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AS POSSIBILIDADES DE AUTORREALIZAÇÃO EXPRESSAS NOS PROJETOS DE VIDA DE ADOLESCENTES

Las posibilidades de autorrealización expresas en los proyectos de vida de adolescentes

RESUMO

Esta pesquisa avalia o projeto de vida de adolescentes e sua relação com a percepção e tendência à autorrealização. Utilizou-se um Questionário de Propósito e outro de Perfil, com 507 sujeitos dos sexos femino e masculino, entre 12 e 17 anos, escolarizados, da cidade de Santos/SP. Como hipótese, aponta-se que as conquistas do amadurecimento pessoal contribuem para um autoconceito positivo, tornando a autorrealização uma parte importante da formação da personalidade. A linha teórica centra-se na Psicologia Moral, articulada às discussões filosóficas e sociológicas sobre ética, valores morais e desenvolvimento humano. Os resultados apontam um apreço à subjetividade, ao sentimento de insegurança e de autoafirmação. A hipótese foi confirmada parcialmente, pois os sujeitos demonstraram que estabelecem propósitos e planos para suas vidas, que se percebem potencialmente transformadores, mas que ainda estão muito voltados ao contexto privado, às necessidades materiais e ao apego familiar.

Palavras-chave:
autorrealização; adolescência; projeto de vida; personalidade

RESUMEN

En esta investigación se evalúa el proyecto de vida de adolescentes y su relación con la percepción y tendencia a la autorrealización. Se utilizó un Cuestionario de Propósito y otro de Perfil, con 507 sujetos masculinos y femeninos, entre 12 y 17 años, escolarizados, de la ciudad de Santos/SP. Como hipótesis, se apunta que las conquistas de la madurez personal contribuyen para un autoconcepto positivo, volviendo la autorrealización una parte importante de la formación de la personalidad. La línea teórica se centra en la Psicología Moral, articulada a las discusiones filosóficas y sociológicas sobre ética, valores morales y desarrollo humano. Los resultados apuntan un aprecio a la subjetividad, al sentimiento de inseguridad y de autoafirmación. La hipótesis fue confirmada parcialmente, pues los sujetos demostraron que establecen propósitos y planes para sus vidas, que se perciben potencialmente transformadores, pero que aún están muy volcados al contexto privado, a las necesidades materiales y al vínculo familiar.

Palabras clave:
autorrealización; adolescencia; proyecto de vida; personalidad

ABSTRACT

This research evaluates the life project of adolescents and its relationship with the perception and tendency to self-realization. A Purpose Questionnaire and a Profile Questionnaire were used, with 507 female and male sbjects between 12 and 17 years old, educated, in the city of Santos/SP. As a hypothesis, it is pointed out that the achievements of personal maturation contribute to a positive self-concept, making self-realization an important part of personality formation. The theoretical line focuses on Moral Psychology, articulated with philosophical and sociological discussions on ethics, moral values and human development. The results show an appreciation for subjectivity, the feeling of insecurity and self-assertion. The hypothesis was partially confirmed, as the subjects demonstrated that they establish purposes and plans for their lives, which they perceive as potentially transforming, but that they are still very much focused on the private context, material needs and family attachment.

Keywords:
self-realization; adolescence; life project; personality

IDENTIFICAÇÃO DA TEMÁTICA

Não é uma tarefa simples conceituar o processo de autorrealização. As teorias psicológicas têm levado décadas explicando o desenvolvimento da personalidade e consideram quatro dimensões importantes (Bacchini & Magliulo, 2003Bacchini, D.; Magliulo, F. (2003). Self-image and perceived self-efficacy during adolescence. Journal of Youth and Adolescence, 32(5), 337-350.; Fontaine, 1991Fontaine, A. M. (1991). Desenvolvimento do conceito de si próprio e realização escolar na adolescência. Psychologica, 5, 13-31.; Shavelson & Bolus, 1982Shavelson, R. J.; Bolus, R. (1982). Self-concept: The interplay of theory and methods. Journal of Educational Psychology, 74, 3-17.): o autoconceito afetivo-emocional, o autoconceito ético-moral, o autoconceito da autonomia e o autoconceito para a autorrealização - a percepção de como uma pessoa se vê em relação às conquistas de seus objetivos de vida.

Sabemos que o autoconceito é uma das variáveis de personalidade mais relevantes e inclui referências de como a pessoa se percebe, não somente nos aspectos físicos, mas também nos aspectos acadêmicos e sociais. Durante algum tempo, o autoconceito foi considerado um constructo unidimensional e global. No entanto, já há algumas décadas, tem sido aceitável uma concepção hierárquica e multidimensional (Shavelson, Hubner, & Stanton, 1976Shavelson, R.; Hubner, J.; Stanton, J. (1976). Self-concept: validation of construct interpretations. Review of Educational Research, 46, 407-441.) segundo a qual o autoconceito geral estaria estruturado sob os domínios acadêmico, pessoal, social e físico, cada um se subdividindo em dimensões de maior especificidade.

Segundo Fuentes, García, Gracia e Lila (2011Fuentes, M.; García, J. F.; Gracia, E.; Lila, M. (2011). Autoconcepto y ajuste psicosocial em la adolescencia. Psicothema, 23(1), 7-12.), o autoconceito é considerado uma necessidade humana profunda e poderosa, básica para a vida psíquica saudável e fundamental para a autorrealização. Está relacionado com a sensação de bem-estar e sua importância reside na relevante implicação para a formação da personalidade. Dessa forma, personalidade, neste estudo, está concebida como um espaço de interação entre processos e estruturas psicológicas constituídas por subsistemas reguladores de configurações individualizadas.

