 67(5), 645-648. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.006
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
; Jarrett et al., 2020Jarrett, B. A., Peitzmeier, S. M., Restar, A., Adamson, T., Howell, S., Baral, S., & Beckham, S. W. (2021). Gender-affirming care, mental health, and economic stability in the time of COVID-19: A multinational, cross-sectional study of transgender and nonbinary people. PLoS One, 16(7), e0254215. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0254215
https://doi.org/10.1371/journal.pone.025...
; Kneale & Bécares, 2021Kneale, D., & Bécares, L. (2021). Discrimination as a predictor of poor mental health among LGBTQ+ people during the COVID-19 pandemic: Cross sectional analysis of the online Queerantine study. BMJ Open, 11, e049405. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049405
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; MacCarthy et al., 2020MacCarthy, S., Izenberg, M., Barreras, J. L., Brooks, R. A., Gonzalez, A., & Linnemayr, S. (2020). Rapid mixed-methods assessment of COVID-19 impact on Latinx sexual minority men and Latinx transgender women. PLoS One, 15(12), 1-14. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0244421
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984...
). Estes artigos, apesar de referirem a estigmatização social, discriminação e preconceito como indutores de problemas de saúde mental nas populações LGBTQIA+, mostram que as condições de precariedade econômica, afetiva, social e de saúde agravadas pela pandemia de COVID-19 intensificaram os desafios da vida cotidiana e contribuíram para desencadear sintomas associados à depressão e ansiedade.

Nos estudos que avaliaram índices de depressão e ansiedade em amostras compostas por diversos segmentos minoritários, a população trans foi a que apresentou maior incidência de sintomas desses transtornos mentais (Gonzales et al., 2020Gonzales, G., Mola, E. L, Gavulic, K. A, McKay, T., & Purcell, C. (2020). Mental health needs among lesbian, gay, bisexual, and transgender college students during the COVID-19 pandemic. Journal of Adolescent Health, 67(5), 645-648. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.006
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.202...
; Jarrett et al., 2020Jarrett, B. A., Peitzmeier, S. M., Restar, A., Adamson, T., Howell, S., Baral, S., & Beckham, S. W. (2021). Gender-affirming care, mental health, and economic stability in the time of COVID-19: A multinational, cross-sectional study of transgender and nonbinary people. PLoS One, 16(7), e0254215. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0254215
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; Kneale & Bécares, 2021Kneale, D., & Bécares, L. (2021). Discrimination as a predictor of poor mental health among LGBTQ+ people during the COVID-19 pandemic: Cross sectional analysis of the online Queerantine study. BMJ Open, 11, e049405. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049405
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984...
). Embora as razões para essa diferença observada em relação às outras populações não sejam plenamente esclarecidas pelos artigos, alguns dos estudos apontam elementos que ajudam a discuti-las. Um dos estudos (Kneale & Bécares, 2021Kneale, D., & Bécares, L. (2021). Discrimination as a predictor of poor mental health among LGBTQ+ people during the COVID-19 pandemic: Cross sectional analysis of the online Queerantine study. BMJ Open, 11, e049405. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2021-049405
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) apontou que pessoas trans se sentiram alvo de maior discriminação do que outros grupos que compunham a amostra pesquisada, ao passo que outra investigação (Gatto et al., 2020Gato, J., Barrientos, J., Tasker, F., Miscioscia, M., Cerqueira-Santos, E., Malmquist, A., Seabra, D., Leal, D., Houghton, M., Poli, M., Gubello, A., Ramos, M. M., Guzmán, M., Urzúa, A., Ulloa, F., & Wurm, M. (2021). Psychosocial effects of the COVID-19 pandemic and mental health among LGBTQ+ young adults: A cross-cultural comparison across six nations. Journal of Homossexuality, 68(4), 612-630. https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186
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) reportou o sofrimento associado às dificuldades enfrentadas por jovens trans em expressarem suas identidades de gênero nas situações de confinamento familiar. Ambos os estudos identificaram uma diferença importante entre pessoas trans e outras minorias, como gays, lésbicas e bissexuais: a impossibilidade de elas serem assimiladas pelo ambiente social e familiar dentro do gênero com o qual se identificam.

