Fatores de risco associados a hiperglicemia: estudantes de 11 a 16 anos em Paranavaí-Brasil e Cáceres-Espanha

Risk factors associated with hyperglycemia: students of 11 to 16 years in Paranavaí-Brasil and Cáceres-Spain

Resumo

Introdução

Metabolismo anormal da glicose precede o desenvolvimento da diabetes mellitus tipo 2.

Objetivo

Análise da hiperglicemia e fatores de risco associados em estudantes de Paranavaí-Brasil e Cáceres-Espanha.

Método

Estudo analítico em amostra de 804 estudantes de seis escolas em cada cidade. Analisados: sexo, idade, dependência administrativa da escola, estatura, massa, perímetro da cintura, IMC, relação cintura estatura, pressão arterial, comportamento sedentário, atividade física, colesterol, HDL e LDL, triglicerídeos e glicose.

Resultados

A prevalência foi alta para níveis de glicose em jejum (9,1% vs. 13,1%; p-valor = 0,216, espanhóis e brasileiros, respectivamente) e da maioria dos indicadores associados (p-valor < 0,05). Observou-se resultados favoráveis para as meninas espanholas (obesidade abdominal: 2,4% vs. 31,1%; comportamento sedentário: 5,3% vs. 43,4%; colesterol: 2,4% vs. 55,3%; triglicerídeos: 15,5% vs. 29,5%). Os meninos da Espanha levaram vantagem sobre os brasileiros (obesidade abdominal: 13,6% vs. 35,2%; pouco ativos: 23,5% vs. 39,0%; comportamento sedentário: 21,5% vs. 51,0%; colesterol: 3,7% vs. 41,0%), p < 0,05. Não houve associação da glicose com nenhum fator de risco.

Conclusão

Atenção deve ser dada aos jovens para evitar uma exposição precoce e prolongada a fatores de risco modificáveis que alteram os níveis de glicose.

Palavras-chave:
hiperglicemia; fatores de risco; epidemiologia

Abstract

Background

Abnormal glucose metabolism precedes the development of type 2 diabetes mellitus.

Objective

Analysis of hyperglycemia and associated risk factors was performed in students from Paranavaí-Brazil and Cáceres-Spain.

Method

Analytical study on a sample of 804 students selected in six schools in each city. Analyzed: sex, age, school administrative dependence, height, mass, waist circumference, BMI, waist height ratio, blood pressure, sedentary behavior, level of physical activity, cholesterol, HDL and LDL, triglycerides and glucose.

Results

Prevalence was high for elevated fasting glucose levels (9.1% vs. 13.1%; p-value = 0.216, in the Spanish and Brazilian groups) and most of the associated indicators (p-value ≤ 0.05). Favorable results were observed for Spanish girls (abdominal obesity: 2.4% vs. 31.1%; sedentary behavior: 5.3% vs. 43.4%; cholesterol: 2.4% vs. 55.3% triglycerides: 15.5% vs. 29.5%). Boys from Spain had an advantage over Brazilians (abdominal obesity: 13.6% vs. 35.2%; activity level: 23.5% vs. 39.0%; sedentary behavior: 21.5% vs. 51.0%; cholesterol: 3.7% vs. 41.0%), p ≤ 0.05. There was no association of glucose with any risk factor.

Conclusion

Special attention should be given to youths to prevent early and prolonged exposure to modifiable risk factors that may alter glucose levels.

Keywords:
hyperglycemia; risk factors; epidemiology

INTRODUÇÃO

Fatores de risco (FR) cardiovascular como obesidade total e visceral, dislipidemias, hipertensão arterial, hiperglicemia e hiperinsulinemia têm sido considerados determinantes para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, pois estão associados a alterações metabólicas¹. As doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de morte, acompanhada de um aumento expressivo da mortalidade por diabetes e ascensão de algumas neoplasias malignas².

Entre doenças importantes, pode-se destacar a síndrome metabólica, representada por um conjunto de FR cardiovascular, usualmente relacionada à resistência insulínica³ que, segundo a International Diabetes Federation⁴, agrega, além da obesidade abdominal, outros dois dos seguintes componentes: hipertrigliceridemia, baixo colesterol de alta densidade (HDL-c), pressão arterial alta e glicemia de jejum elevada. Essas doenças não são exclusividade dos países desenvolvidos, pois seu aumento tem se dado de forma sistemática em países em desenvolvimento, e cada vez mais cedo.

