Resumos
O objetivo do presente artigo consiste em apresentar um modelo reducionista e o modelo multinível com relação à explicação etiológica dos transtornos mentais, a partir do exemplar da esquizofrenia, considerando-se os alcances e limites destes modelos. Ao final do artigo, são extraídas algumas implicações ético-políticas para a psiquiatria.
Modelo multinível; reducionismo científico; esquizofrenia; fatores de risco genéticos e ambientais; implicações ético-políticas
The aim of this paper is to present a reductionist model and the multilevel model for the etiological explanation of mental disorders, based on the example of schizophrenia and by taking into account the scope and limits of those models. To conclude, some ethical and political implications for psychiatry are singled out.
Multilevel model; scientific reductionism; schizophrenia; genetic and environmental risk factors; ethical and political implications
Le but de cet article est de présenter un modèle réductionniste et le modèle à multi-niveaux pour l’explication étiologique des troubles mentaux, illustrés par l’exemple de la schizophrénie et en tenant compte de la portée et des restrictions que ces modèles présentent. Quelques implications éthiques et politiques pour la psychiatrie en sont extraites en guise de conclusion.
Modèle à multi-niveaux; réductionnisme scientifique; schizophrénie; facteurs de risque génétiques et environnementaux; implications éthiques et politiques
El propósito de este artículo consiste en presentar el modelo reduccionista y el modelo multinivel con respecto a la explicación etiológica de los trastornos mentales desde el ejemplo de la esquizofrenia, teniendo en cuenta los alcances y los límites de estos modelos. Al final del artículo, se extraen algunas implicaciones éticas y políticas para la psiquiatría
Modelo multinivel; reduccionismo científico; esquizofrenia; factores de riesgo genéticos y ambientales; implicaciones éticas y políticas
Dieser Artikel beschreibt ein reduktionistisches Modell und das Mehrebenenmodell für die ätiologische Erklärung psychischer Störungen und benutzt als Beispiel die Schizophrenie, unter Berücksichtigung der Anwendungsbereiche und Begrenzungen dieser Modelle. Abschließend werden ethische und politische Schlussfolgerungen für die Psychiatrie erläutert.
Mehrebenenmodell; wissenschaftlicher Reduktionismus; Schizophrenie; genetische und umweltbedingte Risikofaktoren; ethische und politische Implikationen
本文章的目的是提供一个还原模式和多层次的模型解释精神障碍的病因,尤其精神分裂症,并考虑其范围和界限。在文章结束时提取精神病学一些伦理和政治影响。
多模式; 科学的还原; 精神分裂症; 遗传和环境的危险因素; 伦理和 政治影响
Introdução
O objetivo do presente artigo consiste em apresentar um modelo reducionista e o modelo multinível com relação à explicação etiológica dos transtornos mentais, a partir do exemplar1 1 No exemplar, busca-se enfocar as características comuns aos vários casos da mesma espécie, que possuem certas regularidades e a consequente generalização dos achados em casos particulares para outros casos da mesma espécie (Murphy, 2008). da esquizofrenia, levando em consideração os alcances e limites desses modelos. Busca-se também extrair algumas implicações ético-políticas para a psiquiatria, tanto com relação à definição e descrição dos transtornos mentais quanto com relação ao âmbito da clínica.
A escolha da esquizofrenia como exemplar justifica-se pelo fato de: ser uma das categorias mais estáveis do campo da psiquiatria, cujas definições sofreram pouquíssimas alterações ao longo de mais de um século; ser uma condição extremamente incapacitante, seja no âmbito da vida interpessoal seja no âmbito acadêmico/laborativo; se tratar de uma condição com um peso genético significativo em sua gênese, girando em torno de 80% (taxa de herdabilidade) — variação fenotípica que pode ser atribuída ao genótipo — (Need et al., 2009Need, A.C. et al. (2009). A Genome-Wide Investigation of SNPs and CNVs in Schizophrenia. PLoS Genet. 5(2).; Gejman et al., 2010Gejman, P.V. et al. (2010). The Role of Genetics in The Etiology of Schizophrenia. Psychiatr.Clin.NorthAm., 33(1), 35-66.). Além disto, o surgimento da categoria, inicialmente denominada Dementia Praecox por Emil Kraepelin, e posteriormente esquizofrenia por Eugen Bleuler, em 1908 (Bleuler, 1911/1950Bleuler, E. (1950). Demencia Precoz. El grupo de las esquizofrenias. Buenos Aires: Hormé. (Trabalho original publicado em 1911).), se confunde com o próprio surgimento da psiquiatria. Todos esses aspectos mencionados fazem com que a esquizofrenia seja uma das categorias de maior validade no campo psiquiátrico. Portanto, considera-se este um exemplar com significativo potencial de generalização para as demais categorias nosológicas psiquiátricas.