A cisheteronormatividade advoga, de forma velada ou explícita, a existência de uma suposta congruência entre corpo e desejo, na qual a genitália definiria o gênero de uma pessoa, sendo esta a única via possível para que ela possa ser lida e assimilada como pertencente a esse ou aquele gênero. Todos(as) aqueles(as) que tentam escapar desta normativa estão sujeitos(as) a sofrerem sanções, sendo marcados(as) e classificados(as) como seres desviantes e corpos “abjetos”, ou seja, indivíduos cujas vidas não são consideradas vidas que importam e que merecem ser vividas e honradas. São corpos que não têm sua dignidade e humanidade reconhecidas, podendo assim ser repudiados, descartados, seviciados, torturados, apedrejados, violentados e entregues à própria sorte (Butler, 1990/2015Butler, J. (1990/2015). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, Trad.). Civilização Brasileira.).

À medida que o gênero e a sexualidade são duas expressões humanas atravessadas e normatizadas pelo dispositivo da heteronormatividade (Warner, 1991Warner, M. (1991). Fear of a queer planet: Queer politics and social theory. Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press.) e que o produto da ação desse dispositivo são os sujeitos considerados “normais” ou inteligíveis dentro de uma “ordem social” cisheterocentrada, quanto mais distantes certos indivíduos estiverem do padrão de normalidade, mais sofrerão rejeição e tentativas de apagamento de suas identidades de gênero e/ou orientações sexuais dissidentes. Dessa maneira, é importante entender que, a despeito de pessoas gays, lésbicas e bissexuais sofrerem discriminação por se afastarem da norma heterossexual validada culturalmente, pessoas trans acumulam mais rótulos de “anormalidade” por subverterem a base da construção identitária cisheteronormativa dos sujeitos, ou seja, o corpo (Bento, 2012Bento, B. (2012). Sexualidade e experiências trans: Do hospital à alcova. Ciência & Saúde Coletiva, 17(10), 2655-2664. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001000015
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). Consequentemente, expressar a própria identidade, para uma pessoa trans, equivale a torná-la necessariamente pública e, portanto, impossível de ser escamoteada ou ocultada, como pode ocorrer com a orientação sexual. Desse modo, ao se ver obrigada a se invisibilizar ou negar o que se é, seja por pressão familiar ou social, a pessoa trans estará se expondo a situações que provocam sofrimento psíquico persistente.

Prejuízos na Afirmação da Identidade de Gênero (Estudos 1, 2, 3, 7)

Os estudos mostraram que prejuízos a nível subjetivo, resultantes da pandemia, atravessam todos os segmentos que compõem a sigla LGBTQIA+, porém, a questão do gênero emerge como um marcador social diferenciador das pessoas trans, uma vez que é o elemento fundamental para a afirmação de suas identidades. Em decorrência disso, metade dos estudos selecionados (Gatto et al., 2020Gato, J., Barrientos, J., Tasker, F., Miscioscia, M., Cerqueira-Santos, E., Malmquist, A., Seabra, D., Leal, D., Houghton, M., Poli, M., Gubello, A., Ramos, M. M., Guzmán, M., Urzúa, A., Ulloa, F., & Wurm, M. (2021). Psychosocial effects of the COVID-19 pandemic and mental health among LGBTQ+ young adults: A cross-cultural comparison across six nations. Journal of Homossexuality, 68(4), 612-630. https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186
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; Jarrett et al., 2020Jarrett, B. A., Peitzmeier, S. M., Restar, A., Adamson, T., Howell, S., Baral, S., & Beckham, S. W. (2021). Gender-affirming care, mental health, and economic stability in the time of COVID-19: A multinational, cross-sectional study of transgender and nonbinary people. PLoS One, 16(7), e0254215. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0254215
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; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984...
) evidenciou que os prejuízos subjetivos e/ou emocionais experenciados por pessoas trans durante a pandemia de COVID-19 decorreram dos obstáculos que o momento pandêmico impôs nas vias de expressão identitária.