A Síndrome Metabólica é responsável por 7% da mortalidade global e por 17% das mortes associadas a doenças cardiovasculares, apresentando uma prevalência mundial de 25%⁵. Taxas de prevalência de Síndrome Metabólica (SM) em adolescentes são reportadas na literatura, variando entre 2,5% e 22,2%^6,7.

Os FR para doenças crônicas exigem que o indivíduo modifique seu estilo de vida, adaptando-se às limitações, frustrações e perdas. Entre crianças e adolescentes essas mudanças são intensificadas, pois o esperado é que vivam situações de saúde para crescer e se desenvolver dentro dos limites da normalidade⁸.

Neste sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento da glicose elevada em jejum e FR associados em estudantes de 11 a 16 anos, em contextos diferenciados, ou seja, em cidades de pequeno porte, longe de grandes centros populacionais da Espanha e do Brasil.

MÉTODOS

Estudo realizado de corte transversal e observacional⁹, com amostra composta por estudantes de ambos os sexos, de escolas selecionadas de acordo com a sua dependência administrativa (particular/pública) e localização, na faixa etária de 11 até 16 anos, em Cáceres em Extremadura (Espanha) e em Paranavaí no Paraná (Brasil).

A pesquisa foi autorizada no Brasil pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, nº 353.552, e na Espanha pela Comisión de Bioética y Bioseguridad de La Universidad de Extremadura, nº 52/2015.

A amostra foi estratificada de 804 estudantes selecionados por amostragem aleatória simples em seis escolas públicas e privadas em cada cidade, em etapas: 1) sorteio de uma escola por região da cidade; 2) sorteio das turmas em cada escola; 3) convite a todos os escolares das turmas sorteadas e explicações sobre a pesquisa; 4) entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pais ou responsáveis pelo menor de idade.

Em Paranavaí no Brasil (G-BRA), os dados foram coletados entre julho e agosto de 2013, em escolas do 6º ano do ensino fundamental ao 1º ano do ensino médio. Em Cáceres na Espanha (G-ESP), a coleta foi realizada entre maio e setembro de 2015, em estudantes do 1º ao 3º ano do ensino secundário obrigatório.

Foram analisados: sexo (autorrelato), idade em anos (11-13 e 14-16), dependência administrativa (DA) da escola (pública ou particular), estatura (indivíduo em pé com uma precisão da leitura de 0,01m; estadiômetro de alumínio acoplado à balança), massa corporal (em kg: com precisão de 100 g.; balança mecânica da marca Filizola: capacidade máxima: 150 kg). O perímetro da cintura (PC) foi determinado como sendo a mínima circunferência, em centímetros, entre a crista ilíaca e a última costela. Para tanto, foi utilizada uma fita inextensível graduada em milímetros. Os pontos de corte adotados para caracterizar a obesidade abdominal foram preconizados por Taylor et al.¹⁰. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado considerando-se a razão entre a massa corporal em quilogramas e o quadrado da estatura em metros (kg/m2), de acordo com os pontos de corte ajustados para idade e sexo [excesso de peso (sobrepeso e obesidade) ou peso normal]¹¹. A razão cintura estatura (RCEst) incorpora o PC como medida de obesidade abdominal, e é ajustada para a estatura do estudante por meio da divisão por sua estatura¹².

Níveis de pressão arterial (PA) em repouso foram aferidos mediante duas medidas, o valor médio de ambas foi considerado para efeito de análise (PA elevada ≥ percentil 90)¹³, obtida no braço direito de cada indivíduo após cinco minutos de repouso e com os estudantes sentados¹⁴, foi utilizado um aparelho oscilométrico eletrônico e digital com inflação e deflação automática do ar da marca OMRON, modelo HEM-742

O nível de atividade física (NAF) foi avaliado por intermédio do International Physical Activity Questionnaire – Short Form (IPAQ-SF) modificado para adolescentes e adaptados para a versão em português (Brasil) e espanhol (Espanha)¹⁵, tendo como referência a última semana (pouco ativo < 300 min./sem.)¹⁶. O comportamento sedentário (CS) foi mensurado por questionário de estilo de vida, em que foi registrado o tempo utilizado em cada tipo de comportamento sedentário (televisão, computador e jogos eletrônicos), em dias de semana e nos fins de semana, considerando ≥2h/dia excessivo. Utilizamos a definição da Sedentary Behavior Research Network, que definiu o CS como “qualquer tipo de comportamento caracterizado por um gasto de energia ≤ 1,5 mets (equivalentes metabólicos) nas posições sentado, reclinado ou deitado”¹⁷, ambos os questionários foram aplicados diretamente com os estudantes no horário de aula de Educação Física, com a presença do professor da turma.