O modelo reducionista utilizado é aquele de um reducionismo científico, tanto do ponto de vista ontológico, segundo o qual tudo o que existe é físico, quanto do ponto de vista epistemológico, segundo o qual todas as descrições e teorias situadas em um nível mais alto podem ser reduzidas a descrições e teorias situadas em um nível mais baixo (Thornton, 2004Thornton, T. (2004). Reductionism/Antireductionism. In J. Radden (Ed.), ThePhilosophyofPsychiatry (pp. 191-204). Oxford: Oxford University Press.; 2015). Os níveis mais básicos tendem a ser considerados os níveis mais fundamentais. Trata-se de um modelo relacionado não apenas com um tipo de causalidade determinista, mas também com uma causalidade complexa, voltada para a explicação de sistemas complexos, na qual múltiplas variáveis interagem entre si produzindo um determinado resultado. Segundo Varela, Thompson e Rosch (1993), sistemas complexos são constituídos por múltiplos componentes ou subunidades densamente conectados, situados em um nível mais baixo, que dão origem a propriedades emergentes globais, situadas em um nível mais alto. O modelo multinível, por outro lado, surge no campo da chamada filosofia da psiquiatria, a partir de diversos pesquisadores, em sua maioria filósofos e psiquiatras (Mitchell, 2008Mitchell, S.D. (2008). Explaining Complex Behavior. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 19-38). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Woodward, 2008Woodward, J.F. (2008). Cause and Explanation in Psychiatry: An Interventionist Perspective. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 132-184). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Kendler, 2008Kendler, K. (2008). Introduction. Why does Psychiatry need Philosophy? In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry. Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 1-16). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Murphy, 2008Murphy, D. (2008). Levels of Explanation in Psychiatry. InK.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 104-131). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Schaffner, 2008Schaffner, K. (2008). Etiological Models in Psychiatry: reductive and nonreductive approaches. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 48-98). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), lidando com a explicação causal de sistemas complexos, sem que haja, entretanto, um nível fundamental de explicação. No campo da psiquiatria, o nível mais baixo ou micronível corresponde ao nível biológico, genético, molecular, e o nível mais alto ao nível mental, fenomenológico, social, cultural.
A esquizofrenia, assim como quase a totalidade dos transtornos mentais, pode ser considerada uma espécie de sistema biológico complexo. Sandra Mitchell (2008)Mitchell, S.D. (2008). Explaining Complex Behavior. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 19-38). Baltimore: The Johns Hopkins University Press. distingue três tipos diferentes de sistemas complexos: sistemas agregativos, sistemas componentes e sistemas integrativos. Segundo a autora, nos sistemas agregativos, o funcionamento de todo o sistema depende única e exclusivamente do funcionamento de suas partes constituintes. Desse modo, basta que se conheçam os componentes do sistema e seus comportamentos individuais de forma isolada para que se compreenda o sistema como um todo. Nesse caso, estratégias reducionistas de explicação são preferíveis. Dunas de areia são um bom exemplo. Nos sistemas biológicos complexos componentes, não apenas o funcionamento das partes constituintes do sistema influenciam o funcionamento de todo o sistema como também o modo como as partes constituintes estão organizadas, por exemplo, em um canal ou rede. Estratégias parcialmente reducionistas são preferíveis. Por último, nos sistemas biológicos complexos integrativos, tanto o funcionamento das partes constituintes exercem influência sobre o funcionamento de todo o sistema quanto o funcionamento do sistema como um todo exerce influência sobre suas partes constituintes. Nessa situação, estratégias não reducionistas são preferíveis. Nas estratégias explicativas reducionistas, utilizam-se explicações bottom-up, enquanto nas estratégias não reducionistas empregam-se tanto explicações bottom-up quanto explicações top-down2 2 Explicações bottom-up se referem a explicações “de baixo para cima” em sistemas complexos, ou seja, na causalidade que o micronível exerce sobre o macronível que, no caso da psiquiatria, pode ser traduzido pela causalidade do nível biológico/genético sobre o nível mental, fenomenológico e/ou cultural. Por outro lado, explicações top-down se referem a uma causalidade de “cima para baixo”, ou seja, do macro para o micronível. Nos sistemas integrativos, portanto, há um tipo de causalidade bidirecional, em via de mão dupla. (Mitchell, 2008Mitchell, S.D. (2008). Explaining Complex Behavior. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 19-38). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.).
Inicialmente, serão descritos o modelo reducionista e o modelo multinível no âmbito da explicação etiológica da esquizofrenia, compreendida em termos de um tipo de causalidade probabilística, considerando-se os estudos acerca dos fatores de risco genéticos e ambientais do transtorno. Posteriormente, nas considerações finais, serão mostrados alguns dos alcances e limites de ambos os modelos e extraídas algumas implicações para a psiquiatria, a partir de afinidades teórico-clínicas do modelo reducionista e do modelo multinível.
