RESUMO
O uso de agregados reciclados em substituição aos naturais é crescente na construção civil, visando solucionar problemas da indústria da construção com oferta de matéria-prima natural e custo da destinação adequada dos resíduos. Enquanto o uso de agregados graúdos reciclados já é relativamente aceito, a ampliação da utilização de agregado miúdo reciclado ainda depende de mais pesquisas. O presente trabalho teve como objetivo avaliar um agregado miúdo reciclado proveniente de resíduos da construção e demolição (RCD) disponível no Distrito Federal. Para tanto, foram produzidas duas argamassas, uma de referência (ARN), usando todas as frações da areia normal brasileira, e uma usando agregado reciclado (AR1). Essas argamassas foram submetidas à ensaios de resistência à compressão e porosimetria por intrusão de mercúrio aos 3, 7 e 28 dias de cura e ao ensaio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) aos 28 dias. Constatou-se que o uso de agregados reciclados aumentou a porosidade total das argamassas, diminuiu o refinamento da microestrutura porosa e aumentou a espessura de microfissuras encontradas na zona de transição. Como consequência, o desempenho mecânico foi 15% inferior à argamassa de referência em todas as idades.
Palavras-chave
Microestrutura; Propriedades Mecânicas; Microscopia Eletrônica de Varredura
ABSTRACT
The use of recycled aggregates in substitution to natural materials is increasing in civil construction, aiming to solve problems from the construction industry regarding supply of natural raw materials and cost of providing adequate destination for waste materials. While the use of coarse aggregate is already relatively accepted, the viable application of recycled fine aggregate still demands more research. The present work had the objective of evaluating a recycled fine aggregate originated from construction and demolition waste available at Distrito Federal. Therefore, two mortars were produced, one reference (ARN) using all fractions of Brazilian standard sand, and one using recycled aggregate (AR1). Those mortars were subjected to compressive strength tests and mercury intrusion porosimetry at 3, 7, and 28 days of curing, and to scanning electron microscopy, only at 28 days. It was observed that the use of recycled aggregates increased the total porosity of the mortars, decreased the pore structure refinement and increased the width of microcracks located in the transition zone. As a consequence, mechanical performance was 15% inferior to the reference mortar at all ages.
Keywords
Microstructure; Mechanical Properties; Scanning Electron Microscopy
INTRODUÇÃO
No contexto da utilização de agregados na construção civil, têm-se observado uma exaustão nas lavras de areias naturais e um enrijecimento na legislação ambiental, porém a demanda por agregados é crescente com o continuado desenvolvimento da indústria a nível global. Uma alternativa para atender à demanda por agregados miúdos é o uso de agregados reciclados, oriundos de Resíduos de Construção e Demolição. Esses agregados podem ser usados em substituição parcial ou total de agregados naturais, diminuindo a demanda por extração desses materiais e o volume descartado pela indústria, minimizando o impacto ambiental de modo geral [11 KONG, D., LEI, T., ZHENG, J., et al., Effect and mechanism of surface-coating pozzalanics materials around aggregate on properties and ITZ microstructure of recycled aggregate concrete, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2009.10.038. Construction and Building Materials, v. 24, n. 5, pp. 701–708, 2010.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
].
Os agregados reciclados podem ser utilizados em forma graúda ou miúda. Agregados reciclados graúdos já são relativamente aceitos na indústria da construção de diversos países [22 BRITO, J., GONÇALVES, P., Recycled aggregate concrete (RAC) - Comparative analysis of existing specifications, https://doi.org/10.1680/macr.2008.62.5.339. Magazine of Concrete Research - MAG CONCR RES, v. 62, pp. 339–346, Jan. 2010.
https://doi.org/10.1680/macr.2008.62.5.3...
], mas o mesmo ainda não ocorre com os miúdos. Características desses agregados, como alta heterogeneidade, alta absorção de água e presença de contaminantes como gipsita, levaram à conclusão inicial de que tais materiais não poderiam ser usados em concretos de forma satisfatória [33 EVANGELISTA, L., DE BRITO, J., Durability of crushed fine recycled aggregate concrete assessed by permeability-related properties, https://doi.org/10.1680/jmacr.18.0009. Magazine of Concrete Research, v. 71, n. 21, pp. 1142–1150, 2019.
https://doi.org/10.1680/jmacr.18.0009...
].
