Propostas de promoção da saúde e prevenção de distúrbios vocais para profissionais da voz: revisão de escopo

RESUMO

Objetivo:

caracterizar as ações de promoção de saúde vocal e/ou prevenção de distúrbios vocais aplicadas em profissionais da voz.

Métodos:

foi conduzida uma revisão de escopo seguindo as diretrizes do PRISMA-ScR nas bases de dados SciELO e PubMed. Foram incluídos artigos que tivessem como participantes profissionais da voz sem tratamento vocal concomitante, que descrevessem propostas de promoção da saúde ou prevenção de distúrbios vocais, publicados entre 2010 e 2023. Os artigos foram agrupados em categorias e os dados apresentados de forma descritiva.

Revisão da Literatura:

foram incluídos 18 artigos com profissionais da voz artística e não-artística, em sua maioria professores. A maior parte dos estudos tinha como foco vozes saudáveis, visando a prevenção primária. Muitos artigos apresentaram orientações sobre higiene e saúde vocal e utilizaram recursos como aprimoramento vocal, oficina de voz, amplificadores de voz e aplicativos. Todos os artigos mencionam resultados benéficos, principalmente no que se refere à autopercepção em relação a voz, qualidade vocal e de vida, conscientização de práticas positivas e prejudiciais à voz.

Conclusão:

as propostas contemplaram diferentes níveis de prevenção, mas a maioria tinha como foco a prevenção primária, incluindo participantes vocalmente saudáveis; todos os artigos indicaram resultados favoráveis na autopercepção em relação à voz, qualidade vocal e de vida e conscientização de práticas benéficas e prejudiciais à voz.

Descritores:
Voz; Disfonia; Prevenção de Doenças; Educação em Saúde; Promoção da Saúde; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to characterize the actions of vocal health promotion and/or prevention of vocal disorders applied to voice professionals.

Methods:

a scoping review following the PRISMA-ScR guidelines in SciELO and PubMed databases was conducted. Articles that had as participants voice professionals without concomitant vocal treatment, that described proposals for health promotion or vocal disorders prevention, published between 2010 and 2023, were included. They were grouped into categories and data were presented descriptively.

Literature Review:

eighteen articles with artistic and non-artistic voice professionals, mostly teachers, were included. Most of the studies focused on healthy voices, aiming at primary prevention. Many articles presented guidance on vocal hygiene and health and used resources such as vocal enhancement, voice workshop, voice amplifiers and apps. All the articles positively mentioned their results, especially with regard to self-perception in relation to voice, vocal quality and quality of life, awareness of positive and harmful practices to the voice.

Conclusion:

the proposals contemplated different levels of prevention, but most focused on primary prevention, including vocally healthy participants; all articles indicated positive results in voice self-perception, voice quality and quality of life, and awareness of positive and harmful voice practices.

Keywords:
Voice; Dysphonia; Disease Prevention; Health Education; Health Promotion; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

A voz é o principal instrumento da comunicação humana, capaz de apresentar uma identidade pessoal e transmitir diversos aspectos psicoemocionais do comunicador a seus ouvintes. Além disso, é uma importante ferramenta ocupacional para parte significativa dos trabalhadores, denominados profissionais da voz, dos quais fazem parte professores, profissionais da saúde, teleoperadores, advogados, jornalistas, cantores, dentre outros¹.

Nos Estados Unidos, estima-se que os custos diretos com saúde causados pela disfonia chegam a US$13,5 bilhões². Problemas vocais em profissionais da voz, além dos impactos financeiros, geram repercussões negativas na qualidade de vida, dificultam a satisfação profissional e afetam o convívio social³. Ademais, profissionais da voz apresentam voz distinta da população em geral, além de apresentarem mais queixas vocais⁴.

Portanto, estudos na perspectiva da promoção da saúde vocal e prevenção de distúrbios de voz se fazem necessários, a fim de compreender quais ações podem ser realizadas junto aos profissionais da voz, visando reduzir o número de casos de disfonia e garantir melhores condições de comunicação e qualidade de vida dessa população.

Conceitualmente as ações preventivas em saúde são consideradas intervenções que têm por finalidade reduzir a incidência e a prevalência de uma doença específica, como a disfonia, evitando seu surgimento ou evolução; por outro lado, a promoção da saúde se constitui como um conceito mais amplo, voltado à transformação das condições de vida e de trabalho, gerando melhor qualidade de vida e bem-estar geral^5,6. Entretanto, alguns autores utilizam os termos como sinônimos, além de aplicar a promoção da saúde de maneira fracionada, o que pode ser discutível a partir da perspectiva da saúde pública⁶. Devido às variações do uso dos termos na literatura, ambos serão utilizados ao longo desta revisão.

