Parâmetros e tendências da produção de leite em bubalinos da raça Murrah no Brasil

Genetic and phenotypic parameters for milk production of Murrah buffaloes

MELHORAMENTO, GENÉTICA E REPRODUÇÃO

Parâmetros e tendências da produção de leite em bubalinos da raça Murrah no Brasil¹

Genetic and phenotypic parameters for milk production of Murrah buffaloes

Carlos Henrique Mendes Malhado^I; Alcides de Amorim Ramos^II; Paulo Luiz Souza Carneiro^I; Júlio César de Souza^III; Adriana Piccinin^IV

^IDCB/UESB - Jequié-BA

^IIDPEA/Unesp/Botucatu. Bolsista CNPq

^IIIUFPR - Palotina-PR

^IVDPEA/Unesp/Botucatu

RESUMO

Objetivou-se estimar os parâmetros e avaliar as tendências genética e fenotípica para a produção de leite ajustada aos 305 dias em bubalinos da raça Murrah nascidos no período de 1982 a 2003. Os parâmetros e os valores genéticos foram estimados por meio do aplicativo MTDFREML. A tendência genética foi estimada pela regressão dos valores genéticos sobre o ano de nascimento, por duas metodologias: 1) regressão linear; 2) regressão por meio de polinômios articulados utilizando-se a função de alisamento spline. A herdabilidade e a repetibilidade estimadas foram de 0,20 e 0,36, respectivamente. As tendências (regressão linear) fenotípica e genética foram significativas e iguais a 32,86 e 0,85 kg/ano, respectivamente. O ganho genético foi positivo, constatando-se instabilidade na tendência genética no decorrer dos anos, com períodos de ganhos e outros de perdas genéticas. A maior parte do ganho observado em alguns períodos resultou de melhorias nas condições ambientais.

Palavras-chave: búfalos, ganho genético, herdabilidade, polinômios articulados, seleção

ABSTRACT

This study aimed to estimate genetic and phenotypic parameters and trends for adjusted 305 days milk yield of Murrah buffaloes, which were born from 1982 to 2003. Variance components, genetic parameters and breeding values were obtained using the MTDFREML program. Genetic trends were estimated by regression of breeding values on birth year of the animals by two methodologies: 1) linear regression and 2) articulated polynomial regression using a spline smoothing function. Heritability and repeatability estimates were 0.20 and 0.36, respectively. Phenotypic and genetic trends (by linear regression) were significant and equal to 32.86 and 0.85 kg/year, respectively. The genetic trend was positive but very unstable during the period. Most of the gain observed was due to environmental improvements.

Key Words: articulated polynomial, buffaloes, genetic gain, heritability, selection

Introdução

Os bubalinos vêm sendo criados há muitas décadas no Brasil; atualmente, existem distribuídos por todos os estados em torno de 2,8 milhões de exemplares desta espécie, comprovando grande expansão no território nacional, com crescimento superior ao de bovinos de corte (Malhado, 2005).

Em diversos estados brasileiros, os bubalinos têm se tornado uma boa opção econômica, principalmente pela exploração leiteira e pela conseqüente elaboração do queijo mozzarella, um produto de ótima aceitação pelo mercado, comercializado a altos preços, em virtude da baixa oferta (Tonhati, 2002).

Na literatura, constam poucos trabalhos com estimativas de parâmetros genéticos e fenotípicos na bubalinocultura. Além disso, o conhecimento do progresso genético nos diferentes rebanhos é desconhecido, tanto entre os criadores que realizam a seleção de modo empírico como entre aqueles que participam de programas de melhoramento genético.

O conhecimento da mudança fenotípica de uma população é fundamental, pois possibilita observar se os programas de seleção e a melhoria ambiental impostos pelos criadores têm sido favoráveis à produção ao longo do tempo.

Neste sentido, não apenas com o objetivo de avaliar o progresso genético alcançado, mas também para que os resultados sirvam como norteadores de ações futuras, é necessário avaliar a tendência genética ao longo do tempo (Euclides Filho et al., 2000).

Este estudo foi realizado para estimar parâmetros e avaliar as tendências genética e fenotípica para a produção de leite ajustada aos 305 dias em bubalinos Murrah criados no Brasil.

Material e Métodos

Foram utilizadas informações de 3.604 lactações de 1.135 animais Murrah nascidos no período de 1982 a 2003, pertencentes ao programa de melhoramento genético de bubalinos.