No entanto, pesquisas recentes [44 SHI, C., WU, Z., CAO, Z., et al., Performance of mortar prepared with recycled concrete aggregate enhanced by CO 2 and pozzolan slurry, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2017.10.013. Cement and Concrete Composites, v. 86, pp. 130–138, 2018.
https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.201...
5 DHIR, R.K., DE BRITO, J., SILVA, R. V., et al., https://doi.org/10.1016/b978-0-08-100985-7.00006-6. Use of Recycled Aggregates in Mortar, 2019.
https://doi.org/10.1016/b978-0-08-100985...
6 MALTA, J.O., SILVEIRA, V.S., GONÇALVES, J.P., et al., Influência da pré-saturação do agregado miúdo reciclado na viscosidade e resistência à compressão de argamassas, https://doi.org/10.1590/s1678-86212014000100008. Ambiente Construído, v. 14, n. 1, pp. 85–98, 2014.
https://doi.org/10.1590/s1678-8621201400...
7 ANGULO, S.C., https://doi.org/10.11606/T.3.2005.tde-18112005-155825. Characterisation of recycled aggregates from construction and demolition waste and the influence of their characteristics on concrete mechanical performance, p. 167, 2005.
https://doi.org/10.11606/T.3.2005.tde-18...
8 EVANGELISTA, L., DE BRITO, J., Mechanical behaviour of concrete made with fine recycled concrete aggregates, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2006.12.004. Cement and Concrete Composites, v. 29, n. 5, pp. 397–401, 2007.
https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.200...
9 ANGULO, S.C., CARRIJO, P.M., FIGUEIREDO, A.D., et al., On the classification of mixed construction and demolition waste aggregate by porosity and its impact on the mechanical performance of concrete, https://doi.org/10.1617/s11527-009-9508-9. Materials and Structures, v. 43, n. 4, pp. 519–528, 2010.
https://doi.org/10.1617/s11527-009-9508-...
10 PEREIRA, P., EVANGELISTA, L., DE BRITO, J., The effect of superplasticizers on the mechanical performance of concrete made with fine recycled concrete aggregates, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2012.06.009. Cement and Concrete Composites, v. 34, n. 9, pp. 1044–1052, 2012.
https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.201...
11 DOS SANTOS, D.O.J., FONTES, C.M.A., LIMA, P.R.L., Uso de agregado miúdo reciclado em matrizes cimentícias para compósitos reforçados com fibras de sisal, https://doi.org/10.1590/S1517-707620170001.0133. Revista Materia, v. 22, n. 1, pp. 1694–1709, 2017.
https://doi.org/10.1590/S1517-7076201700...
-1212 CUENCA-MOYANO, G.M., MARTÍN-PASCUAL, J., MARTÍN-MORALES, M., et al., Effects of water to cement ratio, recycled fine aggregate and air entraining/plasticizer admixture on masonry mortar properties, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.116929. Construction and Building Materials, v. 230, p. 116929, 2020.
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] que avaliaram a substituição parcial ou total de agregados naturais por reciclados em argamassas e concretos mostraram outro cenário. Constatou-se que é possível produzir argamassas e concretos com propriedades similares aos produzidos com agregado natural, dependendo das condições de utilização. Ademais, o uso deste tipo de agregado pode contribuir para a mitigação de deformações por retração pelo mecanismo de cura interna [1313 GONÇALVES, T., SILVA, R. V., DE BRITO, J., et al., Mechanical and durability performance of mortars with fine recycled concrete aggregates and reactive magnesium oxide as partial cement replacement, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2019.103420. Cement and Concrete Composites, v. 105, n. September 2018, pp. 1–10, 2020.
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14 LI, Z., LIU, J., XIAO, J., et al., Internal curing effect of saturated recycled fine aggregates in early-age mortar, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2019.103444. Cement and Concrete Composites, v. 108, n. June 2018, p. 103444, 2020.
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-1515 LI, Z., LIU, J., XIAO, J.Z., et al., Drying shrinkage of mortar manufactured with recycled fine aggregate at vary initial saturation degree, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2020.120621. Construction and Building Materials, v. 264, p. 120621, 2020.
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] No entanto, também foi verificado que, ao aumentar o teor de substituição por agregados reciclados, existe uma tendência de diminuição da resistência à compressão. Isso se deve a características do agregado reciclado, como elevado teor de absorção de água, maior quantidade de sulfatos e heterogeneidade dos agregados, além de presença de uma zona de transição já existente.
