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Leucemia mielóide aguda t(8;21): freqüência em pacientes brasileiros

Acute myeloid leukemia with t(8;21): frequency among Brazilians

Resumos

A leucemia mielóide aguda (LMA) com diferenciação e t(8;21) ou LMA M2 com t(8;21), pela classificação FAB, tem sido descrita entre 6% e 12% dos casos nas grandes séries. Em nosso meio há poucas descrições com números expressivos de casos. O objetivo do presente trabalho foi avaliar qual a freqüência de t(8;21) dentre 190 casos de LMA, ao diagnóstico. Foram observados 13 (6,8%) casos com t(8;21)(q22;q22), a idade mediana foi de 30 anos (variando de 3 a 64 anos), sendo que seis (46,2%) pacientes tinham menos que 21 anos e relação M:F de 0,8:1 (seis homens e sete mulheres).

Leucemia mielóide aguda; translocação 8;21; cariótipo


Acute myeloid leukemia with differentiation and t(8;21) or AML FAB M2 with t(8;21) has been described in from 6% to 12% of the cases in large series. There are very few descriptions with a small number of cases in Brazil. The objective of the present paper is to evaluate the frequency of t(8;21) among 190 cases of AML, at diagnosis. A total of 13 (6,8%) cases with t(8;21) (q22;q22) have been described, with a median age of 30 years (varying from 3 to 64), with six (46,2%) patients younger than 21 years old, and a male to female rate of 0.8:1 (six men to seven women).

Acute myeloid leukemia; translocation 8;21; karyotype


ARTIGO ARTICLE

Leucemia mielóide aguda t(8;21): freqüência em pacientes brasileiros

Acute myeloid leukemia with t(8;21): frequency among Brazilians

Maria de Lourdes L. F. ChauffailleI; Daniela BorriIII; Sergio L. R. MartinsII

IInstituto Fleury de Ensino e Pesquisa; Professora Adjunta da disciplina de Hematologia e Hemoterapia — Unifesp/EPM

IIInstituto Fleury de Ensino e Pesquisa; Assessor médico — Fleury — Centro de Medicina Diagnóstica

IIIInstituto Fleury de Ensino e Pesquisa; Biólogo, Fleury — Centro de Medicina Diagnóstica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria de Lourdes Lopes Chauffaille Instituto Fleury de Ensino e Pesquisa Rua Gal. Valdomiro de Lima, 509 — Jabaquara 04344-070 — São Paulo-SP e-mail: chaufaill@hemato.epm.br

RESUMO

A leucemia mielóide aguda (LMA) com diferenciação e t(8;21) ou LMA M2 com t(8;21), pela classificação FAB, tem sido descrita entre 6% e 12% dos casos nas grandes séries. Em nosso meio há poucas descrições com números expressivos de casos. O objetivo do presente trabalho foi avaliar qual a freqüência de t(8;21) dentre 190 casos de LMA, ao diagnóstico. Foram observados 13 (6,8%) casos com t(8;21)(q22;q22), a idade mediana foi de 30 anos (variando de 3 a 64 anos), sendo que seis (46,2%) pacientes tinham menos que 21 anos e relação M:F de 0,8:1 (seis homens e sete mulheres). Rev. bras. hematol. hemoter. 2004;26(2):99-103.

Palavras-chave: Leucemia mielóide aguda; translocação 8;21; cariótipo.

ABSTRACT

Acute myeloid leukemia with differentiation and t(8;21) or AML FAB M2 with t(8;21) has been described in from 6% to 12% of the cases in large series. There are very few descriptions with a small number of cases in Brazil. The objective of the present paper is to evaluate the frequency of t(8;21) among 190 cases of AML, at diagnosis. A total of 13 (6,8%) cases with t(8;21) (q22;q22) have been described, with a median age of 30 years (varying from 3 to 64), with six (46,2%) patients younger than 21 years old, and a male to female rate of 0.8:1 (six men to seven women). Rev. bras. hematol. hemoter. 2004;26(2):99-103.

Key words: Acute myeloid leukemia; translocation 8;21; karyotype.

Introdução

A t(8;21) é descrita em cerca de 6% a 12% das leucemias mielóides agudas (LMA),1 18% das LMAs com alteração de cariótipo ou em 30% das LMA M22 embora haja, evidentemente, considerável variação geográfica.