Os níveis séricos de glicose em jejum (GLI), colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos (TGL) foram mensurados pelo método enzimático-calorimétrico, com kit Gold Analisa. Para as análises bioquímicas foram coletadas amostras de 10 ml de sangue venoso na veia anticubital, após período em jejum de, no mínimo, 10 horas, para ambos os laboratórios. Os estudantes brasileiros realizaram os testes no Laboratório de Inflamação da Universidade Estadual de Maringá, os estudantes da Espanha em laboratórios privados em Cáceres. Foram considerados como FRs os níveis de GLI ≥ 100 mg/dL, CT ≥ 200 mg/dL; HDL < 40 mg/dL; LDL≥ 130 mg/dL e TGL ≥ 150 mg/dL¹⁸.

Os dados coletados foram tratados por meio do pacote computadorizado Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 26.0. Para análise das variáveis numéricas recorreu-se aos procedimentos da estatística descritiva (frequência absoluta e relativa) e, posteriormente, para identificação de eventuais diferenças entre os sexos, ao teste “t” de Student (comparação de médias) e teste de Mann-Whitney (mediana) para variáveis com distribuições paramétricas e não paramétricas, respectivamente, segundo resultados do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis categóricas (proporção de frequência de acordo com os pontos de corte considerados) foram analisadas usando tabelas cruzadas, envolvendo testes de qui-quadrado (X²)¹⁹.

A correlação de Spearman foi utilizada para medir o grau pelo qual duas variáveis tendem a mudar juntas e descrever a força e a direção da relação. Estimativas de Odds Ratio (OR), com intervalo de confiança (IC) de 95%, foram realizadas para analisar as associações entre os diferentes FRs. A Razão de Prevalência (RP) com intervalo de confiança de 95%, usando a regressão de Poisson, foi aplicada para quantificar a associação bruta e ajustada entre o desfecho e as variáveis independentes, recomendada para desfechos de elevada prevalência²⁰. Um valor de p ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente significativo para todas as análises.

Nas duas cidades, foram realizados treinamentos com os investigadores, para padronização dos procedimentos, além de ter sido realizados testes piloto em turmas que não fizeram parte da amostragem final.

RESULTADOS

Foram selecionados para este estudo os estudantes que realizaram todos os testes, fizeram os exames de laboratório e responderam ao questionário, no G-ESP (n=330) e no G-BRA (n=474), sendo a maioria meninas (50,9% vs. 55,7%, para espanhóis e brasileiros, respectivamente). As escolas do G-ESP eram, na maioria, públicas (83,0%); no G-BRA, a maioria era particular (54,0%). A maioria dos estudantes do G-ESP tinha entre 14 e 16 anos (70,3%), enquanto no G-BRA a maioria tinha entre 11 e 13 anos (69,6%).

A prevalência de GLI elevada na presente investigação foi de 9,1% no G-ESP e 13,1% no G-BRA (p=0,216). Quando analisados segundo o sexo, os estudantes apresentaram altas proporções de GLI elevada entre meninas (10,7% vs. 9,8%; p= 0,837) e entre meninos (7,4% vs. 17,1%; p= 0,050), para G-ESP e G-BRA, respectivamente, embora não significativas estatisticamente.

Ao analisar as variáveis antropométricas e a pressão arterial, segundo o sexo, observou-se, entre as meninas, alguns valores melhores para o G-ESP, a exemplo das proporções de obesidade abdominal, segundo o PC, (2,4% vs. 31,1%; p<0,001) e CS presente (5,3% vs. 43,4%; p<0,001). Prevalências consideradas elevadas para a faixa etária, sem diferença estatística significativa entre os grupos, foram encontradas relacionadas ao sobrepeso e à obesidade segundo o IMC (20,2% vs. 25,0%; p=0,419), em pouco ativas (36,9% vs. 43,2%; p=0,360), e com pressão arterial elevada (22,6% vs. 33,3%; p=0,091), para espanholas e brasileiras, respectivamente (Figura 1).