No Brasil, agregados miúdos reciclados já são normatizados pela ABNT NBR 15116 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15116: Agregados reciclados para uso em argamassas e concretos de cimento Portland - Requisitos e métodos de ensaios. Rio de Janeiro, 2021.], que prescreve os critérios e requisitos para a substituição de agregados naturais por reciclados em pavimentação e concretos sem função estrutural. Para serem utilizados, eles precisam ser classificados como resíduo Classe A, de acordo com a resolução CONAMA 307 [1717 CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, Resolução CONAMA nº. 307 Estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão de resíduos da construção civil. Ministério do Meio Ambiente Diário Oficial da União. Brasília, 2002.]. Na norma, são apresentados os requisitos desses agregados em relação a teores de fragmentos à base de cimento e rochas, níveis de absorção de água, teores de contaminantes e teor de material passante na peneira 75μm.
Enquanto o efeito do uso de agregados graúdos reciclados na microestrutura de concretos já foi alvo de diversos estudos, o mesmo ainda não ocorre para os agregados miúdos, especialmente pela heterogeneidade desse material. Portanto, o objetivo do presente trabalho foi investigar a substituição de 100% de areia natural por agregado reciclado produzido no Distrito Federal, avaliando as propriedades de resistência à compressão, porosidade e morfologia da zona de transição em argamassas. Foi escolhido utilizar substituição total para melhor avaliar as diferenças entre as propriedades destas argamassas com as que contém areia normal brasileira. Essa análise contou com uma correlação entre resultados quantitativos de avaliação microestrutural (porosidade total e espessura de micro fissuras) e a resistência à compressão das argamassas, permitindo avaliar diretamente a influência da zona de transição nas demais propriedades.
1. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Materiais
A realização desta pesquisa contou com os seguintes materiais:
-
Agregado miúdo natural - Areia normal brasileira, frações grossa, média grossa, média fina e fina [1818 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7214: Areia normal para ensaio de cimento - Especificação. Rio de Janeiro, 2015.];
-
Agregado miúdo de resíduos de construção e demolição;
-
Cimento CPII-F 32, cuja caracterização é apresentada na Tabela 1;
-
Aditivo Superplastificante Visconcrete 6900, produzido pela Sika (SP), com 46% de teor de sólidos.
Os agregados miúdos reciclados foram produzidos a partir de resíduos de construção e demolição (RCD). O processo de beneficiamento do resíduo consistiu em realizar três ciclos de britagem em britador de mandíbula, com posterior lavagem, e foi realizado por uma usina de reciclagem localizada no Distrito Federal (DF). Esse agregado foi caracterizado pelos ensaios de Absorção de água, Material passante na peneira de 0,075mm e Massa específica, seguindo requisitos da ABNT NBR 15116 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15116: Agregados reciclados para uso em argamassas e concretos de cimento Portland - Requisitos e métodos de ensaios. Rio de Janeiro, 2021.], e os resultados são apresentados na Tabela 2. Destaca-se que o material foi separado em quatro frações granulométricas similares a areia normal brasileira.
2.2 Composição das Argamassas
Para avaliar o desempenho do agregado miúdo reciclado, foram produzidas duas argamassas: a primeira de referência, contando com areia normal brasileira (ARF), e a segunda (AR1) com substituição de 100% de areia normal por agregado reciclado.
O traço da argamassa de referência foi determinado seguindo a ABNT NBR 7215 [2121 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7215: Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019.], que estabelece as massas de cimento e de cada fração de Areia Normal (grossa, média grossa, média fina e fina), além do procedimento para a determinação da massa de água. Com o ensaio de espalhamento, foi encontrado o índice de consistência dessa argamassa (178mm), fixado para a dosagem do traço da argamassa AR1.
O traço AR1 contou com substituição em volume de 100% de cada uma das quatro frações granulométricas de areia normal pela mesma fração de agregado reciclado. Desse modo, minimizaram-se as diferenças entre as curvas granulométricas do agregado natural e do agregado reciclado. De acordo com a literatura [55 DHIR, R.K., DE BRITO, J., SILVA, R. V., et al., https://doi.org/10.1016/b978-0-08-100985-7.00006-6. Use of Recycled Aggregates in Mortar, 2019.