Uma revisão sistemática⁷ buscou avaliar o efeito do aprimoramento vocal na qualidade da voz de profissionais que a têm como instrumento de trabalho. No entanto, não foram encontradas na literatura revisões que analisassem os diferentes tipos de propostas de prevenção da disfonia e os efeitos destas em profissionais da voz.

Assim, diante da importância de ações de promoção de saúde vocal e prevenção de distúrbios vocais para diferentes grupos de profissionais da voz, a análise de propostas presentes na literatura pode auxiliar especialistas na replicação de ações já testadas e/ou na elaboração de novas propostas.

Portanto, esta revisão de escopo tem como objetivo caracterizar as ações de promoção de saúde vocal e/ou prevenção de distúrbios vocais aplicadas em profissionais da voz.

MÉTODOS

Trata-se de revisão de escopo, baseada nas diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic review and Meta-Analysis Protocols - extensões para revisão de escopo (PRISMA-ScR)⁸.

A pergunta norteadora do estudo foi “quais os tipos de propostas de promoção de saúde vocal e/ou prevenção de distúrbios vocais destinados aos profissionais da voz, as evidências científicas sobre as propostas de promoção de saúde vocal e/ou prevenção de distúrbios vocais destinados aos profissionais da voz e os resultados encontrados?”.

A seleção dos artigos ocorreu entre junho de 2021 e setembro de 2023, conduzida nas bases de dados SciELO e PubMed. Os descritores “voice”, “voice disorders”, “dysphonia”, “prevention and control” e “health promotion” foram combinados em uma chave de busca para a base de dados PubMed [(health promotion) AND (voice)) OR ((voice disorders) AND (prevention and control)) OR ((dysphonia) AND (prevention and control))], a chave de busca foi aplicada em junho de 2021 e em setembro de 2023 e foram identificados 1714 artigos.

Os descritores equivalentes em português foram combinados em uma chave de busca para a base de dados SciELO [(prevenção de doenças) AND (disfonia)) OR ((prevenção de doenças) AND (distúrbios da voz)) OR ((prevenção de doenças) AND (voz)) OR ((promoção da saúde) AND (voz)], a qual também foi aplicada em junho de 2021 e em setembro de 2023 e reportou 78 estudos.

A Figura 1 descreve as etapas de seleção. Inicialmente, foi feita a identificação dos artigos nas bases de dados pela primeira autora. Estes foram adicionados ao software EndNote (Clarivate Analytics, PA, EUA), sendo ele utilizado para a eliminação dos duplicados. Concluída essa etapa, os artigos foram rastreados pelas duas primeiras autoras a partir da leitura de títulos e resumos, sendo excluídos aqueles que não se relacionavam ao assunto de pesquisa. Por fim, foram avaliados em texto completo por duas pesquisadoras, individualmente, segundo os critérios de elegibilidade. Caso houvesse divergência entre as avaliadoras, o texto era discutido de acordo com os critérios e procurava-se um consenso. Ao final, foram incluídos 18 estudos para a síntese qualitativa.

Figura 1
Etapas de seleção dos artigos

Foram incluídos os estudos que preenchessem os seguintes critérios de inclusão: publicados em idiomas inglês ou português, com a descrição de, pelo menos, uma proposta de prevenção de disfonia ou promoção da saúde em voz, aplicados em profissionais da voz e publicados a partir de 2010. Para que os artigos fossem incluídos foram definidos os parâmetros do acrônimo PCC - população, conceito e contexto (Quadro 1).

Quadro 1
Elegibilidade do estudo

	Critérios de inclusão
População	Profissionais da voz que não estivessem em tratamento para problemas vocais concomitantemente à proposta de prevenção.
Conceito	Propostas de prevenção de disfonia ou promoção da saúde voltadas para a voz profissional, realizadas em grupo ou individualmente, de forma direta ou indireta, com recursos de alta ou baixa tecnologia.
Contexto	Estudos que descrevessem a proposta e a avaliassem por meio de alguma ferramenta: análise da autopercepção, qualidade de vida ou qualidade vocal nos períodos pré e pós-aplicação da proposta ou comparação de diferentes grupos.
Tipos de fontes de evidências	Bases de dados eletrônicas contendo periódicos revisados por pares, abrangendo publicações nacionais e internacionais publicadas a partir de 2010.

Os critérios de exclusão foram: artigos de revisão, editoriais, estudos exclusivamente de intervenção para tratamento/reabilitação e não disponíveis em texto na íntegra.