Ainda que a dificuldade ou impossibilidade de expressar a própria identidade de gênero tenha sido mencionada por um dos estudos como resultante da repressão familiar (Gatto et al., 2020Gato, J., Barrientos, J., Tasker, F., Miscioscia, M., Cerqueira-Santos, E., Malmquist, A., Seabra, D., Leal, D., Houghton, M., Poli, M., Gubello, A., Ramos, M. M., Guzmán, M., Urzúa, A., Ulloa, F., & Wurm, M. (2021). Psychosocial effects of the COVID-19 pandemic and mental health among LGBTQ+ young adults: A cross-cultural comparison across six nations. Journal of Homossexuality, 68(4), 612-630. https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186
https://doi.org/10.1080/00918369.2020.18...
), a maior parte relacionou esses desfechos à dificuldade em continuar tendo acesso aos hormônios e procedimentos cirúrgicos do processo de aquisição de características fenotípicas associadas ao gênero autoidentificado (Jarrett et al., 2020Jarrett, B. A., Peitzmeier, S. M., Restar, A., Adamson, T., Howell, S., Baral, S., & Beckham, S. W. (2021). Gender-affirming care, mental health, and economic stability in the time of COVID-19: A multinational, cross-sectional study of transgender and nonbinary people. PLoS One, 16(7), e0254215. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0254215
https://doi.org/10.1371/journal.pone.025...
; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
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). Os(as) participantes relataram preocupação com a interrupção do funcionamento de serviços especializados durante a pandemia e a diminuição da disponibilidade de hormônios na rede pública de saúde, acarretando a descontinuidade do tratamento hormonal e das demais intervenções do processo de afirmação do gênero.

É importante considerar que, apesar das mudanças corporais não serem uma pré-condição para que um indivíduo se autoidentifique como pessoa trans, muitos homens e mulheres trans, bem como as travestis, identificam nas alterações fenotípicas a possibilidade de viverem e se expressarem de acordo com sua percepção subjetiva de seus corpos e identidades (Lima & Cruz, 2016Lima, F., & Cruz, K. T. (2016). Os processos de hormonização e a produção do cuidado em saúde na transexualidade masculina. Sexualidad, Salud y Sociedad, 23(1), 162-186. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2016.23.07.a
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). Assim, garantir o acesso aos dispositivos que possibilitam as mudanças corporais, como as terapias hormonais, cirurgia de ressecção das mamas, cirurgia de “redesignação sexual”, entre outras modalidades, mostra-se imprescindível para assegurar o bem-estar psicológico e físico. Pozzilli e Lenzi (2020) argumentam que regular os níveis de testosterona durante a pandemia de COVID-19 é um cuidado fundamental de saúde, uma vez que níveis plasmáticos desregulados dos hormônios podem ocasionar a redução da atividade dos músculos respiratórios, resultando em comorbidades que podem aumentar o risco de desenvolver complicações graves caso a pessoa seja exposta à infecção pelo novo coronavírus. Além disso, interromper a hormonização implica no risco de regressão dos resultados já obtidos, com possível reversão dos ganhos que haviam sido adquiridos com as modificações corporais, criando um descompasso com as expectativas das pessoas trans.

Wang et al. (2020Wang, Y., Pan, B., Liu, Y., Wilson, A., Ou, J., & Chen, R. (2020). Health care and mental health challenges for transgender individuals during the COVID-19 pandemic [Correspondence]. Lancet Diabetes Endocrinology, 7, 564-565. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(20)30182-0
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) afirmam que, para evitar os prejuízos causados pelas barreiras aos cuidados de saúde, quando os recursos que já eram escassos se tornam ainda mais limitados, os formuladores de políticas públicas devem implementar estratégias adequadas e urgentes para garantir tanto o fornecimento de prescrições como os hormônios, quanto o fornecimento de aconselhamento remoto para pessoas trans. A intervenção hormonal requer apoio médico regular, uma vez que a concentração de hormônios e possíveis eventos adversos precisam ser cuidadosamente monitorados (van der Miesen et al., 2020van der Miesen, A. I. R., Raaijmakers, D., & Grift, T. C. (2020). “You have to wait a little longer”: Transgender (mental) health at risk as a consequece of deferring gender-affirming treatments during COVID-19. Archives of Sexual Behavior, 49(1), 1395-1399. https://doi.org/10.1007/s10508-020-01754-3
https://doi.org/10.1007/s10508-020-01754...
; Wang et al., 2020Wang, Y., Pan, B., Liu, Y., Wilson, A., Ou, J., & Chen, R. (2020). Health care and mental health challenges for transgender individuals during the COVID-19 pandemic [Correspondence]. Lancet Diabetes Endocrinology, 7, 564-565. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(20)30182-0
https://doi.org/10.1016/S2213-8587(20)30...
).