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, 66 MALTA, J.O., SILVEIRA, V.S., GONÇALVES, J.P., et al., Influência da pré-saturação do agregado miúdo reciclado na viscosidade e resistência à compressão de argamassas, https://doi.org/10.1590/s1678-86212014000100008. Ambiente Construído, v. 14, n. 1, pp. 85–98, 2014.
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, 2222 POON, C.S., SHUI, Z.H., LAM, L., et al., Influence of moisture states of natural and recycled aggregates on the slump and compressive strength of concrete, https://doi.org/10.1016/S0008-8846(03)00186-8, Cement and Concrete Research, v. 34, n. 1, pp. 31–36, 2004.
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], a utilização de agregados miúdos reciclados pré-saturados aumenta a relação a/agl na zona de transição, resultando em uma menor resistência da região. Portanto, foi adotada a utilização de agregados secos. Foi realizada uma compensação no teor de água, devido à absorção de água dos agregados reciclados, seguindo a ABNT NBR 15116 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15116: Agregados reciclados para uso em argamassas e concretos de cimento Portland - Requisitos e métodos de ensaios. Rio de Janeiro, 2021.], que prescreve adição de água equivalente a 80% da capacidade de absorção de cada fração do agregado reciclado. Para manter a mesma consistência da argamassa de referência, foi utilizado aditivo superplastificante na argamassa AR1, e o teor de água presente neste foi subtraído da massa de água no traço. Os quantitativos de massa são apresentados na Tabela 3. A produção das argamassas, moldagem e cura dos corpos de prova seguiram as recomendações da ABNT NBR 7215 [2121 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7215: Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019.]. Destaca-se que os quantitativos em massa de cada fração foram diferentes, pois a substituição foi realizada em volume. Portanto, diferenças na massa específica levaram a diferenças nas massas utilizadas.
Para cada argamassa, foram moldados seis corpos de prova cilíndricos com 5cm de diâmetro e 10cm de altura, caseado na ABNT NBR 7215 [2121 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7215: Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019.]. Quatro desses corpos foram submetidos ao ensaio de resistência à compressão, e amostras para os ensaios de MEV e porosimetria por intrusão de mercúrio foram coletados dos outros dois.
2.3 Metodologia dos ensaios
O índice de consistência foi obtido seguindo as prescrições da ABNT NBR 13276 [2323 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13276: Argamassa para assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação do índice de consistência. Rio de Janeiro, 2016.]. O teor de aditivo superplastificante foi dosado para que a argamassa AR1 mantivesse a mesma consistência da ARF (178mm ±5 mm).
As amostras utilizadas no ensaio de porosimetria por intrusão de mercúrio foram coletadas da região central de corpos de prova intactos aos 3, 7 e 28 dias de hidratação. A coleta foi feita com uma serra de meia-esquadria equipada com disco diamantado, resultando em cubos com aproximadamente 1cm de lado. Após o corte, as amostras foram submetidas ao processo de sonicação, para remover material pulverulento, oriundo do corte, dos poros do material. Para realizar a análise posteriormente, a hidratação das amostras foi paralisada nas idades de interesse do ensaio. O procedimento consistiu em imergir as amostras em isopropanol por 24h, secar o material em estufa na temperatura de 40±5ºC por 6h e armazenar as amostras em recipiente com sílica gel e cal sodada para evitar contato com umidade.
O ensaio foi realizado em um equipamento Auto Pore IV 9500 V1.0, da Micromeritics Instrument Corporation. O mercúrio utilizado no ensaio tem as seguintes características: ângulo de contato de 130º, densidade de 13,5335 g/ml e tensão superficial de 485 dvnes/cm.
O ensaio de Microscopia Eletrônica de Varredura foi realizado com amostras coletadas de corpos de prova intactos, por processo de corte similar ao descrito para a porosimetria por intrusão de mercúrio. No entanto, foram obtidas amostras menores, com espessura de 2mm e largura/comprimento inferiores a 1cm. Essas amostras foram embutidas em resina poliéster insaturada com 2% de catalisador à base de peróxido de MEK. Como molde, foi utilizada uma seção cortada de cano de PVC de 25mm, com aproximadamente 10mm de espessura. Após a secagem da resina, as amostras foram lixadas e polidas em uma lixadeira polimotriz motorizada, da marca Pantec, modelo Polipan U. Foram utilizadas as lixas nº 120, 220, 320, 600, 1500, 2000 e pano de polimento com pasta de diamante 3µm. Antes da realização do ensaio, a amostra foi metalizada com carbono como elemento condutor. O equipamento utilizado foi o FEI Quanta 450, equipado com espectrômetro de EDS. O ensaio foi realizado para obter imagens ampliadas, com as quais se avaliou a morfologia da argamassa e a zona de transição destas. Com o software do equipamento, foram medidas as espessuras de micro fissuras na interface agregado-pasta. Em cada amostra, foram feitas 30 medidas em fissuras localizadas na interface da pasta com pelo menos cinco agregados, utilizando imagens com ampliação de 4.000 vezes.