Antes da era das bandas cromossômicas, vários pacientes com a então denominada leucemia não linfocítica aguda apresentavam em seus cariótipos uma anormalidade que parecia resultante da translocação entre um cromossomo do grupo C com outro do grupo G.3 A translocação t(8;21)(q22;q22) foi descrita pela primeira vez por Rowley em 19734 através do uso de banda Q.

A t(8;21) é indicativa de bom prognóstico, pois os pacientes são, via de regra, jovens e respondem a quimioterapia habitual com alta taxa de remissão completa e mediana de sobrevida relativamente longa. Em crianças, no entanto, aparentemente, o prognóstico não é tão bom como em adultos,5 ainda que haja controvérsia quanto a essa afirmação.6

Do ponto de vista citológico, a morfologia das células blásticas é característica: células grandes contendo bastões de Auer, citoplasma basofílico abundante, alguns podem apresentar grânulos grandes e azurófilos ou pseudo-anomalia de Chediaki-Higashi, vacúolos, núcleo denteado, por vezes se assemelhando a pseudo Pelger-Hüet, halo paranuclear e eosinófilos na medula óssea, mas não no sangue periférico. Os precursores eosinofílicos estão freqüentemente aumentados, mas não exibem as anomalias citológicas observadas nas leucemias monocíticas associadas a alterações do cromossomo 16. Há certo grau de maturação com representação de células mais maduras, desde promielócitos até neutrófilos.

A classificação FAB estabelecia como sendo necessários mais de 30% e menos de 90% de blastos tipo I e tipo II, predominando este último para a definição de LMA M2.7 Já pela classificação da Organização Mundial da Saúde,8 mais recente e completa por considerar também os aspectos genético-moleculares, o número de blastos pode ser maior do que 20%, pois tais situações com a presença da t(8;21) ou do rearranjo molecular AML1/ETO, ainda que raras, são classificadas como LMA e não mais como síndrome mielodisplásica (SMD), subtipo, anemia refratária com excesso de blastos. Essa modificação se deu pelo fato de a maioria que era classificada como SMD, rapidamente progredir para LMA, sendo então postulado que a baixa porcentagem de blastos tratava-se apenas de uma visão momentânea da medula óssea, numa fase precoce da expansão blástica.9

O imunofenótipo desse subtipo de leucemia apresenta caracteristicamente a expressão de marcadores mielóides como CD 13, CD 33, CD 34 e mieloperoxidase. A co-expressão do marcador linfóide CD 19 e do CD 56 não é rara, mas este último pode ter significado prognóstico adverso.6,10

Existem muito poucos trabalhos demonstrando a freqüência de t(8;21) em nosso meio.11,12,13 Com o objetivo de avaliar a freqüência da t(8;21) (q22;q22) em nosso meio, revisamos os casos de LMA encaminhados para cariótipo no Fleury — Centro de Medicina Diagnóstica.

Material e Métodos

Foram revisados 190 casos recebidos para exame de cariótipo com suspeita de LMA. As amostras eram medula óssea ou sangue periférico colhidos para a análise citogenética. O cariótipo foi realizado através de duas culturas de curta duração sem mitógenos. Na última hora de cultura foi adicionado Colcemid (0,1ug/ml) por sessenta minutos, a 37ºC. Em seguida, as células foram tratadas com solução hipotônica (KCl 0,075mol/L), por vinte minutos, a 37ºC, e ressuspensas em fixador de Carnoy (ácido acético 1:3 metanol), por quatro vezes. As lâminas foram feitas da forma habitual e bandadas para banda G (GTG).14 Pelo menos vinte metáfases foram analisadas e as anormalidades descritas de acordo com a ISCN 1995.15

Resultados

Foram observados 13 casos com t(8;21)(q22;q22) dentre as 190 LMAs avaliadas, o que resulta numa freqüência de 6,8%. A tabela 1 mostra a idade, sexo e resultado de cariótipo de todos os 13 casos. O cariótipo de um dos pacientes analisados está apresentado na figura 1. Observou-se idade mediana de 30 anos (variando de 3 a 64 anos), sendo que seis (46,2%) pacientes tinham idade menor ou igual a 21 anos e a relação M:F foi de 0,8:1 (seis homens e sete mulheres). Todos se encaixaram nas características morfológicas descritas pela OMS para LMA com t(8;21).8

Foi observada a ocorrência de alterações adicionais à t(8;21) em quatro casos (casos 2, 8, 11 e 12); monossomia X, seja por perda de um X ou por nulissomia Y, que resultou em cariótipo 45,X,t(8;21), em seis (casos: 1, 3, 6, 7, 11 e 12), enquanto cinco pacientes apresentaram apenas a translocação típica.