As diferentes dimensões ou áreas do autoconceito e sua importância na elaboração do próprio sentido pessoal e da personalidade, que inclui o projeto de vida, integram-se numa confluência única e se encontram fortemente relacionados com a idade dos sujeitos. No caso da adolescência, a diferença básica de outros períodos se resume ao questionamento interno que se manifesta no jovem sobre quem é e o que fará com sua vida; como se programa para desenvolver novos papéis, identificações de preferências ocupacionais e, especialmente, como se motiva para conseguir sua independência, em relação à família, ou a outros adultos responsáveis. A primeira tarefa do adolescente, portanto, é o desenvolvimento da própria identidade e o sentido que atribui a ela (Rodríguez, 2008Rodríguez, A. (2008). El autoconcepto físico y el bienestar/malestar psicológico en la adolescencia. San Sebastián: Universidad del País Vasco.).

Passemos agora para o conceito principal da pesquisa. A noção de autorrealização como amadurecimento tem mudado ao longo das décadas. Cada cultura, constituída historicamente, tem formulado e sugerido algum tipo de ideal de amadurecimento, de realização pessoal. Objetivamente, o conceito de autorrealização figura nos dicionários3 3 Disponíveis em http://michaelis.uol.com.br/; http://www.dicionariodoaurelio.com/; http://dictionary.cambridge.org/us/. como o efeito de executar, efetuar, realizar uma ideia, converter sonhos, planos ou ilusões em realidade. Portanto, o termo autorrealização significa a ação e efeito de transformar em realidade, por si mesmo, ideias, planos e objetivos.

Maslow (1993Maslow, A. (1993). El hombre autorrealizado: Hacia una psicología del ser. Barcelona: Paidós.) é reconhecido como o principal introdutor do conceito de autorrealização, ainda que na língua inglesa se utilize principalmente o termo self-actualization para denotar o caráter real ou atual que advém do potencial humano, cunhado por Goldstein em 1939, para representar a ideia de saúde psicológica. Contudo, Maslow (1993), captando as influências da psicologia humanista da década de 1960, redefiniu o conceito, dedicando a Goldstein sua primeira edição de Toward a Psychology of Being.4 4 Maslow, A. H. (1968). Toward a Psychology of Being. New York: Van Nostrand Reinhold.

De acordo com essas ideias, a autorrealização é para Maslow (1991Maslow, A. (1991). Motivación y personalidad. Madrid: Díaz Santos.) o crescimento intrínseco do que já está no organismo, biologicamente enraizado e de natureza instintiva, definição completamente discutível atualmente. Além disso, a pessoa em processo de autorrealização tem suas necessidades básicas satisfeitas e utiliza suas capacidades completamente. Maslow (1991)Maslow, A. (1991). Motivación y personalidad. Madrid: Díaz Santos. definiu as pessoas motivadas a partir de tendências condizentes à autorrealização. Por fim, ele concluiu que a autorrealização persiste durante a história de vida do sujeito e que esse processo começa provavelmente na infância, continuando pela adolescência, que é o momento crítico da consolidação dos projetos de vida.

Os projetos de vida podem ser conceituados como as estruturas de sentido individual idealizadas na dimensão temporal, na historicidade dos eventos individuais e sociais explicativos da história de vida de cada pessoa. Segundo Piaget e Inhelder (1976Piaget, J.; Inhelder, B. (1976). Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira.), “um plano de vida é uma afirmação de autonomia, e a autonomia moral enfim inteiramente conquistada pelo adolescente que se considera igual aos adultos, é um outro aspecto afetivo essencial da personalidade nascente que se prepara para enfrentar a vida” (p. 260).

Por isso, a personalidade está intimamente associada à percepção de si e sua “autorrealização” (Damon, 2008Damon, W. (2008). The path to purpose: Helping our children find their calling in life. New York: Free Press.). Nesse sentido, podemos inferir a construção do projeto de vida, porque ter um projeto significa ter um propósito, que trará a sensação de bem-estar pela meta alcançada.

Assim, o objetivo principal desta pesquisa é a compreensão das personalidades jovens no que se refere à percepção da autorrealização e da necessidade de inserção na sociedade, construídas a partir do conhecimento e da compreensão da realidade atual, numa dimensão essencialmente humanista.

Ainda que muitos autores no campo da psicologia não façam nenhuma distinção entre adolescência e juventude (Aberastury & Knobel, 1989Aberastury, A.; Knobel, M. (1989). Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas.; Calligaris, 2000Calligaris, C. (2000). A adolescência. São Paulo: Publifolha.; Delval, 1998Delval, J. (1998). El desarrollo humano. Madrid: Siglo XXI.; Erikson, 1968Erikson, E. H. (1968). Identity, youth and crisis. New York: Norton., 1998Erikson, E. H. (1998). O ciclo da vida completo. Porto Alegre: ArtMed.; Piaget & Inhelder, 1976Piaget, J.; Inhelder, B. (1976). Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira.), os que a fazem (Freitas, 2005Freitas, M. V. (Ed.). (2005). Juventude e adolescência no Brasil: Referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa (e-book). Recuperado de:http://www.biblioteca-acaoeducativa.org.br/dspace/bitstream/123456789/2344/1/caderno_Juv.pdf
http://www.biblioteca-acaoeducativa.org....
; Novaes & Vannuchi, 2004Novaes, R.; Vannuchi, P. (Eds.) (2004). Juventude e sociedade. São Paulo: FPA.; Ozella, 2002Ozella, S. (2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In: Contini, M. L.; Koller, S. H.; Barros, M. N. (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Rio de Janeiro: Conselho Federal de Psicologia.; Savage, 2009Savage, J. (2009). A criação da juventude. Rio de Janeiro: Rocco.; Sposito, 1997Sposito, M. P. (1997). Estudos sobre Juventude em Educação. Revista Brasileira de Educação, 5, 37-52. Recuperado de https://www.feis.unesp.br/Home/DSAA/DSAA/ProjetoGQT-SCM/documentos/educacao/educa%e7%e3o%20e%20juventudeMARILIA_PONTES_SPOSITO.pdf
https://www.feis.unesp.br/Home/DSAA/DSAA...
) atribuem à adolescência as vivências que ocorrem após o período da infância, conferindo à juventude as experiências que precedem a entrada na idade adulta.5 5 Os limites cronológicos da adolescência são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 10 e 19 anos (adolescents) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos (youth), critério usado para fins estatísticos e políticos. No Brasil, o IBGE (2005) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, 1990) consideram a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos, e, em casos excepcionais, o estatuto é aplicável até os 21 anos.