O ensaio de resistência à compressão foi realizado nos corpos de prova de argamassa, com ruptura de quatro corpos de prova aos 3, 7 e 28 dias de hidratação, de acordo com a ABNT NBR 7215 [2121 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7215: Cimento Portland - Determinação da resistência à compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2019.]. Utilizando o software Excel, foi realizada uma análise estatística dos resultados em cada idade pelo método ANOVA, considerando nível de confiança de 0,05.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Índice de consistência
Na argamassa ARF, a consistência encontrada foi de 178mm, conforme descrito no item 2.2. A argamassa AR1 exigiu 0,05% de adição de aditivo superplastificante em relação à massa do cimento para manter uma consistência de 182mm, dentro do intervalo definido. Esse teor pode ser justificado pela elevada capacidade de absorção de água do agregado reciclado, que mesmo com a compensação de água, reduz a quantidade de água de amassamento disponível para a mistura. Além disso, por ter sido feita em volume, a substituição do agregado natural por agregado reciclado levou a um aumento da massa de fração fina na mistura.
3.2 Porosimetria por intrusão de mercúrio
O ensaio de porosimetria por intrusão de mercúrio foi realizado para obter os porogramas de volume intrudido acumulado e incremental, além da porosidade total em cada amostra. As porosidades totais encontradas são mostradas na Tabela 4. Os porogramas são mostrados na Figura 1 (3 dias), Figura 2 (7 dias) e Figura 3 (28 dias).
Em todas as idades, os resultados de porosidade total e volume intrudido acumulado mostram que a argamassa AR1 tem uma microestrutura mais porosa do que a argamassa ARF. Além disso, pela análise de volume intrudido incremental, verifica-se que a argamassa AR1 possui menor refinamento em sua microestrutura porosa, com uma concentração de volume intrudido na região entre 30 e 300nm. Constata-se também que na argamassa AR1, houve maior quantidade de poros tanto na faixa de capilares médios (50-10 nm), quanto na faixa de capilares grandes (10.000-50 nm), confirmando que além de mais porosa, sua microestrutura também é menos refinada. Esses resultados estão de acordo com o encontrado na literatura [2424 HWANG, E.H., KO, Y.S., JEON, J.K., Effect of polymer cement modifiers on mechanical and physical properties of polymer-modified mortar using recycled artificial marble waste fine aggregate, https://doi.org/10.1016/j.jiec.2007.11.002. Journal of Industrial and Engineering Chemistry, v. 14, n. 2, pp. 265–271, 2008.
https://doi.org/10.1016/j.jiec.2007.11.0...
–2626 ZHAO, H., XIAO, Q., HUANG, D., et al., Influence of pore structure on compressive strength of cement mortar, https://doi.org/10.1155/2014/247058. The Scientific World Journal, v. 2014, 2014.
https://doi.org/10.1155/2014/247058...
], em que se constatou que o uso de agregados miúdos reciclados aumenta o volume de poros, em especial os de maior diâmetro, levando a um aumento no diâmetro médio de poros da amostra.
Por fim, essa faixa de porosidade tem influência direta nas propriedades de permeabilidade dos materiais cimentícios. Uma maior permeabilidade facilita a entrada de agentes de degradação no material, diminuindo sua durabilidade. Em materiais cimentícios com agregados miúdos reciclados, isso se traduz em uma maior absorção de água, como observado na literatura [33 EVANGELISTA, L., DE BRITO, J., Durability of crushed fine recycled aggregate concrete assessed by permeability-related properties, https://doi.org/10.1680/jmacr.18.0009. Magazine of Concrete Research, v. 71, n. 21, pp. 1142–1150, 2019.
https://doi.org/10.1680/jmacr.18.0009...