Os artigos foram tabulados em banco de dados específico para mapeamento dos dados, considerando: origem, ano de publicação, tipo de estudo, participantes (quantidade, profissão - inclusive se eram estagiários ou não -, idade, gênero, tempo de atuação e se possuem ou não alteração vocal), objetivos, intervenção realizada (tipo, duração, procedimentos e recursos utilizados), forma de análise dos resultados, resultados obtidos e conclusões.

Os artigos foram, ainda, agrupados em categorias de acordo com o tipo de proposta e participantes, ações na atenção primária à saúde (ações para profissionais vocalmente saudáveis visando a promoção da saúde vocal e/ou prevenção de distúrbios vocais) ou na atenção especializada (secundária ou terciária; de média e alta complexidade; atendimento aos profissionais com comprometimentos vocais e prevenção de recidivas de problemas vocais)⁹. Os estudos podiam ser agrupados em apenas um tipo de prevenção ou em mais de um.

Os dados foram apresentados de forma descritiva, de acordo com os critérios de análise.

REVISÃO DA LITERATURA

Dos 18 artigos incluídos, quatro eram provenientes da base de dados SciELO e 14 eram da base de dados PubMed.

Em relação ao ano de publicação, dividindo o período contemplado na revisão entre 2010 a 2016 e 2017 a 2023, é possível observar um crescimento de publicações nos últimos anos, já que foram incluídos seis artigos do primeiro período e 12 estudos pertencentes ao segundo período.

Há que se pontuar que de 2020 a julho de 2021, não foram publicados estudos que contemplassem os critérios de elegibilidade da pesquisa. Considerando neste período o ano inicial da pandemia da COVID-19 e seu auge com grande mobilização da comunidade científica para compreender os efeitos desse acontecimento, é possível que tenha ocorrido uma redução das publicações voltadas para a prevenção e a promoção da saúde; esta suposição deve ser considerada, bem como novos critérios de busca testados em estudos futuros.

Quanto à amostra dos estudos, a Tabela 1 descreve a caracterização dos artigos selecionados. As profissões contempladas foram: professores (em 16 estudos), atores (em um estudo) e cantores (em um estudo). Além disso, cinco artigos incluíram professores estagiários (estudantes universitários, mas que atuam como professores na modalidade de estagiários), enquanto nos demais a população de estudo era composta por profissionais.

Quanto ao tempo médio de atuação (em anos), na Tabela 1 são contemplados os valores mínimos e máximos de nove estudos, uma vez que apenas estes descreveram tais informações.

Tabela 1
Caracterização das amostras dos estudos

Número amostral			Participantes por gênero*				Tempo médio de atuação (anos)**		Participantes com alterações vocais?
Média	Mínimo	Máximo	Feminino		Masculino		Mínimo	Máximo	Não	Sim	Não especificado
			Média	% média	Média	% média
90	4	286	60	62,48%	19	19,9%	8,7	20	11	2	5

• Legenda: *Baseado em 18 artigos, pois um não apresentava essa variável.
• **9 dos 18 artigos descreviam essa variável.

A predominância de professores como profissionais-alvo das propostas de prevenção de distúrbios vocais aponta para a preocupação com a alta prevalência de distúrbios vocais nessa população¹⁰. Além disso, atores e cantores, como representantes da voz artística, são importantes alvos para propostas de prevenção, já que esses têm a necessidade de uma capacidade vocal maior, pois alterações vocais impactam diretamente a performance em suas carreiras, além de apresentarem fatores de risco, como alta prevalência de estilos de vida e hábitos vocais inadequados¹¹.

Dentre os estudos que incluíram participantes vocalmente saudáveis, seis incluíam professores formados, três eram compostos por professores estagiários, um pesquisou estudantes de teatro e um outro pesquisou os cantores. Nos estudos que incluíram profissionais com alteração vocal, um continha profissionais com nódulos vocais e outro citava a presença de problemas vocais permanentes sem especificação quanto ao tipo de alteração.

A utilização das terminologias de prevenção de disfonia e promoção da saúde em voz não são uniformemente aplicadas e claras na literatura. Entretanto, observa-se que na maioria dos estudos analisados o enfoque esteve voltado para o conceito de prevenção, apresentando práticas ou ações realizadas com o intuito de evitar o surgimento ou o agravamento de doenças⁵. No caso dos estudos incluídos, o objetivo era evitar a disfonia em profissionais da voz, especialmente em professores, grupo com maior prevalência e incidência dessa condição de saúde.

De acordo com um estudo¹², a promoção da saúde está intimamente relacionada à qualidade de vida e tem um olhar amplo do processo saúde-doença e seus determinantes, mobilizando diferentes saberes, agentes, estratégias e recursos para seu enfrentamento e resolução. Dessa forma, ações em voz nessa perspectiva devem visar a qualidade de vida em voz a partir dos determinantes de saúde (incluindo aspectos sociais, econômicos, ocupacionais e comportamentais dos indivíduos).