O termo adolescente - advindo do latim adolescere, crescer6 6 Dicionário on-line Aurélio. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/ - significa, etimologicamente, aquele que se dirige para a perfeição, que amadurece e carrega um significado mais psicológico, incluindo o biológico. Já o termo juventude é mais sociológico e está ligado às transformações do sujeito como agente social e político, que vive a transição da escola para o mundo do trabalho, da vida ativa, da integração social. Neste estudo, adotaremos ambos os termos, pois compreendemos adolescência e juventude como períodos de vida em que ocorrem muitas mudanças radicais sobre as quais a psicologia apresenta uma série de questionamentos.

Contudo, consideramos que a adolescência seja um período de transição repleto de vivências e de potencialidades que trazem indagações sobre como os adolescentes compreendem a si mesmos e como são compreendidos pelos outros. Sofrem pressões sobre a vida adulta, a busca da identidade e a emergência da escolha da carreira. A partir da orientação da identidade, vão delinear sua perspectiva de autorrealização, que pode se transformar em um projeto de vida incluindo expectativas profissionais, valores7 7 Marcando a concepção que adotamos nesse projeto, de acordo com Piaget (1994), um valor é um investimento afetivo que nos faz agir; que nos move numa direção. , relacionamentos interpessoais e a possibilidade de inserção e intervenção social, ou não, podendo cair na estagnação (Erikson, 1992Erikson, E. H. (1992). Identidad, juventud y crisis. Madrid: Taurus.).

A construção ou elaboração de um projeto de vida faz parte do processo de amadurecimento afetivo e intelectual, já que o adolescente toma consciência desse propósito quando começa a ser capaz de reconhecer reflexivamente que seus objetivos não são necessariamente os de seus pais, e se esforça para dar um sentido à identidade pessoal que inclui metas, crenças e valores com os quais pode estar comprometido (Damon, 2008Damon, W. (2008). The path to purpose: Helping our children find their calling in life. New York: Free Press.). Construir um projeto de vida supõe desafiar as questões familiares em um processo de individualização.

Assim, a problematização desta pesquisa gira em torno da possibilidade de avaliar o projeto de vida do adolescente voltado para a construção da personalidade moral e sua relação com a percepção e tendência à autorrealização no estabelecimento de propósitos para a sua vida futura.

Nesse caso, o “estado da arte” não nos oferece dados empíricos sobre as diferenças interpessoais, já que não existem instrumentos apropriados de pesquisa que incluam essa medida da autopercepção. Apesar disso, assumimos como hipótese que se as conquistas do amadurecimento pessoal contribuem para a configuração de um autoconceito positivo - expresso no projeto de vida - podemos aceitar que existe uma consciência da autorrealização que é parte importante do autoconceito e onde se integra o conhecimento dos próprios talentos, capacidades, atividades criativas, produtividade, possibilidades e interesses.

IDENTIFICAÇÃO DO MÉTODO DE PESQUISA

Este é um estudo exploratório de natureza quanti-qualitativa. Participaram do estudo 507 sujeitos de ambos os sexos - sendo 248 meninos e 259 meninas - na faixa etária de 12 a 17 anos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, escolarizados, de escolas de grande porte, particulares e públicas da Baixada Santista - SP.8 8 Todos os participantes entregaram o Termo de Consentimento e o Termo de Assentimento assinados pelos pais e/ou responsáveis. Foram solicitados a todos os alunos das 9ª séries do EF II e dos 2º e 3º anos do EM, que estavam presentes no dia agendado para a aplicação, a responderem os questionários.

Como instrumentos para avaliar a autorrealização nos projetos de vida dos adolescentes, foram utilizados dois questionários semiabertos, especialmente elaborados para esse estudo, intitulados por nós como: um Questionário de Perfil e um Questionário de Propósito.

O Questionário de Perfil apresentou 25 situações descritas na primeira pessoa, buscando uma identificação com o respondente, que assinala uma entre quatro possibilidades de frequência da afirmação, nos padrões da escala Likert (raramente, frequentemente, às vezes ou quase sempre), criando um grau de hierarquia de ocorrência na vida dos adolescentes. O referido instrumento diz respeito à percepção que os adolescentes têm de si mesmos, como pensam os aspectos significativos de suas vidas e como compreendem os sentimentos, emoções e valores que organizam sua maneira de ser e de agir. O Questionário de Perfil se refere ao autoconceito, propriamente dito, assim sendo não se trata de um perfil socioeconômico, mas a ideia é coletar informações sobre como os sujeitos se percebem em relação aos aspectos morais e valorativos.

O outro instrumento, o Questionário de Propósito, está elaborado em forma de perguntas e respostas, com seis questões abertas sobre objetivos, fatos significativos, opiniões sobre o que pensam a respeito da vida e das pessoas. Esse questionário foi baseado no Questionário para Estudo de Propósito de Jovens, de William Damon (2008Damon, W. (2008). The path to purpose: Helping our children find their calling in life. New York: Free Press.).