Discussão

A t(8;21) tem sido descrita em freqüências relativamente próximas em diferentes séries. Nós mesmos, em trabalhos anteriores, observamos freqüências variando entre 3,3% e 10%.11,12,16 Além disso, a idade mediana dos pacientes tem sido descrita como 30 anos por Rege et al,6 35 por Schöch et al,1 38 por Haferlach et al,17 28 por Nguyen et al,18 53 anos por Billström et al,19 33 anos por Chauffaille,16 44 anos por Pelloso et al,11 enquanto no presente trabalho observamos 30 anos, uma vez que estudamos indistintamente casos adultos e pediátricos. É interessante salientar que seis de 13 pacientes tinham até 21 anos, demonstrando a tendência dessa alteração incidir em indivíduos jovens.

Schöch et al1 avaliaram cinqüenta pacientes com t(8;21) e observaram taxa de remissão completa de 92% e sobrevida mediana total de 52,4 meses. Alterações cromossômicas adicionais foram detectadas em 41 pacientes ao diagnóstico (80%), sendo a perda de cromossomo sexual em 31 (61%), deleção parcial do 9q em sete (14%) e trissomia 8 em três (6%). Concluíram que a perda dos cromossomos sexuais não tinha influência alguma no prognóstico, mas a del 9q indicava situação desfavorável. A sobrevida mediana total dos sete pacientes com del 9q foi de apenas 12,5 meses, portanto, significativamente menor que aquela dos pacientes somente com t(8;21) ou com 45,X,t(8;21).

Em uma análise minuciosa das características da doença, por um período de 14 anos, em cinqüenta pacientes portadores da t(8;21), Rege et al6 observaram que 46 apresentavam LMA e quatro, síndrome mielodisplásica. Observaram que 32% dos casos tinham apenas t(8;21), 34% apresentavam perdas de cromossomos sexuais concomitantes e os demais, outras anomalias cromossômicas adicionais, sendo as mais freqüentes as deleções ou translocações envolvendo 9q. Os subgrupos citogenéticos tiveram impacto significante na sobrevida, tendo, os pacientes com perda de cromossomo sexual, pior desempenho quando comparados àqueles com anomalias do 9q. Leucemia extramedular ocorreu em 5/10 casos, na maioria das vezes, na recaída da doença.

Com efeito, a doença extramedular, geralmente na forma de sarcoma granulocítico, tem sido observada tanto ao diagnóstico como na recaída de pacientes com t(8;21).20

Embora a classificação FAB tenha trazido uma contribuição inquestionável aos hematologistas na definição de subtipos morfológicos, as críticas que lhe foram imputadas em anos recentes, graças à descrição de lesões genéticas, sustentaram a introdução da classificação da OMS. Assim, no presente trabalho não nos preocupamos em verificar a morfologia através da FAB, mas encaixar os casos a partir da classificação da OMS, uma vez que as lesões genéticas passaram a ser importantes, pois indicam melhor o comportamento clínico e o resultado terapêutico em relação à morfologia.8

Apesar de não ser objetivo do presente trabalho, seis casos tiveram avaliação imunofenotípica. O painel de anticorpos contemplava a pesquisa de antígenos precursores (CD 34 e CD 117), antígenos ligados às linhagens mielóide e monocítica (CD 13, CD 33, mieloperoxidase, CD 61, CD 11c, CD 4, CD 14) e antígenos associados à linhagem linfóide (CD 3, CD 19, CD 20, CD 22, CD 79ª, CD 7, CD 10, CD 56). Do total de casos estudados, cinco amostras (83,3%) apresentaram co-expressão dos antígenos mielóides CD 13, CD 33 e mieloperoxidase com os antígenos CD 19 e/ou CD 56. Todos os casos com expressão anômala dos antígenos CD 19 e CD 56 apresentaram morfologia compatível com LMA com t(8;21) ou (FAB M2), conforme anteriormente citado. Em todos os casos com expressão anômala de CD 56 foi excluído o diagnóstico de leucemia mono­blástica aguda, que freqüentemente tem associação com a expressão do antígeno CD 56.