Como o enfoque desta pesquisa foi a promoção da saúde vocal e a prevenção de distúrbios da voz, a presença de maior número de estudos contendo participantes vocalmente saudáveis era esperada, sendo que metade desses artigos tinha como participantes profissionais ainda em formação. O desenvolvimento de ações preventivas com futuros profissionais da voz durante a sua formação se constitui como uma estratégia de conscientização para evitar o surgimento de alterações vocais na medida em que estas ações estimulam a autopercepção de aspectos que auxiliam a produção vocal mais confortável e segura, e evitam os fatores de risco desde o início da carreira, antes que haja um aumento em sua demanda vocal, decorrente de suas atividades profissionais^13,14.

A presença de cinco estudos sem a especificação quanto à inclusão de participantes com ou sem problemas vocais indica que nem sempre é realizada avaliação vocal com fins diagnósticos ou autoavaliação vocal em ações desse tipo¹⁵. No entanto, é necessário utilizar critérios de inclusão e exclusão claros, pois isso permite (a) conhecer a amostra para a qual se obteve os resultados apresentados, (b) aprofundar as análises em determinados grupos estudados e (c) comparar os resultados. Nesse sentido, é possível a aplicação pré-intervenção de instrumentos que auxiliam na identificação de alterações vocais, como os protocolos e escalas que mensuram e caracterizam sinais e sintomas vocais, qualidade de vida e demais aspectos biopsicossociais que impactam a voz.

A maior parte das ações ocorreram em grupo, presencialmente e no local de trabalho dos participantes. Orientações sobre higiene vocal e saúde vocal estiveram presentes em dezessete dos estudos analisados. Esses programas são considerados de caráter preventivo-terapêutico que possuem como objetivo principal a mudança comportamental de hábitos que sejam prejudiciais à voz^16,17. As estratégias de higiene vocal, em geral, são apresentadas em combinação com exercícios e outras técnicas vocais específicas, unindo as abordagens direta e indireta¹⁶. O quadro 2 apresenta as propostas de prevenção e promoção em saúde vocal descritas em cada artigo.

Quadro 2
Caracterização das propostas de promoção de saúde vocal e prevenção de distúrbios vocais