Com esses dois instrumentos, buscamos estabelecer categorias de respostas para pensar as várias possibilidades de projeções e concepções que o adolescente elabora em relação ao eixo temporal/bem-estar, e como isso se relaciona com a tendência mais central à autorrealização no processo de construção de sua personalidade. Apesar de consideradas, não foram encontradas diferenças significativas relacionadas às variáveis “sexo” e “idade”.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Resultados a partir do Questionário de Perfil

Com os dados compilados a partir do Questionário de Perfil, pudemos traçar um painel sobre os adolescentes entrevistados, relacionando atitudes, condutas e aspirações que se mostram como tendência na cultura moderna. Além disso, as afirmações do questionário agrupam-se em cinco categorias, que foram organizadas por nós e que facilitam as análises: a) Autonomia - situações que envolvem responsabilidade e tomada de decisão; b) Desafios e conflitos - referem-se à aceitação de desafios; c) Cuidados - relacionam-se às intenções de proteção e de cuidados consigo mesmo; d) Aprendizados - motivações para a aquisição de conhecimentos; e) Relações interpessoais - fazem menção ao outro e às possibilidades de manifestação de sentimentos. Os temas aqui assinalados e concluídos pretendem ser mais sugestivos do que analíticos.

A) Apreço aos valores da subjetividade - pensando na sociedade atual, na cultura pós-moderna que estimula a coletividade e a diversidade, mas concretamente, privilegia os indivíduos em detrimento do grupo e da comunidade, verificou-se que os jovens entrevistados se mostraram pouco atraídos pelos valores ou interesses dos outros e/ou dos pequenos grupos, alheios ao círculo próximo de amizades e parentesco.

Movimentos sociais que se relacionam com os sentimentos humanitários, coletivos e ambientais não lhes pareceram muito interessantes, tanto que a categoria “Cuidados” - uma das categorias elencadas com o questionário, mencionada acima é a mais pontuada pelos adolescentes. A dimensão lúdica, afetiva e cultural predominou sobre a influência comunitária e solidária, e as instituições que mais lhes inspiram confiança são as que se baseiam nas relações interpessoais consanguíneas, como a família.

B) Atitudes de tolerância ou de relativismo - aceitam com mais facilidade o pluralismo ideológico e social. É possível encontrar expressões de intolerância, mas a capacidade de aceitação das pessoas como elas são e a inclusão em suas trajetórias superam as manifestações individuais. Podem perceber as diferenças culturais e de comportamento com mais naturalidade e as relações de amizade estão acima das divergências de opinião ou de convicções.

C) Sentimento de insegurança e de autoafirmação - a afirmação como indivíduo social não consegue ser suficientemente forte para superar o anonimato em meio ao pluralismo cultural, o que causa um sentimento de dúvida e incerteza. O déficit de identidade pessoal é extremamente grave no mundo jovem. Daí que se busque uma identidade emprestada de grupos, de tribos urbanas, grupos violentos de ideologias extremistas, seitas que acolhem jovens sem identidade firmada, dando-lhes apoio coletivo que preenche o vazio psicológico. A insegurança pessoal pode levar a uma baixa autoestima, que pede uma acolhida afetiva. Reconfirmamos o que novamente sustenta o resultado da categoria “Cuidado” como a primeira mais pontuada, relevante nessas apurações.

D) Inserção no provisório - a pós-modernidade traz um novo conceito espacial, mas que também muda substancialmente a inserção humana no domínio de tempo. A velocidade do movimento, o bombardeio rápido das mensagens e a alternância das imagens, o progresso das ciências e tecnologias, o crescimento da produtividade e o consumo exacerbado de tudo, contribuem para acelerar a vida e gerar um sentimento profundo de que tudo é provisório, é fugaz. Nesse contexto, construir planos de vida torna-se quase impossível.

A categoria “Desafios e Conflitos”, que se associa à elaboração de projetos e à possibilidade de pensar o futuro, aparece na última posição nos índices. O sentimento de “provisoriedade”9 9 Característica do que é provisório. abarca todas as suas relações, às vezes de maneira contraditória: os adolescentes, por caírem facilmente nas incertezas, buscam referências mais duradouras. Contudo, suas opiniões e sentimentos mudam muito rapidamente, gerando certo pragmatismo que leva à construção de seus próprios universos éticos. Isso tudo pode resultar em personalidades sem convicções sólidas, sem certezas assimiladas de forma vital, não se sentindo capazes de opções definitivas às quais se comprometam de forma duradoura.

Resultados a partir do questionário de propósito

Passemos agora ao Questionário de Propósito. Segundo Damon (2008Damon, W. (2008). The path to purpose: Helping our children find their calling in life. New York: Free Press.), o propósito é uma intenção estável e generalizada para atingir algo que é ao mesmo tempo significativo para si próprio, mas também para as pessoas do contexto circundante. “O propósito é uma parte fundamental de nossa busca pessoal por significado, mas também tem uma característica externa, um desejo de fazer a diferença no mundo, de contribuir para assuntos além de nosso próprio interesse”10 10 “Purpose is a key part of our own personal search for meaning, but it also has an external quality, a desire to make a difference in the world, to contribute to matters beyond our own self-interest.” (Damon, 2003Damon, W. (2003). Noble purpose - The joy of living a meaningful life. Pennsylvania: Templeton Foundation Press., p. 11, tradução nossa).