Deterioração das Condições Socioeconômicas (Estudos 4, 5, 6, 7)

Dentre as condições de maior vulnerabilização identificadas na população trans, o aumento da pobreza e da miséria foram as mais reiteradas durante a pandemia de COVID-19 (MacCarthy et al., 2020MacCarthy, S., Izenberg, M., Barreras, J. L., Brooks, R. A., Gonzalez, A., & Linnemayr, S. (2020). Rapid mixed-methods assessment of COVID-19 impact on Latinx sexual minority men and Latinx transgender women. PLoS One, 15(12), 1-14. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0244421
https://doi.org/10.1371/journal.pone.024...
; Pandya & Redcay, 2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184...
; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
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). Foi amplamente documentado que a maioria das pessoas trans que compunham as amostras dos estudos já estava desempregada ou não mantinha vínculo empregatício formal anteriormente à pandemia, o que significa que não tinham reserva financeira para sobreviverem aos períodos mais críticos de isolamento social, diferentemente de setores da população cisgênero que não vivem a condição crônica de insegurança empregatícia e que recebem salário e benefícios durante períodos de afastamento do trabalho, como direitos facultados por empregos formais. Como consequência direta da ausência de renda, muitas pessoas se viram impossibilitadas inclusive de adquirir alimentos (Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
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) e não conseguiram se beneficiar do auxílio emergencial por não terem os documentos pessoais (Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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). Em se tratando da população trans que vive em situação de rua, os efeitos do isolamento social e da insegurança alimentar foram ainda mais dramáticos, como afirma uma mulher trans incluída no estudo de Pandya e Redcay (2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
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, p. 4), “Costumávamos ganhar cerca de 300 a 400 (rúpias) todos os dias mendigando e durante eventos auspiciosos. Mas tudo isso acabou agora. Estamos preocupados em como vamos conseguir sobreviver”.

Os problemas econômicos que assolam a população trans podem ser relacionados diretamente às dificuldades de completarem sua educação formal e terem acesso ao mercado de trabalho formal. Adicione-se a esse problema o fato de que a maioria das políticas públicas voltadas para a população trans e travesti, segundo Andrade (2012Andrade, L. N. (2012). Travestis na escola: Assujeitamento e resistência à ordem normativa. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. Recuperado de http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/7600
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), é direcionada à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e ao combate à exploração sexual, de maneira que as políticas de inclusão na escola e no trabalho não são contempladas. Os efeitos dessa displicência são sentidos, por exemplo, no fato de que 90% das pessoas trans e travestis no Brasil sobrevivem de trabalhos informais e marginalizados. Desse total, segundo a Associação de Travestis e Transexuais (ANTRA), cerca de 90% das travestis brasileiras encontram na prostituição sua principal fonte de renda (Pereira & Gomes, 2017Pereira, F. Q., & Gomes, J. M. C. (2017). Pobreza e gênero: A marginalização de travestis e transexuais pelo Direito. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, 22(2), 210-224. https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v22i2800
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). A restrição de circulação no espaço público e o distanciamento físico comprometeram o exercício do trabalho sexual durante a pandemia, o que acentuou a condição de precarização na qual vive a maioria.

Acesso Limitado a Serviços de Saúde e Medicamentos (Estudos 4, 5, 7)