As estimativas dos componentes de variâncias foram obtidas adotando-se a metodologia da máxima verossimilhança restrita livre de derivada (DFREML), por meio de modelo animal, utilizando-se o software MTDFREML, desenvolvido por Boldman et al. (1993).

As durações das lactações variaram entre 150 e 390 dias (256 ± 51 dias), mas, para as análises, foram ajustadas para 305 dias por meio de regressão linear. O modelo para estimativa dos componentes de variância continha os efeitos aleatórios, aditivo direto e de ambiente permanente direto e os efeitos fixos de época (estação e ano do parto), fazenda e número de ordenhas, além da covariável idade da matriz ao parto (linear e quadrática).

A estimativa da tendência genética para a produção de leite foi obtida pela regressão dos valores genéticos sobre o ano de nascimento por duas metodologias: regressão linear e regressão por meio de polinômios articulados utilizando-se o estimador Spline. As análises foram realizadas utilizando o software SAS (1999).

O estimador spline tem a forma:

em que pertence ao conjunto das funções continuadamente diferenciadas, com derivadas de segunda ordem de integráveis quadradas, sendo l uma constante positiva. O estimador resultante da minimização S(l) é chamado estimador de alisamento Spline e ajusta um polinômio cúbico em cada intervalo de pontos. Para cada ponto x_i, a curva e suas primeiras duas derivadas são contínuas (Reinsch, 1967).

O l é o parâmetro de alisamento que controla a intensidade de alisamento e a troca entre a qualidade e o alisamento do ajuste. Seleciona-se um parâmetro l por especificar uma constante c na fórmula l - (Q/10)3c, em que Q é o intervalo interquartílico. Esta fórmula faz com que c seja independente da unidade de x.

Resultados e Discussão

A média da produção de leite foi de 1.863,5±682,4 kg com coeficiente de variação de 36,6%. Resultados inferiores foram encontrados por Tonhati (1994, 2002), que relataram 1.019,2±225,3 e 1.495,1±617,1 kg, respectivamente. Por outro lado, De Francisis & Di Palo (1994) registraram média de 1.912,0 kg por lactação e Rosati & Van Vleck (2002), de 2.286,8 kg (ambas as pesquisas foram realizadas na Itália utilizando-se búfalas). Youssef & Khattab (1997), estudando bubalinos no Egito, relataram médias de produção de leite de 1.185,0; 1.626,0 e 1.678,0 kg para a 1ª, a 2ª e a 3ª lactações, respectivamente.

Na Figura 1, observa-se a distribuição de freqüência da característica, demonstrando que algumas búfalas tiveram produção superior a 2.500 kg/ano. Contudo, a maior proporção, aproximadamente 68%, foi de 1.200 a 2.500 kg.

A estimativa da herdabilidade foi de 0,20 ± 0,006. Valores superiores foram observados por Tonhati & Vasconcellos (1997) e Tonhati et al. (2000), que obtiveram herdabilidades de 0,25 e 0,24, respectivamente. A magnitude das estimativas das herdabilidades obtidas neste estudo evidenciou a existência de variabilidade genética aditiva, o que pode tornar eficiente a seleção para a característica estudada.

A repetibilidade estimada foi de 0,36, o que indica a possibilidade de utilização das primeiras produções das búfalas como indicativo de sua produção futura, selecionando, assim, as fêmeas que continuarão no rebanho. Marques (1991), Tonhati et al. (2000) e Gimenez et al. (2002), para a produção de leite por lactação, estimaram repetibilidades de 0,45; 0,38 e 0,32, respectivamente.

A tendência genética estimada por meio de regressão linear foi significativa (P<0,05) e igual a 0,85 kg/ano (y = -1688,44 + 0,85x), em termos de mudança genética anual, o que representa 0,045% da média observada da população, acumulando ganho genético de 17,8 kg no período estudado (21 anos). Entretanto, pela regressão por polinômios articulados (Figura 2), a maior parte do ganho no período estudado ocorreu de 1982 a 1992; a partir daí, constatou-se uma perda genética, evidenciando que a tendência estimada por polinômios articulados pode ser importante para analisar a oscilação do ganho genético no decorrer dos anos.

Ramos et al. (2004) relataram tendência genética negativa de -3,15 kg/ano para bubalinos de diferentes grupos genéticos.