A perseguição pelo propósito pode organizar uma vida inteira e durar tempo suficiente para que uma pessoa consiga expressar compromisso e motivação aos aprendizados que deve fazer. Enfim, o propósito possibilita aos jovens fazerem-se responsáveis no mundo, como pessoas capazes de aprender para realizar coisas, entendendo que sua produção é valiosa para os outros e para eles próprios.

As respostas de cada questão dos adolescentes foram categorizadas e agrupadas para análise dos muitos conceitos e concepções que apareceram. Cada categoria envolveu as respostas objetivamente agrupadas. Essas categorias foram meios organizados por nós para dar um sentido mais concreto às respostas dos sujeitos. A categorização, contudo, expõe um cuidado com a linha tênue de seleção, pois os sujeitos, ao responderem na forma de texto cursivo, acabam por mesclar as expressões todo o tempo, e a distinção muitas vezes se deu por pequenas sutilezas no discurso. Reconhecemos que a categorização pode reduzir aspectos relevantes da análise, mas que, por outro lado, possibilitou-nos ressaltar o que consideramos mais significativo discutir nesse trabalho. Não tivemos a pretensão de esgotar todas as possibilidades de análise, mas selecionamos os aspectos que nos pareceram pertinentes às considerações que buscamos. Os índices colocados nas tabelas não são percentuais (não foi dado nenhum tratamento estatístico específico), mas a somatória simples das respostas. Na verdade, essas pontuações são pretextos para a análise qualitativa das categorias, identificando uma escala decrescente. Observa-se que cada sujeito entrevistado, em geral, apresentou mais de um aspecto (conceito) ou resposta a cada pergunta estabelecida no questionário, por isso, o cômputo é por resposta e não por sujeito. Os dados a seguir sintetizam a apuração.

Questão A: Fale um pouco sobre você. Que tipo de pessoa você é - Essa questão pode ser associada à apuração do Questionário de Perfil porque se refere à percepção que o sujeito tem de si mesmo, a forma como construiu valores significativos a seu respeito e como imagina que os outros o veem. No instrumento construído por Damon (2008Damon, W. (2008). The path to purpose: Helping our children find their calling in life. New York: Free Press.), o autoconceito é fundamental para se pensar o propósito. Dessa forma, ainda que o perfil do adolescente já tenha sido apurado pelo questionário anterior, essa questão pareceu-nos fundamental para iniciar a indagação sobre o Propósito e confirmar alguns conceitos, não configurando, portanto, uma repetição na coleta. As respostas relativas ao autoconceito sugerem aspectos da formação da personalidade e foram agrupadas para análise em cinco categorias:

As características identificadas como traços de temperamento superaram os índices das outras categorias apuradas nessa questão: de caráter, atitudinal, emocional e física, conforme apresentado na Tabela 1. Consideramos o temperamento, neste estudo, como a elaboração dos estímulos e a regulação das condutas. Em síntese, pode ser definido como uma característica básica da autorregulação do organismo (Strelan, 1987Strelan, J. (1987). The concept of temperament in personality research. European Journal of Personality, 1, 107-117.).

Tabela 1
Questão A.

O temperamento é um conceito relativo a aspectos reguladores da emoção, que não ajustam os processos psicofisiológicos internos, mas somente os processos sociais. O temperamento está estreitamente relacionado à personalidade, pois é um fenômeno que surge na infância e representa uma espécie de fundamento da futura personalidade. Contudo, há uma invariabilidade em seu desenvolvimento: as características do temperamento são relativamente estáveis, e, em relação às outras características da personalidade, manifestam certa continuidade.

As características identificadas como “morais” - categoria “De caráter”, a segunda mais pontuada - também têm indicadores significativos. Elas também se referem a constructos de personalidade associados às virtudes morais e que incluem valores considerados desejáveis universalmente.

O caráter implica em “desejar ser”. Esse aspecto ético/moral se universalizou, denotando sempre o “distintivo de uma pessoa”. O conceito psicológico de caráter atende tanto no “como se deve ser”, como no “tal qual é”, e tem uma base cognitiva, segundo algumas teorias. Assim sendo, o caráter é a peculiaridade que se relaciona aos motivos e disposições que dão estabilidade à conduta social do indivíduo.

Pelas cinco dimensões enfatiza-se essa categoria ter sido a segunda colocada na lista de categorias dessa questão, pois os aspectos morais são fundamentais para pensarmos os propósitos e a percepção de autorrealização, de acordo com as hipóteses que pretendemos comprovar na pesquisa. As categorias atitudinal, emocional e física, não obtiveram índices significativos.

Questão B: Qual é a coisa mais importante em sua vida no momento? - Essa questão possibilita a verificação das projeções que os adolescentes fazem em relação à concepção de vida que eles possuem até então, e envolve os valores que lhes são importantes e que configuram um significado para as metas estabelecidas. As respostas para essa questão foram agrupadas em duas categorias, baseadas em Klein (2011Klein, A. M. (2011). Projetos de vida e escola: A percepção de estudantes do ensino médio sobre a contribuição das experiências escolares aos seus projetos de vida(Tese de doutorado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-10082011-141814/. doi:10.11606/T.48.2011.tde-10082011-141814.
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): tem sentido, não tem sentido. A quantificação foi feita a partir das subcategorias, ou seja, dos conceitos que apareceram e não dos sujeitos, pois grande parte dos adolescentes escreveu mais de um conceito na mesma resposta, e entendeu-se que essas subcategorias são significativas demais para serem agrupadas em uma única categoria.

Tabela 2
Questão B.
Tabela 3
Questão B a.

A pontuação para a subcategoria Família na categoria “Tem sentido” é bastante significativa. Apesar de os adolescentes na puberdade preferirem passar mais tempo com o grupo de pares, que dará o contexto de socialização fundamental, já que esse grupo se converte em confidente emocional, conselheiro e modelo comportamental a imitar, não se pode negar a grande importância da família para a construção da identidade. O alto índice de indicações para o conceito “Família” no questionário mostra que os adolescentes projetam essa importância.