Referência	Objetivo	Aplicação	Tópicos abordados
13	Investigar a eficácia de um programa de treinamento preventivo em saúde vocal para professores estudantes alemães.	Presencial, em grupos (10 a 12 pessoas), nas instituições educacionais. Realizado em 8 sessões de 90 minutos.	HV, funcionamento da voz, postura, respiração, tom de voz adequado durante a fala, intensidade vocal, ressonância, articulação, elementos prosódicos.
14	Avaliar a utilidade de um programa direcionado de HV em comparação com HV + TV para a prevenção e tratamento de problemas de voz em professores estudantes.	Presencial com acompanhamento via sistema online; em grupo (seminário de 2 horas sobre HV) e individual (encontro de 10 a 15 minutos com cada participante). O TV ocorreu em 8 sessões.	VH: hidratação, controle da inflamação exógena e evitar gritar. TV: visava uma configuração laríngea abduzida.
15	Apresentar uma ação de promoção à saúde vocal dos professores no âmbito da Atenção Primária à Saúde.	Presencial, em grupo, no ambiente de trabalho. Seis oficinas quinzenais (de 40 minutos a 1 hora).	Orientações sobre HV e produção vocal, técnicas vocais.
16	Investigar os efeitos de um programa de educação vocal em professores do ensino básico no sistema educativo persa.	Presencial, em grupo, no ambiente de trabalho. Realizado em 8 sessões semanais de 1 hora cada.	Programa de HV e acompanhamento da aplicação das práticas aprendidas.
18	Investigar a percepção do uso da voz como ferramenta de trabalho e instrumento de expressão de arte, num coro de professoras da Educação Infantil.	Presencial, em grupo, nos locais onde aconteceram os ensaios e as apresentações. Duração de 6 meses.	Reflexão sobre uso da voz na arte e na profissão, influência da organização do trabalho na saúde vocal, saúde vocal e administração do tempo.
19	Investigar os efeitos imediatos de um programa de AV e DV como estratégia protetora da voz de professores no contexto docente.	Presencial, em grupo, no ambiente de trabalho. Sessão de 13 minutos com exercícios de AV e 7 minutos de DV.	AV: alongamentos, exercícios fonoarticulatórios, respiração, flexibilização da mucosa e ressonância. DV: alongamentos, ressonância e fonte glótica.
20	Investigar o impacto de um programa de promoção da saúde vocal em grupo para cantores populares sem alteração vocal.	Presencial, em grupo, no ambiente de trabalho. Realizados 7 encontros.	Orientações sobre anatomofisiologia do aparelho fonador, cuidados de HV e exercícios vocais.
21	Realizar uma avaliação longitudinal do impacto das atividades educativas em voz sobre a qualidade de vida dos professores.	Presencial, em grupo, no ambiente de trabalho. Uma palestra sobre HV e 4 encontros a cada 15 dias para exercícios vocais.	Orientações sobre HV e exercícios de aprimoramento vocal.
22	Testar um modelo de teleprática online para a prevenção de distúrbios vocais em professores estudantes saudáveis por meio de medidas capturadas em aplicativo de celular.	Online, individualmente, em aplicativo para smartphones. Duas vezes ao dia durante 5 dias da semana, em 4 semanas, foi realizada a gravação de voz no aplicativo.	Orientações sobre HV e automonitoramento de medidas.
23	Determinar a eficácia de um programa de cuidados de voz entre professores da Malásia.	Presencial, em grupo, no local de trabalho. Realizadas 4 sessões de 30 minutos cada.	Amplificação de voz individual, instruções de HV e diário do amplificador de voz.
24	Examinar os efeitos de um programa de TV a curto prazo destinado aos professores.	Presencial, em grupo. Curso de 25 horas (no total), realizado em 8 semanas.	Palestra, oficina de educação da postura, mindfulness e técnicas tradicionais de TV e HV.
25	Explorar a eficácia e aplicabilidade do método Lax Vox como um programa preventivo de voz para professores saudáveis.	Presencial, individual. Três sessões semanais com de 60 minutos cada e prática 3 vezes ao dia por 12 minutos.	AV e DV utilizando o Lax Vox.
26	Investigar a eficácia de um programa de TV holístico projetado para estudantes de teatro.	Presencial, em grupo. Realizadas 12 sessões semanais de 30 a 45 minutos.	Anatomia vocal básica, fisiologia e educação em HV. TV: respiração, postura, relaxamento, AV, ressonância e projeção vocal.
27	Definir e implementar um programa preventivo de saúde vocal para docentes universitários.	Presencial, em grupo ou individual. Realizadas ações distintas para cada nível de prevenção (primária - 1 -, secundária - 2 -, e terciária - 3).	1 - hábitos pessoais e HV. 2 - técnicas vocais para controle de tom e volume mais orientações da prevenção primária. 3 - reeducação vocal (exercícios de relaxamento e técnicas respiratórias) mais orientações dos níveis 1 e 2.
28	Determinar o efeito de um programa online de saúde vocal e de redução dos níveis de estresse, implementado em uma universidade colombiana durante a pandemia da COVID-19.	Online de forma síncrona, individual. Realizadas 4 sessões virtuais semanais de 45 minutos. Após a finalização do programa, os professores tinham acesso a todo o material do curso.	Melhoria das condições de trabalho, gerenciamento do estresse, recomendações para cuidar da voz e treinamento vocal (AV, DV, exercícios de relaxamento laríngeo e respiração), e promoção de hábitos saudáveis de estilo de vida.
29	Determinar o efeito de um Programa de Promoção da Saúde Vocal no Local de Trabalho e das condições de trabalho no funcionamento vocal de professores universitários.	Híbrido, individual, com 4 sessões com duração de 45 minutos cada (2 sessões remotas e 2 presenciais) ao longo de 4 semanas. Os participantes deveriam praticar os exercícios do TV em casa.	HV, TV e modificações nas estratégias de ensino-aprendizado nas salas de aula.
30	Avaliar a usabilidade e aceitabilidade do aplicativo «Saúde e Voz» na promoção da saúde vocal de professores do ensino fundamental.	Online, individual. Os participantes realizaram o uso do aplicativo e logo após responderam aos questionários.	Conhecimentos gerais em voz, mitos e verdades, jogo de associação dos conhecimentos adquiridos, orientações para redução do impacto ambiental na voz, anatomofisiologia vocal básica.
31	Avaliar a eficácia a longo prazo de um programa de treinamento vocal para professores em Lower Saxony, Alemanha.	Presencial, em grupo, no local de trabalho. Cada sessão de treinamento tinha a duração de dois dias, incluindo oito aulas de 1,5 horas cada	Técnicas vocais e orientação individualizada para cada professor (visando modificação de comportamentos relacionados ao uso profissional da voz). São discutidas condições específicas do trabalho dos professores, como estresse vocal, acústica das salas e redução de ruído.

• Legenda: HV - higiene vocal; TV - treinamento vocal; VHI - Voice Handicap Index (protocolo Índice de Desvantagem Vocal); AV - aquecimento vocal; DV - desaquecimento vocal.