Modelo reducionista
O modelo reducionista adotado é o do reducionismo científico, como dito anteriormente, que pode ser ontológico, segundo o qual tudo o que há na natureza é físico e deve, portanto, ser descrito pela linguagem da física, ou pode ser epistemológico, segundo o qual teorias e descrições situadas em um nível mais alto devem ser decompostas e reduzidas a teorias e descrições situadas em um nível mais baixo. Isto corresponde ao Projeto de unificação das ciências, no qual abordagens das ciências humanas e sociais, como a psicologia e a sociologia, devem ser reduzidas, em última instância, a abordagens das ciências ditas hards, como a biologia, a química e a física (Thornton, 2004Thornton, T. (2004). Reductionism/Antireductionism. In J. Radden (Ed.), ThePhilosophyofPsychiatry (pp. 191-204). Oxford: Oxford University Press.; 2015Thornton, T. (2015). Scientific Reductionism. In R.L. Cautin, & S.O. Lilienfeld (Eds.), The Encyclopedia of Clinical Psychology. New York: John Wiley & Sons, Inc. DOI: 10.1002/9781118625392. wbecp246.
https://doi.org/10.1002/9781118625392...
). Esta última considerada a ciência mais básica e o modelo paradigmático a ser seguido.
Esse modelo possui afinidades com teses fisicalistas reducionistas acerca do problema mente-cérebro, que defendem uma identidade ponto a ponto (type--type) entre eventos cerebrais e eventos mentais (Fulford, Thornton & Graham, 2006Fulford, K.W.M.; Thornton, T., & Graham, G. (2006). OxfordTextbookofPhilosophyandPsychiatry. Oxford: Oxford University Press.), bem como um tipo de causalidade unilateral, de baixo para cima (bottom--up), ou seja, dos processos cerebrais para os processos mentais, os quais podem ser reduzidos aos primeiros. O reducionismo científico deve ser diferenciado do reducionismo metodológico. Este último, inerente e indispensável ao método científico, diz respeito a um recorte da realidade com relação aos procedimentos e técnicas utilizados na investigação de um objeto de estudo específico. Os achados obtidos a partir do reducionismo metodológico é que poderão ser interpretados de maneira diferente, segundo um viés reducionista ou não.
O modelo reducionista adotado pode ser utilizado não somente para a explicação causal de cunho determinista, por exemplo, para doenças de herança mendeliana,3 3 Trata-se de um paradigma próprio de doenças genéticas causadas por alterações cromossômicas ou por alelos em um ou dois loci, com influência ambiental extremamente pequena, como o caso da Síndrome de Prader-Willi, da Fenilcetonúria, da Doença de Huntington, dentre outras. Nesses casos, que constituem a exceção na medicina, explicações reducionistas, próprias de um determinismo biológico, são preferíveis. A Doença de Huntington, por exemplo, está associada com um gene específico, o IT15 ou Huntingtin, localizado no braço curto do cromossomo 4. A anomalia genômica relacionada à doença é a sequência de um trinucleotídeo longo CAG. Há uma forte correlação entre o comprimento CAG e a idade de manifestação da patologia; quanto maior o comprimento, mais precoce a manifestação dos sintomas. Ainda assim, não há uma completa relação determinística entre o gene Huntington e os sintomas da doença de Huntington, uma vez que este gene não é completamente penetrante, ou seja, é possível que um indivíduo tenha o gene e não manifeste os sintomas. Além disto, não há uma relação linear entre o genoma e o tipo de sintomas, visto que há considerável variabilidade na apresentação da patologia. No entanto, a possibilidade de se ter o gene e não manifestar a doença é extremamente pequena, ocorrendo apenas em raras situações. Estratégias reducionistas ou parcialmente reducionistas devem ser preferíveis nesse caso (Murphy, 2008). no qual um ou poucos genes são responsáveis por um determinado fenótipo, como também para a explicação causal de transtornos complexos, como parece ser o caso da esquizofrenia e da maioria dos transtornos mentais. Kendler (2005)Kendler, K.S. (2005). “A gene for…” The nature of gene action in psychiatric disorders. AmericanJournalofPsychiatry, 162, 1243-1252. refere que as doenças herdáveis mendelianas, com influência ambiental desprezível, parece não se aplicar à maioria dos transtornos psiquiátricos. O autor mostra como a linguagem “um gene para” falha em se ajustar aos transtornos psiquiátricos devido a: 1) fraqueza estatística entre genes e transtornos; 2) o papel dos fatores ambientais na etiologia; 3) a complexidade das trilhas causais que levam a um transtorno psiquiátrico, apontando para a complexa relação existente entre genótipo e manifestação fenotípica. O modelo reducionista em questão, embora possa reconhecer a participação de fatores ambientais na gênese da esquizofrenia e outros transtornos mentais, compreende o nível biológico/genético como o mais fundamental. Além disto, nesse modelo, reconhece-se que transtornos complexos não são causados por um ou poucos genes, mas sim, por diferentes grupamentos poligenéticos, tratando-se, portanto, de transtornos poligênicos.