Como o “Trabalho” e a “Formação” aparecem bem pontuados nas subcategorias e são também características importantes da Família, explicitamos um pouco mais sobre o tema. O trabalho é algo mais do que um simples meio de obtenção de bem-estar material, pois representa uma fonte importante de satisfação pessoal que organiza a identidade psicossocial, reorienta o sentido do tempo existencial e ocupa um espaço importante na hierarquia de valores socioculturais.

Durante a transição da juventude para a idade adulta, o jovem deseja construir sua identidade, comprometendo-se com uma profissão, uma família, valores e ideais próprios. Contudo, a crise econômica e a degradação das instituições públicas geram a precariedade dos empregos; a consequência é a de que o trabalho como escolha consciente e realização de si mesmo vem sendo cada vez menos uma realidade nos países ocidentais, já que a maior parte dos adolescentes não está em situação de escolher e de projetar-se em um mundo de trabalho que lhes acolha. Essa situação tem levado os jovens a um processo de individualização social, uma ação privada de construção da identidade.

O desdobramento da Questão B - Por que isso é importante? - possibilita avaliar e confirmar o que os adolescentes apresentam nas categorias citadas e que procuram buscar um sentido na vida. Indica se eles conseguem refletir sobre os valores que lhes são significativos para guiar as suas vidas. As respostas foram agrupadas em cinco categorias: por retribuição, para garantir o futuro, por satisfação pessoal, por generosidade, por interesses pessoais, igualmente com a somatória objetiva dos conceitos.

A categoria mais pontuada fala de gratidão. Segundo Comte-Sponville (1995Comte-Sponville, A. (1995). Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes.), a gratidão é uma virtude que se aproxima da caridade, mas com uma característica de alegria pela satisfação em receber, pela troca sem a perda.

Questão C: Você tem metas para o futuro? - Refere-se aos objetivos que o adolescente tem na vida. Apresenta um caráter de futuro, relacionado ao projeto de vida, ainda que de forma mais pontual. A constatação de projetos de vida pressupõe a verificação de vários elementos, por isso, sua análise (escrita) vai além da simples identificação de metas, que são, de fato, um aspecto essencial, pois direcionam os projetos de vida e dão uma perspectiva de futuro para o processo de desenvolvimento dos jovens.

As respostas a essa questão foram categorizadas com base nas análises dos pesquisadores do Stanford Center on Adolescence (Klein, 2011Klein, A. M. (2011). Projetos de vida e escola: A percepção de estudantes do ensino médio sobre a contribuição das experiências escolares aos seus projetos de vida(Tese de doutorado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-10082011-141814/. doi:10.11606/T.48.2011.tde-10082011-141814.
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), que propõem os agrupamentos de respostas a partir de seus indicadores específicos, como os valores econômicos, familiares, religiosos, pró-sociais hedonistas. Segundo essa categorização na apuração, a seguir:

A pontuação das metas econômicas é significativa. Algumas considerações são imperativas, pois o conceito de necessidade é polissêmico, fruto de diferentes enfoques disciplinares e escolas teóricas. É imprescindível desvelá-lo e esclarecer certos aspectos para abordar adequadamente o tema. Os dois modelos principais que as necessidades apresentam são: economia e sustentabilidade.

O modelo econômico - relacionado aqui com as metas econômicas do questionário - trata de não diferenciar entre necessidades, satisfações e bens, e cujo foco de atenção está fora da pessoa, despertando necessidades que chegam a ser em alguns casos até autodestrutivas, incompatíveis com a sobrevivência da espécie, pois o contexto cultural ao qual pertencem e o período de vida em que os sujeitos pesquisados se encontram, insuflam uma forte inclinação para a aquisição de bens materiais, de riqueza fácil sem esforço e de objetos da moda.

Já o modelo sustentável convida a conhecer as próprias necessidades e como satisfazê-las. Isso é considerado importante para o crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional. O primeiro modelo - econômico - envolve as necessidades existenciais: ser, ter, fazer e estar. O segundo se estabelece a partir de categorias axiológicas, como existência, proteção, afeto, entendimento, participação, criação, identidade e liberdade. Abre a noção de necessidade existencial a dimensões não materiais - não a reduz ao consumo -, distanciando-se assim da visão utilitária e redutora do modelo econômico (Elizalde, Martí, & Martínez, 2006Elizalde, A.; Martí, M.; Martínez, F. A. (2006). Una revisión crítica del debate de las necesidades humanas desde el enfoque centrado en la persona. Revista Polis, 5(15).).

O desdobramento da Questão C - O que faz para atingir as metas? - fala das metas apresentadas pelos adolescentes na Tabela 4, que produziram um desdobramento a fim de verificar as ações determinadas ou não para que essas metas sejam atingidas (Klein, 2011Klein, A. M. (2011). Projetos de vida e escola: A percepção de estudantes do ensino médio sobre a contribuição das experiências escolares aos seus projetos de vida(Tese de doutorado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-10082011-141814/. doi:10.11606/T.48.2011.tde-10082011-141814.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
).

Tabela 4
Questão C.
Tabela 5
Questão C a.