Nos artigos incluídos, os termos higiene vocal (mais encontrado em literatura internacional), saúde vocal, bem-estar vocal e cuidados vocais são tidos como sinônimos. Alguns autores não recomendam a utilização do termo saúde vocal, que é comumente observado, uma vez que a saúde é entendida como uma condição não dissociável^5,6,32. No entanto, esse é um termo recorrente nos artigos da área e de conceito conhecido pelos profissionais, o que apoia a manutenção de seu uso.

No que se refere aos níveis de prevenção à saúde, treze artigos^{13,15,16,18-22,25-29,31} (72,22%) foram categorizados na atenção primária à saúde, sendo estes estudos que incluíram apenas vozes saudáveis ou sem alterações diagnosticadas, com foco em prevenir o surgimento de alterações. Quatro estudos^14,23,24,30 (22,22%) foram situados na atenção primária e atenção especializada (secundária), e essas eram propostas voltadas à prevenção e também à reabilitação e aprimoramento vocal. Por fim, um artigo²⁷ (5,56%) envolvia atenção primária e atenção especializada (secundária e terciária), pois apresentava propostas que englobavam vozes saudáveis e alteradas com necessidade de intervenção específica para evitar o surgimento de alterações e/ou aprimorar e/ou reduzir a chance de recidivas em alterações vocais¹².

É importante ressaltar que, apesar de contemplarem diferentes níveis de atenção à saúde, todos os estudos apresentaram ações que abrangiam a atenção primária, o que demonstra uma preocupação cada vez mais voltada a evitar a disfonia e promover o uso vocal de forma adequada em profissionais da voz.

O aprimoramento vocal é um conceito amplo, incluindo estratégias que irão prevenir e, consequentemente, diminuir o risco para futuros problemas vocais, situado na atenção primária^16,33. Porém, esse conceito é utilizado de modo intercambiável na literatura com o termo terapia vocal⁷, conceito que corresponde ao tratamento de distúrbios vocais^16,34, o que ocorre devido ao uso das mesmas técnicas em ambas as práticas⁷. Dessa forma, o aprimoramento vocal pode ser entendido como um conjunto de técnicas que podem ser utilizadas com objetivos de prevenir distúrbios vocais, otimizar ou reabilitar a voz.

Nessa perspectiva, em relação aos programas e recursos adotados, 13 estudos incluíram propostas de aprimoramento vocal, dois estudos utilizaram aplicativos, um artigo adotou uma oficina de voz e um estudo utilizou amplificadores de voz. Um dos artigos¹⁸ apresentava como objetivo principal investigar a percepção do uso da voz de professoras da educação infantil por meio do coro cênico. Neste estudo a ação não foi proposta pelas pesquisadoras (esse coro cênico surgiu espontaneamente da comunidade), entretanto analisaram a aplicabilidade, pois o mesmo se tornou uma ação em prevenção e promoção da saúde vocal. Os autores consideraram ser essa uma estratégia eficiente para a promoção da saúde vocal.

Um dos aspectos analisados em relação às ações de promoção e de prevenção de distúrbios vocais é a não incorporação das estratégias aprendidas^17,34. Nesse sentido, a utilização de aplicativos e ferramentas digitais/tecnológicas como parte de propostas de prevenção vocal indica a possibilidade da maior flexibilização em relação ao tempo, ao espaço e à disponibilidade do profissional da voz, podendo, consequentemente, levar a maior adesão dos participantes. Dessa forma, tais recursos têm sido incentivados na área e merecem atenção para as propostas futuras^30,35,36.

Em relação à efetividade das propostas, cabe ressaltar a existência de variação quanto à metodologia utilizada. Treze pesquisas compararam grupos, sendo 10 estudos^{13,16,19-21,23,24,26,28,29} compostos por um grupo experimental (GE) e um grupo controle (GC), dois estudos^14,22 compararam dois GEs com intervenções distintas e um GC (um deles buscava analisar a diferença entre intervenção à distância e presencial, enquanto o outro visava comparar intervenção com orientações de higiene vocal e intervenção com essas orientações associadas a técnicas de aprimoramento vocal), e um estudo²⁷ comparou três GEs em diferentes níveis de prevenção e, portanto, diferentes intervenções. As principais variáveis utilizadas para comparação entre os grupos foram questionários (validados, como Voice Handicap Index - VHI e Voice Related Quality of Life - VRQL, ou elaborados pelos autores), análise acústica (frequência fundamental - f0, jitter, shimmer, dentre outros) e aspectos perceptivo-auditivos (principalmente por meio da escala GRBAS ou protocolo CAPE-V).

Dois estudos^25,31 compararam os momentos pré e pós-intervenção, sendo analisados os aspectos vocais perceptivo-auditivos, acústicos, aerodinâmicos e a autoavaliação.