Inicialmente, nos estudos etiológicos acerca da esquizofrenia, foram privilegiados modelos mais simplistas de causalidade, como o modelo defendido por Harrison e Weinberger (Harrison & Weinberger, 2005Harrison, P.J., & Weinberger, D.R. (2005). Schizophrenia genes, gene expression, and neuropathology: on the matter of their convergence. Mol. Psychiatry, 10(1), 40-68.; Shaffner, 2008Schaffner, K. (2008). Etiological Models in Psychiatry: reductive and nonreductive approaches. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 48-98). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), utilizando os chamados estudos de ligação, que buscam a identificação de genes candidatos para a patologia. Os estudos de ligação buscam a identificação de genes candidatos e de variações cromossômicas estruturais associadas a uma determinada afecção, como deleções, duplicações, translocações ou inversões, identificando um gene ou um loci cromossômico específico associado a uma determinada condição. Eles são utilizados principalmente para doenças de herança monogênica ou oligogênica, nas quais um ou alguns poucos genes são responsáveis pelo aparecimento da doença. Tais estudos visam à identificação de loci possivelmente responsáveis pela expressão fenotípica e se referem ao fato de que dois loci gênicos, situados no mesmo cromossomo e muito próximos um do outro, tendem a ser herdados conjuntamente (ligados) (Vallada Filho & Samaia, 2000Vallada Filho, H.P., & Samaia, H. (2000). Esquizofrenia: aspectos genéticos e estudos de fatores de risco. RevistaBrasileiradePsiquiatria, 22(I), 2-4.). Cerca de 800 genes foram testados para associação com a esquizofrenia, o que torna a condição uma das mais estudadas através de um estudo de gene candidato. Nenhum desses estudos, entretanto, pode ser considerado definitivamente conclusivo, uma vez que os dados obtidos com amostras menores não se replicam em estudos maiores (Gejman et al., 2010)Gejman, P.V. et al. (2010). The Role of Genetics in The Etiology of Schizophrenia. Psychiatr.Clin.NorthAm., 33(1), 35-66.. No entanto, em torno de 100 genes já foram identificados como possíveis candidatos para o transtorno, dentre eles destacam-se: o DISC1, o COMT, o Neuroregulina-1 e o Disbinidina-1 (Schaffner, 2008)Schaffner, K. (2008). Etiological Models in Psychiatry: reductive and nonreductive approaches. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 48-98). Baltimore: The Johns Hopkins University Press..
Vallada Filho e Samaia (2000)Vallada Filho, H.P., & Samaia, H. (2000). Esquizofrenia: aspectos genéticos e estudos de fatores de risco. RevistaBrasileiradePsiquiatria, 22(I), 2-4. mostram que, em transtornos complexos, os estudos de ligação devem ser compreendidos como complementares aos estudos de associação, como os estudos de associação de genoma completo — Genome-Wide Association Studies (GWAS), os quais possibilitam um estudo mais completo do genoma, avaliando todos os genes e a maioria das regiões intergênicas, bem como a detecção de genes que apresentam efeitos discretos na expressão de um fenótipo, buscando identificar tanto SNPs (SingleNucleotide Polymorphisms —polimorfismos de um único nucleotídeo) quanto CNVs (CopyNumber Variants —variantes de números de cópias, como deleções ou duplicações) (Vallada Filho & Samaia, 2000Vallada Filho, H.P., & Samaia, H. (2000). Esquizofrenia: aspectos genéticos e estudos de fatores de risco. RevistaBrasileiradePsiquiatria, 22(I), 2-4.).