Outra consequência diretamente associada às dificuldades financeiras enfrentadas pelas pessoas trans é a impossibilidade de arcar com atendimento especializado particular e conseguir angariar recursos para adquirir os medicamentos necessários para a manutenção da saúde. Em meio a um cenário no qual a renda precária que auferiam foi reduzida ou eliminada, resta às travestis e aos homens e mulheres trans recorrerem aos serviços públicos de saúde em busca de atendimento. No entanto, os estudos apontam que boa parte dos serviços especializados no atendimento a pessoas trans e travestis deixou de funcionar durante a pandemia, impossibilitando o atendimento direcionado para o acolhimento das demandas específicas dessa população (MacCarthy et al., 2020MacCarthy, S., Izenberg, M., Barreras, J. L., Brooks, R. A., Gonzalez, A., & Linnemayr, S. (2020). Rapid mixed-methods assessment of COVID-19 impact on Latinx sexual minority men and Latinx transgender women. PLoS One, 15(12), 1-14. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0244421
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; Pandya & Redcay, 2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
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; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
; Torres et al., 2020Torres, T. S., Hoagland, B., Bezerra, D. R. B., Garner, A., Jalil, E. M., Coelho, L. E., Benedetti, M., Pimenta, C., Grinsztejn, B., & Veloso, V. G. (2020). Impact of COVID-19 pandemic on sexual minority populations in Brazil: An analysis of social/racial disparities in maintaining social distancing and a description of sexual behavior. AIDS and Behavior, 25(1), 1-12. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1
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). Restaram os poucos serviços de saúde geral, que são vistos como não receptivos às pessoas trans e travestis e que também estavam operando precariamente devido ao contexto pandêmico. Foram recorrentes os relatos de que sofriam preconceito e discriminação durante o atendimento (Pandya & Redcay, 2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
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). Além disso, o sistema de saúde ficou sobrecarregado e os serviços foram remodelados e redirecionados à assistência emergencial aos pacientes com COVID-19.

Os artigos revisados reiteram alguns achados que já estavam bem documentados por estudos anteriores. Popadiuk et al. (2017Popadiuk, G. S., Oliveira, C. O., & Signorelli, M. C. (2017). A política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) e o acesso ao processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS): Avanços e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, 5(22), 1509-1520. https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.32782016
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) destacam que uma das formas mais comuns de discriminação vivenciadas por pessoas trans e travestis nos serviços de saúde é a recusa dos profissionais (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, entre outros) em utilizar o nome social do(a) paciente, quando ele(a) é chamado(a) na sala de espera e durante as consultas. O temor de serem expostos(as) de maneira constrangedora diante de outros(as) pacientes e o sentimento de falta de empatia e acolhimento da parte dos profissionais desestimulam a procura dos centros de referência para consultas e exames preventivos, o que acaba aumentando a vulnerabilidade dessa população e retarda o diagnóstico de doenças infectocontagiosas, como as hepatites B e C, sífilis e HIV-Aids.

Conflitos Familiares durante o Isolamento Social (Estudos 1, 2, 6)

Estudos destacaram que a pandemia obrigou alguns jovens trans a retornarem para a casa da família, por razões financeiras ou outras, como o fechamento de abrigos e moradias universitárias no início da pandemia (Gato et al., 2020Gato, J., Barrientos, J., Tasker, F., Miscioscia, M., Cerqueira-Santos, E., Malmquist, A., Seabra, D., Leal, D., Houghton, M., Poli, M., Gubello, A., Ramos, M. M., Guzmán, M., Urzúa, A., Ulloa, F., & Wurm, M. (2021). Psychosocial effects of the COVID-19 pandemic and mental health among LGBTQ+ young adults: A cross-cultural comparison across six nations. Journal of Homossexuality, 68(4), 612-630. https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186
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; Gonzales et al., 2020Gonzales, G., Mola, E. L, Gavulic, K. A, McKay, T., & Purcell, C. (2020). Mental health needs among lesbian, gay, bisexual, and transgender college students during the COVID-19 pandemic. Journal of Adolescent Health, 67(5), 645-648. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.006
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; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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). A família é reconhecida como um contexto não receptivo à identidade de gênero das pessoas trans, e de fato o que se constatou foi um aumento considerável de sintomas de ansiedade e depressão relacionados também aos tensionamentos e desestabilizações das relações familiares provocados pela presença dos corpos trans em meio ao convívio familiar prolongado (Gonzales et al., 2020Gonzales, G., Mola, E. L, Gavulic, K. A, McKay, T., & Purcell, C. (2020). Mental health needs among lesbian, gay, bisexual, and transgender college students during the COVID-19 pandemic. Journal of Adolescent Health, 67(5), 645-648. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.08.006
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). Para as pessoas trans predominou a sensação de sufocamento, dada a impossibilidade de expressarem livremente sua identidade de gênero sem se tornarem alvos da censura, hostilidade e intolerância familiar.