Dois estudos realizaram análise transversal^15,30 a partir de questionário desenvolvido pelos autores com a finalidade de obter o histórico vocal e a percepção dos participantes quanto às intervenções.

Por fim, um estudo realizou análise qualitativa¹⁸ e utilizou diário de campo - analisando os tópicos uso da voz na arte e uso da voz na profissão; como a organização do trabalho influencia a saúde vocal das professoras; como as professoras/cantoras cuidam da saúde vocal; diferentes formas de administrar o tempo, diferentes papéis e cuidados consigo mesmas.

Com base no delineamento dos estudos, estes foram classificados por nível de evidência (Quadro 3), a partir da pirâmide de evidências científicas apresentada por Murad et al. (2016)³⁷ e traduzida por Behlau et al. (2022)³⁸. É importante destacar a maioria dos artigos foi classificada como pertencente aos níveis 2 - maior nível de evidência por se tratarem de estudos experimentais - ou 5 - demonstrando uma quantidade considerável de estudos quase-experimentais que visam analisar a eficácia das propostas de prevenção ou promoção de saúde em voz a partir da avaliação pré e pós-intervenção.

A diferença e variação de delineamento e utilização de diferentes protocolos de avaliação foram fatores impeditivos para a realização de metanálise. No entanto, os dezoito estudos obtiveram tendência positiva em relação aos resultados obtidos (Quadro 3). Os profissionais apresentaram melhorias em aspectos como a autopercepção em relação a voz, qualidade vocal e de vida, conscientização de práticas positivas e prejudiciais à voz. No entanto, é observada a necessidade de mais estudos que avaliem a aplicação e efetividade a longo prazo e no contexto de trabalho.

Quadro 3
Resultados dos artigos incluídos

Resumo dos resultados dos artigos incluídos		Nível de evidência*
Referência	Resultados
13	Houve melhora na QV e na capacidade vocal, apesar de um aumento na tensão vocal subjetiva, o que sugere aumento da autopercepção.	2
14	Para participantes inicialmente saudáveis, o programa de HV evitou o agravamento dos escores do VHI. Porém, para participantes com escores iniciais baixos no VHI, o programa de HV falhou em produzir benefícios, sendo necessário TV para otimizar os resultados.	2
15	Oitenta por cento das docentes referiram melhora no desempenho profissional e 93,3% afirmaram que continuarão realizando os exercícios, mas apontaram a falta de tempo como principal dificuldade para realização rotineiramente.	6
16	Houve melhora significativa nos escores do VHI do GE, enquanto o GC apresentou piora.	5
18	O coro cênico, a arte e a música podem ser uma estratégia eficiente para a promoção da saúde vocal e também para a escolha de estilos de vida que permitam o cuidado de si.	3
19	GE e GC não diferiram na análise intragrupos, mas na análise intergrupos o AV melhorou a QV e reduziu o grau de desconforto corporal; DV diminuiu tanto a f0 quanto o grau de desconforto. Os resultados indicam potencial proteção para a voz de professores.	5
20	Foi eficaz segundo a percepção dos cantores sobre sua produção vocal e houve maior redução da porcentagem de queixas do GE do que do GC.	5
21	Os professores mostraram maior domínio e pontuações globais do V-RQOL tanto em GCs como GEs. No entanto, não houve diferença estatística em pontuações entre os grupos.	2
22	Na análise preliminar a f0 e o jitter (%) demonstraram mudanças na voz comparando os períodos pré e pós aplicação do modelo de prevenção, em prática presencial e remota.	2
23	Após a intervenção observou-se efeito significativo nas pontuações totais do Malay-VHI-10, o que apoia a utilização de amplificadores de voz concomitante à HV como modalidade de prevenção e tratamento.	2
24	O desempenho da voz dos professores melhora após 25 horas de treinamento em relação ao nível acústico, na f0 e nas medidas de perturbação de frequência, bem como na avaliação subjetiva da voz utilizando o VHI.	5
25	Os resultados sugerem melhora das medidas selecionadas de QV, TMF, função vocal, autoavaliação e aplicabilidade percebida, com boa adesão na rotina.	7
26	Houve aumento no conhecimento dos participantes do GE sobre HV. As QVs do GC pioraram, enquanto nenhuma alteração foi encontrada no GE. A análise perceptivo-auditiva apontou melhorias para o GE nos parâmetros gerais de severidade e rugosidade.	2
27	Os autores comentam positivamente seus resultados, apesar do foco do estudo permanecer na divisão dos grupos em prevenção primária, secundária e terciária, apontando que o método utilizado no estudo pode ser aplicado a outros profissionais da voz.	4
28	Os resultados demonstram redução da percepção de fadiga vocal e melhora da coordenação pneumofonoarticulatória, medidos com o Índice de Fadiga Vocal e TMF.	5
29	O GE apresentou aumento nas pontuações do V-RQOL em comparação com o GC, mas o efeito não foi estatisticamente significativo. Após o programa, o shimmer diminuiu e TMF e HNR aumentaram no GE.	2
30	Os autores concluem que o aplicativo é eficaz na promoção da saúde vocal para professores, pois tem alta aceitabilidade e usabilidade, além de aumentar o conhecimento sobre HV.	6
31	Noventa e três por cento dos professores implementaram o conteúdo do TV em seu cotidiano profissional e essas mudanças de comportamento levaram à melhor capacidade e desempenho vocais. Porém, professores com maior risco de distúrbio vocal ainda apresentam altos índices de impacto de problemas vocais autorreferidos após o TV.	5