Figura 1
Caracterização da amostra para as variáveis antropométricas, comportamentais e pressão arterial, G-ESP (2015) e G-BRA (2013). Sp: sobrepeso para o índice de massa corporal. PC: perímetro da cintura; NAF: nível de atividade física; CS: comportamento sedentário; PA: pressão arterial; X²: Teste Qui-quadrado. *p≤0,05

Segundo análise dos resultados bioquímicos, as meninas apresentaram, com diferenças estatisticamente significativas, CT elevado (2,4% vs. 55,3%; p<0,001), TGL elevada (15,5% vs. 29,5%; p=0,018) e, sem diferenças significativas, baixo nível de HDL (7,1% vs. 5,3%; p=0,579), alto nível de LDL (1,2% vs. 4,5%; p=0,175) para espanholas e brasileiras, respectivamente (Figura 1).

Os meninos do G-ESP, a exemplo das meninas, levaram vantagem sobre os brasileiros nas proporções de obesidade abdominal, segundo o PC, (13,6% vs. 35,2%; p<0,001), nível insuficiente de atividade física (23,5% vs. 39,0%; p=0,024), e CS (21,5% vs. 51,0%; p<0,001). Além disso, os grupos apresentaram proporções elevadas de obesidade geral, segundo o IMC (29,6% vs. 22,9%; p=0,295), de pressão arterial elevada (29,6% vs. 27,6%; p=0,763), para espanhóis e brasileiros, respectivamente, embora sem diferenças significativas (Figura 2).

Figura 2
Caracterização da amostra para as variáveis bioquímicas, G-ESP (2015) e G-BRA (2013). CT: colesterol total; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; TGL: Triglicerídeos; GLI: glicose em jejum; Sp: sobrepeso; X²: Teste Qui-quadrado. *p≤0,05

Outros importantes resultados, com prevalências consideradas elevadas para a faixa etária, foram as frequências de meninos espanhóis e brasileiros, respectivamente, com CT elevado (3,7% vs. 41,0%; p<0,001) com significância estatística, além de nível baixo de HDL (6,2% vs. 15,2%; p=0,053), nível alto de LDL (1,2% vs. 5,7%; p=0,111), nível de TGL elevado (16,0% vs. 19,0%; p=0,596) sem diferenças estatísticas (Figura 2).

Não foi possível observar a presença de correlação dos níveis circulantes de GLI com nenhum dos indicadores nos G-ESP e G-BRA (Tabela 1).

Tabela 1
Correlação entre glicose em jejum e sexo, idade, DA, NAF e CS, em estudantes de 11 a 16 anos de idade, G-ESP (2015) e G-BRA (2013)

	Glicose em jejum
	G-ESP (n=330)		G-BRA (n=474)
	Rho	p-valor	Rho	p-valor
Sexo	0,058	0,463	-0,107	0,099
Idade	-0,067	0,392	0,039	0,555
DA	0,143	0,067	0,094	0,149
NAF	-0,025	0,750	-0,072	0,272
CS	0,016	0,841	-0,026	0,689

• DA: dependência administrativa da escola; NAF: nível de atividade física; CS: comportamento sedentário; Rho: teste de correlação de Spearman

Não foi observada nenhuma associação, estatisticamente significativa, entre os níveis de GLI (odds ratio) e indicadores associados. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Fatores de risco associados a glicose em jejum alterada, em estudantes de 11 a 16 anos de idade, G-ESP (2015) e G-BRA (2013)

	Glicose em jejum
	G-ESP (n=330)			G-BRA (n=474)
	OR	IC 95%	p-valor	OR	IC 95%	p-valor
Sexo	0,667	(0,226-1,966)	0,462	1,894	(0,881-4,070)	0,102
Idade (11-13 e 14-16 anos)	1,769	(0,476-6,569)	0,394	0,772	(0,328-1,818)	0,553
DA (escola)	0,891	(0,840-1,944)	0,998	1,750	(0,815-3,759)	0,151
PC (cm)	1,944	(0,388-9,729)	0,418	0,676	(0,288-1,588)	0,369
NAF (< 300 min/sem)	0,822	(0,249-2,718)	0,748	0,639	(0,286-1,424)	0,273
CS (>=2h/dia)	0,850	(0,175-4,134)	0,840	1,172	(0,541-2,540)	0,688
PA (>= percentil 90)	0,966	(0,291-3,212)	0,955	1,616	(0,663-3,941)	0,291
CT (>= 200 mg/dL)	1,103	(0,050-1,160)	0,999	1,779	(0,822-3,853)	0,144
HDL (< 40 mg/dL)	1,000	(0,119-8,396)	1,000	0,686	(0,217-2,169)	0,521
LDL (>= 130 mg/dL)	1,101	(0,049-1,157)	0,999	1,352	(0,282-6,481)	0,706
TGL (>= 150 mg/dL)	0,724	(0,190-2,769)	0,637	2,887	(0,561-3,710)	0,446