, 2525 EVANGELISTA, L., DE BRITO, J., Durability performance of concrete made with fine recycled concrete aggregates, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2009.09.005. Cement and Concrete Composites, v. 32, n. 1, pp. 9–14, 2010.
https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.200...
, 2727 YAPRAK, H., ARUNTAS, H.Y., DEMIR, I., et al., Effects of the fine recycled concrete aggregates on the concrete properties, https://doi.org/10.5897/IJPS11.253. International Journal of Physical Sciences, v. 6, n. 10, pp. 2455–2461, 2011.
https://doi.org/10.5897/IJPS11.253...
, 2828 CARTUXO, F., DE BRITO, J., EVANGELISTA, L., et al., https://doi.org/10.3390/ma9020098. Increased durability of concrete made with fine recycled concrete aggregates using superplasticizers, Materials, v. 9, n. 2, 2016.
https://doi.org/10.3390/ma9020098...
]. Portanto, os resultados indicam que o uso desse agregado diminui a durabilidade das argamassas.
3.3 Microscopia eletrônica de varredura (MEV)
Foram obtidas imagens de MEV para as duas amostras, e nessas imagens, foram constatadas microfissuras na interface agregado-pasta. Em um estudo por GOLEWSKI [2929 GOLEWSKI, G.L., The influence of microcrack width on the mechanical parameters in concrete with the addition of fly ash: Consideration of technological and ecological benefits, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2018.08.157. Construction and Building Materials, v. 197, pp. 849–861, 2019.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
], foi constatado que a média da espessura dessas fissuras apresentou uma relação inversa com a resistência à compressão em concretos, visto que estas diminuem a resistência da zona de transição. A Figura 4 mostra imagens obtidas para as duas argamassas.
Imagens de MEV e medidas de espessura das microfissuras das argamassas ARF (a, b) e AR1 (c, d) aos 28 dias.
A análise das imagens mostra que os agregados reciclados (Figura 4c e 4d) são mais heterogêneos do que os naturais (Figura 4a e 4b), conforme esperado por sua origem. A partir dos 30 pontos medidos, as médias de espessura de fissura foram calculadas para as argamassas ARF (814,93nm) e AR1 (1484,20nm).
3.4 Resistência à compressão
A resistência à compressão média foi calculada a partir dos quatro resultados obtidos nas rupturas dos corpos, e a análise pelo método ANOVA foi feita em cada idade. Os resultados são apresentados na Tabela 5.
Resistência à compressão das argamassas aos 3, 7 e 28 dias e análise estatística dos dados.
Os resultados mostram uma perda de resistência com uso de agregados reciclados. Essa perda foi de aproximadamente 15% em todas as idades e é justificada pelas características do agregado reciclado, como absorção de água, porosidade, teor de material pulverulento, que são maiores do que em agregados naturais, além de grande heterogeneidade [44 SHI, C., WU, Z., CAO, Z., et al., Performance of mortar prepared with recycled concrete aggregate enhanced by CO 2 and pozzolan slurry, https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2017.10.013. Cement and Concrete Composites, v. 86, pp. 130–138, 2018.
https://doi.org/10.1016/j.cemconcomp.201...
–66 MALTA, J.O., SILVEIRA, V.S., GONÇALVES, J.P., et al., Influência da pré-saturação do agregado miúdo reciclado na viscosidade e resistência à compressão de argamassas, https://doi.org/10.1590/s1678-86212014000100008. Ambiente Construído, v. 14, n. 1, pp. 85–98, 2014.
https://doi.org/10.1590/s1678-8621201400...
, 3030 KHATIB, J.M., Properties of concrete incorporating fine recycled aggregate, https://doi.org/10.1016/j.cemconres.2004.06.017. Cement and Concrete Research, v. 35, n. 4, pp. 763–769, 2005.
https://doi.org/10.1016/j.cemconres.2004...
].
A análise estatística por ANOVA mostra que a diferença de resistência à compressão média nas argamassas foi significativa. Em todas as idades, o P-valor foi inferior à 0,05 e o valor F foi superior ao F crítico, rejeitando a hipótese de igualdade para o nível de confiança adotado.