• Legenda: GE - grupo experimental; GC - grupo controle; AV - aquecimento vocal; DV - desaquecimento vocal; QV - qualidade vocal; VHI - Voice Handicap Index; HV - higiene vocal; V-RQOL - Voice-Related Quality of Life instrument; f0 - frequência fundamental; TV - treinamento vocal; TMF - tempo máximo fonatório; HNR - proporção harmônico-ruído.
• * Baseado na pirâmide de evidências de Murad et al. (2016), traduzida por Behlau et al. (2022).

É importante destacar que, ao planejar uma ação de promoção da saúde vocal ou prevenção de distúrbios vocais, deve-se levar em consideração a viabilidade de tal iniciativa, buscando meios mais flexíveis e de baixo custo para maior adesão à ação, além das necessidades e expectativas dos profissionais alvo dessas ações^15,16,30,34.

Cabe mencionar que o presente estudo possui limitações. Poucas categorias de profissionais da voz foram contempladas, o que limita a generalização dos resultados encontrados. Esse fator pode estar relacionado às dificuldades com terminologias e conceitos utilizados de forma variável em cada estudo, como “promoção da saúde”, “prevenção” e “aprimoramento vocal”, o que pode ter influenciado na seleção dos artigos. Sugere-se que grupos de especialistas vinculados às Universidades, em parceria com o Departamento de Voz da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia se debrucem sobre esta questão terminológica, ofertando aos profissionais e cientistas da voz uma proposta de padronização em relação à homogeneidade dos termos utilizados nas pesquisas.

Ainda assim, a análise dos estudos incluídos trouxe importantes contribuições para a compreensão do que tem sido realizado para a prevenção de distúrbios vocais em profissionais da voz nos últimos anos, o que será útil aos clínicos para selecionarem métodos e recursos em sua prática, além de incentivar a replicação de metodologias já aplicadas e testadas visando dados comparativos mais robustos.

Por fim, este estudo lança luz ainda sobre a complexidade terminológica observada e reforça a necessidade de uniformização dos termos relacionados ao tema³⁹. Ademais, os achados reforçam a necessidade de replicação de ações já propostas e testadas em amostras variadas de profissionais da voz, o que viabilizaria futuras metanálises. Os resultados servem ainda de base para as evidências científicas a respeito da efetividade das ações de promoção da saúde vocal e da prevenção da disfonia.

Ressalte-se, por fim, a necessidade de mais estudos voltados para a promoção da saúde vocal e prevenção de distúrbios vocais, utilizando terminologias padronizadas. Há ainda que se comparar as diferentes formas de realização dessas ações (presencial ou remota, e o uso de diferentes tipos de recursos), a fim de aprimorar as ações futuras visando maior efetividade e resultados positivos nas intervenções.

CONCLUSÃO

As propostas contemplaram diferentes níveis de atenção à saúde, mas a maioria tinha como foco a prevenção de disfonia, incluindo participantes vocalmente saudáveis.

As ações descritas na literatura incluíram professores, cantores e atores e foram, em sua maioria, realizadas em grupo, de forma presencial e no local de trabalho dos participantes. No entanto, também são descritas propostas individuais, desenvolvidas por meios remotos ou de forma mista, com encontros presenciais e acompanhamento à distância.

A maioria utilizou as abordagens direta e indireta combinadas, com orientações sobre higiene vocal aliadas a exercícios vocais, descritos como parte do aprimoramento vocal ou de oficinas de voz. Foram utilizados como recursos tecnológicos os amplificadores de voz e aplicativos.

Todos os artigos indicaram resultados positivos na autopercepção vocal, qualidade de voz e de vida e conscientização de práticas positivas e prejudiciais à voz.

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• Estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo, SP - Brasil.
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  26 Jan 2023
• Aceito
  05 Out 2023