• DA: dependência administrativa da escola; PC: perímetro da cintura; NAF: nível de atividade física; CS: comportamento sedentário; PA: pressão arterial; CT: colesterol total; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; CT: colesterol total; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança

Um teste mais robusto foi realizado para confirmar a ausência ou presença de associações entre os níveis séricos de GLI e FR associados. O G-ESP, na análise bruta, apresentou associação entre GLI elevada e IMC, sendo que estudantes com sobrepeso e obesidade foram que mais apresentaram o desfecho (RP=2,016, IC95%: 0,764-5,323) (Tabela 3). Por outro lado, no G-BRA, a análise bruta apresentou associação da maior prevalência de GLI elevada com sexo e dependência administrativa da escola, sendo que as meninas e os estudantes de escolas públicas foram os que mais apresentaram o desfecho (RP variando de 0,57 a 1,63) (Tabela 4).

Tabela 3
Razão de prevalência (RP) de glicose em jejum para indicadores demográficos, biológicos e comportamentais, em estudantes de 11 a 16 anos de idade, G-ESP (2015)

Glicose em jejum G-ESP				Análise Bruta		Análise Ajustada
		F	%	RP (IC 95%)	Wald	RP (IC 95%)	Wald
Sexo					0,464
	Meninas	168	50,9	1,446 (0,539-3,881)
	Meninos	162	49,1	1
Faixa etária					0,400
	14-16 anos	98	29,7	0,592 (0,175-2,005)
	11-13 anos	232	70,3	1
DA					0,899
	Pública	274	83,0	0,350 (0,142-0,485)
	Particular	56	17,0	1
IMC					0,157		0,157
	Sb/obesidade	82	24,8	2,016 (0,764-5,323)		2,016 (0,764-5,323)
	Normal	248	75,2	1		1
PC					0,452
	Alterado	64	19,4	1,511 (0,515-4,439)
	Normal	266	80,6	1
RCEst					0,334
	Alterado	24	7,3	1,962 (0,500-7,703)
	Normal	306	92,7	1
NAF					0,749
	Pouco ativo	100	30,3	0,836 (0,280-2,500)
	Ativo	230	69,7	1
CS					0,839
	Sedentário	42	13,5	1,160 (0,276-4,871)
	Normal	268	86,5	1

• DA: dependência administrativa da escola; IMC: índice de massa corporal; PC: perímetro da cintura; RCEst: razão estatura cintura; NAF: nível de atividade física; CS: comportamento sedentário; f: frequência; RP: razão de prevalência; IC: intervalo de confiança

Tabela 4
Razão de prevalência (RP) de glicose em jejum para indicadores demográficos, biológicos e comportamentais, em estudantes de 11 a 16 anos de idade, G-BRA (2013)

Glicose em jejum G-BRA				Análise Bruta		Análise Ajustada
		F	%	RP (IC 95%)	Wald	RP (IC 95%)	Wald
Sexo					0,103		0,075
	Meninas	264	55,7	0,574 (0,295-1,118)		0,553 (0,288-1,061)
	Meninos	210	44,3	1		1
Faixa etária					0,556
	14-16 anos	330	69,6	1,255 (0,589-2,670)
	11-13 anos	144	30,4	1
DA					0,153		0,111
	Pública	218	46,0	1,626 (0,835-3,165)		1,698 (0,885-3,259)
	Particular	256	54,0	1		1
IMC					0,483
	Sb/obesidade	114	24,1	1,292 (0,631-2,644)
	Normal	360	75,9	1
PC					0,407
	Alterado	70	14,8	0,618 (0,199-1,924)
	Normal	404	85,1	1
RCEst					0,484
	Alterado	116	24,5	,741 (0,320-1,716)
	Normal	358	75,5	1
NAF					0,277
	Pouco ativo	196	41,4	0,675 (0,333-1,370)
	Ativo	278	58,6
CS					0,688
	Sedentário	216	46,8	0,871 (0,444-1,709)
	Normal	246	53,2	1

• DA: dependência administrativa da escola; IMC: índice de massa corporal; PC: perímetro da cintura; RCEst: razão estatura cintura; NAF: nível de atividade física; CS: comportamento sedentário; f: frequência; RP: razão de prevalência; IC: intervalo de confiança

As variáveis de exposição associadas à alta prevalência de GLI elevada foram excluídas nos dois grupos, na análise ajustada, indicando a ausência de modelos válidos para este desfecho. As associações da alta prevalência de GLI elevada (razão de prevalência) e FR associados são apresentadas nas Tabelas 3 e 4.