Em concordância com estudos prévios,21,22,23 a co-expressão dos antígenos CD 19 e CD 56 tem forte correlação com a presença de t(8;21).

A t(8;21) envolve os genes AML1, também conhecido como RUNX1 que codifica o fator alfa de ligação nuclear (core binding factor —CBFá), e o gene ETO (eight-twenty-one). O transcrito da fusão AML1/ETO é consistentemente detectado nos pacientes com LMA t(8;21).

A opção terapêutica que se impõe atualmente como a mais adequada para os casos de t(8;21) é a indução de remissão com esquema habitual (daunorubicina e citarabina), nas doses convencionais, seguida por consolidação e intensificação com citarabina em alta dose. A taxa de resposta inicial na indução é de aproximadamente 85% e com a terapia intensiva pós-indução, a sobrevida total em cinco anos excede 50%.24

No entanto, o risco de recaída desse grupo é alto, ao redor de 30%-40%, mas ainda assim respondem bem à quimioterapia de reindução com taxa de remissão ao redor de 80% e sobrevida pós-recaída de 40%.25

Até há algum tempo não se considerava que a t(8;21) pudesse ser evento secundário. No entanto, Pedersen-Bjergaard et al26 descrevem dois casos com t(8;21) isolada e outros dois com alterações adicionais em pacientes com exposição prévia a pelo menos um dos seguintes medicamentos: agentes alquilantes, derivado de platina, inibidores da topoisomerase II, doxorubicina, mitoxantrone ou radioterapia. Consideraram que não apenas essa translocação, mas outras equilibradas, exercem um efeito direto na transformação leucêmica.

É interessante destacar um paciente (caso 10, tabela 1) com história de Linfoma não-Hodgkin (LNH), tratado com quimioterapia (BACOP) seguida de radioterapia, três anos antes do diagnóstico de LMA, o que sugere a ocorrência de evento secundário envolvendo precisamente esses pontos de quebra e oncogenes.

Em LNH, assim como em linfoma de Hodgkin, agentes alquilantes são os principais fatores de risco para a leucemia secundária.27 Além disso, é conhecido o fato de a associação da radioterapia a agentes alquilantes aumentar o risco de leucemia secundária,28 razão pela qual essa alteração deve ser considerada como evento secundário nesse caso. Porém, tanto fatores genéticos como mutagênicos podem estar relacionados ao aumento da suscetibilidade ao câncer e à leucemia secundária. Pacientes com malignidade primária podem ter alto risco de desenvolver neoplasia maligna secundária pela predisposição genética, além da influência do tipo de terapia inicialmente usada. Dois terços dos casos de leucemias secundárias ocorrem após tratamento para linfoma de Hodgkin, LNH ou câncer de mama.26

O gene AML1 está envolvido em rearranjos cromossômicos tipicamente encontrados em SMD e LMA rela­cionadas à terapia. O intervalo entre a primeira exposição ao agente tóxico e o desenvolvimento da SMD/LMA secundária varia de 23 a 53 meses e o caso descrito teve três anos de interregno.29

Conclusão

Foi possível observar freqüência de aproximadamente 7% de t(8;21) dentre as LMAs em nosso meio. A grande maioria dos pacientes era jovem salientado o caráter de novo e de bom prognóstico dessa anomalia, ainda que situações secundárias possam ocorrer.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer aos colegas do Grupo do Relatório Hematológico Integrado, bem como àqueles que enviaram casos para o estudo.

Recebido: 01/01/2004

Aceito após modificações: 27/04/2004

Avaliação: Editor associado Carmen Silva Passos Lima e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

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  • Endereço para correspondência

    Maria de Lourdes Lopes Chauffaille
    Instituto Fleury de Ensino e Pesquisa
    Rua Gal. Valdomiro de Lima, 509 — Jabaquara
    04344-070 — São Paulo-SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      27 Abr 2004
    • Recebido
      01 Jan 2004
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