Estudos utilizando os GWASs têm mostrado que variantes genômicas comuns parecem ser menos relevantes para a esquizofrenia que variantes raras e com efeitos altamente penetrantes (Need et al., 2009Need, A.C. et al. (2009). A Genome-Wide Investigation of SNPs and CNVs in Schizophrenia. PLoS Genet. 5(2).; Moreno de Luca et al., 2010Moreno de Luca, D. et al. (2010). Deletion 17q12 Is a Recurrent Copy Number Variant that Confers High Risk of Autism and Schizophrenia. TheAmericanJournalofHumanGenetics, 87(5), 618-630.). No entanto, os GWASs parecem apresentar consideráveis limitações para detectar SNPs comuns. Além disto, a despeito dos significativos efeitos de CNVs raras e altamente penetrantes, não há evidências ainda que apontem para a contribuição de CNVs comuns enquanto um fator de risco para a esquizofrenia (Need et. al, 2009Need, A.C. et al. (2009). A Genome-Wide Investigation of SNPs and CNVs in Schizophrenia. PLoS Genet. 5(2).). Com relação às SNPs, por exemplo, Ohi et al. (2012)Ohi, K. et al. (2012). The p250GAP Gene Is Associated with Risk for Schizophrenia and Schizotypal Personality Traits. PLoSONE, 7(4), e35696. avaliaram oito SNPs para o gene p250GAP em 431 pacientes com esquizofrenia e 572 controles saudáveis. Eles encontraram uma associação estatisticamente significativa para apenas um polimorfismo — o rs2298599 (genótipo A/A) — que esteve presente em 18% dos pacientes com esquizofrenia e em 9% dos indivíduos do grupo--controle. Vale notar que o polimorfismo rs2298599, no gene p250GAP, representa uma variante genômica comum e de baixa penetrância, uma vez que aparece em 9% dos indivíduos do grupo-controle. Por outro lado, com relação às CNVs, Moreno de Luca et al. (2010)Moreno de Luca, D. et al. (2010). Deletion 17q12 Is a Recurrent Copy Number Variant that Confers High Risk of Autism and Schizophrenia. TheAmericanJournalofHumanGenetics, 87(5), 618-630. realizaram um estudo multicêntrico objetivando detectar uma deleção recorrente na região 17q12 em pacientes com esquizofrenia e com autismo. Os resultados da pesquisa mostraram um total de 24 deleções 17q12 nos casos para um N total de 23271 e nenhuma deleção (0) nos controles para um N total de 52448. Portanto, embora rara, a deleção 17q12 tem alta penetrância tanto para o autismo quanto para a esquizofrenia, uma vez que não foi encontrada nenhuma deleção nos 52448 indivíduos do grupo-controle.
Esses dados mostram o quão complexa é a gênese de um transtorno mental, uma vez que genótipos semelhantes podem se relacionar a diferentes expressões fenotípicas (esquizofrenia e autismo, por exemplo), e fenótipos semelhantes (esquizofrenia) podem corresponder a distintos genótipos (Oliveira, 2014Oliveira, S.M. (2014). Uma perspectiva multinível e plural em psiquiatria: a esquizofrenia como exemplar. 196 f. Tese de Doutorado em Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Instituto de Medicina Social – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Além disto, a heterogeneidade genotípica do transtorno parece ultrapassar sua própria heterogeneidade fenotípica, reconhecidamente ampla, o que fez Bleuler, por exemplo, falar em “o grupo das esquizofrenias”, tamanhas as diferentes formas de apresentação do quadro (Bleuler, 1911/1950Bleuler, E. (1950). Demencia Precoz. El grupo de las esquizofrenias. Buenos Aires: Hormé. (Trabalho original publicado em 1911).).
Modelo multinível na esquizofrenia
O modelo multinível tem origem no campo da chamada filosofia da psiquiatria, a partir de diversos autores (Mitchell, 2008Mitchell, S.D. (2008). Explaining Complex Behavior. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 19-38). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Woodward, 2008Woodward, J.F. (2008). Cause and Explanation in Psychiatry: An Interventionist Perspective. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 132-184). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Kendler, 2008Kendler, K. (2008). Introduction. Why does Psychiatry need Philosophy? In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry. Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 1-16). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Murphy, 2008Murphy, D. (2008). Levels of Explanation in Psychiatry. InK.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), PhilosophicalIssuesinPsychiatry.Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 104-131). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.; Schaffner, 2008Schaffner, K. (2008). Etiological Models in Psychiatry: reductive and nonreductive approaches. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 48-98). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.). Ele se fundamenta na interação causal entre o micro e o macronível, ou seja, entre as micro e as macrovariáveis, sem que haja um nível preferencial de explicação, uma hierarquia entre os níveis. Com relação ao problema mente-cérebro, o modelo multinível apresenta afinidades com teses antirreducionistas, como o dualismo interacionista (ver Pereira, 2009Pereira, A.P.F.G. (2009). David Chalmers e a refutação do materialismo. 111f. Dissertação de Mestrado em Filosofia, Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.) ou formas de fisicalismos não redutivos que admitem uma interação causal mútua entre processos cerebrais e processos mentais, nas quais há uma irredutibilidade dos últimos aos primeiros (ver Fulford, Thornton & Graham, 2006Fulford, K.W.M.; Thornton, T., & Graham, G. (2006). OxfordTextbookofPhilosophyandPsychiatry. Oxford: Oxford University Press.).
Alguns exemplos interessantes falam a favor das complexas interações causais entre o micro e o macronível. Em um deles, por exemplo, ao se manipular a posição de um macaco em uma hierarquia de dominância, removendo o macaco que ocupa uma hierarquia mais elevada, ocorrerá uma mudança nos níveis de serotonina do animal; isto é, uma variável ambiental ou social (macrovariável) causalmente influencia uma variável fisiológica (microvariável). Por outro lado, intervenções sobre os níveis de serotonina de um macaco podem resultar em mudanças no seu comportamento social, ou seja, uma microvariável influencia uma macrovariável (Woodward, 2008Woodward, J.F. (2008). Cause and Explanation in Psychiatry: An Interventionist Perspective. In K.S. Kendler, & J. Parnas (Eds.), Philosophical Issues in Psychiatry: Explanation, Phenomenology and Nosology (pp. 132-184). Baltimore: The Johns Hopkins University Press.).