DISCUSSÃO

A prevalência de GLI sanguínea circulante foi elevada nos dois grupos, sendo o terceiro FR mais prevalente no G-ESP e o quarto mais prevalente no G-BRA. As proporções desta doença não foram diferentes, segundo valores estatísticos. Essa é uma importante constatação, haja vista que a alta concentração circulante de GLI, sua interação com a insulina, e a associação com diabetes tipo 2, por exemplo, favorece a perda de qualidade de vida e aumenta os custos econômicos tanto individuais quanto coletivos relativos à saúde pública em cada uma das cidades investigadas.

Proporções encontradas, nesta investigação, de GLI elevada foram altas, com (7,4% e 17,1%, segundo o sexo) prevalência maior do que a de 0,5% encontrada em investigação no Brasil²¹ e próxima aos 7,0% de pesquisa realizada em Cuba²². Fatores de risco cardiovascular, como a elevação dos níveis séricos de glicose em jejum, podem contribuir com desenvolvimento não apenas da mortalidade, mas também da morbidade, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.

Não foi encontrado nenhum tipo de associação significativa entre GLI e os demais indicadores e, não diferiram estatisticamente entre os G-ESP e G-BRA. A associação entre os níveis de glicose em jejum e outros indicadores podem ser multifatoriais. Os indicadores de glicose em estudos transversais, podem ser afetados por alimentação, sono, estilo de vida, hábitos e outras variáveis que podem não ter sido contempladas na avaliação. Em estudos longitudinais e transversais, há controvérsias sobre a associação dos indicadores de risco²³. No entanto a alta prevalência de GLI encontrada é uma informação importante, na medida em que, quando se constata a presença de FR na infância, ela tende a persistir na adolescência e na idade adulta²⁴, e está associada ao aumento da taxa de eventos cardiovasculares em adultos²⁵.

Foi possível destacar que os estudantes brasileiros, em relação aos espanhóis, apresentaram maiores proporções de obesidade abdominal (G-ESP: de 2,4% a 13,6%; G-BRA: de 31,1% a 35,2%). Em outras investigações realizadas no Brasil (8,6%)²¹ (8,9%)²⁶ e (17,5%)²⁷, os resultados foram próximos aos encontrados entre os estudantes espanhóis e menores do que os encontrados entre os brasileiros. Os hábitos de vida são importantes fatores de risco modificáveis que podem efetivamente contribuir para a redução da obesidade desde tenra idade.

A presença de CS no G-ESP foi menor do que a encontrada no G-BRA, especialmente entre as meninas (G-ESP: 5,3%-33,5%; G-BRA: 39,0%-43,2%), Os resultados demonstraram alta prevalência de CS nos dois grupos, sendo maior no fim de semana. De acordo com estudo realizado em sete países europeus, os resultados foram semelhantes, demonstrando que adolescentes europeus não cumprem as recomendações da AAP, (≥2h/dia), especialmente no final de semana²⁸. Outra pesquisa apresentou prevalência geral de CS: 69,2% em dias de semana e 79,6% nos fins de semana²⁹. O CS também tendo sido relacionado a reduções na expectativa de vida.

O CT foi encontrado em níveis indesejados principalmente entre os brasileiros (Meninas: 41,0%; Meninos: 55,3%). Resultados de outra investigação realizada no Nordeste brasileiro corroboram com este estudo por apresentar uma quantidade maior de meninas com alterações no CT³⁰.

Outro componente bioquímico relevante encontrado com alterações nos níveis séricos foi o TGL, com proporções próximas aos 16% entre os estudantes espanhóis e variando entre 19% e 30% entre os brasileiros. Outro estudo apresentou TGL elevado 20,9%²¹, proporção elevada como a desta investigação. Entre os mais jovens, toda alteração dos componentes da síndrome metabólica é preocupante, pois pode persistir na vida adulta.