O ambiente familiar, onde geralmente começam as hostilidades contra as pessoas trans, é construído de forma a impedir que elas se sintam confortáveis para habitá-lo como seres que se sentem pertencentes àquele espaço. A família é a primeira via de acesso do indivíduo ao mundo social e ao convívio comunitário. Como parte do ambiente institucional, o espaço privado tende a ser influenciado pelas normativas sociais que governam as identidades e os corpos, produzindo assim a ideia de “normalidade”, que condena as pessoas LGBTQIA+ a um lugar de desprivilégio (Oswald et al., 2005Oswald, R., Blume, L., & Marks, S. (2005). Decentering heteronormativity: A proposal for family studies. Em V. Bengtson, A. Acock, K. Allen, P. Dilworth-Anderson & D. Klein (Orgs.), Sourcebook of family theories and methods: An interactive approach (pp. 143-165). Sage.). Tal posição subalternizada pode ser percebida nos espaços públicos pela ausência (ou invisibilização) das transidentidades em posições de poder ou desempenhando funções valorizadas socialmente. Já no convívio familiar isso pode ser percebido pela tentativa de exclusão de sua identidade de gênero da vida cotidiana e pela não legitimação de sua existência (Santos et al., 2019Santos, M. A., Souza, R. S., Lara, L. A. S., Risk, E. N., Oliveira, W. A., Alexandre, V., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Transexualidade, ordem médica e política de saúde: Controle normativo do processo transexualizador no Brasil. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 10(1), 3-19. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p03
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). No meio familiar, o indivíduo transgênero passa a ser lido como um “corpo estranho” e indigno de conviver com os demais, como um “não-sujeito” que está à margem da própria ideia de humanidade e cuja materialidade corporal ocupa um lugar paradoxal de “não-existência” ou, seja, de apagamento (Butler, 2019Butler, J. (2019). Corpos que importam: Os limites discursivos do “sexo” (V. Daminelli & D. Y. Françoli, Trads.). n-1.).

Ineficiência, Inação e Ausência de Intervenção do Estado (Estudos 5, 6)

Problemas como a pobreza crônica, dificuldades para acessar serviços de saúde, obter medicamentos e conseguir suporte especializado para procedimentos de afirmação de gênero foram frequentemente observados nos resultados dos estudos selecionados, porém, a relação que o Estado mantém com a população trans, embora menos frequentemente abordada, não pode ser esquecida (Pandya & Redcay, 2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184...
; Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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). Esses problemas são crônicos e anteriores à pandemia (Arán et al., 2009Arán, M., Murta, D., & Lionço, T. (2009). Transexualidade e saúde pública no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 14(4), 1141-1149. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000400020
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; Rocon et al., 2016Rocon, P. C., Rodrigues, A., Zamboni, J., & Pedrini, M. D. (2016). Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 21(8), 2517-2526. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
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), mas foram ainda mais agravados pela crise sanitária e, no caso brasileiro, pela gestão caótica do Ministério da Saúde que, sob o governo Bolsonaro, implementou uma necropolítica explícita (Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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).

A partir do momento em que uma determinada população se encontra exposta à situação de risco iminente de vida diante de uma condição adversa como uma pandemia, constitui obrigação do Estado adotar medidas para garantir a proteção e mitigar os riscos de cidadãos e cidadãs que vivem em maior desamparo. Ao se furtar a assumir suas responsabilidades constitucionais, o Estado está cometendo um ato de prevaricação, que pode ser tipificado como negligência criminosa ou até mesmo um ato análogo ao genocídio quando se trata de uma omissão programática, deliberada e calculada para levar o maior número possível de pessoas vulnerabilizadas à morte (Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
).

Pandya e Redcay (2020Pandya A., & Redcay, A. (2020). Impact of COVID-19 on transgender women & hijra: Insights from Gujarat, India. Journal of Human Rights and Social Work, 7, 148-157. https://doi.org/10.1007/s41134-021-00184-y
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) relatam que, embora o governo da Índia tenha iniciado um programa emergencial de distribuição de alimentos para pessoas em situação de pobreza, oferecendo provisões de trigo, arroz, feijão e açúcar, nenhum(a) dos(as) participantes trans de seu estudo chegou a receber esse benefício, ainda que parte deles(as) vivesse em situação de rua e, portanto, em extrema necessidade. Santos et al. (2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32(3), 1-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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) argumentam que o governo brasileiro de ultradireita adotou, desde o início da crise, uma postura negacionista em relação à pandemia, deixando os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e periféricos entregues à própria sorte, em um contexto de precarização das condições materiais de vida no qual os mais pobres e desprotegidos se viram obrigados a arriscarem suas vidas na busca desesperada pela sobrevivência. Assim, a gestão da pandemia no Brasil foi vista, pelo poder central, como uma oportunidade única para radicalizar a necropolítica que já estava em curso anteriormente, com a retórica armamentista e o desmonte da saúde pública, da educação e da previdência social.