O modelo multinível, por operar com diferentes níveis de explicação, sem, entretanto, tomar um nível como o mais fundamental, acomoda bem, no âmbito da causação probabilística, não apenas os fatores de risco genéticos como também os fatores de risco ambientais — biológicos e psicossociais —, uma vez que admite interações causais mútuas entre o macro e o micronível.
Com relação às evidências recentes na gênese da esquizofrenia, vários dados apontam para a contribuição de fatores de risco ambientais (Van Os et al., 2010Van Os, J. et al. (2010). The environment and schizophrenia. Nature,468, 203-212.). A taxa de herdabilidade do transtorno varia em torno de 80% (Need et al., 2009Need, A.C. et al. (2009). A Genome-Wide Investigation of SNPs and CNVs in Schizophrenia. PLoS Genet. 5(2).; Gejman et al., 2010Gejman, P.V. et al. (2010). The Role of Genetics in The Etiology of Schizophrenia. Psychiatr.Clin.NorthAm., 33(1), 35-66.), mostrando que, embora o nível genético tenha um importante peso na gênese da esquizofrenia, os fatores ambientais têm uma participação de cerca de 20%. Portanto, se a condição fosse causada exclusivamente por fatores genéticos, a taxa de herdabilidade seria de 100% e as taxas de concordância entre gêmeos monozigóticos idem. Como estas últimas correspondem a aproximadamente 45% a 50%, constata-se que os fatores genéticos não são a única causa e que se trata de uma condição de causalidade múltipla, ou seja, de um transtorno poligênico e multifatorial.
O modelo multinível legitima igualmente os fatores de risco genéticos e ambientais. Entretanto, nesta seção, os fatores de risco genéticos não serão abordados, uma vez que já foram discutidos na seção anterior. Um dos principais fatores de risco ambientais biológicos é o uso de cannabissativa. A maioria dos estudos tem apontado para uma associação entre o uso de maconha e o aparecimento tardio de quadros psicóticos (Henquet et al., 2008Henquet, C. et al. (2008). Gene-Environment Interplay Between Cannabis and Psychosis. Schizophrenia Bulletin, 34(6), 1111-1121.), em uma pequena parcela de indivíduos que fazem uso da droga, o que corrobora a hipótese de que haja uma predisposição genética nesse grupo específico (Henquet et al., 2008Henquet, C. et al. (2008). Gene-Environment Interplay Between Cannabis and Psychosis. Schizophrenia Bulletin, 34(6), 1111-1121.; Van Os et al., 2010Van Os, J. et al. (2010). The environment and schizophrenia. Nature,468, 203-212.; Chadwick et al., 2013Chadwick, B. et al. (2013). Cannabis use during adolescent development: susceptibility to psychiatric illness. FrontiersPsychiatry, 14(4), 129.).
Com relação aos fatores de risco psicossociais, um dos principais fatores evidenciados na esquizofrenia é a associação do transtorno com imigrantes de primeira e segunda geração. Estudos realizados em diferentes países têm mostrado que os efeitos das minorias étnicas sobre as síndromes psicóticas dependem da densidade étnica da área na qual a pessoa está vivendo; desse modo, quanto maior a proporção do grupo étnico em uma determinada área, menor o risco de desenvolvimento de um quadro psicótico (Van Os et al., 2010Van Os, J. et al. (2010). The environment and schizophrenia. Nature,468, 203-212.). Os efeitos associados aos grupos étnicos minoritários possivelmente são “mediados pela adversidade social crônica e discriminações, resultando em um estado de marginalização social e de ‘anulação’ social (de uma experiência crônica de uma posição inferior e exclusão social)” (Van Os et al., 2010Van Os, J. et al. (2010). The environment and schizophrenia. Nature,468, 203-212., p. 204; tradução do autor).