Apenas 20% dos sujeitos com sobrepeso e obesidade corporal na infância e na adolescência tendem a reduzir e manter seu peso corporal em limites esperados quando adultos²⁴. Alterações metabólicas estão relacionadas ao IMC elevado entre os mais jovens, incluindo elevação da PA, alterações no perfil lipídico e aumento da resistência à insulina (RI)²⁵. Assim, a alta prevalência de sobrepeso e obesidade observada nesta investigação pode explicar, em parte, as proporções de FR entre estudantes espanhóis e brasileiros.

Um estudo realizado por Pierlot et al.³¹ analisou 23 pesquisas de doze países americanos, e constatou que a hiperglicemia e a hipertensão foram os componentes da SM menos prevalentes entre jovens de 4 a 19 anos de idade. Além disso, obesidade e dislipidemia foram as mais prevalentes. Esses resultados são semelhantes aos encontrados em nossa investigação, sinalizando para a importância dos valores elevados de glicose no sangue, mesmo que não seja o mais prevalente.

Sabendo-se que os maiores FRs cardiovasculares encontrados nos estudos entre adolescentes são FRs modificáveis, pode-se sugerir a urgente implementação de políticas públicas que visem à adoção de medidas preventivas e de controle dos FRs, como a hiperglicemia, com ênfase nos hábitos alimentares e no nível de atividade física.

A análise adequada da prevalência desses fatores tanto entre espanhóis quanto entre brasileiros, com diversas abordagens, torna-se relevante para a obtenção de novos dados. Com isso, é possível inovar e reelaborar as diretrizes desses países, visando compreender e resolver da melhor forma os fatores presentes em cada uma destas populações. Nesse contexto, Christofaro et al.³² esclarecem que, quanto maior o incentivo de atividade física em idades mais jovens, melhor serão os resultados para combater a alta prevalência dos diferentes FRs.

Os estudantes do G-BRA eram um pouco mais jovens e de escolas particulares. Em tese, deveriam apresentar resultados melhores que seus pares espanhóis, na maioria mais velhos e de escolas públicas. Outro estudo, realizado em adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos³³, reflete sobre o fato de que países com melhor índice de desenvolvimento humano, apresentarão dados mais saudáveis em relação aos indicadores de fatores de risco cardiovascular, com exceção dos EUA. Esse achado é considerado relativo ao tipo de ambiente em que a criança vive e ao qual está exposta, em permanecer mais em casa, devido à violência, ao aumento do tempo de tela e de comportamento alimentar inadequado.

A concepção transversal da pesquisa não fornece evidências para causas. Apenas a presença ou ausência de associações, no entanto, apontaram para a existência de diferenças pontuais e cruciais, especialmente no tocante aos FR, mesmo sendo a amostra composta por estudantes considerados saudáveis para atingir pontos de corte que indicariam a prevalência elevada ou não de FR segundo diferentes organismos internacionais de saúde. Apesar dos achados, este estudo não é livre de limitações.

CONCLUSÕES

Os estudantes espanhóis e brasileiros apresentaram níveis inadequados dos principais fatores de risco associados à glicemia em jejum. Os brasileiros, embora fossem mais novos que seus pares espanhóis, apresentaram prevalências maiores desses fatores, consequentemente, estão mais vulneráveis, por exemplo, para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Esses são resultados relevantes em realidades e contextos diferentes. Programas educativos regulares e permanentes devem ser desenvolvidos em cada um desses países para evitar uma exposição precoce e prolongada a fatores de risco modificáveis. Nesse sentido, seria possível aproveitar a oportunidade de reeducação enquanto os estudantes são jovens e estão receptivos a adotar um estilo de vida com práticas saudáveis.

• Como citar: Ferreira-Lima W, Lima SBS, Lima FEB, Lima FB, Fernandes CAM, Fuentes JP. Fatores de risco associados a hiperglicemia: estudantes de 11 a 16 anos em Paranavaí-Brasil e Cáceres-Espanha. Cad Saúde Colet, 2022; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202230010303
• Trabalho realizado na Universidad de Extremadura (UEx) – Cáceres (CA), Espanha
• Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES) - Brasil - bolsas de estudos de Doutorado Pleno - Ciência sem Fronteiras. Processos BEX 13 482-13-0 e BEX 13374-13-3.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Abr 2022
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2022

Histórico

• Recebido
  24 Jul 2019
• Aceito
  07 Set 2020