No que se refere a governos que adotam a agenda de políticas neoliberais e de forte apelo nacionalista e populista, como é o caso brasileiro e indiano, temáticas relativas ao gênero e sexualidade são proscritas e tratadas unicamente como interesses da esfera privada, de modo que tudo aquilo que diz respeito a tais assuntos passa a ser sumariamente excluído do debate público (Norris, 1991Norris, W. P. (1991). Liberal attitudes and homophobic acts: The paradoxes of homosexual experience in a liberal institution. Journal of Homosexuality, 22(3-4), 81-120. https://doi.org/10.1300/J082v22n03_04
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). Assim, temas candentes como a criminalização da transfobia e homofobia, criação de políticas públicas que garantam o investimento contínuo em medidas afirmativas para a promoção do bem-estar da população LGBTQIA+, ampliação da oferta de centros de saúde especializados e o acesso ao auxílio financeiro emergencial durante a pandemia são totalmente excluídos da pauta governista. A violação sistemática de direitos e o massacre diário a que a população trans é submetida são fatos silenciados. Ao permitir que o governo discricionário e a maioria conservadora do parlamento abonem essa postura transfóbica e antidemocrática, o Estado remove a liberdade e o direito de existência das minorias dissidentes, uma vez que a liberdade em uma sociedade democrática é sinônimo de acesso à esfera pública (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). O que é política? (R. Guarany, Trad.). Bertrand Brasil.).

Os estudos realizados no contexto brasileiro demonstram que o Estado se eximiu de assumir a responsabilidade pelas vidas precarizadas das minorias, na medida em que as políticas públicas e ações voltadas para o empoderamento da população LGBTQIA+ nas últimas décadas foram preponderantemente delegadas à esfera das Organizações Não-Governamentais (ONGs), o que é questionável em cenários nos quais o ambiente político-institucional encontra-se sob controle de ideologias reacionárias que ameaçam extinguir as políticas que protegem os direitos dos segmentos minoritários (Mello et al., 2010Mello, L., Irineu, B. A., Froemming, C. N., & Ribeiro, V. K. (2013). Políticas públicas de trabalho, assistência social e previdência social para a população LGBT no Brasil: Sobre desejos, realizações. Revista de Ciências Sociais, 44(1), 132-160. Recuperado de http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/832
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).

O Brasil sob pandemia é um país governado por um projeto autoritário de poder, que se mostra obstinado na destruição dos pilares do regime democrático, impondo inúmeros retrocessos nas conquistas sociais. Os estudos evidenciam que o Estado brasileiro, aparelhado pela Extrema Direita bolsonarista após as eleições de 2018, tem se empenhado no desmonte das políticas afirmativas voltadas para a população trans, como é o caso do Processo Transexualizador do SUS, que até hoje não foi assumido por inúmeros estados e municípios, limitando o acesso à assistência médica, à hormonização e aos procedimentos cirúrgicos necessários para a afirmação da identidade de gênero (Santos et al., 2019Santos, M. A., Souza, R. S., Lara, L. A. S., Risk, E. N., Oliveira, W. A., Alexandre, V., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Transexualidade, ordem médica e política de saúde: Controle normativo do processo transexualizador no Brasil. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 10(1), 3-19. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p03
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). A supressão sistemática de direitos de cidadania e a total negligência do poder público com a população trans durante a pandemia exigem soluções urgentes para garantir o bem-estar psicológico desse grupo especialmente vulnerável. Essas são razões mais do que suficientes para dar escuta e legitimar as histórias das pessoas trans na travessia da pandemia, contribuindo para validar suas existências e fortalecer suas resistências.

Considerações Finais

Esta revisão permitiu sintetizar resultados de pesquisas acerca das repercussões da emergência sanitária desencadeada pela pandemia da COVID-19 sobre a saúde mental da comunidade trans. As condições mais associadas à deterioração da saúde mental foram: agravamento da situação socioeconômica, dificuldades para ter acesso a procedimentos e medicamentos que fazem parte do processo de afirmação de gênero, além do acirramento de conflitos familiares. A atuação deficitária do Estado no gerenciamento da pandemia e a ausência de suporte governamental para atenuar o sofrimento dos segmentos sociais mais drasticamente afetados pela crise também foram mencionados como fatores contextuais.