Considerando intensidade de seleção de 1,305 (ou seja, retenção de 2% dos machos e de 90% das fêmeas), herdabilidade de 0,20 e desvio-padrão fenotípico de 682,4 kg e assumindo um intervalo de geração de cinco anos, seria possível obter ganhos genéticos anuais em torno de 35,6 kg, correspondentes a 1,91% da média da população.

De acordo com Smith (1985), é possível obter taxa de mudança genética anual de 1 a 3% da média da população, comprovando que esforços de seleção trarão excelentes resultados, principalmente em razão da grande variabilidade genética nos bubalinos do Brasil. Ressalta-se, no entanto, que este ganho poderia ser atingido se nas escolhas dos reprodutores fosse considerada apenas a produção de leite, mas, na prática, o ganho seria menor se a intensidade de seleção aplicada nesta característica fosse reduzida pela seleção concomitante com outras características, como a caracterização racial ou reprodutiva.

Youssef & Khattab (1997) relataram que a variância para a produção de leite mostra o potencial para o progresso genético da característica, contudo, de acordo com esses autores, o progresso pode ser lento sobre baixas condições de manejo. Corroborando esta afirmação, Tonhati (2002) frisou o baixo nível tecnológico empregado na agropecuária dos países em desenvolvimento, que, conjuntamente, mantêm quase a totalidade da produção mundial de búfalos.

Como demonstrado na Figura 2, pela regressão por polinômios articulados, ocorreram ganhos genéticos nos anos de 1982 a 1992, mas, a partir deste período, houve perda genética de, aproximadamente, 25 kg até o ano 2000. Ramos et al. (2004) estudaram os mesmos rebanhos e relacionaram esse fato ao aumento do número de animais com concentração de genes em homozigose (conseqüentemente, houve maior coeficiente de consangüinidade). Neste sentido, Carneiro et al. (2006) citaram que o primeiro impacto da endogamia é a perda de alelos com a oscilação genética, que é diretamente proporcional aos níveis de endogamia.

Carneiro et al. (2006) destacaram o problema da oscilação genética em populações com pequeno tamanho efetivo. De acordo com os autores, em diferentes programas de melhoramento que utilizam pequenas populações, mesmo que seja utilizado o mesmo material genético e que todos os demais procedimentos sejam semelhantes, os resultados obtidos ao longo de várias gerações podem ser completamente diferentes, em virtude da grande oscilação genética que poderá ocorrer, principalmente pelo pequeno tamanho efetivo da população, o que permite, por exemplo, que determinado programa de melhoramento contemple seu objetivo em um número de gerações de seleção diferentemente de outro. Há possibilidade ainda de que os objetivos não sejam atingidos mesmo em muitas gerações.

A tendência fenotípica, estimada pela regressão linear, foi significativa (P<0,001) e igual a 32,86 kg/ano (y = -68689,7 + 32,86 x). O elevado ganho fenotípico no período de 1988 a 1990 pode ser explicado pelo fato de que, a partir do ano de 1988, alguns produtores começaram a utilizar duas ordenhas diárias em vez de uma (Figura 3). Os melhores resultados foram obtidos nos anos de 1990 a 1994, com produção média de 2.200 kg/ano. Ramos et al. (2004), estudando diversos grupos genéticos de bubalinos, relataram ganho fenotípico de 41,5 kg/ano.

Os resultados das tendências genéticas e fenotípicas evidenciaram que a maior parte do ganho no período foi decorrente de melhorias nas condições ambientais (alimentação/nutrição, sanidade, reprodução, manejo e instalações).

Conclusões

O coeficiente de herdabilidade foi moderado, o que pode tornar eficiente a seleção para a característica estudada.

A tendência genética foi positiva, mas aquém da desejada. Foi constatada instabilidade na tendência genética no decorrer dos anos, com períodos de ganhos e de perdas genéticas, evidenciando a oscilação genética nos rebanhos.

A maior parte do ganho observado em alguns períodos foi promovida pelo melhoramento das condições ambientais.

Literatura Citada

Recebido: 18/08/05

Aprovado: 04/09/06

Correspondências devem ser enviadas para: [e-mail]

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1

Apoio CNPq e PAGAB (Programa de Avaliação Genética Animal da Bahia).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Abr 2007
• Data do Fascículo
  Abr 2007

Histórico

• Recebido
  18 Ago 2005
• Aceito
  04 Set 2006