A apuração da categoria “Têm e agem” é positiva e a mais pontuada, pois conforme a teoria do ciclo vital da autodireção (Nurmi, 1991Nurmi, J. E. (1991). How do adolescents see their future? A review of the development of future orientation and planning. Development Review, 11, 1-59.), as metas pessoais dos jovens adultos refletem as tarefas de desenvolvimento e as transições próprias de sua idade. As expectativas são as metas futuras que persistem no processo de desenvolvimento da personalidade do adolescente até o final da segunda e o começo da terceira década de vida e o que se vê é que os adolescentes refletem o protótipo cultural: primeiro terminar sua educação, depois conseguir um trabalho e, em terceiro lugar, casar-se e finalmente estabelecer a base material de sua vida futura (Thiébaut, 1998Thiébaut, E. (1998). La perspective temporelle, un concept a la recherché d´une definition opérationelle. L´anne psychologique, 98(2), 101-125.).

Questão D: O que significa para você ter uma boa vida? - A concepção de boa vida possibilitou aos jovens projetarem ideais que se associam ao “ter” e ao “ser”. O “ter”, não necessariamente envolvendo questões puramente materiais, mas se referindo, no geral, às conquistas, a atingir metas ou a inserir-se socialmente de alguma forma - que associamos diretamente com a Questão C. Já os aspectos voltados ao “ser” relacionam-se à construção e definição da personalidade - que relacionamos com a Questão A.

Tabela 6
Questão D.

A categoria mais pontuada, “Inserção social”, é muito significativa, pois registra um projeto de vida com necessidades mais sofisticadas, buscando condições de vida estabilizadas. O estado de bem-estar se refere ao de quem não experimenta nenhuma sensação penosa senão o prazer, a tranquilidade e a alegria (Marina & Lopez, 1999Marina, J. A.; López, M. (1999). Diccionario de los sentimientos. Barcelona: Anagrama.). Mas o que significa estar bem psicologicamente? As teorias psicológicas sobre o bem-estar têm insistido tradicionalmente na infelicidade e no sofrimento (Ryff, 1989Ryff, C. D. (1989). Happiness is everything, or is it? Explorations on the meaning of psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology, 57(6), 1069-1081.; Ryff & Keyes, 1995Ryff, C. D.; Keyes, C. L. M. (1995). The structure of psychological well-being revisited. Journal of personality and social psychology, 69(4), 719-727.) e, como consequência, têm relacionado o bem-estar psicológico com a ausência de afeto negativo e de psicopatologias.

O bem-estar subjetivo, a satisfação na vida ou a felicidade, também se relaciona moderadamente com o afeto positivo e negativo (Emmons, 1986Emmons, R. A. (1986). Personal strivings: An approach to personality and subjective well-being. Journal of Personality and Social Psychology, 51(5), 1058-1068.), bem como com uma definição subjetiva da qualidade de vida baseada em avaliações cognitivas e afetivas, que tem em conta, portanto os padrões dos sujeitos pesquisados para determinar o que é a boa vida (Diener, 1984Diener, E. (1984). Subjetive well-being. Psychological Bulletin, 95(3), 542-575., 2000Diener, E. (2000). Subjetive well-being. The science of happiness and proposal for a national index. American Psychologist, 55(1), 34-43.).

Magen (1998Magen, Z. (1998). Exploring adolescent happiness: Commitment, purpose and fulfillment. Thousand Oaks, CA: Sage.) relembra que a felicidade não é o bem-estar geral nem a satisfação na vida, ou que consiste, ainda, da lista de emoções positivas comuns; a felicidade é quando o indivíduo está acima das necessidades e interesses usuais. Refere-se a momentos de alegria e revelação, supõe uma poderosa ativação emocional que projeta o indivíduo a um plano superior, fazendo-o sentir que a vida é maravilhosa, que o mundo é extraordinário e que há um bom sentimento em relação a si mesmo e aos demais.

Enfim, a qualidade de vida, a boa vida, é um conceito de uso muito comum, mas mal definido habitualmente. Deixou de ser considerado como uma noção sensibilizadora para se converter em um constructo social que guia as práticas profissionais e sociais, a avaliação de resultados e a melhoria contínua da qualidade.

Questão E: O que significa para você ser uma boa pessoa? - Estabelecemos uma categorização de respostas para essa questão também, no sentido de poder confirmar as projeções em relação à Questão A, que se refere ao perfil a que eles próprios se atribuem. Ou seja, para eles, uma boa pessoa está, de maneira geral, relacionada fundamentalmente a aspectos éticos e morais, pois a pontuação para essa categoria foi expressivamente maior.

Tabela 7
Questão E.

O caráter ético/moral se sobressaiu entre as outras categorias nessa questão, revelando um traço bastante positivo. É interessante observar que os jovens, quando avaliam a si próprios, ou estão implicados nas projeções, apresentam outras manifestações; quando inferem valores aos “outros”, a categoria ético/moral torna-se expressiva.

Um sistema moral está formado pelo conjunto de princípios éticos, regras morais e valores que integram o indivíduo como um todo ou a sociedade em geral. As questões morais nos cercam constantemente e, de modo sistemático, decisões são tomadas e ações são executadas envolvendo consequências ou implicações éticas.

Deve existir uma preferência volitiva em atuar moralmente, lembrando que o caráter representa o conjunto de traços permanentes que constituem as peculiaridades psicológicas de uma pessoa, sua forma de ser. Está formado pelos traços mais gerais e específicos que se expressam de maneira obrigatória em diferentes tipos de atividade e lhe imprimem a atuação de um indivíduo concreto. É a expressão mais característica do indivíduo.

Questão F: No futuro, se você olhasse para a sua vida, como gostaria de ser lembrado? - Essa questão também se relaciona à projeção de perfil que o adolescente faz, mas numa perspectiva de futuro. Os sujeitos que responderam ao questionário forneceram respostas que preencheram os quatro tipos de perfis categorizados na Questão A, exceto um - o que se refere às características físicas. Contudo, diferentemente da Questão A, os índices apuraram outros valores. Curiosamente, os aspectos éticos e morais apareceram bem pontuados nas duas tabelas, indicando que os jovens atribuem valor às questões relativas à dignidade e respeito, ainda que intuitivamente.