A literatura aponta que, devido às falhas na implementação de políticas públicas no primeiro ano de crise provocada pela pandemia, o distanciamento social imposto como medida de contenção da disseminação do vírus contribuiu para aumentar o desamparo e sofrimento psicossocial da comunidade trans, o que se traduziu no incremento de sintomas de depressão e ansiedade. Foi encontrada maior incidência de sofrimento psíquico no segmento trans em comparação com os demais grupos que compõem o espectro LGBTQIA+. Rejeição familiar e perda da fonte de trabalho, que impossibilitou prover até mesmo as necessidades mais básicas de sobrevivência, incrementaram a exposição a situações de sofrimento emocional.

Diante do cenário preocupante desenhado pelo mapeamento das pesquisas conduzidas no período inicial de enfrentamento da COVID-19, é fundamental que as pessoas trans recebam suporte de programas assistenciais para suprirem suas necessidades nos contextos de extrema vulnerabilidade psicossocial e calamidade pública nos quais se encontram. Implementar políticas públicas que busquem diminuir a extrema vulnerabilidade e o sofrimento psicossocial de pessoas trans e travestis demanda articulação da rede de proteção, incluindo não apenas serviços de saúde, como outros equipamentos de apoio, tais como casa de passagem para esse segmento - assim como o público LGBTQIA+ em geral - e centros comunitários que promovam acolhimento, inclusão, qualificação profissional e reinserção social. Também é necessário investir na qualificação de trabalhadoras(es) da saúde, bem como elaborar protocolos de atendimento em saúde sensíveis às dissidências de gênero.

Este estudo de revisão tem algumas limitações. Dentre as fragilidades pode-se destacar que os dados analisados foram obtidos em realidades muito peculiares, considerando-se a concentração de pesquisas conduzidas em países desenvolvidos, como Estados Unidos e Reino Unido, e os delineamentos predominantemente quantitativos dos estudos. A ausência de pesquisas com travestis também restringe a abrangência da aplicação dos resultados para que se obtenha a transformação do cenário. A despeito das limitações encontradas, evidencia-se um corpo de recomendações que auxiliam os profissionais de saúde, formuladores de políticas públicas e autoridades governamentais a lidarem com a deterioração das questões de saúde mental durante o período de crise sanitária. Todavia, os artigos apresentam nível moderado de evidência, o que limita a aplicação dos achados na prática profissional, mostrando a necessidade de novas investigações com desenhos mais robustos, seguindo o lema da Cochrane: evidências confiáveis, decisões bem informadas, melhor saúde.

Os resultados obtidos fornecem subsídios que convidam a pensar em uma agenda exequível de pesquisas, que deve contemplar a necessidade de monitorar o estado de saúde mental de pessoas trans, travestis e não binárias durante a pandemia, assim como acompanhar os desdobramentos do cenário pós-pandemia. Estudos futuros devem considerar não apenas os impactos imediatos, mas também as esperadas consequências tardias, agravadas pela precariedade de condições sociais nas quais a maior parte da população trans ainda vive. Também é preciso aprofundar a investigação dos efeitos adversos da baixa efetividade ou da inexistência de políticas públicas específicas, bem como a negligência da oferta de programas e cuidados voltados à singularidade das pessoas trans em todo o percurso da crise sanitária.

Também se salienta a necessidade de pesquisas que se aliem aos esforços dos movimentos sociais e do ativismo trans, visando a fortalecer o controle social do Estado na implementação e monitoramento de políticas públicas em saúde que busquem diminuir a vulnerabilidade da população trans, rumo à construção de um cuidado para além das estruturas cisheteronormativas. Desse modo, será possível elaborar protocolos de atendimento em saúde com abordagem multidisciplinar e que sejam sensíveis às demandas específicas das pessoas com identidade de gênero dissidente da cisheteronormatividade, considerando a necessidade de atenuar as iniquidades que foram acentuadas pela pandemia de COVID-19.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2022
  • Revisado
    23 Dez 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
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