A hipótese mais plausível sobre o modo como os fatores de risco ambientais exercem seus efeitos causais diz respeito às complexas interações gene-ambiente, denominadas epigênesis, as quais são responsáveis por mecanismos de regulação da expressão gênica, ou seja, pela expressão ou inibição de determinados genes ao longo do desenvolvimento. Os mecanismos epigenéticos atuam, principalmente, através da metilação de DNA, geralmente relacionada à inibição gênica, ou da modificação de histonas, como vem sendo demonstrado por diversos estudos (Roth et al., 2009Roth, T.L et al. (2009). Epigenetic mechanisms in schizophrenia. Biochim.Biophys.Acta, 1790(9), 869-877.; Rutten & Mill, 2009Rutten, B.P., & Mill, J. (2009). Epigenetic Mediation of Environmental Influences in Major Psychotic Disorders. SchizophreniaBulletin, 35(6), 1045-1056.). Uma das evidências de que a metilação de DNA possui importante papel na fisiopatologia da esquizofrenia é o lugar que ela ocupa na disfunção de neurônios gabaérgicos, própria do transtorno. Diversos estudos post-mortem têm encontrado reduções da expressão do gene RELN e GAD1 em neurônios gabaérgicos corticais e hipocampais (Roth et al., 2009)Roth, T.L et al. (2009). Epigenetic mechanisms in schizophrenia. Biochim.Biophys.Acta, 1790(9), 869-877., os quais regulam neurônios glutamatérgicos vizinhos.
Considerações finais
O modelo reducionista adotado, que concebe a esquizofrenia como um sistema biológico complexo componente, no qual o funcionamento do sistema depende apenas do funcionamento e da organização de suas partes constituintes, utilizando, portanto, apenas explicações bottom-up, parece dar conta da complexidade da causação da esquizofrenia no nível genético, expressa, inclusive, pelas complexas interações gene-gene (epistasis), as quais regulam a expressão gênica. A expressão de um gene supressor, por exemplo, pode levar à inibição da expressão de diversos outros genes. Um dos limites, entretanto, desse modelo, consiste em justamente desconsiderar a relevância dos fatores de risco ambientais — psicossociais, sobretudo — na gênese do transtorno. Uma das objeções a serem feitas por um defensor do modelo reducionista, contudo, é que a taxa de herdabilidade da esquizofrenia é de cerca de 80%, ou seja, o nível genético tem, de fato, um peso significativo na sua causação e o peso dos fatores ambientais seria desprezível.
O modelo multinível, por outro lado, concebe a esquizofrenia como um sistema biológico complexo integrativo, no qual as partes constituintes do sistema e o sistema como um todo exercem influência causal mútua (micro e o macronível). Se este for o caso da esquizofrenia, ele será o mais apropriado para dar conta de sua explicação etiológica, ao utilizar tanto explicações bottom-up quanto explicações top-down, e defender a interação causal entre as micro e as macrovariáveis. Um dos seus limites, contudo, é responder à objeção de que o nível genético é o mais fundamental na esquizofrenia e em outros transtornos mentais, uma vez que o peso genético na gênese do transtorno é relativamente alto. Esta resposta pode ser na direção de que mesmo que a taxa de herdabilidade gire em torno de 80%, os 20% dos fatores ambientais não podem ser desprezados, sobretudo, quando se pensa nas complexas interações entre gene e ambiente. Quando a discussão se estende para outros transtornos mentais, entretanto, como o TEPT, a Fobia Social4 4 Ver Borges-Osório e Robinson, em Genética humana (2013). e o Transtorno de Conduta, nos quais o ambiente tem um peso maior que os genes, o modelo explicativo multinível se faz mandatório. Além disto, a despeito do plano etiológico, no plano ético-político, da vida cotidiana, não deve haver a primazia de um nível sobre outro, uma vez que um transtorno ocorre em um indivíduo, em um sujeito que sofre na sua relação com o meio social.
Com relação às implicações para a psiquiatria a partir do exemplar da esquizofrenia, no que se refere ao âmbito ético-político, pode-se extrair implicações tanto para o plano das definições e descrições dos transtornos mentais quanto para o âmbito da clínica. No plano da definição dos transtornos, o modelo reducionista possui afinidades com uma abordagem que concebe os transtornos mentais como tipos naturais, no sentido dado por Hacking (1995)Hacking, I. (1995). The Looping Effect of Human Kinds. In D. Sperber e t al. (Eds.), Causal Cognition: An Interdisciplinary Approach (pp. 351-383). Oxford: Oxford University Press., que existem independentemente das construções linguísticas. Por outro lado, o modelo multinível inspira uma abordagem multinível que, por considerar a irredutibilidade da normatividade a processos cerebrais subjacentes, concebe a definição dos transtornos a partir da complexa relação dos “fatos biológicos” com as normas e valores sociais vigentes.5 5 Se, por um lado, a dimensão biológica confere limites e possibilidades às atribuições valorativas, sem, contudo, determiná-las, por outro, as normas e valores sociais vigentes determinam se um fato biológico será valorado negativamente, enquanto uma patologia por exemplo, ou não. Mais que harmful dysfunctions, como aponta Wakefield, ou disfunções internas socialmente inapropriadas, como aponta Horwitz (2002), os transtornos mentais podem ser definidos como fatos biológicos socialmente inapropriados, considerando-se que estes “fazem pressão” às normas e valores sociais (ver a discussão sobre naturalismo e normativismo na definição da doença, em Gaudenzi (2014), e a defesa de Fulford da inseparabilidade entre fatos e valores, em Fulford, Thornton e Graham (2006). No âmbito da descrição, o modelo reducionista implica uma abordagem que privilegia descrições fisicalistas, oriundas de campos como a neurobiologia e a biologia molecular. O modelo multinível, por sua vez, resulta em um pluralismo epistêmico, valorizando igualmente descrições tanto de abordagens voltadas para o micronível, como a neurobiologia, quanto de abordagens voltadas para o macronível, como a fenomenologia, a antropologia etc. No plano da clínica, o modelo reducionista implica uma abordagem que privilegia as intervenções biológicas/farmacológicas, enquanto o modelo multinível legitima igualmente abordagens voltadas para o micronível e abordagens voltadas para o macronível, como aquelas que atuam sobre os fatores de risco ambientais, no âmbito da prevenção, bem como aquelas que atuam sobre o nível simbólico,6 6 Ver Kleinman sobre “intervenção simbólica” (symbolic intervention) em “How do psychiatrists heal”, do livro Rethinking Psychiatry, de 1988. produzindo mudanças na experiência subjetiva e, possivelmente, no funcionamento de redes neurais, ou seja, no micronível.