2.5 Discussão
A resistência de um material cimentício depende de sua microestrutura, em especial da porosidade e de falhas microestruturais. A ruptura se inicia em pontos de menor resistência, como a zona de transição, e é propagada a partir de microfissuras já presentes no material [2929 GOLEWSKI, G.L., The influence of microcrack width on the mechanical parameters in concrete with the addition of fly ash: Consideration of technological and ecological benefits, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2018.08.157. Construction and Building Materials, v. 197, pp. 849–861, 2019.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
]. No caso de agregados reciclados, os materiais tem tendência a possuir uma zona de transição ainda menos resistente, pela presença de argamassa previamente aderida [3131 KIM, Y., HANIF, A., USMAN, M., et al., Influence of bonded mortar of recycled concrete aggregates on interfacial characteristics – Porosity assessment based on pore segmentation from backscattered electron image analysis, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.03.265. Construction and Building Materials, v. 212, pp. 149–163, 2019.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
, 3232 ZHAO, Z., REMOND, S., DAMIDOT, D., et al., Influence of fine recycled concrete aggregates on the properties of mortars, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2015.02.037. Construction and Building Materials, v. 81, pp. 179–186, 2015.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
].
O resultado encontrado nas imagens de MEV mostra que a argamassa com agregado reciclado possui uma zona de transição com microfissuras de maior espessura. Essa medida mostra que essa região tem uma resistência menor, quando comparada à presente na argamassa com agregados naturais. No contexto de porosidade, os poros na faixa de capilares grandes são os maiores responsáveis pela diminuição da resistência à compressão de materiais cimentícios. Portanto, esses resultados justificam a diminuição de resistência à compressão, evidenciada no item 3.4, conforme observado na literatura [2626 ZHAO, H., XIAO, Q., HUANG, D., et al., Influence of pore structure on compressive strength of cement mortar, https://doi.org/10.1155/2014/247058. The Scientific World Journal, v. 2014, 2014.
https://doi.org/10.1155/2014/247058...
, 3131 KIM, Y., HANIF, A., USMAN, M., et al., Influence of bonded mortar of recycled concrete aggregates on interfacial characteristics – Porosity assessment based on pore segmentation from backscattered electron image analysis, https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.03.265. Construction and Building Materials, v. 212, pp. 149–163, 2019.
https://doi.org/10.1016/j.conbuildmat.20...
, 3333 KUMAR, R., BHATTACHARJEE, B., Porosity, pore size distribution and in situ strength of concrete, https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0008-8846(02)00942-0. Cement and Concrete Research, v. 33, n. 1, pp. 155–164, 2003.
https://doi.org/10.1016/S0008-8846(02)00...
]. No entanto, vale destacar que a argamassa AR1 não apresentou diminuição em sua porosidade total com o progresso da hidratação, ao contrário da argamassa ARN, em que houve uma diminuição com aumento da idade.
Neste trabalho, foi possível relacionar as três medidas, comparando os resultados obtidos para resistência à compressão, porosidade total e espessura média de fissuras, todos aos 28 dias de hidratação, conforme mostrado na Figura 5.
Resistência média à compressão, porosidade total e espessura média de fissuras para as argamassas aos 28 dias.
É possível confirmar que houve uma relação coerente entre os resultados. A argamassa reciclada possui espessuras de maior dimensão, o que contribui para um aumento da porosidade medida, se comparada à referência. Consequentemente, a resistência à compressão diminuiu com o aumento da porosidade e da espessura de fissuras.
3. CONCLUSÕES
A partir resultados encontrados, as seguintes conclusões podem ser feitas:
-
A resistência à compressão na argamassa com agregado reciclado apresentou uma redução uniforme ao longo da idade, de aproximadamente 15%;
-
Constatou-se que a argamassa com agregado reciclado apresentou maior porosidade total e mais poros de maior dimensão, quando comparada à pasta de agregado natural, aos 28 dias;
-
Com imagens de MEV, foi possível constatar microfissuras na zona de transição dos agregados miúdos. A espessura média medida nessas fissuras foi maior na argamassa AR1, indicando uma menor resistência na zona de transição;
-
Ao comparar os resultados, verificou-se que quanto maior a porosidade total, maior a espessura média de fissuras e menor a resistência à compressão.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio do Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal (processo nº 0193.002038/2017-17) pelo apoio e fomento desta pesquisa, ao CNPq, à CAPES e à Universidade de Brasília pelo apoio.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
20 Jan 2021 -
Aceito
09 Fev 2022