Tabela 8
Questão F.

CONCLUSÕES DESTE ESTUDO

Maslow (1993Maslow, A. (1993). El hombre autorrealizado: Hacia una psicología del ser. Barcelona: Paidós.) reconhece a interconexão entre o conceito de identidade e o de autorrealização quando descreve as experiências vitais de identidade. O conceito teórico de identidade foi desenvolvido por Erikson (1992Erikson, E. H. (1992). Identidad, juventud y crisis. Madrid: Taurus.), a partir de uma perspectiva psicodinâmica dos indivíduos e das culturas, como sendo a experiência subjetiva que remete à singularidade pessoal, ao sujeito único, e permite ver a pessoa como um todo. Por isso, para responder à pergunta da pesquisa, como a sensação de autorrealização pode ajudar ou não no estabelecimento de propósitos para a vida futura, a percepção do autoconceito positivo foi considerada na relação desse conceito com a consciência da autorrealização.

Como o objetivo principal da pesquisa referia-se a uma investigação sobre as possibilidades da autorrealização manifesta nos projetos de vida de adolescentes, nosso interesse em substantivar a identidade, a instância psicológica, o sistema ou estrutura que progride no processo de desenvolvimento, permitiu explicar as composições básicas como um processo gradativo no qual, em cada etapa, há uma perspectiva diferente sobre a realidade, e que resulta, como consequência, em uma sensação de identidade, de moralidade, de um conjunto de necessidades diferentes. O que constatamos com as apurações dos dois questionários foram resultados implicados nos motivos, no juízo moral, em alguns aspectos da complexidade cognitiva, na integração interpessoal e nas formas de perceber a si próprio e aos demais. Pudemos supor que, superando o período da adolescência e buscando um projeto de vida, a procura pela autorrealização, os impulsos hedonistas e egocêntricos podem decrescer e perder atratividade, porque as questões que expressam, de fato, um sentido para a vida, tendem a emergir.

Apesar das limitações de toda pesquisa, esse estudo pode coletar muitos dados que foram condensados aqui, mas que podem ser analisados a partir de alguns recortes temáticos, como a construção da identidade de adolescentes e as manifestações dos projetos de vida, ou, sobre a última questão do Questionário de Propósito que se configura na autopercepção que poderia ser discutida em si mesma ou correlacionada com o Questionário de Perfil e, ainda, as análises detalhadas de cada questão. No entanto, neste artigo ficamos com o foco na autorrealização.

Com a autorrealização se daria a intencionalidade da pessoa integrada, que pode ser plenamente responsável por sua existência no mundo, e pode escolher-se a si próprio, o que não se verificou de forma consistente nas respostas dos sujeitos como uma intenção acentuada. A intencionalidade direciona o interesse do sujeito para uma tendência interna de autorrealização que lhe dá sentido em viver, assim como se dirige ativamente à meta desejada.

Propor-se a fazer algo equivale a aplicar-lhe significado e este dá respostas à necessidade do ser humano, de ideias e convicções gerais, que traz sentido para a sua vida e lhe permite encontrar um lugar no universo, já que por trás da ausência de motivação ou do dinamismo há uma ausência de sentido da vida.

A busca pela autorrealização, enfim, condiz com a interação social mediante a empatia, com uma estrutura de caráter democrático, de autoexpressão, de valores sólidos e, principalmente, com vínculos afetivos profundos para a independência e a liberdade. Em síntese, o projeto de vida, se estiver baseado em um autoconceito adequado e revelar a autenticidade pessoal e intencionalidade, pode ser um projeto efetivamente autorrealizador, que se fundamenta em uma sólida determinação pessoal.

A necessidade de autorrealização é fundamentalmente diferente das outras, já que representa uma necessidade de evolução, de amadurecimento, no sentido de que não há redução do estado de equilíbrio prévio, mas ao contrário, há sempre um aumento significativo de automotivação, que funciona como um feedback positivo, ajudando a desenvolver as capacidades cada vez mais.

A necessidade de autorrealização pode, portanto, ser considerada como o sistema propulsor do dinamismo psíquico, a tendência intrínseca para desenvolver todas as possibilidades e tem sua função de conservar e promover o crescimento e a expansão do organismo (Giordani, 1998Giordani, B. (1998). La relación de ayuda: de Rogers a Carkhuff. Bilbao: Desclée de Brouwer.).

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  • 4
    Maslow, A. H. (1968). Toward a Psychology of Being. New York: Van Nostrand Reinhold.
  • 5
    Os limites cronológicos da adolescência são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 10 e 19 anos (adolescents) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos (youth), critério usado para fins estatísticos e políticos. No Brasil, o IBGE (2005)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv5590.pdf
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    e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, 1990Lei nº 8.069(1990). Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Presidência da República, Brasil.) consideram a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos, e, em casos excepcionais, o estatuto é aplicável até os 21 anos.
  • 6
    Dicionário on-line Aurélio. Disponível em http://www.dicionariodoaurelio.com/
  • 7
    Marcando a concepção que adotamos nesse projeto, de acordo com Piaget (1994), um valor é um investimento afetivo que nos faz agir; que nos move numa direção.
  • 8
    Todos os participantes entregaram o Termo de Consentimento e o Termo de Assentimento assinados pelos pais e/ou responsáveis.
  • 9
    Característica do que é provisório.
  • 10
    “Purpose is a key part of our own personal search for meaning, but it also has an external quality, a desire to make a difference in the world, to contribute to matters beyond our own self-interest.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2019
  • Aceito
    20 Nov 2020
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