Portanto, ainda que o peso genético de um transtorno mental, como a esquizofrenia, seja significativamente maior que o peso de fatores ambientais, no plano ético-político, parece extremamente questionável a primazia de modelos reducionistas, que tomam o nível biológico/genético como o mais fundamental. Se, no plano etiológico, a discussão se mantém em aberto, no plano ético-político, o modelo multinível se mostra o mais apropriado.
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1
No exemplar, busca-se enfocar as características comuns aos vários casos da mesma espécie, que possuem certas regularidades e a consequente generalização dos achados em casos particulares para outros casos da mesma espécie (Murphy, 2008).
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2
Explicações bottom-up se referem a explicações “de baixo para cima” em sistemas complexos, ou seja, na causalidade que o micronível exerce sobre o macronível que, no caso da psiquiatria, pode ser traduzido pela causalidade do nível biológico/genético sobre o nível mental, fenomenológico e/ou cultural. Por outro lado, explicações top-down se referem a uma causalidade de “cima para baixo”, ou seja, do macro para o micronível. Nos sistemas integrativos, portanto, há um tipo de causalidade bidirecional, em via de mão dupla.
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3
Trata-se de um paradigma próprio de doenças genéticas causadas por alterações cromossômicas ou por alelos em um ou dois loci, com influência ambiental extremamente pequena, como o caso da Síndrome de Prader-Willi, da Fenilcetonúria, da Doença de Huntington, dentre outras. Nesses casos, que constituem a exceção na medicina, explicações reducionistas, próprias de um determinismo biológico, são preferíveis. A Doença de Huntington, por exemplo, está associada com um gene específico, o IT15 ou Huntingtin, localizado no braço curto do cromossomo 4. A anomalia genômica relacionada à doença é a sequência de um trinucleotídeo longo CAG. Há uma forte correlação entre o comprimento CAG e a idade de manifestação da patologia; quanto maior o comprimento, mais precoce a manifestação dos sintomas. Ainda assim, não há uma completa relação determinística entre o gene Huntington e os sintomas da doença de Huntington, uma vez que este gene não é completamente penetrante, ou seja, é possível que um indivíduo tenha o gene e não manifeste os sintomas. Além disto, não há uma relação linear entre o genoma e o tipo de sintomas, visto que há considerável variabilidade na apresentação da patologia. No entanto, a possibilidade de se ter o gene e não manifestar a doença é extremamente pequena, ocorrendo apenas em raras situações. Estratégias reducionistas ou parcialmente reducionistas devem ser preferíveis nesse caso (Murphy, 2008).
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4
Ver Borges-Osório e Robinson, em Genética humana (2013).
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5
Se, por um lado, a dimensão biológica confere limites e possibilidades às atribuições valorativas, sem, contudo, determiná-las, por outro, as normas e valores sociais vigentes determinam se um fato biológico será valorado negativamente, enquanto uma patologia por exemplo, ou não. Mais que harmful dysfunctions, como aponta Wakefield, ou disfunções internas socialmente inapropriadas, como aponta Horwitz (2002), os transtornos mentais podem ser definidos como fatos biológicos socialmente inapropriados, considerando-se que estes “fazem pressão” às normas e valores sociais (ver a discussão sobre naturalismo e normativismo na definição da doença, em Gaudenzi (2014), e a defesa de Fulford da inseparabilidade entre fatos e valores, em Fulford, Thornton e Graham (2006).
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6
Ver Kleinman sobre “intervenção simbólica” (symbolic intervention) em “How do psychiatrists heal”, do livro Rethinking Psychiatry, de 1988.
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Financiamento/Funding : O autor declara não ter sido financiado ou apoiado / The author has no support or funding to report.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
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Recebido
15 Jan 2015 -
Aceito
26 Abr 2015